Introdução
A obesidade é considerada um problema de saúde global. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência do excesso de peso triplicou entre 1975 e 2016, atingindo 340 milhões de crianças e adolescentes, e mais de 1,9 bilhão de adultos.1
Em 2018, 56% da população das capitais brasileiras apresentaram excesso de peso, e 20%, obesidade; o excesso de peso na população adulta variou de 47% (São Luís, MA) a 61% (Cuiabá, MT).2 Vitória, capital do Espírito Santo, também apresentou elevada prevalência, cerca de 52% de excesso de peso e 18% de obesidade.2
A obesidade está relacionada a diversas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), tais como hipertensão, diabetes mellitus, câncer e doenças cardiovasculares. Consequentemente, ela impacta de forma negativa na saúde e na expectativa de vida da população.3,4Pesquisas realizadas no Brasil (2015) e nos Estados Unidos (2016) indicam que os custos relacionados à obesidade e doenças associadas são significativos e crescentes, repercutindo diretamente na qualidade dos serviços de saúde prestados.5 6
Uma das fontes de dados para estimar a prevalência de sobrepeso e obesidade no Brasil é o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), dotado de um rico banco de dados, com informações do estado nutricional da população assistida na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS). Além de possibilitar a ampliação do conhecimento sobre a situação nutricional da população brasileira, as informações geradas pelo Sisvan podem subsidiar o planejamento, a gestão e a avaliação da alimentação e nutrição.7
No Brasil, estudos de séries históricas foram conduzidos com o objetivo de conhecer a evolução do desfecho ao longo do tempo, especialmente em crianças e mulheres, e identificaram aumento da prevalência do sobrepeso e da obesidade no decorrer do tempo.8-10 Considerando-se a potencial contribuição desses achados para populações específicas, o objetivo deste estudo foi analisar tendências na prevalência do sobrepeso e da obesidade no Espírito Santo, entre 2009 a 2018.
Métodos
Trata-se de um estudo ecológico com análise de tendência temporal da prevalência do sobrepeso e da obesidade na população do estado do Espírito Santo, entre 2009 e 2018.
O estudo foi realizado sobre os dados do banco do Sisvan Online, uma ferramenta que reúne dados de Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN) dos indivíduos atendidos nos serviços da Atenção Básica do SUS, a exemplo de informações de antropometria e consumo alimentar.7
Em 2020, o Espírito Santo tinha uma população estimada em 4.064.052 habitantes, sendo a região metropolitana de Vitória, sua capital, a mais populosa, com 2.277.458 hab.; a região norte do estado contava 434.485; a central, 669.534; e a sul, 682.396 hab. O estado apresenta rendimento nominal mensal domiciliar per capita de R$ 1.477,00 e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica em anos iniciais do ensino médio na rede pública de 5,7.11 Em 2009, o Espírito Santo possuía 649 unidades básicas de saúde (UBS) cadastradas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) (Departamento de Atenção Básica/Ministério da Saúde [DAB/MS]: referência de dezembro/2009); em 2018, eram 715 UBS capixabas cadastradas no CNES (DAB/MS: referência de dezembro/2018.
Foi analisado o estado nutricional dos indivíduos registrados e agrupados pelo estado do Espírito Santo, nos anos de referência de 2009 a 2018, por meio do Sisvan-Web, Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família e/ou e-SUS Atenção Primária. Foram consideradas todas as informações de regiões de cobertura, sexo, fases da vida (à exceção de gestantes), raça/cor da pele, povos e comunidades, e escolaridade.12
A classificação do estado nutricional foi realizada segundo recomendações da OMS. Para adultos e idosos, foi utilizado o índice de massa corporal (IMC), e para crianças (<10 anos) e adolescentes (10-19 anos), o IMC/idade. O IMC foi obtido pelo cálculo do peso (kg)/estatura (m), cujos dados foram mensurados pelas equipes nos serviços de saúde, durante as ações da VAN.2 13
Os pontos de corte para cada faixa etária, utilizados para determinação de sobrepeso ou obesidade,14 foram estabelecidos conforme preconiza a OMS:
-
Crianças até 5 anos
Sobrepeso: > escore-z +2 e ≤ escore-z +3
Obesidade: > escore-z +3
-
Crianças de 5 a 10 anos
Sobrepeso: > escore-z +1 e ≤ escore-z +2
Obesidade: > escore-z +2 e ≤ escore-z +3; obesidade grave > escore-z +3
-
Adolescentes - 10 a 19 anos
Sobrepeso: ≥ escore-z +1 e < escore-z +2
Obesidade: ≥ escore-z +2 e ≤ escore-z +3; obesidade grave > escore-z +3
-
Adultos - 20 a 59 anos
Sobrepeso: IMC entre 25 e 29,9kg/m2
Obesidade: IMC≥30kg/m2
-
Adultos - 20 a 59 anos
Sobrepeso: IMC entre 25 e 29,9kg/m2
Obesidade: IMC≥30kg/m2
-
e) Idosos - 60 anos ou mais
Sobrepeso: IMC≥27kg/m2
Os desfechos avaliados foram as prevalências de sobrepeso e obesidade. A operacionalização dos desfechos pautou-se em valores totais (dado agrupado) de indivíduos com sobrepeso e obesidade que, posteriormente, foram utilizados para o cálculo da prevalência (nº de casos/nº população registrada x 100). As variáveis independentes utilizadas foram: fase da vida, dividida em quatro categorias de idade (em anos: 0 a 9; 10 a 19; 20 a 59; 60 ou mais) e em amostra total; sexo (masculino; feminino); região do Espírito Santo (norte; central; metropolitana; sul); e variáveis de tempo (por anos, no período de 2009 a 2018).
Na análise de tendência, foi realizada transformação logarítmica dos valores da série temporal, para mensurar a taxa de variação da reta que ajusta os pontos da série temporal, além de reduzir a heterogeneidade da variância residual da análise de regressão linear.15
Para identificar a existência de autocorrelação entre resíduos de séries em dois pontos sucessivos no tempo (autocorrelação de 1ª ordem), utilizou-se o teste de Durbin-Watson. Foi realizada regressão linear generalizada para inferir a taxa de mudança, utilizando-se o método de Prais-Winsten, em que os erros aleatórios incluem uma estrutura de autocorrelação serial de 1ª ordem.
A partir disso, calculou-se a variação percentual anual (VPA) para a estimativa quantitativa de tendência e determinação do intervalo de confiança de 95% (IC95%), utilizando-se respectivamente as equações:
onde: b1 é o coeficiente beta; t é o valor tabulado da distribuição T de Student; EP é o erro-padrão.15
A taxa de VPA positiva sinaliza tendência crescente; a negativa, decrescente; e a estacionária, que não há diferença estatística.15
As análises foram estratificadas por sexo, região do estado e idade; e a amostra total, por sexo e região. Foi considerado nível de significância estatística quando p-valor <0,05. A tabulação dos dados, a análise descritiva e o cálculo das taxas de prevalência foram realizados no programa Microsoft Office Excel 2016®; e a análise de tendência, com uso do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vila Velha (CEP/UVV): Parecer nº 3.730.617, emitido em 27 de novembro de 2019; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 21450719.0.3001.5064.
Resultados
Observou-se menor quantitativo no Sisvan de homens (entre 26,2 e 31,0%) e daqueles com 60 anos ou mais (entre 1,0 e 5,0%). A maioria das pessoas registradas no sistema, no período de 2009 a 2018, eram do sexo feminino, e comparada às demais, a faixa etária de maior participação proporcional foi a dos 10 aos 19 anos (Tabela 1).
Tabela 1 Características das pessoas registradas no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, no estado do Espírito Santo, 2009-2018
Características | 2009-2010 | 2011-2012 | 2013-2014 | 2015-2016 | 2017-2018 |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Feminino | 228.580 (69,0) | 271.154 (71,7) | 340.227 (73,8) | 350.494 (72,6) | 335.298 (72,8) |
Masculino | 102.653 (31,0) | 106.793 (28,3) | 120.746 (26,2) | 132.517 (27,4) | 125.463 (27,2) |
Região | |||||
Norte | 51.270 (15,5) | 68.352 (18,1) | 83.240 (18,0) | 85.829 (17,8) | 76.469 (16,6) |
Central | 77.631 (23,4) | 78.272 (20,7) | 91.585 (19,9) | 90.798 (18,8) | 76.433 (16,6) |
Metropolitana | 124.444 (37,6) | 137.895 (36,5) | 181.633 (39,4) | 195.415 (40,4) | 206.218 (44,7) |
Sul | 77.888 (23,5) | 93.427 (24,7) | 104.514 (22,7) | 110.970 (23,0) | 101.642 (22,1) |
Idade (anos) | |||||
0-9 | 92.814 (28,0) | 103.250 (27,4) | 123.709 (26,8) | 120.599 (25,0) | 115.118 (25,0) |
10-19 | 131.058 (39,6) | 150.123 (39,7) | 186.908 (40,5) | 182.320 (37,7) | 171.073 (37,2) |
20-59 | 103.637 (31,3) | 120.335 (31,8) | 145.924 (31,7) | 159.528 (33,0) | 151.173 (32,8) |
≥60 | 3.723 (1,1) | 4.238 (1,1) | 4.431 (1,0) | 20.565 (4,3) | 23.397 (5,0) |
Nota: Os valores são números médios de pessoas registradas no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan).
Em 2018, 12,5% da população apresentava informações no sistema. Resultados semelhantes foram encontrados por região de saúde, tendo maior quantitativo no sistema a região norte (18,9%), e menor quantitativo, a região metropolitana (10,1%) (dados não apresentados em tabela). Paralelamente, na região norte, a cobertura da Atenção Primária à Saúde atingiu cerca de 91,0%; e na região metropolitana, 56,8% (dados não apresentados em tabela). Entretanto, mais da metade da população concentrava-se na região metropolitana, 55,9% (dados não apresentados em tabela).
Verificou-se crescimento na ocorrência de obesidade e sobrepeso em ambos os sexos e em todas as regiões do Espírito Santo (Figura 1). Os maiores aumentos na prevalência de obesidade ocorreram no sexo feminino, com acréscimos de 7,6% na região central e 6,7% na região sul. Com relação à prevalência do sobrepeso, houve um aumento de 5,8% entre as mulheres da região sul, na última década.

Figura 1 Série histórica da prevalência do sobrepeso e da obesidade entre regiões, por sexo, no estado do Espírito Santo, 2009-2018
Foi observada tendência crescente e estatisticamente significativa de sobrepeso (Tabela 2) e obesidade (Tabela 3) em ambos os sexos e em todas as regiões do estado, no período. Entre as crianças e adolescentes do sexo feminino, verificou-se uma tendência geral crescente do sobrepeso (Tabela 2) em todas as regiões, com VPA de 8,0% (IC95% 7,3;8,7) nas crianças de até 9 anos da região sul. Em adolescentes do sexo masculino, houve um aumento com diferença estatística naqueles residentes nas regiões norte, metropolitana e sul. Pode-se verificar uma tendência de crescimento de sobrepeso entre os homens adultos (20 a 59 anos), do norte e do sul, e mulheres adultas (20 a 59 anos) de todas as regiões do estado, com destaque para uma VPA de 7,3% (IC95% 7,2;7,4) naquelas residentes na região metropolitana.
Tabela 2 Tendência e variação percentual anual de sobrepeso por sexo, segundo região e idade, no estado do Espírito Santo, 2009-2018
Variável | VPAa | IC95%b | p-valorc | Tendência |
---|---|---|---|---|
Sexo masculino | ||||
Região norte | ||||
0-9 anos | 2,4 | 2,3; 2,5 | 0,139 | Estacionário |
10-19 anos | 4,3 | 4,1; 4,5 | 0,028 | Crescente |
20-59 anos | 4,4 | 4,2; 4,7 | 0,024 | Crescente |
≥60 anos | -0,1 | -0,1; -0,1 | 0,881 | Estacionário |
Total | 6,6 | 6,0; 7,3 | 0,002 | Crescente |
Região central | ||||
0-9 anos | 2,2 | 2,2; 2,3 | 0,164 | Estacionário |
10-19 anos | 1,1 | 1,1; 1,1 | 0,910 | Estacionário |
20-59 anos | 1,2 | 1,2; 1,3 | 0,361 | Estacionário |
≥60 anos | 0,7 | 0,6; 0,8 | 0,539 | Estacionário |
Total | 5,5 | 5,2; 5,9 | 0,007 | Crescente |
Região metropolitana | ||||
0-9 anos | 3,4 | 3,2; 3,5 | 0,062 | Estacionário |
10-19 anos | 5,8 | 5,6; 6,1 | 0,005 | Crescente |
20-59 anos | 2,6 | 2,6; 2,7 | 0,115 | Estacionário |
≥60 anos | 4,3 | 4,1; 4,6 | 0,026 | Crescente |
Total | 8,6 | 7,7; 9,5 | <0,001 | Crescente |
Região sul | ||||
0-9 anos | 2,5 | 2,4; 2,7 | 0,126 | Estacionário |
10-19 anos | 6,3 | 6,0; 6,5 | 0,003 | Crescente |
20-59 anos | 6,5 | 6,2; 6,8 | 0,002 | Crescente |
≥60 anos | 1,1 | 1,1; 1,1 | 0,384 | Estacionário |
Total | 7,4 | 6,7; 8,1 | <0,001 | Crescente |
Sexo feminino | ||||
Região norte | ||||
0-9 anos | 7,3 | 6,8; 8,0 | <0,001 | Crescente |
10-19 anos | 6,1 | 5,8; 6,5 | 0,03 | Crescente |
20-59 anos | 4,2 | 4,0; 4,4 | 0,03 | Crescente |
≥60 anos | 3,9 | 3,7; 4,2 | 0,038 | Crescente |
Total | 6,7 | 6,3; 7,1 | 0,001 | Crescente |
Região central | ||||
0-9 anos | 7,3 | 6,8; 7,8 | <0,001 | Crescente |
10-19 anos | 7,7 | 7,3; 8,2 | <0,001 | Crescente |
20-59 anos | 6,5 | 6,3; 6,7 | 0,002 | Crescente |
≥60 anos | 3,2 | 3,0; 3,4 | 0,074 | Estacionário |
Total | 8,6 | 8,0; 9,2 | <0,001 | Crescente |
Região metropolitana | ||||
0-9 anos | 7,0 | 6,4; 7,6 | 0,001 | Crescente |
10-19 anos | 6,5 | 6,1; 6,9 | 0,002 | Crescente |
20-59 anos | 7,3 | 7,2; 7,4 | <0,001 | Crescente |
≥60 anos | 0,5 | 0,5; 0,5 | 0,630 | Estacionário |
Total | 7,4 | 7,0; 7,8 | <0,001 | Crescente |
Região sul | ||||
0-9 anos | 8,0 | 7,3; 8,7 | <0,001 | Crescente |
10-19 anos | 7,0 | 6,6; 7,5 | 0,001 | Crescente |
20-59 anos | 5,5 | 5,4; 5,7 | 0,007 | Crescente |
≥60 anos | 1,3 | 1,3; 1,4 | 0,327 | Estacionário |
Total | 8,5 | 8,0; 9,0 | <0,001 | Crescente |
a) VPA: variação percentual anual; b) IC95%: intervalo de confiança de 95%; c) Regressão linear - método de Prais-Winsten.
Ao se analisar a tendência da obesidade (Tabela 3), pôde-se verificar um movimento crescente no sexo feminino, em todas as faixas etárias e regiões, no período analisado (VPA>5,5%). No sexo masculino, destaca-se a região sul com tendência crescente da obesidade em todas as idades; nos homens adolescentes (10 a 19 anos), especialmente, o aumento foi significativo nas regiões norte, central e sul. Na região metropolitana de Vitória, embora se tenha constatado uma tendência estacionária na obesidade masculina, independentemente da faixa etária, na verificação da amostra total, também se identificou uma tendência da obesidade crescente: VPA de 4,4% - IC95% 4,2;4,7.
Tabela 3 Tendência e variação percentual anual da obesidade por sexo, segundo região e idade, no estado do Espírito Santo, 2009-2018
Variável | VPAa | IC95%b | p-valorc | Tendência |
---|---|---|---|---|
Sexo masculino | ||||
Região norte | ||||
0-9 anos | 4,3 | 4,1; 4,5 | 0,027 | Crescente |
10-19 anos | 7,3 | 6,8; 7,7 | 0,001 | Crescente |
20-59 anos | -0,2 | -0,2; -0,2 | 0,818 | Estacionário |
Total | 5,9 | 5,6; 6,4 | 0,004 | Crescente |
Região central | ||||
0-9 anos | 2,7 | 2,6; 2,9 | 0,106 | Estacionário |
10-19 anos | 7,2 | 6,9; 7,6 | 0,001 | Crescente |
20-59 anos | 4,2 | 3,7; 4,8 | 0,03 | Crescente |
Total | 6,5 | 6,2; 6,9 | 0,002 | Crescente |
Região metropolitana | ||||
0-9 anos | 1,9 | 1,8; 2,0 | 0,206 | Estacionário |
10-19 anos | 3,5 | 3,3; 3,7 | 0,057 | Estacionário |
20-59 anos | 0,3 | 0,3; 0,4 | 0,741 | Estacionário |
Total | 4,4 | 4,2; 4,7 | 0,023 | Crescente |
Região sul | ||||
0-9 anos | 4,1 | 3,7; 4,5 | 0,033 | Crescente |
10-19 anos | 4,9 | 4,4; 5,3 | 0,016 | Crescente |
20-59 anos | 7,0 | 5,7; 8,6 | 0,001 | Crescente |
Total | 5,1 | 4,6; 5,6 | 0,012 | Crescente |
Sexo feminino | ||||
Região norte | ||||
0-9 anos | 7,6 | 6,8; 8,5 | <0,001 | Crescente |
10-19 anos | 8,5 | 7,7; 9,4 | <0,001 | Crescente |
20-59 anos | 8,2 | 6,9; 9,0 | <0,001 | Crescente |
Total | 8,3 | 7,5; 9,3 | <0,001 | Crescente |
Região central | ||||
0-9 anos | 5,8 | 5,2; 6,5 | 0,005 | Crescente |
10-19 anos | 7,0 | 6,4; 7,6 | 0,001 | Crescente |
20-59 anos | 8,6 | 7,4; 10,0 | <0,001 | Crescente |
Total | 8,0 | 7,0; 9,1 | <0,001 | Crescente |
Região metropolitana | ||||
0-9 anos | 5,5 | 5,0; 6,0 | 0,008 | Crescente |
10-19 anos | 6,7 | 6,0; 7,5 | 0,001 | Crescente |
20-59 anos | 8,4 | 7,5; 9,4 | <0,001 | Crescente |
Total | 7,3 | 6,6; 8,1 | <0,001 | Crescente |
Região sul | ||||
0-9 anos | 7,2 | 6,4; 8,2 | 0,001 | Crescente |
10-19 anos | 7,0 | 6,1; 8,0 | 0,001 | Crescente |
20-59 anos | 8,5 | 7,5; 9,6 | <0,001 | Crescente |
Total | 8,3 | 7,3; 9,5 | <0,001 | Crescente |
a) VPA: variação percentual anual; b) IC95%: intervalo de confiança de 95%; c) Regressão linear - método de Prais-Winsten.
Discussão
O presente trabalho evidenciou tendência crescente de sobrepeso e obesidade, entre 2008 e 2018, em todas as regiões do estado do Espírito Santo. Um estudo realizado em 2016 descreveu a tendência de indicadores que impactam na ocorrência de DCNT, na população brasileira adulta, utilizando-se dos dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) (2006-2011), e identificou em Vitória uma prevalência de 46,7% de excesso de peso no ano de 2011, com necessidade de redução de aproximadamente 0,3% ao ano para se atingir a meta de estabilização até 2022. Já para a obesidade, o mesmo estudo constatou prevalência de 14,5% e necessidade de redução de 0,1% ao ano para se atingir a meta de estabilização recomendada.8 Segundo o presente estudo, em 2011, a prevalência de obesidade no sexo feminino foi de 14 a 15%, e no sexo masculino, de 13 a 16%, considerando-se todas as regiões do estado.
É importante mencionar, como limitação do estudo, a cobertura do Sisvan relativamente baixa no Espírito Santo, além do que, muitas vezes, os dados se referem a indivíduos vinculados ao Programa Bolsa Família - população em situação de insegurança socioeconômica. Apesar de o Bolsa Família auxiliar na aquisição de alimentos, isto não implica melhor qualidade da dieta,16 de modo que a análise dos resultados deve ser feita com parcimônia, podendo apresentar dados subestimados, a maior parte deles predominantemente de um subgrupo populacional cuja amostra não é representativa da população geral. Além disso, não é possível atestar a qualidade das informações coletadas devido aos dados serem secundários, o que poderia acarretar viés de informação e mensuração dos casos de sobrepeso e obesidade da amostra. Os efeitos de viés decorrentes da avaliação de medidas de peso e altura, bem como da inserção dos dados no sistema (quando há erro de digitação), são inerentes à rotina das unidades de saúde e aos sistemas de informações em geral; não obstante, eles podem ter consequências na adequada classificação do estado nutricional e qualidade dos registros. Nesse caso, a apresentação de estudos sobre o estado nutricional da população pode contribuir para que os municípios reflitam sobre essa situação e incentivem a realização de ações de educação permanente, visando aprimorar a aferição e qualidade dos dados coletados.
O Sisvan é uma ferramenta que dispõe de dados do estado nutricional das populações, possibilitando observações ao longo do tempo, dada a geração contínua de informações dos usuários da Atenção Básica. Entretanto, os resultados deste estudo refletem apenas a realidade do estado do Espírito Santo e não devem ser extrapolados para outras localidades do país.
Identificou-se tendência crescente de sobrepeso e obesidade em adolescentes do sexo feminino de todas as regiões do estado, e em adolescentes do sexo masculino de ao menos três regiões. Tendência semelhante foi observada em estudo com crianças e adolescentes (7 a 14 anos) participantes do Projeto Esporte Brasil (PROESP-Br). Nessa pesquisa, o aumento do percentual da obesidade, no período de apenas dois anos, foi de 2,7% em crianças (7 a 10 anos) do sexo masculino e de 3% em meninas.17 Uma pesquisa realizada em 2016, utilizando-se dos dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (12 a 17 anos), encontrou uma prevalência de obesidade de 8,6% (IC95% 7,8;9,5) na região Sudeste do Brasil, e de aproximadamente 10% em Vitória.18
Estudo realizado em 2016 com adultos, nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, encontrou, para o período de 2006 a 2013, aumento da prevalência de sobrepeso de 7,4%, aumento de prevalência de obesidade - graus I, II e III - de 47,1% e, especificamente de obesidade grau III, de 36,4%. Seus autores também observaram aumento da obesidade em ambos os sexos, em todas as regiões do país e faixas etárias (≥18 anos).19 Esses dados corroboram os do presente estudo sobre o Espírito Santo, onde, nos adultos (19 a 59 anos), verificou-se um movimento ascendente na série histórica de sobrepeso e obesidade: nas mulheres, essa tendência ascendente de sobrepeso e obesidade foi observada em todas as regiões do estado, enquanto nos homens, encontrou-se tendência crescente do sobrepeso nas regiões norte e sul, e da obesidade nas regiões central e sul.
Uma pesquisa realizada com idosos do município de Vitória, com o propósito de descrever o perfil nutricional desses indivíduos e igualmente fundamentada em dados do Sisvan-Web, mostrou elevada prevalência de sobrepeso (69,2%) em 2012, e um aumento de 15,6% no sobrepeso entre 2009 e 2012.20 O atual estudo identificou crescimento da tendência de sobrepeso nos indivíduos com 60 anos ou mais, embora apenas para o sexo masculino, na região metropolitana, e o sexo feminino na região norte do estado.
Dados do Vigitel divulgados em 2020 indicaram uma prevalência de 49,1% de excesso de peso (IMC≥25kg/m2) entre adultos (≥18 anos) de Vitória, 50,6% nos homens e 47,8% nas mulheres; e uma prevalência de 17,6% de obesidade (IMC≥30kg/m2) entre adultos, sendo a faixa etária de 45 a 54 anos responsável pelo maior percentual, de 24,5%.21
Estudos demonstram o avanço da prevalência do sobrepeso e da obesidade na população brasileira, a atingir ambos os sexos e todas as faixas etárias, em diferentes territórios, impactando negativamente a saúde de grande parcela da sociedade.2,7,18-22 Este cenário é confirmado por dados recentes do Ministério da Saúde: uma prevalência de 28,5% de obesidade no país, acometendo aproximadamente 4 milhões de pessoas em 2019.23
A obesidade tem caráter multifatorial e apresenta, como principais determinantes para sua ocorrência, a alimentação inadequada e a inatividade física.24 A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) divulgou dados de 2019, quando observou que apenas 13% dos adultos brasileiros (≥18 anos) consumiam a quantidade recomendada de frutas e hortaliças. Ao se analisar o consumo de alimentos ultraprocessados, demonstrou-se que 14,3% dos adultos referiram o consumo de cinco ou mais desse grupo de alimentos no dia anterior à entrevista.25 Em 2020, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou estimativas de ingestão de energia e macronutrientes, entre os inquéritos de 2008-2009 e 2017-2018, conclusivas de uma redução de fibras da dieta e um maior consumo médio diário de açúcar de adição, em ambos os sexos e em todos os grupos de idade analisados (10 a 18, 19 a 59 e 60 anos ou mais), indicativos de uma piora na qualidade da alimentação dos brasileiros.26 Estudo transversal, realizado com funcionários públicos de instituições brasileiras, na idade entre 35 e 74 anos, demonstrou que o elevado consumo de alimentos ultraprocessados contribui para o aumento da obesidade.27 Com relação à atividade física, a PNS 2019 identificou que apenas 30,1% dos adultos praticam o nível recomendado de atividade física no lazer, qual seja, 150 minutos semanais de atividades físicas de intensidade leve ou moderada, ou 75 minutos de intensidade vigorosa.25
Conclui-se que houve crescimento na prevalência do sobrepeso e da obesidade entre 2009 e 2018, em ambos os sexos e em todas as regiões do estado do Espírito Santo, principalmente entre adolescentes e adultos. Os achados apontam para a necessidade de desenvolver estratégias intersetoriais com o objetivo de controlar a obesidade na população capixaba, a exemplo da educação alimentar e nutricional nas unidades básicas de saúde e em espaços coletivos, estabelecimento de parcerias com programas já existentes, apoio à participação de equipe multiprofissional, ações de incentivo ao autocuidado, além da ampliação da discussão sobre o tema, visando reverter essa tendência e dirimir os prejuízos à saúde da população decorrentes desses agravos.