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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.30 no.3 Brasília set. 2021  Epub 23-Ago-2021

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000300023 

ARTIGO ORIGINAL

Obesidade abdominal e fatores associados em comunidades quilombolas do Norte de Minas Gerais, 2019

Obesidad abdominal y factores asociados en las comunidades de quilombolas en el Norte de Minas Gerais, Brasil, 2019

Patrícia de Sousa Fernandes Queiroz (orcid: 0000-0002-4616-1593)1  , Leonardo de Paula Miranda (orcid: 0000-0002-9756-8393)1  , Pâmela Scarlatt Durães Oliveira (orcid: 0000-0001-6084-5011)1  , João Felício Rodrigues Neto (orcid: 0000-0001-8189-6539)1  , Cristina Andrade Sampaio (orcid: 0000-0002-9067-4425)1  , Thatiane Lopes Oliveira (orcid: 0000-0002-2035-3407)2  , Maria Luiza Oliveira Silva (orcid: 0000-0002-1705-5775)3 

1Universidade Estadual de Montes Claros, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Montes Claros, MG, Brasil

2Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Departamento de Ensino Médio e Técnico, Januária, MG, Brasil

3Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Enfermagem, Montes Claros, MG, Brasil

Resumo

Objetivo:

Analisar a prevalência de obesidade abdominal e fatores associados em comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais, Brasil.

Métodos:

Estudo transversal realizado em 2019, a partir de entrevistas estruturadas e mensuração do perímetro da cintura; empregou-se regressão de Poisson, separada por sexo, para calcular razões de prevalência (RP) da obesidade abdominal ajustadas pelas variáveis independentes e intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Resultados:

56,6% (IC95% 50,9;62,0) dos quilombolas observados apresentaram obesidade abdominal; na análise ajustada, entre homens, verificou-se associação do desfecho com idade de ≥60 anos (60-69 anos: RP=2,52 - IC95% 1,33;4,75), não ser tabagista (RP=1,73 - IC95% 1,17;2,55) e referir hipertensão arterial (RP=1,42 - IC95% 1,11;1,80), enquanto, nas mulheres, associou-se com idade ≥50 anos (50-59 anos: RP=1,25 - IC95% 1,01;1,54), ex-tabagismo (RP=1,26 - IC95% 1,00;1,58), consumo de frango com pele (RP=1,09 - IC95% 1,00;1,19) e hipertensão (RP=1,22 - IC95% 1,11;1,36).

Conclusão:

Encontrou-se prevalência de obesidade abdominal alta entre os quilombolas, maior nos idosos, hipertensos, fumantes e ex-fumantes.

Palavras-chave: Grupos de Risco; Grupo com Ancestrais do Continente Africano; Grupos Étnicos; Obesidade Abdominal; Saúde Pública; Estudos Transversais.

Resumen

Objetivo:

Analizar la prevalencia de obesidad abdominal y factores asociados en comunidades quilombolas del norte de Minas Gerais, Brasil.

Métodos:

Estudio transversal realizado en 2019 a partir de entrevistas y medición de la circunferencia de la cintura; se utilizó la regresión de Poisson para calcular las razones de prevalencia (RP) de la obesidad abdominal ajustadas por variables independientes y un intervalo de confianza del 95% (IC95%).

Resultados:

56,6% (IC95% 50,9;62,0) tenía obesidad abdominal; entre los hombres hubo una asociación del resultado con la edad ≥60 años (60-69 años: RP=2,52 - IC95% 1,33;4,75), no fumadores (RP=1,73 - IC95% 1,17;2,55) e hipertensión (RP=1,42; IC95% 1,11;1,80); en las mujeres, se asoció con la edad ≥50 años (50-59 años: RP=1,25 - IC95% 1,01;1,54), exfumadoras (RP=1,26 - IC95% 1,00;1,58), consumo de pollo con piel (RP=1,09 - IC95% 1,00;1,19) e hipertensión (RP=1,22 - IC95% 1,11;1,36).

Conclusión:

La prevalencia de obesidad abdominal fue alta entre quilombolas, y fue mayor en ancianos, hipertensos, fumadores y exfumadores.

Palabras clave: Grupos de Riesgo; Grupo de Ascendencia Continental Africana; Grupos Étnicos; Obesidad Abdominal; Salud Pública; Estudios Transversales.

Introdução

A obesidade representa um grande desafio para o sistema público de saúde, por se associar a importante morbimortalidade, e pelos vultosos custos econômicos e sociais que implica.1,2 A obesidade abdominal está associada ao excesso de gordura corporal e possui uma etiologia complexa e multifatorial, resultando da interação de fatores históricos, ecológicos, econômicos, sociais, culturais, emocionais e políticos.2-3

A obesidade está presente tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.4 No Brasil, o maior estudo de base populacional sobre o tema, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) conduzida em 2013, evidenciou uma prevalência de obesidade abdominal de 38%, 22,3% no sexo masculino e 52% no sexo feminino, retrato da gravidade dessa epidemia nas zonas rurais e urbanas.5

Esse perfil assinala a importância do acompanhamento do estado nutricional dos adultos, mediante intervenções de avaliação dos dados antropométricos e definição de ações terapêuticas que considerem a obesidade abdominal e as comorbidades associadas.6 É importante destacar que o ganho gradual de peso é verificado em homens e mulheres em diferentes idades e, mesmo em populações economicamente desfavorecidas, como a população quilombola, a obesidade pode coexistir com a desnutrição.1

Os remanescentes quilombolas foram reconhecidos pelo Estado Brasileiro, com a publicação do Decreto Presidencial nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, especialmente em seu artigo 2º:

Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para fins deste Decreto, grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.7

A saúde precária das comunidades quilombolas e o baixo acesso a bens coletivos, como escolas, estradas, sistemas simplificados de abastecimento de água e assistência à saúde, impõem condições de vida caracterizadas por um baixo índice de qualidade e desenvolvimento humano.8,9 Todavia, ainda são escassas informações específicas sobre as condições de saúde das comunidades quilombolas no Brasil.10 É imperioso, portanto, investir em estudos que possibilitem a avaliação da real situação de saúde dessas comunidades, em sua maioria isoladas geograficamente e, por via de consequência, com dificuldades de acesso aos serviços de saúde. A obtenção de novas informações pode contribuir para a consecução de políticas públicas capazes de minimizar a vulnerabilidade dos quilombolas e favorecer a ampliação de seus conceitos e práticas de saúde e bem-estar.11 O objetivo do presente estudo foi analisar a prevalência de obesidade abdominal e fatores associados, em comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais, Brasil.

Métodos

Estudo transversal implementado em 2019, com quilombolas residentes na macrorregião de saúde norte do estado de Minas Gerais, Brasil.

A macrorregião de saúde Norte constitui-se de 86 municípios, reunidos em nove microrregiões de saúde, as quais compuseram os conglomerados da pesquisa.

As comunidades quilombolas foram identificadas pela consulta aos dados disponíveis nas Secretarias Municipais de Saúde e Desenvolvimento Social locais, no Centro de Agricultura Alternativa, nos sítios eletrônicos do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva e da Fundação Cultural Palmares. Foram contabilizadas 79 comunidades e aproximadamente 19 mil habitantes quilombolas na referida macrorregião.

Foram consideradas elegíveis para o estudo pessoas com 18 anos ou mais de idade, autodeclaradas quilombolas e residentes nas comunidades selecionadas; foram excluídas aquelas com comprometimento mental e cognitivo, segundo avaliação da família e/ou da equipe de saúde, a ponto de impossibilitar a compreensão e resposta ao questionário, além dos idosos e idosas rastreados pelo miniexame do estado mental.12

Para definição das comunidades participantes do estudo, delineou-se a amostragem por conglomerados com probabilidade proporcional ao tamanho. Foram selecionadas 30 comunidades e, em cada uma, os domicílios a visitar. Inicialmente, identificou-se um ponto de partida, no centro de cada comunidade, para a primeira entrevista e as seguintes em movimento espiral, dada a conformação espacial dos quilombos. Os entrevistadores percorreram os domicílios e prosseguiram com as visitas até se atingir o tamanho amostral proposto previamente para cada comunidade.

Foram analisadas as seguintes variáveis: a variável dependente do estudo, ‘obesidade abdominal’ (não; sim), e as variáveis independentes, descritas a seguir.

  • a) Sociodemográficas

  • - Faixa etária (em anos: 18 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 a 69; 70 ou mais);

  • - Estado conjugal (casado; separado/divorciado/viúvo; solteiro);

  • - Raça/cor da pele (preta; parda; outras);

  • - Escolaridade (anos de estudo: analfabeto; até 8; 8 ou mais);

  • - Renda familiar (em salários mínimos, ao valor de R$ 996,00: ≤0,5; >0,5 a ≤1,0; >1,0 a ≤1,5; >1,5).

  • b) Comportamento relacionado à saúde

  • - Consumo de álcool (não; sim);

  • - Tabagismo (fumante; ex-fumante; nunca fumou);

  • - Consumo de carne vermelha com gordura (sim; não);

  • - Consumo de frango com pele (sim; não);

  • - Consumo de verduras 5 vezes ou mais por semana (sim; não);

  • - Consumo de frutas 5 vezes ou mais por semana (sim; não);

  • - Consumo de alimentos doces 5 vezes ou mais por semana (não; sim);

  • - Consumo de sal (alto/muito alto; adequado; baixo/muito baixo);

  • - Atividade física (<150 minutos por semana; ≥150 minutos por semana).

  • c) Condições de saúde

  • - Autopercepção de saúde (positiva; negativa);

  • - Hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças do coração, doenças do pulmão, colesterol alto, anemia, insuficiência renal crônica, depressão e câncer (sim; não);

Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário semiestruturado, baseado na PNS de 2013.13 Os dados foram coletados entre os meses de janeiro e agosto de 2019, por entrevistadores treinados.

Realizou-se um estudo de pré-teste em uma comunidade quilombola não elegida, para verificar a adequação do questionário e o tempo necessário à realização da entrevista. Optou-se pela aplicação do instrumento com 5% da amostra do estudo principal. Concluído o pré-teste, foram feitos ajustes textuais e alterações no ordenamento das questões. Os participantes do pré-teste não compuseram a amostra final do estudo.

Para a medida do perímetro da cintura, foi utilizada fita métrica inextensível de 150 cm com precisão de 0,1, posicionada no ponto médio entre a 10ª costela e a borda superior da crista ilíaca.14 Para definir o desfecho da pesquisa, obesidade abdominal, foi adotado o ponto de corte para sul-americanos, de perímetro da cintura ≥90 cm em homens e ≥80 cm em mulheres.15

No cálculo da amostra, devido à diversidade dos eventos analisados, adotou-se a prevalência de 50% para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), precisão de 5 pontos percentuais, intervalo de 95% de confiança, efeito de desenho igual a 2,0 e estimativa de 20% de perdas, totalizando 905 indivíduos a serem incluídos.

A análise dos dados foi estratificada por sexo. As variáveis categóricas foram descritas por meio de suas distribuições de frequências; e as variáveis numéricas, pelas medidas de tendência central e dispersão (média e desvio-padrão).

Para identificar os fatores associados à obesidade abdominal, utilizou-se o modelo hierarquizado de regressão múltipla. O nível distal foi composto pelo bloco das características sociodemográficas; o nível intermediário, pelo bloco do comportamento relacionado à saúde, e o nível proximal; pelo bloco das condições de saúde. Empregou-se regressão de Poisson com variância robusta para calcular razões de prevalência (RP) da obesidade abdominal pelas variáveis independentes e intervalos de confiança de 95% (IC95%).

Em cada bloco, foram realizadas análises bivariadas adotando-se o teste qui-quadrado de Pearson; nessa etapa, as variáveis que apresentaram p-valor <0,25 foram elegidas para a análise múltipla.16 O bloco distal foi o primeiro a compor o modelo, atuando como fator de ajuste para os demais níveis. Posteriormente, foi incluído o nível intermediário, mantendo-se no modelo apenas as variáveis com p-valor <0,05, ajustadas para as variáveis do bloco anterior. Repetiu-se o processo para o bloco proximal, ajustado para as variáveis antecedentes. O diagnóstico de multicolinearidade foi realizado a partir do cálculo do fator de inflação da variância (VIF): valores de VIF>5 indicam problemas com a estimação dos coeficientes, devido à presença de multicolinearidade entre as variáveis independentes.17

O modelo foi avaliado pelo teste de deviance, segundo o qual p>0,05 demonstra que o modelo tem qualidade de ajuste. Esse teste avalia se os valores preditos pelo modelo desviam dos valores observados, o que a distribuição de Poisson não prediz. Se o p-valor é inferior ao nível de significância adotado, refuta-se a hipótese nula de que a distribuição de Poisson permite um bom ajuste. As análises foram realizadas pelo programa estatístico SPSS® para Windows®, versão 22.0, e corrigidas pelo efeito do desenho complexo.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (CEP/Unimontes): Parecer nº 2.821.454, emitido em 14 de agosto de 2018. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

A amostra final da pesquisa totalizou 1.025 indivíduos, superando a quantidade mínima necessária para representar o conjunto de interesse; antes excluíram-se mulheres grávidas ou em período puerperal, e indivíduos que, muito embora tivessem respondido ao questionário, não autorizaram a realização da medida do perímetro da cintura. Houve uma perda de 6,8% da amostra inicial; não houve recusas.

A prevalência de obesidade abdominal foi de 56,6% (IC95% 50,9;62,0), sendo maior em mulheres (71,9% - IC95% 66,3;76,9) do que em homens (32,4% - IC95% 25,1;40,6) (Tabela 1). Verificou-se uma predominância de mulheres nas idades de 18 a 39 anos (39%), e de homens de 50 a 69 anos (45,1%). Em ambos os sexos, houve maior participação proporcional de pretos, dos casados, daqueles com até 8 anos de escolaridade e de indivíduos cuja renda familiar informada era de 0,5 a 1 salário mínimo. Os homens apresentaram maior frequência de fumantes e ex-fumantes (59,9%: 25,1% e 34,8% respectivamente), consumo de álcool (53,5%), além de maior adoção de hábitos alimentares inadequados. O autorrelato de diagnósticos médicos de doenças foi mais prevalente nas mulheres, exceto para os casos de cânceres.

Na análise bivariada, entre as mulheres, as variáveis que denotaram associação estatística com a obesidade abdominal foram: faixa etária, estado conjugal, escolaridade, tabagismo, consumo de frango com pele, verduras, frutas e alimentos doces, autopercepção de saúde e autorrelato de hipertensão arterial, diabetes mellitus e colesterol alto (Tabela 2). Não foi identificada multicolinearidade entre essas variáveis, visto que os valores do VIF variaram de 1,04 a 2,18. Entre os homens, as variáveis que se associaram com o desfecho foram: faixa etária, estado conjugal, renda familiar, tabagismo e autorrelato de hipertensão arterial, diabetes mellitus e colesterol alto (Tabela 2). O diagnóstico de multicolinearidade estimou valores de VIF entre 1,07 e 2,41, sugerindo não haver colinearidade entre as variáveis independentes.

Após ajustes para potenciais fatores de confusão na análise múltipla, observou-se associação estatisticamente significante nas mulheres com obesidade abdominal e faixa etária de 50 a 59 anos (RP=1,25 - IC95% 1,01;1,54), ex-tabagistas (RP=1,26 - IC95% 1,00;1,58), que consomem frango com pele (RP=1,09 - IC95% 1,00;1,19), com autorrelato de hipertensão arterial (RP=1,22 - IC95% 1,11;1,36) (Tabela 3). Nos homens, a obesidade abdominal manteve-se associada com a faixa etária de 60 a 69 anos (RP=2,52 - IC95% 1,33;4,75), não tabagistas (RP=1,73 - IC95% 1,17;2,55), com autorrelato médico de hipertensão arterial (RP=1,42 - IC95% 1,11;1,80) (Tabela 4).

Tabela 1 - Características da população quilombola (n=1.025) de acordo com o sexo, norte de Minas Gerais, 2019 

Características n (%)a Mulheres n (%)a Homens n (%)a p-valorb
Obesidade abdominal <0,001
Não 441 (43,4) 175 (28,1) 266 (67,6)
Sim 584 (56,6) 449 (71,9) 135 (32,4)
Faixa etária (anos) 0,010
18-29 176 (16,2) 114 (18,3) 62 (13,3)
30-39 174 (18,2) 117 (20,7) 57 (14,5)
40-49 149 (15,4) 87 (15,4) 62 (15,5)
50-59 181 (19,8) 99 (16,2) 82 (24,9)
60-69 258 (19,5) 142 (19,1) 116 (20,2)
≥70 163 (10,9) 94 (10,4) 69 (11,6)
Estado conjugal 0,002
Casado(a) 610 (59,3) 359 (58,0) 251 (61,3)
Separado(a)/divorciado(a)/viúvo(a) 219 (17,6) 152 (21,0) 67 (12,4)
Solteiro(a) 280 (23,1) 151 (21,0) 129 (26,2)
Raça/cor da pele 0,762
Preta 602 (52,2) 355 (50,6) 247 (54,6)
Parda 435 (42,1) 265 (44,9) 170 (38,0)
Outras 73 (5,7) 42 (4,5) 31 (7,4)
Escolaridade (anos de estudo) 0,005
Analfabeto(a) 259 (19,7) 150 (17,4) 109 (23,1)
<8 518 (49,8) 291 (48,6) 227 (51,5)
≥8 326 (30,5) 219 (33,9) 107 (25,4)
Renda familiar (salários mínimos) 0,002
≤0,5 201 (20,6) 136 (23,5) 65 (16,2)
>0,5 a ≤1,0 523 (47,8) 320 (49,0) 203 (45,9)
>1,0 a ≤1,5 129 (11,2) 65 (9,7) 64 (13,5)
>1,5 226 (20,4) 119 (17,7) 107 (24,4)
Consumo de álcool <0,001
Não 631 (58,4) 420 (66,8) 211 (46,5)
Sim 444 (41,6) 210 (33,2) 234 (53,5)
Tabagismo <0,001
Tabagista 163 (15,2) 57 (8,6) 106 (25,1)
Ex-tabagista 316 (26,0) 146 (20,0) 170 (34,8)
Nunca fumou 605 (58,8) 442 (71,4) 163 (40,1)
Consumo de carne vermelha com gordura <0,001
Sim 337 (31,9) 153 (24,9) 184 (42,3)
Não 709 (63,9) 464 (70,2) 245 (54,4)
Consumo de frango com pele <0,001
Sim 424 (40,3) 211 (32,3) 213 (52,1)
Não 608 (53,9) 404 (62,1) 204 (41,8)
Consumo de verduras e legumes 5 vezes ou mais por semana <0,001
Sim 391 (34,7) 267 (38,1) 124 (29,6)
Não 714 (65,3) 390 (61,9) 324 (70,4
Consumo de frutas 5 vezes ou mais por semana <0,001
Sim 278 (25,9) 199 (31,8) 79 (17,2)
Não 826 (74,1) 457 (68,2) 369 (82,8)
Consumo de alimentos doces 5 vezes ou mais por semana 0,238
Não 144 (12,9) 92 (13,7) 52 (11,8)
Sim 959 (87,1) 563 (86,3) 396 (88,2)
Consumo de sal 0,002
Muito alto/alto 117 (10,7) 63 (9,2) 54 (13,0)
Adequado 558 (52,3) 310 (50,3) 248 (55,3)
Baixo/muito baixo 426 (37) 281 (40,5) 145 (31,8)
Atividade física (minutos/semana) 0,760
<150 887 (80,3) 527 (80,2) 360 (80,4)
≥150 206 (19,7) 120 (19,8) 86 (19,6)
Autopercepção de saúde 0,009
Positiva 541 (49,7) 301 (46,9) 240 (53,9)
Negativa 564 (50,3) 357 (53,1) 207 (46,1)
Hipertensão arterial <0,001
Não 665 (64,3) 361 (58,8) 304 (72,1)
Sim 427 (35,7) 283 (41,2) 144 (27,9)
Diabetes mellitus 0,295
Não 990 (89,6) 581 (88,4) 409 (91,3)
Sim 109 (10,4) 70 (11,6) 39 (8,7)
Doenças do coração 0,010
Não 981 (90,7) 572 (7,0) 409 (93,1)
Sim 113 (9,3) 80 (11,0) 33 (6,9)
Doenças do pulmão 0,100
Não 1.014 (92,6) 595 (91,3) 419 (94,6)
Sim 84 (7,4) 57 (8,7) 27 (5,4)
Colesterol alto 0,001
Não 859 (79,2) 490 (74,9) 369 (85,7)
Sim 240 (20,8) 165 (25,1) 75 (14,3)
Anemia 0,001
Não 852 (77,3) 431 (65,3) 421(94,8)
Sim 252 (22,7) 225 (34,7) 27 (5,2)
Insuficiência renal crônica 0,128
Não 1.060 (92,8) 625 (94,5) 435 (97,6)
Sim 44 (4,2) 31 (5,5) 13 (2,4)
Depressão <0,001
Não 935 (84,2) 520 (77,5) 415 (94,1)
Sim 166 (15,8) 134 (22,5) 32 (5,9)
Câncer 0,044
Não 1.075 (98,1) 645 (98,3) 430 (97,8)
Sim 25 (1,9) 10 (1,7) 15 (2,2)

a) Corrigida pelo efeito do desenho complexo; b) Teste qui-quadrado de Pearson.

Tabela 2 - Prevalência da obesidade abdominal por sexo, conforme características sociodemográficas, comportamento relacionado à saúde e condições de saúde da população quilombola (n=1.025), norte de Minas Gerais, 2019 

Características Feminino: n (%)a p-valorc Masculino: n (%)b p-valorc
Obesidade abdominal Obesidade abdominal
Não Sim Não Sim
Faixa etária (em anos) <0,001 0,003
18-29 55 (49,3) 54 (50,7) 48 (83,1) 07 (16,9)
30-39 36 (31,0) 79 (69,0) 37 (80,0) 14 (20,0)
40-49 21 (26,4) 65 (73,6) 35 (61,4) 21 (38,6)
50-59 18 (14,1) 79 (85,9) 46 (65,1) 32 (34,9)
60-69 24 (17,5) 102 (82,5) 57 (59,2) 39 (40,8)
≥70 19 (29,3) 63 (70,7) 43 (61,8) 22 (38,2)
Estado conjugal <0,001 <0,001
Casado(a) 80 (23,6) 264 (76,4) 135 (61,0) 91 (39,0)
Separado(a)/divorciado(a)/viúvo(a) 32 (24,0) 104 (76,0) 34 (56,5) 26 (43,5)
Solteiro(a) 63 (44,6) 81 (55,4) 97 (88,5) 18 (11,5)
Raça/cor da pele 0,448 0,356
Preta 89 (24,1) 252 (75,9) 155 (70,9) 72 (29,1)
Parda 73 (33,1) 171 (66,9) 90 (63,0) 55 (37,0)
Outras 13 (23,5) 26 (76,5) 21 (66,6) 08 (33,4)
Escolaridade (anos de estudo) <0,001 0,665
Analfabeto(a) 35 (27,0) 99 (73,0) 65 (73,4) 28 (26,6)
<8 55 (21,0) 220 (79,0) 135 (64,4) 74 (35,6)
≥8 85 (38,7) 129 (61,3) 64 (68,8) 32 (31,2)
Renda familiar (salários mínimos) 0,377 0,040
≤0,5 45 (34,3) 88 (65,7) 49 (79,0) 13 (21,0)
>0,5 a ≤1,0 79 (24,5) 221 (75,5) 112 (62,8) 64 (37,2)
>1,0 a ≤1,5 17 (24,8) 45 (75,2) 38 (82,8) 13 (17,2)
>1,5 28 (30,5) 83 (69,5) 62 (62,8) 41 (37,2)
Consumo de álcool 0,841 0,597
Não 109 (28,0) 279 (72,0) 124 (63,3) 67 (36,7)
Sim 56 (27,5) 149 (72,5) 140 (71,0) 67 (29,0)
Tabagismo 0,011 0,005
Tabagista 23 (41,8) 33 (58,2) 73 (86,1) 18 (13,9)
Ex-tabagista 27 (18,8) 107 (81,2) 99 (62,9) 56 (37,1)
Nunca fumou 122 (29,8) 297 (70,2) 88 (60,2) 58 (39,8)
Consumo de carne vermelha com gordura 0,389 0,775
Sim 46 (29,7) 94 (70,3) 108 (64,2) 59 (35,8)
Não 119 (27,3) 324 (72,7) 147 (70,0) 69 (30,0)
Consumo de frango com pele 0,018 0,480
Sim 41 (20,5) 157 (79,5) 135 (69,9) 60 (30,1)
Não 119 (30,9) 263 (69,1) 114 (65,9) 66 (34,1)
Consumo de verduras e legumes 5 vezes ou mais por semana 0,001 0,928
Sim 54 (19,4) 201 (80,6) 78 (63,2) 39 (36,8)
Não 121 (33,5) 244 (66,5) 188 (69,6) 96 (30,4)
Consumo de frutas 5 vezes ou mais por semana 0,029 0,456
Sim 132 (23,5) 295 (76,5) 219 (67,7) 107 (32,3)
Não 43 (30,4) 149 (69,6) 47 (67,6) 28 (32,4)
Consumo de alimentos doces 5 vezes ou mais por semana 0,003 0,871
Não 37 (41,9) 52 (58,1) 32 (69,0) 17 (31,0)
Sim 138 (26,1) 391 (73,9) 234 (67,4) 118 (32,6)
Consumo de sal 0,870 0,458
Muito alto/alto 19 (34,9) 43 (65,1) 35 (70,0) 13 (30,0)
Adequado 83 (27,0) 209 (73,0) 143 (67,8) 70 (32,2)
Baixo/muito baixo 72 (28,3) 191 (71,7) 88 (67,5) 51 (32,5)
Atividade física (minutos/semana) 0,587 0,486
<150 139 (21,6) 355 (78,4) 216 (62,9) 106 (37,1)
≥150 30 (29,8) 87 (70,2) 48 (68,7) 29 (31,3)
Autopercepção de saúde <0,001 0,081
Percepção positiva 102 (37,9) 185 (62,1) 150 (73,7) 64 (26,3)
Percepção negativa 72 (19,3) 262 (80,7) 115 (60,4) 71 (39,6)
Hipertensão arterial <0,001 <0,001
Não 134 (39,8) 210 (60,2) 197 (74,7) 69 (25,3)
Sim 37 (11,7) 226 (88,3) 69 (49,9) 66 (50,1)
Diabetes mellitus 0,001 0,020
Não 167 (30,7) 381 (69,3) 249 (69,1) 117 (30,9)
Sim 07 (11,2) 59 (88,8) 17 (51,8) 18 (48,2)
Doenças do coração 0,057 0,197
Não 160 (29,8) 382 (70,2) 249 (68,8) 119 (31,2)
Sim 14 (13,7) 60 (86,3) 15 (58,2) 12 (41,8)
Doenças do pulmão 0,952 0,190
Não 158 (27,5) 423 (72,5) 252 (68,8) 123 (31,2)
Sim 15 (32,6) 39 (67,4) 13 (48,5) 11 (51,5)
Colesterol alto <0,001 <0,001
Não 154 (33,9) 303 (66,1) 232 (70,3) 97 (29,7)
Sim 21 (12,3) 140 (87,7) 33 (53,8) 35 (46,2)
Anemia 0,232 0,054
Não 109 (26,5) 299 (73,5) 245 (67,1) 131 (32,9)
Sim 66 (31,9) 145 (68,1) 21 (76,8) 04 (23,2)
Insuficiência renal crônica 0,933 0,270
Não 167 (28,7) 423 (71,3) 257 (67,6) 133 (32,4)
Sim 08 (20,1) 21 (79,9) 09 (68,1) 02 (31,9)
Depressão 0,897 0,065
Não 138 (28,4) 355 (71,6) 242 (67,2) 130 (32,8)
Sim 36 (27,7) 90 (72,3) 23 (72,6) 05 (27,4)
Câncer 0,201 0,681
Não 172 (28,5) 436 (71,5) 254 (67,3) 130 (32,7)
Sim 01 (2,1) 9 (97,9) 10 (91,1) 04 (8,9)

a) n=624 (60,9%) - corrigida pelo efeito do desenho; b) n=401 (39,1%) - corrigida pelo efeito do desenho; c) Teste qui-quadrado de Pearson.

Tabela 3 - Razões de prevalências e intervalos de confiança de 95% da obesidade abdominal pelas variáveis independentes entre mulheres quilombolas (n=624), norte de Minas Gerais, 2019 

Características RPb bruta RPb ajustada
RPb (IC95%)c p-valora RPb (IC95%)c p-valora
Nível 1 - Distais
Faixa etária (em anos) <0,001 0,010
18-29 1,00 1,00
30-39 1,36 (1,04;1,79) 1,07 (0,87;1,31)
40-49 1,45 (1,10;1,91) 1,16 (0,95;1,42)
50-59 1,69 (1,33;2,17) 1,25 (1,01;1,54)
60-69 1,63 (1,27;2,09) 1,34 (1,09;1,67)
≥70 1,39 (1,03;1,89) 1,37 (1,09;1,73)
Estado conjugal 0,007 0,007
Casada 1,00 1,00
Separada/divorciada/viúva 1,00 (0,86;1,15) 1,06 (0,95;1,16)
Solteira 0,73 (0,59;0,89) 0,83 (0,72;0,95)
Escolaridade (anos de estudo) 0,004 - -
Analfabeta 1,00
<8 1,08 (0,92;1,27) - -
≥8 0,84 (0,69;1,02) - -
Renda familiar (salários mínimos) 0,395 - -
≤0,5 1,00 - -
>0,5 a ≤1,0 1,15 (0,97;1,36) - -
>1,0 a ≤1,5 1,14 (0,91;1,44) - -
>1,5 1,06 (0,85;1,32) - -
Nível 2 - Intermediárias
Tabagismo 0,025 0,109
Tabagista 1,00 1,00
Ex-tabagista 1,40 (1,03;1,89) 1,26 (1,00;1,58)
Nunca fumou 1,21 (0,90;1.62) 1,18 (0,95;1,47)
Consumo de frango com pele 0,024 0,048
Sim 1,15 (1,02;1,90) 1,09 (1,00;1,19)
Não 1,00 1,00
Consumo de verduras e legumes 5 vezes ou mais por semana 0,001 - -
Sim 1,00 - -
Não 0,83 (0,71;0,93) - -
Consumo de frutas 5 vezes ou mais por semana 0,140 - -
Sim 1,00
Não 0,91 (0,80;1,03) - -
Consumo de alimentos doces 5 vezes ou mais por semana 0,041 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,27 (1,01;1,60) - -
Nível 3 - Proximais
Autopercepção de saúde <0,001 - -
Percepção positiva 1,00 - -
Percepção negativa 1,30 (1,14;1,48)
Hipertensão arterial <0,001 <0,001
Não 1,00 1,00
Sim 1,47 (1,30;1,65) 1,22 (1,11;1,36)
Diabetes mellitus <0,001 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,28 (1,13;1,45) - -
Doenças do coração 0,002 - -
Não 1,00
Sim 1,23 (1,08;1,40) - -
Colesterol alto <0,001 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,33 (1,19;1,48) - -
Anemia 0,273
Não 1,00 - -
Sim 0,93 (0,81;1,06) - -
Câncer <0,001 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,37 (1,27;1,50) - -

a) Teste de Wald; Teste de deviance: p= 0,361; b) RP: razão de prevalências; c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Tabela 4 - Razões de prevalências e intervalos de confiança de 95% da obesidade abdominal pelas variáveis independentes entre homens quilombolas (n=401), norte de Minas Gerais, 2019 

Características RPb bruta RPb ajustada
RPb (IC95%)c p-valora RPb (IC95%)c p-valora
Nível 1 - Distais
Faixa etária (em anos) 0,201 0,003
18-29 1,00 1,00
30-39 1,19 (0,42;3,32) 1,35 (0,70;2,60)
40-49 2,29 (0,93;5,61) 1,60 (0,85;3,01)
50-59 2,07 (0,87;4,95) 1,68 (0,91;3,14)
60-69 2,42 (1,02;5,74) 2,52 (1,33;4,75)
≥70 2,27 (0,97;5,59) 2,44 (1,24;4,81)
Estado conjugal <0,001 0,057
Casado 1,00 1,00
Separado/divorciado/viúvo 1,12 (0,72;1,73) 0,96 (0,72;1,28)
Solteiro 0,30 (0,16;0,56) 0,63 (0,43;0,92)
Renda familiar (salários mínimos) 0,080 - --
≤0,5 1,00 - -
>0,5 a ≤1,0 1,78(0,93;3,34) - -
>1 a ≤1,5 0,81 (0,32;2,07) - -
>1,5 - -
Nível 2 - Intermediárias
Tabagismo 0,007 0,002
Tabagista 1,00 1,0
Ex-tabagista 2,67 (1.37;5,20) 1,15 (0,78;1,68)
Nunca fumou 2,86 (1,48;5,52) 1,73 (1,17;2,55)
Nível 3 - Proximais
Autopercepção de saúde 0,026 - -
Percepção positiva 1,00 - -
Percepção negativa 1,51 (1,05;2,17) - -
Hipertensão arterial <0,001 0,005
Não 1,00 1,00
Sim 1,98 (1,41;2,79) 1,42 (1,11;1,80)
Diabetes mellitus 0,070 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,56(0,96;2,52) - -
Doenças do coração 0,350 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,34 (0,73;2,48) - -
Doenças do pulmão 0,077 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,65 (0,95;2,87) - -
Colesterol alto 0,036 - -
Não 1,00 - -
Sim 1,55(1,03;2,34) - -
Anemia 0,515 - -
Não 1,00 - -
Sim 0,71 (0,25;2,01) - -
Depressão 0,690 - -
Não 1,00 - -
Sim 0,84 (0,35;2,02) - -

a) Teste de Wald; Teste de deviance: p= 0,487; b) RP: razão de prevalências; c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Discussão

Os resultados do estudo demonstram uma elevada prevalência de obesidade abdominal em comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais, sobretudo entre as mulheres.

O estudo apresentou limitações, como o autorrelato de doenças crônicas e de comportamentos relacionados à saúde, porquanto é passível da interferência da falta de atenção e memória. Além disso, os distintos pontos de corte de perímetro da cintura utilizados para definição da obesidade abdominal, assumidos nos diversos estudos que foram analisados, podem comprometer uma comparação fidedigna dos dados relacionados à prevalência de obesidade abdominal.

Entre seus pontos fortes, a pesquisa se destaca pela amostra ser representativa das comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais e pelos poucos estudos que envolvem a avaliação da obesidade abdominal nesse grupo populacional.

Conforme os conhecimentos destes pesquisadores, trata-se do estudo realizado com o maior número de participantes quilombolas da região, até o momento.

Diferentes pesquisas nacionais, realizadas com comunidades quilombolas em 2012, 2015 e 2016,8,18,19 e com outras populações em 2010,6,11,20 obtiveram uma maior prevalência de adiposidade abdominal e/ou obesidade geral nas mulheres. Estudo realizado com base nos dados da PNS 2013 observou maior prevalência de obesidade abdominal feminina, principalmente nas zonas rurais.5

No contexto rural, o trabalho manual pode ser considerado fator de proteção para obesidade, sobretudo no sexo masculino.5 Estudo conduzido com remanescentes de quilombos localizados na região do Médio São Francisco baiano, em 2012, reforça que a maior prevalência de adiposidade abdominal em mulheres esteja possivelmente relacionada ao menor esforço físico no trabalho, comparadas a homens da mesma região.19

A adiposidade abdominal apresentou associação significativa com o avançar da idade. As modificações inerentes ao envelhecimento - por exemplo, alterações hormonais, na taxa metabólica basal e nível de atividade física - provocam modificações na composição corporal que podem favorecer o acúmulo de gordura.21 Entretanto, assim como foi observado neste estudo, é importante destacar uma tendência de declínio linear da obesidade abdominal em faixas etárias mais avançadas, possivelmente explicada pela diminuição de peso dos idosos decorrente da diminuição do número de dentes e de dificuldades de mastigação, atribuídas a lesões na cavidade oral, uso de prótese dentária ou problemas gastrointestinais.22

Verificou-se que os homens assumem mais comportamentos de risco para o surgimento de obesidade abdominal e DNCTs, como o consumo de carnes com gordura, consumo irregular de hortaliças e frutas ao longo de uma semana, e prática de atividades físicas inferior a 150 minutos por semana. Outros autores também observaram tais comportamentos no público masculino, nas comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais.23

Observou-se que a ingestão de alimentos doces (e.g., bolos, balas e biscoitos) ao longo de uma semana foi mais frequente do que a ingestão de frutas e hortaliças em igual período, em ambos os sexos. A pobreza entre os quilombolas favorece o acesso a alimentos industrializados, pobres em valor nutricional e altamente energéticos, porém de baixo custo financeiro.24 Enfatiza-se que os hábitos alimentares inadequados identificados refletem a invisibilidade social a que as comunidades quilombolas estão submetidas, sem garantias de apoio à manutenção de suas próprias lavouras. Essa manutenção certamente contribuiria para a adoção de uma alimentação mais saudável.23

Encontrou-se alta prevalência de quilombolas sedentários ou insuficientemente ativos. Apesar de outros estudos terem revelado associação entre inatividade física e aumento da obesidade abdominal,6,25 a presente pesquisa não corroborou esse achado. Um trabalho de abordagem de negros africanos tampouco verificou associação entre inatividade física e qualquer indicador de gordura corporal, tanto em homens como em mulheres.20

Fumantes apresentaram menor prevalência de obesidade abdominal. De fato, pesquisas têm demonstrado que adictos ao tabagismo tendem a apresentar menor peso corporal quando comparados a não fumantes e ex-fumantes.6,11,20,25 A nicotina eleva os níveis dos neurotransmissores dopamina e serotonina, reduzindo o apetite e a necessidade energética, além de exercer um efeito direto na metabolização do tecido adiposo. Ao contrário, a cessação do tabagismo pode promover um ganho de 5 a 6 quilogramas, ainda mais expressivo no sexo feminino.26

Verificou-se associação significativa entre obesidade abdominal e hipertensão arterial em homens e mulheres. Estudo transversal realizado em 2010, com adultos de São Francisco do Conde, Bahia, também observou maior prevalência de adiposidade abdominal em ambos os sexos quando referiram diagnóstico de hipertensão arterial.11 O perímetro da cintura mostrou-se preditor independente de hipertensão arterial, segundo pesquisa realizada com 2.726 jovens adultos da África Subsaariana, entre os anos de 2009 e 2012. O mesmo estudo africano verificou que, a cada aumento de um centímetro no perímetro da cintura, foi observado um aumento de 9% na prevalência da hipertensão arterial.27

Os resultados apresentados demonstram que a obesidade abdominal constitui um importante problema de saúde nas comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais aqui analisadas. Tal dado, agravado pela alta prevalência de enfermidades crônicas e vulnerabilidade histórica a que os quilombolas estão submetidos, aponta para a oportunidade de realizar novos estudos e reflexões acerca da necessidade de elaboração e fortalecimento de políticas públicas direcionadas a esse grupo populacional.

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Editora associada: Doroteia Aparecida Höfelmann - orcid.org/0000-0003-1046-3319

Editora científica: Taís Freire Galvão - orcid.org/0000-0003-2072-4834

Editora geral: Leila Posenato Garcia - orcid.org/0000-0003-1146-2641

Recebido: 28 de Outubro de 2020; Aceito: 24 de Março de 2021

Endereço para correspondência: Patrícia de Sousa Fernandes Queiroz - Av. Presidente Kennedy, nº 515, Bairro Edgar Pereira, Montes Claros, MG, Brasil. CEP: 39400-174 E-mail: patriciasousandes@yahoo.com.br

Contribuições dos autores

Queiroz PSF contribuiu com a concepção do estudo, análise e interpretação dos dados e elaboração da primeira versão do manuscrito. Miranda LP, Oliveira PSD, Rodrigues Neto JF, Sampaio CA, Oliveira TL e Silva MLO contribuíram com a concepção do estudo, análise e interpretação dos dados e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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