Introdução
A assistência odontológica durante a gravidez tem potenciais resultados positivos para a saúde da mãe e da criança, como a redução da prematuridade e do baixo peso ao nascer.1-3 Atividades educativas e de prevenção em saúde, incluindo orientações sobre a importância do aleitamento materno, hábitos alimentares e de saúde bucal, são sugeridas, no contexto do cuidado pré-natal.2
Receber informações sobre cuidados odontológicos durante a gravidez também pode ajudar a prevenir cárie na primeira infância.4 Além disso, o tratamento de sintomas e afecções comuns na gestação, como dor, infecção bucal e sangramento da gengiva, é essencial no processo de cuidado à saúde da mulher gestante.3
Apesar dos possíveis benefícios, não são todas as mulheres que têm acesso a assistência odontológica durante a gravidez. No Brasil, dados do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) indicam que o acesso à consulta odontológica na gestação, oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), aumentou entre os ciclos I (2011-2012) e II (2013-2014), quando foram observadas prevalências de 45,9% e 51,9% respectivamente.5 Assim, em média, apenas metade das mulheres realizaram consultas odontológicas no pré-natal.5
Determinantes da realização de atendimento odontológico durante a gravidez são investigados especialmente na América do Norte, razão pela qual seus resultados não podem ser inferidos automaticamente para diferentes regiões e realidades.6 No Brasil, o padrão de utilização de serviços odontológicos na gestação já foi analisado, a partir de amostras pontuais de gestantes de municípios de alguns estados que não o de Santa Catarina.7-9
Na medida em que disparidades na atenção à saúde bucal tornam grupos desfavorecidos com menos chances de ter acesso a esses serviços,10 e que estudos de base populacional podem subsidiar o planejamento e desenvolvimento da rede de serviços, partindo-se da hipótese de que o cuidado à saúde bucal da maioria das gestantes ainda não é uma realidade no contexto da Atenção Básica, o objetivo deste estudo foi analisar a prevalência de consulta odontológica e fatores associados a sua realização durante o pré-natal, em puérperas atendidas em hospitais do SUS no estado de Santa Catarina, Brasil, no ano de 2019.
Métodos
Delineamento e contexto
O presente estudo é parte de uma pesquisa de avaliação da Rede Cegonha, uma estratégia lançada pelo governo federal em 2011, com o objetivo, entre outros, de proporcionar às mulheres saúde, qualidade de vida e bem-estar durante a gestação, parto e pós-parto. Em 2019, a pesquisa foi realizada em 30 diferentes municípios de Santa Catarina onde se encontram os hospitais participantes, que atendem a partos de mulheres residentes em centenas de municípios do estado.11 Trata-se de estudo transversal, realizado com puérperas residentes no estado de Santa Catarina e que tiveram filhos nascidos entre janeiro e agosto de 2019, em um dos 31 hospitais que realizam mais de 500 partos anuais pelo SUS. Esse conjunto de hospitais representa 86,2% de todos os nascimentos no estado pelo SUS no ano de 2016.12
Participantes
Foram incluídas mulheres que residiam em Santa Catarina durante toda a gestação, realizaram todas as consultas do pré-natal no SUS ou não realizaram pré-natal, e tiveram filho nascido vivo, com mais de 500 gramas de peso e pelo menos 22 semanas de gestação, ou natimorto ou morto até 48 horas pós-parto.
Os entrevistadores, encarregados da coleta de dados, abordaram todas as puérperas que preenchiam os critérios de inclusão e, naquele momento, se encontravam internadas após o parto.
Tamanho do estudo
Para o cálculo do tamanho da amostra, partiu-se da estimativa de 50 mil nascimentos por ano, com base nos dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) para 2016, nível de confiança de 95%, margem de erro de 1,6% e prevalência de 50%, sendo adicionados 5% ao valor obtido para contemplar perdas e recusas. A amostra final foi estimada em 3.665 puérperas.11
Variáveis
O desfecho do estudo foi a realização de consulta odontológica autorreferida (sim; não).
As variáveis independentes investigadas foram:
a) faixa etária (em anos: 13-17; 18-34; ≥35);
b) raça/cor da pele autorreferida (branca; preta e parda);
c) situação conjugal (com companheiro, sem companheiro);
d) escolaridade (em anos de estudo: ≤9; 10-12; ≥13);
e) renda familiar per capita (em tercis: 1º; 2º; 3º);
f) trabalho remunerado atual (sim; não);
g) paridade (com outro[s] filho[s]; sem outro[s] filho[s]);
h) trimestre de início do acompanhamento pré-natal (1º; 2º; 3º);
i) número de consultas médicas/de enfermagem realizadas (1-5; 6-7; 8-9; ≥10);
j) participação em atividade educativa oferecida pelo SUS (sim; não); e
h) motivo da consulta odontológica (revisão [limpeza, manutenção ou prevenção]; dor de dente; tratamento ortodôntico; extração de dente; tratamento de canal; problema na gengiva; outros motivos).
Fonte de dados e mensuração
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas face a face. As puérperas foram abordadas por 35 entrevistadores em 31 hospitais participantes, localizados nas cidades catarinenses de Joinville, Florianópolis, São José, Lages, Itajaí, Blumenau, Chapecó, Balneário Camboriú, Jaraguá do Sul, Criciúma, Tubarão, Araranguá, Rio do Sul, Mafra, Brusque, Caçador, Curitibanos, Xanxerê, Joaçaba, Içara, São Miguel do Oeste, São Bento do Sul, Indaial, Ibirama, Canoinhas, Concórdia, Ituporanga, Imbituba, Videira e Timbó.11
As entrevistas foram realizadas em cada hospital, de forma proporcional ao número de partos realizados em 2016, durante os meses de janeiro a agosto de 2019, período definido de coleta dos dados para análise. Os entrevistadores tinham ao menos o ensino médio completo, foram treinados previamente e realizaram as entrevistas em todos os dias da semana - inclusive finais de semana e feriados -, pela manhã e à tarde. Todos os nascimentos ocorridos em cada hospital, durante o período de coleta de dados, foram cobertos na pesquisa. O volume de nascimentos em cada unidade era inicialmente avaliado e, a partir dessa avaliação, as escalas de visita e permanência no hospital eram organizadas de modo a garantir a cobertura integral dos nascimentos.
Controle de viés
Antes da coleta de dados, realizou-se um teste-piloto com 5% da amostra total, em três hospitais participantes do estudo, com puérperas que atenderam aos mesmos critérios de inclusão. Essas entrevistas serviram para verificar a necessidade de ajustes no questionário, o tempo de aplicação da pesquisa e a logística de envio dos dados coletados. A parcela da amostra abordada no teste-piloto não fez parte do conjunto final de participantes.
Para o controle de qualidade dos dados, uma amostra aleatória definida mediante sorteio, constituída de 10% dos entrevistados, foi contatada novamente, por meio telefônico, para responder ao questionário reduzido, de oito perguntas. Não foram identificadas possíveis simulações de entrevistas (inventadas, inexistentes), por parte de entrevistadores, e todas as variáveis do controle de qualidade mostraram concordância boa ou quase perfeita: seis das oito variáveis analisadas apresentaram Kappa de Cohen maior que 0,68. Essas entrevistas, que compuseram o controle de qualidade, fizeram parte da amostra final do estudo.
Métodos estatísticos
Foi realizada a descrição da amostra, com sua proporção e intervalo de confiança de 95% (IC95%). A análise multivariável foi feita por meio de regressão logística, sendo calculada a razão de chances (odds ratio, OR) ajustada pelas variáveis independentes. Os resultados foram considerados com significância estatística quando apresentaram valor de p<0,05. Foi testada a multicolineariedade no modelo, mediante análise do fator de inflação da variância (VIF). As análises foram realizadas utilizando-se o programa estatístico Stata versão 15.1.
Aspectos éticos
O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal de Santa Catarina: Parecer nº 1.599.464, emitido em 20 de junho de 2016 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética [CAAE] nº 53671016.1.1001.0121). Todas as participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, requisito para conceder a entrevista.
Resultados
O total de puérperas participantes do estudo foi de 3.580, o que expressa uma taxa de resposta de 97,7%. O fluxo da amostra, desde o convite para participação até o desfecho, encontra-se na Figura 1. A amostra foi composta, em sua maioria, por mulheres na idade entre 18 e 34 anos (80,8%), de raça/cor da pele branca (63,4%), que moravam com companheiro (80,5%), com 10 a 12 anos de estudo (52,5%), com outros filhos (60,8%), sem trabalho remunerado no momento da pesquisa (54,0%). A maior parte das participantes realizou dez ou mais consultas de pré-natal (41,7%), iniciou o pré-natal no primeiro trimestre (81,8%) e não realizou atividade educativa na Atenção Básica do SUS (84,4%) (Tabela 1).
Variável | n | % (IC95%a) |
---|---|---|
Faixa etária (anos) | ||
13-17 | 173 | 4,9 (4,2;5,7) |
18-34 | 2.847 | 80,8 (79,4;82,1) |
≥35 | 504 | 14,3 (13,2;15,5) |
Raça/cor da pele | ||
Branca | 2.205 | 63,4 (61,8;65,0) |
Preta e parda | 1.271 | 36,6 (35,0;38,2) |
Situação conjugal | ||
Com companheiro | 2.864 | 80,5 (79,1;81,7) |
Sem companheiro | 695 | 19,5 (18,2;20,9) |
Escolaridade (anos de estudo) | ||
≤9 | 1.218 | 34,5 (33,0;36,1) |
10-12 | 1.853 | 52,5 (50,8;54,1) |
≥13 | 458 | 13,0 (11,9;14,1) |
Renda familiar per capita (tercil) | ||
1º | 1.134 | 33,4 (31,8;35,0) |
2º | 1.147 | 33,8 (32,2;35,4) |
3º | 1.114 | 32,8 (31,2;34,4) |
Paridade | ||
Com outro(s) filho(s) | 1.732 | 60,8 (59,0;62,6) |
Sem outros filhos | 1.117 | 39,2 (37,4;41,0) |
Trimestre de início do acompanhamento pré-natal | ||
1º | 2.829 | 81,8 (80,5;83,0) |
2º | 576 | 16,7 (15,4;17,9) |
3º | 52 | 1,5 (1,1;2,0) |
Número de consultas médicas/de enfermagem realizadas | ||
1-5 | 382 | 11,1 (10,1;12,2) |
6-7 | 659 | 19,2 (17,9;20,6) |
8-9 | 958 | 28,0 (26,5;29,5) |
≥10 | 1.429 | 41,7 (40,0;43,3) |
Trabalho remunerado atual | ||
Sim | 1.630 | 46,0 (44,3;47,6) |
Não | 1.914 | 54,0 (52,4;55,6) |
Participação em atividade educativa na Atenção Básica do SUSb | ||
Sim | 553 | 15,6 (14,4;16,8) |
Não | 2.991 | 84,4 (83,2;85,5) |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%; b) SUS: Sistema Único de Saúde.
Durante o pré-natal, 41,4% (IC95% 39,7;43,0%) das mulheres realizaram consulta odontológica. Entre as variáveis socioeconômicas que demonstraram associação com o acesso ao dentista, as mulheres com 13 ou mais anos de estudo tiveram mais chances de acesso a esses serviços (OR=1,35 - IC95% 1,06;1,71), em relação às de menor escolaridade, e as mulheres com trabalho remunerado apresentaram associação inversa com a realização de consulta odontológica, comparadas às que não se encontravam nessa condição (OR=0,82 - IC95% 0,70;0,96). Conforme aumentou o número de consultas médicas/de enfermagem realizadas, maior foi a chance de ter realizado consulta odontológica: as que tiveram dez ou mais consultas de pré-natal tiveram mais chance de receber atendimento odontológico (OR=1,97 - IC95% 1,47;2,65), comparadas às que realizaram entre uma e cinco consultas. A outra característica associada com o acesso a consulta odontológica foi a participação em atividades educativas oferecidas pelo SUS: aquelas que não participaram dessas atividades tiveram menos chances (OR=0,63 - IC95% 0,52;0,77) de terem se consultado com um profissional dentista (Tabela 2). Os resultados da VIF variaram entre 1,02 e 1,25, descartando-se a presença de multicolinearidade entre as variáveis do modelo.
Variável | Total | Consulta odontológica n (%) | ORa bruta (IC95%b) | p-valorc | ORa ajustada (IC95%b) | p-valorc |
---|---|---|---|---|---|---|
Faixa etária (anos) | 0,633 | 0,453 | ||||
13-17 | 173 | 68 (38,7) | 1,00 | 1,00 | ||
18-34 | 2.847 | 1.200 (41,7) | 1,13 (0,83;1,55) | 0,91 (0,65;1,29) | ||
≥35 | 504 | 200 (40,2) | 1,06 (0,75;1,52) | 0,81 (0,55;1,20) | ||
Raça/cor da pele | 0,289 | 0,275 | ||||
Branca | 2.205 | 888 (40,6) | 1,00 | 1,00 | ||
Preta e Parda | 1.271 | 569 (42,4) | 1,08 (0,94;1,24) | 1,08 (0,93;1,25) | ||
Situação conjugal | 0,941 | 0,836 | ||||
Com companheiro | 2.864 | 1.179 (41,5) | 1,00 | 1,00 | ||
Sem companheiro | 695 | 283 (41,3) | 0,99 (0,94;1,18) | 1,02 (0,85;1,22) | ||
Escolaridade (anos de estudo) | <0,001 | 0,048 | ||||
≤9 | 1.218 | 453 (37,6) | 1,00 | 1,00 | ||
10-12 | 1.853 | 773 (42,1) | 1,21 (1,04;1,40) | 1,09 (0,92;1,28) | ||
≥13 | 458 | 222 (48,5) | 1,56 (1,26;1,94) | 1,35 (1,06;1,71) | ||
Renda familiar per capita (tercil) | <0,001 | 0,163 | ||||
1º | 1.134 | 438 (39,1) | 1,00 | 1,00 | ||
2º | 1.147 | 456 (40,0) | 1,04 (0,88;1,23) | 0,98 (0,82;1,18) | ||
3º | 1.114 | 513 (46,3) | 1,35 (1,14;1,59) | 1,16 (0,96;1,41) | ||
Trabalho remunerado atual | <0,001 | 0,014 | ||||
Sim | 1.630 | 731 (45,2) | 1,00 | 1,00 | ||
Não | 1.914 | 727 (38,3) | 0,75 (0,66;0,86) | 0,82 (0,70;0,96) | ||
Paridade | 0,027 | 0,774 | ||||
Com outro(s) filho(s) | 1.732 | 492 (44,1) | 1,00 | 1,00 | ||
Sem outro(s) filho(s) | 1.117 | 975 (40,9) | 0,88 (0,75;1,02) | 0,97 (0,82;1,16) | ||
Trimestre de início do acompanhamento pré-natal | <0,001 | 0,166 | ||||
1º | 2.829 | 1.228 (43,5) | 1,00 | 1,00 | ||
2º | 576 | 197 (34,3) | 0,68 (0,56;0,81) | 0,83 (0,67;1,03) | ||
3º | 52 | 10 (19,2) | 0,31 (0,15;0,62) | 0,67 (0,31;1,40) | ||
Número de consultas médicas/de enfermagem realizadas | <0,001 | <0,001 | ||||
1-5 | 382 | 96 (25,1) | 1,00 | 1,00 | ||
6-7 | 659 | 249 (38,2) | 1,83 (1,38;2,41) | 1,72 (1,26;2,35) | ||
8-9 | 958 | 406 (42,6) | 2,21 (1,69;2,87) | 1,91 (1,41;2,58) | ||
≥10 | 1.429 | 655 (45,9) | 2,52 (1,96;3,25) | 1,97 (1,47;2,65) | ||
Participação em atividade educativa na Atenção Básica do SUSd | <0,001 | <0,001 | ||||
Sim | 553 | 293 (53,0) | 1,00 | 1,00 | ||
Não | 2.991 | 1.171 (39,3) | 0,57 (0,48;0,69) | 0,63 (0,52;0,77) |
a) OR: odds ratio (razão de chances); b) IC95%: intervalo de confiança de 95%; c) Teste de Wald; d) SUS: Sistema Único de Saúde.
A maioria das consultas foi motivada por revisão, para limpeza, manutenção ou prevenção (72,1%). Dor de dente (9,1%) e consulta para tratamento ortodôntico (6,7%) foram também citados (Tabela 3).
Motivo da consulta odontológica | n | % (IC95%a) |
---|---|---|
Revisão (limpeza, manutenção ou prevenção) | 1.057 | 72,1 (69,8;74,3) |
Dor de dente | 134 | 9,1 (7,8;10,7) |
Tratamento ortodôntico | 99 | 6,8 (5,6;8,1) |
Extração de dente | 31 | 2,1 (1,5;3,0) |
Tratamento de canal | 26 | 1,8 (1,2;2,6) |
Problema na gengiva | 39 | 2,6 (1,9;3,5) |
Outros motivos | 81 | 5,5 (4,5;6,8) |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Discussão
Menos da metade das parturientes atendidas nos 31 hospitais de Santa Catarina e participantes deste estudo realizaram consulta odontológica durante o pré-natal. A chance de realizar consulta odontológica foi maior entre mulheres com maior escolaridade, que exerciam trabalho remunerado, que realizaram mais consultas médicas ou de enfermagem no pré-natal e que participaram de atividade educativa oferecida pelo SUS. A maioria das consultas odontológicas teve como motivo a revisão, limpeza e manutenção, ou prevenção de problemas dentários.
Entre as limitações do estudo, está a coleta dos dados, que foi autorreferida e realizada durante a internação. A informação obtida está sujeita a viés de recordatório, visto que as mulheres foram questionadas sobre fatos ocorridos durante a gravidez. A coleta de dados no pós-parto imediato, entretanto, buscou compensar essa fragilidade. Como pontos fortes do estudo, encontra-se o fato de as puérperas da amostra representarem diferentes municípios de Santa Catarina e terem realizado o parto e o pré-natal exclusivamente pelo SUS.11
Menos da metade das mulheres usaram o serviço odontológico durante a gravidez. Em países da América do Norte, Ásia, Europa e América Latina, a realização de consultas odontológicas variou entre 17% e 83%.6 Menores prevalências foram observadas na Grécia em 2006 (27%), e na Malásia em 2008 (29%).6 Nos Estados Unidos e Canadá, a prevalência de visitas ao dentista durante a gravidez variou de 33% a 68% na década de 2005-2015, enquanto na França, ela foi de 44% em 2013.6 A maior prevalência descrita foi de 83% na Colômbia, em 2012.6 Cabe ressaltar que é difícil fazer uma comparação dessa prevalência entre diferentes países, consideradas as diferenças metodológicas (dados primários ou secundários; entrevistas com mulheres em diferentes trimestres gestacionais ou com puérperas) e de serviços ou sistemas de saúde em cada um deles (público ou privado; de hospital, centro de vacinação ou centro materno-infantil).6,13
Observou-se aumento na prevalência de consultas odontológicas realizadas durante o pré-natal, no Brasil, comparando-se dados de 2011-2012 com 2013-2014, passando de 46% para 52% em gestantes também atendidas pelo SUS.5 Na cidade de Canoas, RS, 50% das gestantes se consultaram com dentista durante o pré-natal.8 Já em Rio Grande, RS, no ano de 2013, tal proporção foi de 40%.7 Vale destacar que houve diferença nessa prevalência, relativamente ao pré-natal realizado na rede pública ou privada: gestantes atendidas na rede pública tiveram menos chance de realizar consulta odontológica, frente àquelas atendidas na rede privada.7
No Brasil, o acesso da população a serviços de saúde e odontológicos,15 incluídas as gestantes,5,7,14 está associado a maior renda, escolaridade e nível socioeconômico. No presente estudo, a variável ‘renda’ não obteve significância estatística na análise ajustada; entretanto, mulheres com maior escolaridade e com trabalho atual remunerado tiveram maior acesso a consultas odontológicas durante o pré-natal. As condições de saúde bucal de gestantes de maior escolaridade são melhores,16 sendo o maior acesso aos serviços uma das variáveis associadas a esse fato.10 Grupos com menor condição socioeconômica utilizam menos os serviços de saúde e possuem maior carga de doença, de forma a serem duplamente penalizados quanto a sua saúde bucal oral.17,18 O presente estudo não encontrou associação entre idade da gestante e consulta odontológica. Em Rio Grande, segundo o mesmo estudo de 2013,7 mulheres grávidas mais jovens realizaram mais consultas odontológicas, ao passo que na cidade de Hangzhou, China, em 2011, as gestantes de maior idade foram as mais atendidas.19 A associação da variável ‘idade’ com a utilização de serviços odontológicos não é clara, sendo os diferentes pontos de corte utilizados para sua classificação um dos motivos dessa diferença.6
O maior número de consultas de pré-natal com médicos ou enfermeiros e a participação em atividades educativas aumentaram as chances de realização de consulta odontológica durante a gravidez. Este resultado corrobora os de outros estudos com a mesma temática,7,14 indicando que, quanto maior o acesso aos serviços de saúde, maior a possibilidade de acesso a assistência odontológica. Na cidade de Rio Grande, observou-se que, quanto menor o número de consultas realizadas de pré-natal, maior a probabilidade de a gestante não procurar por atendimento odontológico nesse período.7 Na Grande Vitória, ES, em 2010, observou-se que a realização de consultas de pré-natal e o número dessas consultas, em diferentes idades gestacionais, estiveram estatisticamente associados à assistência odontológica, permitindo inferir que, quanto mais a gestante visita a unidade de saúde para o acompanhamento pré-natal, maiores são as possibilidades de realizar um atendimento odontológico adequado.9,14 Atividades de educação em saúde bucal e acesso à informação de qualidade estão associadas ao maior uso de serviços odontológicos na gestação, guardando relação com essas duas variáveis analisadas no presente estudo.6 As atividades educativas individuais e/ou coletivas influenciam a qualidade da assistência odontológica na gravidez, confirmando a importância das ações de educação em saúde realizadas pelo SUS durante o pré-natal.9,14 Ações de promoção da saúde bucal baseadas na abordagem de fatores de risco comuns podem garantir melhorias adicionais nas condições bucais orais, haja vista a discussão sobre a ineficácia de intervenções educativas isoladas.20 As atividades educativas voltadas às gestantes podem abordar uma série de temas relacionados à saúde da mãe e do bebê, incluindo a saúde bucal, e representam um exemplo concreto da viabilidade dessa estratégia.
O motivo mais citado para a procura de atendimento odontológico foi a revisão para limpeza, manutenção ou prevenção. No Espírito Santo, dados de 1.032 mulheres atendidas no SUS, entre abril e setembro de 2010, apontaram que a profilaxia profissional realizada pelo dentista foi a atividade mais relatada pelas puérperas, e que o percentual de mulheres atendidas por questões curativas, como dor e extração dentária, foi menor, indo ao encontro dos resultados do presente estudo.14 Mundialmente, os estudos que analisam as consultas de rotina ou de limpeza dentária durante a gestação relatam prevalências entre 17% e 37%, sendo a limpeza dentária uma das mais frequentes de consulta odontológica na gravidez.6
Em conclusão, fatores como escolaridade, emprego atual, consultas médicas e de enfermagem e atividades educativas aumentaram a chance de realização da consulta odontológica por gestantes que realizaram o pré-natal na Atenção Básica do SUS, em 2019. Considerando-se que o acesso a consulta odontológica no pré-natal ainda não é uma realidade para a maioria das mulheres, e que disparidades no acesso a esse serviço de saúde são observadas entre diferentes grupos, faz-se necessário reconhecer sua importância para uma assistência pré-natal integral no âmbito do SUS em Santa Catarina.