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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.30 no.4 Brasília dez. 2021  Epub 26-Nov-2021

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742021000400007 

ARTIGO ORIGINAL

Incidentes e eventos adversos de segurança do paciente notificados pelos cidadãos no Brasil: estudo descritivo, 2014-2018*

Incidentes y eventos adversos de seguridad del paciente reportados por los ciudadanos en Brasil: estudio descriptivo 2014-2018

Vanessa Cristina Felippe Lopes Villar (orcid: 0000-0002-4469-2796)1  , Mônica Martins (orcid: 0000-0002-9962-0618)2  , Elaine Teixeira Rabello (orcid: 0000-0002-8324-1453)3 

1Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

2Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

3Royal Tropical Institute, Amsterdã, Holanda

Resumo

Objetivo:

Descrever os incidentes em serviços de saúde notificados por cidadãos brasileiros no Sistema de Notificação de Vigilância Sanitária.

Métodos:

Estudo descritivo, com base em registros no Sistema de Notificações de Vigilância Sanitária (Notivisa) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), módulo ‘cidadão’, entre 2014 e 2018.

Resultados:

Foram notificados 935 incidentes que, preponderantemente, ocorreram com pessoas do sexo feminino (60,9%), idosas (20,1%) e de raça/cor da pele branca (51,0%). Os incidentes mais notificados estiveram relacionados ao uso de medicamentos (50,8%), quedas (7,5%) e infecções relacionadas à assistência à saúde (7,2%), ocorridos durante a prestação do cuidado, tratamento ou cirurgia (37,3%), no período diurno (58,3%) e em hospitais (37,4%).

Conclusão:

Observou-se baixa adesão dos cidadãos ao sistema de notificação. Houve maior frequência de notificações de incidentes relacionados a medicamentos, quedas e infecções relacionadas à assistência. Isto evidencia o potencial dos cidadãos em reconhecer e reportar tais incidentes como problemas de segurança do paciente.

Palavras-chave: Segurança do Paciente; Sistemas de Informação; Participação do Paciente; Qualidade da Assistência à Saúde; Epidemiologia Descritiva.

Resumen

Objetivo:

Describir los incidentes notificados por los ciudadanos brasileños en el Sistema de Notificación de Vigilancia Sanitaria.

Métodos:

Estudio descriptivo basado en los registros del Sistema de Notificación de Vigilancia Sanitaria de la Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria, módulo "ciudadano", entre 2014-2018.

Resultados:

Se notificaron 935 incidentes, preponderantemente, los pacientes fueron mujeres (60,9%), ancianos (20,1%) y de raza/color de piel blanca (51,0%). Los incidentes más notificados estaban relacionados con medicación (50,8%), caídas (7,5%) e infecciones relacionadas con la asistencia sanitaria (7,2%). Estos ocurrieron durante la atención, el tratamiento o la cirugía (37,3%), durante el día (58,3%) y en los hospitales (37,4%).

Conclusión:

Se observa la baja adherencia de los ciudadanos al sistema de notificación. Hubo una mayor frecuencia de notificaciones de incidentes relacionados con medicación, caídas e infecciones relacionadas con los cuidados. Se destaca la capacidad del ciudadano para reconocer y notificar incidentes como problemas de seguridad del paciente.

Palabras clave: Seguridad del Paciente; Sistemas de Información; Participación del Paciente; Calidad de la Atención de Salud; Epidemiología Descriptiva.

Introdução

A importância da participação e do engajamento do paciente em todas as etapas do cuidado, para garantia da qualidade e segurança do cidadão usuário dos serviços de saúde, é cada vez mais reconhecida, sobretudo no cenário internacional.1 A percepção do paciente e seu lugar central no cuidado aporta a esse ator um papel mais amplo, frequentemente um olhar distinto ou complementar à visão do profissional de saúde.2 Notificações de incidentes relacionados ao cuidado em saúde, realizadas por pacientes, familiares e cuidadores, fornecem informações úteis para a melhoria da qualidade e da segurança desse cuidado. Essas notificações podem contemplar incidentes não reconhecidos ou registrados pelos profissionais de saúde nos sistemas de notificação.3 A análise desses incidentes também revelou que sua ocorrência pode estar relacionada com o acúmulo de falhas ao longo de todo o cuidado, desde o hospital até o ambiente domiciliar e a comunidade onde o paciente está inserido.2 Em estudo realizado na Inglaterra, no ano de 2018, os pacientes identificaram incidentes relacionados a comunicação (21,7%), atendimento fornecido pelos profissionais (13,2%), ambiente (12,2%) e medicamentos (9,9%).4 Segundo outro estudo, realizado com 80 pacientes de uma clínica cirúrgica no Brasil, 17,5% deles identificaram algum tipo de incidente durante sua internação, sendo o mais comum relacionado ao processo de medicamentos (78,5%).5

Buscando dar voz e incorporar a percepção dos pacientes em todos os níveis de cuidado, a Organização Mundial da Saúde lançou o programa Patients for Patient Safety, com o propósito de fomentar a participação ativa de pacientes, familiares e cuidadores em todas as etapas do cuidado em saúde.6 Para aderir a essa iniciativa, diversas organizações elaboraram estratégias visando fortalecer a participação e o engajamento do paciente, apoiadas em diferentes ações, contando não só com os pacientes, mas também com seus familiares, como parceiros.7,8 Entre essas estratégias de fomento e participação dos cidadãos, foram disponibilizados sistemas de notificação de incidentes no cuidado em saúde, construídos e adotados em diversos países.9-12

No contexto brasileiro, preocupações com a segurança do paciente desdobraram-se no Programa Nacional de Segurança do Paciente13 e, no bojo deste, um sistema de notificação voluntária de incidentes foi desenvolvido. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criou o Sistema de Notificações de Vigilância Sanitária (Notivisa) com a finalidade de receber notificações de incidentes, eventos adversos e queixas técnicas. Reconhecendo a importância de profissionais e pacientes na prestação do cuidado, o Notivisa oferece dois módulos de notificação, para distintos públicos-alvo: (i) os profissionais atuantes nos Núcleos de Segurança do Paciente dos serviços de saúde e (ii) os cidadãos - pacientes, familiares, cuidadores, amigos e outros.14 O módulo ‘cidadão’, assim denominado, registra as notificações voluntárias de incidentes e eventos adversos pelos pacientes, familiares, cuidadores, amigos e outros. Nos últimos anos, foram publicados estudos pautados em informações oriundas do Notivisa; contudo, não foram encontradas análises baseadas no módulo ‘cidadão’.15,16

Haja vista o desafio de garantir a segurança do cuidado em saúde, tais iniciativas de fomento à participação ativa de pacientes necessitam ser examinadas; entre elas, a magnitude e as características dos incidentes nos serviços, sob a perspectiva de pacientes e familiares, registradas nos sistemas de notificação. O objetivo deste estudo foi descrever os incidentes em serviços de saúde notificados pelos cidadãos brasileiros no Notivisa.

Métodos

Delineamento

Estudo descritivo seccional, com base nas notificações registradas no Notivisa - módulo ‘cidadão’.12

Participantes

Foram analisadas todas as notificações realizadas no módulo ‘cidadão’ do Notivisa entre janeiro de 2014, ano de sua implantação, e dezembro de 2018.

Variáveis

Considerando-se as variáveis do sistema e as categorias predefinidas e imutáveis, as variáveis analisadas foram:

  1. Ano de notificação;

  2. Unidade da Federação de notificação;

  3. Responsável pela notificação (amigo; cuidador; familiar; paciente; outros);

  4. Faixa etária (em anos: ≤1; 2-4; 5-11; 12-17; 18-25; 26-35; 36-45; 46-55; 56-65; ≥66);

  5. Sexo (masculino; feminino);

  6. Raça/cor da pele (branca; parda; preta; amarela; indígena; não informada);

  7. Tipo de incidente (uso de medicamentos; queda do paciente; infecções relacionadas à assistência à saúde; atividades administrativas; produtos para a saúde; lesão por pressão; uso de sangue e derivados; identificação do paciente; cirurgia; falhas no cuidado e proteção do paciente; laboratórios clínicos ou de patologia; acidentes do paciente; assistência radiológica; doação de sangue ou hemocomponentes; transplante, enxerto ou fertilização; administração de dietas; outros);

  8. etapa do cuidado (durante a prestação dos cuidados, tratamento ou cirurgia; não estava internado; durante o diagnóstico; na admissão ou no acesso ao serviço de saúde; no acompanhamento após alta; na alta; na transferência para outra instituição ou serviço; prestação de cuidados ou cirurgia; durante ou após a doação de sangue);

  9. local do incidente (hospital; fora do serviço de saúde; ambulatório; farmácia ou drogaria; centro de saúde ou unidade básica de saúde [UBS]; serviço de urgência e emergência; medicina nuclear; serviço de radiologia; serviço de hemodiálise; laboratório de análises clínicas e anatomia patológica; serviço de hemoterapia; serviço ou instituição de saúde mental e psiquiátrica);

  10. período do dia (durante o dia; durante a noite ou madrugada; não informado); e

  11. grau do dano (nenhum; leve; moderado; grave; óbito).

Fontes de dados e mensuração

Os dados analisados, oriundos do módulo ‘cidadão’ do Notivisa, foram solicitados via Lei de Acesso à Informação e encaminhados à pesquisadora principal em 12 de dezembro de 2019, via correio eletrônico. Os dados foram disponibilizados conforme a estrutura do sistema. Além das variáveis pré-categorizadas, o sistema dispõe de um campo para resposta aberta denominado ‘outros’, utilizado com alguma frequência, para notificar incidentes já previstos nas categorias fechadas, em particular aqueles relacionados a medicamentos, cirurgias, produtos para a saúde, infecções relacionadas à saúde e quedas. Na variável ‘tipo de incidente’, há mais uma categoria denominada ‘outros’; esta foi reclassificada mediante a leitura das informações registradas, com base na International Classification for Patient Safety.17 Primeiramente, buscou-se reclassificar a categoria ‘outros’ nos campos previamente definidos. Nas notificações cuja reclassificação do tipo de incidente não se adequou às categorias definidas, optou-se por agrupá-las e nomeá-las em função de atividades ou características. Para ilustrar esse agrupamento, foram selecionados exemplos de notificações mais frequentes e graves registrados como ‘outros’, apresentados nos resultados.

Análise dos dados

Foi realizada a análise descritiva da distribuição de frequência das variáveis relacionadas aos incidentes em serviços de saúde disponíveis no módulo ‘cidadão’. Nessa análise, empregou-se o programa SPSS versão 24.0.

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, com a emissão do Parecer nº 3.492.606, em 7 de agosto de 2019 - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 17593419.7.0000.5240.

Resultados

No Brasil, os cidadãos notificaram 935 incidentes em serviços de saúde, entre 2014 e 2018. Das 197 notificações cujo tipo de incidente foi categorizado como ‘outros’, 92 foram reclassificadas (Tabela 1). Os incidentes e eventos adversos notificados mais frequentes foram relacionados ao uso de medicamentos (50,8%), queda do paciente (7,5%) e infecções relacionadas à assistência à saúde (7,2%) (Tabela 1). Das 105 notificações reclassificadas, 70 descreviam tipos de incidentes não previstos no sistema Notivisa - módulo ‘cidadão’. Essa descrição possibilitou alocar os incidentes em novos agrupamentos, como, por exemplo, os relacionados ao processo ou procedimento clínico, comportamento e estrutura (Tabela 2). Contudo, 35 notificações restaram não reclassificadas ou agrupadas, devido a imprecisão ou incompletude das respostas.

Tabela 1 - Tipos de incidentes notificados no Sistema de Notificações de Vigilância Sanitária (Notivisa), módulo ‘cidadão’ (n=935), Brasil, 2014-2018 

Tipo de incidente n %
Uso de medicamentos 475 50,8
Queda do paciente 70 7,5
Infecções relacionadas à assistência à saúde 67 7,2
Atividades administrativas 56 6,0
Produtos para a saúde 40 4,3
Lesão por pressão 36 3,9
Uso de sangue e derivados 24 2,6
Identificação do paciente 18 1,9
Cirurgia 17 1,8
Falhas no cuidado e proteção do paciente 7 0,8
Laboratórios clínicos ou de patologia 6 0,6
Acidentes do paciente 5 0,5
Assistência radiológica 4 0,4
Doação de sangue ou hemocomponente 2 0,2
Transplante, enxerto ou fertilização 2 0,2
Administração de dietas 1 0,1
Outros 105 11,2
Total 935 100,0

Tabela 2 - Incidentes notificados como ‘outros’ no Sistema de Notificações de Vigilância Sanitária (Notivisa) e reclassificação adotada (n=70), Brasil, 2014-2018 

Tipo de incidente notificado e reclassificado n Exemplos de incidente notificado
Processo clínico/procedimento clínico 29 Acesso venoso central mal fixado, levando a perda do mesmo. Flebite na punção venosa
Comportamento 9 Acompanhante agressiva Agressão ao colaborador
Recursos e gestão organizacional 8 Ausência de atendimento médico na pediatria. Funcionários não qualificados para o exercício da função ou desvio de função.
Estrutura 6 Descarte de lixo hospitalar de forma indevida. Enfermaria feminina sem banheiro para uso e cuidados das pacientes, devido a reforma necessária, por ordem da gerente. Falta de insumos (lençol, sabão, álcool; profissionais).
Problemas neurológicos 5 Apresenta agitação e confusão, querendo evadir-se do setor. Convulsão
Vacinas 5 Erro em procedimento vacinal Reação a vacina com febre acima de 40º C.
Alergia 4 Alergia devido a gel aplicado no procedimento de ultrassonografia.
Problemas do aparelho circulatório 2 Choque cardiogênico
Problemas gastrointestinais 1 Diarreia com sangue
Falhas na adesão a protocolos 1 Não higienização das mãos
Total 70  

Tabela 3 - Responsável pela notificação e características dos pacientes que sofreram incidentes (n=935), Brasil, 2014-2018 

Variável n %
Responsável pela notificação
Outros 462 49,4
Pessoa afetada 239 25,6
Familiar 146 15,6
Amigo 48 5,1
Cuidador 40 4,3
Sexo
Feminino 569 60,9
Masculino 366 39,1
Faixa etária (anos)
≤1 58 6,2
2-4 17 1,8
5-11 14 1,5
12-17 20 2,1
18-25 116 12,4
26-35 167 17,9
36-45 115 12,3
46-55 94 10,1
56-65 146 15,6
≥66 188 20,1
Raça/cor da pele
Branca 477 51,0
Parda 245 26,2
Preta 46 4,9
Amarela 22 2,4
Indígena 4 0,4
Não informada 141 15,1
Total 935 100,0

Tabela 4 - Características dos incidentes notificados (n=935), Brasil, 2014-2018 

Variável n %
Etapa do cuidado
Durante a prestação dos cuidados, tratamento ou cirurgia 349 37,3
Não estava internado 346 37,0
Durante o diagnóstico 107 11,5
Na admissão ou no acesso ao serviço de saúde 88 9,4
No acompanhamento após alta 22 2,4
Na alta 14 1,5
Na transferência para outra instituição ou serviço 5 0,5
Durante ou após a doação de sangue 4 0,4
Local do incidente
Hospital 350 37,4
Fora do serviço de saúde 279 29,8
Ambulatório 85 9,1
Farmácia ou drogaria 61 6,5
Centro de saúde ou unidade básica de saúde 49 5,3
Serviço de urgência e emergência 39 4,2
Medicina nuclear 35 3,7
Serviço de radiologia 12 1,3
Serviço de hemodiálise 11 1,2
Laboratório de análises clínicas e anatomia patológica 10 1,1
Serviço ou instituição de saúde mental e psiquiátrica 4 0,4
Período do dia
Durante o dia 545 58,3
Durante a noite ou madrugada 166 17,7
Não informado 224 24,0
Grau do dano
Leve 308 32,9
Moderado 247 26,4
Grave 225 24,1
Nenhum 133 14,2
Óbito 22 2,4
Total 935 100,0

Houve maior frequência de notificações no ano de 2018 (44,9%), seguido por 2016 (23,3%), 2015 (11,8%), 2017 (11,0%) e 2014 (9,0%). Maiores frequências de notificações foram provenientes da região Sudeste (37,5%), seguida por Nordeste (24,2%), Sul (16,5%), Centro-Oeste (15,8%) e Norte (6,0%). Em relação à Unidade da Federação, observou-se maior frequência de notificações dos estados de São Paulo (15,5%), Minas Gerais (15,4%) e Maranhão (10,9%), e menor frequência de notificações da Paraíba e de Roraima.

O principal responsável pela notificação identificou-se como ‘outros’ (49,4%), seguido pela ‘pessoa afetada' (25,6%). A maior parte dos registros de incidentes foi com pacientes do sexo feminino (60,9%), de ≥66 anos (20,1%) e de raça/cor da pele branca (51,0%); 15,1% dos notificantes não informaram a raça/cor da pele do paciente (Tabela 3). Excluídos estes casos sem a informação da variável, os pacientes de raça/cor da pele branca representaram quase o dobro (60,1%) daqueles de raça/cor da pele parda (30,9%), e os de raça/cor da pele parda e preta, agregados, contabilizaram 36,6%.

A maior parte dos incidentes e eventos adversos ocorreu durante a prestação do cuidado, tratamento ou cirurgia (37,3%), e no período diurno (58,3%). O hospital foi o local do incidente com mais registros (37,4%); 32,9% dos incidentes foram considerados leves e 2,4% resultaram em óbitos (Tabela 4).

Discussão

A maior parte dos incidentes notificados foi relacionada ao uso de medicamentos, seguido por queda do paciente e infecções relacionadas à assistência à saúde. Esses incidentes atingiram, preponderantemente, mulheres, idosos e cidadãos de raça/cor da pele branca, e ocorreram, com maior frequência, durante a prestação do cuidado, tratamento ou cirurgia, no hospital e no período diurno. Quanto ao grau do dano, um terço das notificações considerou o dano leve, menos frequentes foram os danos graves, e a proporção de óbitos foi inferior a 2,5%. Considerou-se baixa adesão geral ao sistema de notificação, passados cinco anos de sua implantação.

A elevada proporção de incidentes categorizados como ‘outros’ e a imprecisão ou carência de informações nos campos abertos dificultaram a análise e, portanto, limitaram o estudo. Após a reclassificação dos incidentes originalmente notificados na categoria ‘outros’, observou-se que grande parte dessas notificações poderia ter sido registrada nos campos específicos predefinidos no sistema.

Verificou-se uma baixa adesão geral ao sistema de notificação, mesmo cinco anos após sua implantação. No período de estudo (2014 a 2018), foram realizadas, somente no Sistema Único de Saúde, 57.281.573 internações.18 Tendo em vista a incidência de eventos adversos, que varia entre 7,6% e 10,0%, cerca de 4 milhões de eventos adversos com dano poderiam ter ocorrido.19,20 À luz desse volume de internações, haver 935 notificações de incidentes em cinco anos parece aquém do esperado. Concorre para isso a percepção e letramento em saúde dos pacientes e familiares, o desconhecimento da existência do sistema e a não obrigatoriedade de registro desses incidentes. Entre os fatores que podem afetar o envolvimento dos pacientes e familiares nas notificações, estão questões relacionadas às características do sistema de notificação, como facilidade de notificar, uso de terminologia compreensível, com perguntas claras e bem elaboradas,9 e o conhecimento dos pacientes, que devem perceber algum tipo de benefício na notificação.10 Estudos que utilizaram sistemas de notificação voltados para os pacientes como fonte de informação analisaram um volume inferior ao aqui tratado, porém com recortes temporais circunscritos.9-11 Repensar a concepção do sistema em parceria com os usuários, além de campanhas de divulgação do Notivisa, podem ser estratégias capazes de aumentar sua participação na notificação de incidentes nos serviços de saúde prestados. De modo semelhante, o desenvolvimento de novas abordagens metodológicas, na captura dos relatos dos pacientes, facilitaria seu engajamento e de seus familiares na notificação de incidentes.2

Além do volume reduzido de notificações, estas foram geograficamente circunscritas. A região Sudeste concentrou a maior parte delas, comparativamente, em especial os estados de São Paulo e Minas Gerais. Este achado é importante, pois o Sudeste é a região mais populosa, economicamente mais desenvolvida e com grande oferta de estabelecimentos de saúde, frente às demais regiões do país, e, consequentemente, conta com maior volume de consultas e internações.21 Em contrapartida, com o menor número de notificações de incidentes, a região Norte apresenta um cenário geográfico, demográfico, econômico e de oferta de serviços diametralmente oposto ao do Sudeste. Essa diferença deve ser considerada ao se analisarem os resultados encontrados, uma vez que estes podem refletir, majoritariamente, a perspectiva dos usuários do Sudeste, ainda que a abrangência do estudo tenha sido nacional.

Os incidentes notificados com maior frequência no módulo ‘cidadão’ do Notivisa foram problemas com medicamentos, quedas e infecções relacionadas à assistência à saúde de baixa gravidade, achados semelhantes aos de duas outras pesquisas, realizadas nos Estados Unidos9,10 e na Finlândia,11 publicadas entre 2017 e 2018, que utilizaram sistemas de notificação voltados para pacientes e familiares e elencaram problemas relacionados a medicamentos,9,10 quedas11 e infecções,10 e sem danos reportados.9,11

Os cidadãos notificaram incidentes perceptíveis no cuidado, representativos dos desafios à qualidade e segurança do paciente em sistemas de saúde ao redor do mundo. Problemas decorrentes do uso de medicamentos são reconhecidos como os mais comuns, por pacientes e familiares, dentro e fora das organizações de saúde.1,22

A queda, segundo tipo de incidente mais frequente, pode levar ao aumento no tempo de permanência hospitalar, nos custos do tratamento, além de gerar graves sequelas para os pacientes.23 De modo semelhante, a terceira categoria mais notificada - as infecções relacionadas à assistência à saúde - consiste dos incidentes mais frequentes no cuidado hospitalar24 e também representa um grande desafio para a segurança do cuidado em países de baixa e média renda,25 capaz de gerar danos a todos os envolvidos, gastos excessivos para o sistema de saúde e as famílias, e até mesmo óbitos.25-27

A maior parte dos incidentes notificados ocorreu com idosos, achado semelhante ao de estudo com base em revisão de prontuários, realizado no Brasil em 2019,21 parcialmente explicável pelo maior número de comorbidades, maior tempo de permanência hospitalar e uso de múltiplos medicamentos.28-30 Quanto ao grau do dano, majoritariamente leve, o resultado foi semelhante ao de outros estudos que se utilizaram dos registros de sistemas de notificação voltados para os pacientes, familiares e cuidadores.9,11 Contudo, os cidadãos também foram capazes de notificar incidentes graves que levaram a óbitos. Em linhas gerais, os relatos dos pacientes parecem mais detalhados e explícitos que os dos profissionais de saúde, constituindo valiosa fonte de informação para a análise e aprimoramento dos serviços de saúde.30

Observou-se baixo número de notificações no período de estudo. Houve maior frequência de incidentes relacionados ao uso de medicamentos, seguidos de quedas de pacientes e infecções relacionadas à assistência à saúde. Estes achados evidenciam a capacidade dos cidadãos de reconhecer esses incidentes como problemas de segurança do paciente, e reportá-los como tal. Para melhor se compreender a dinâmica de utilização de plataformas desse tipo pelo cidadão e, consequentemente, melhorar a adesão dos pacientes e familiares, novos estudos sobre o Notivisa deverão ser realizados na perspectiva do cuidado centrado no paciente.

Agradecimentos

A Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro, pela leitura e sugestões para aprimoramento do texto.

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*Artigo derivado da tese de doutorado acadêmico intitulada ‘A perspectiva do paciente sobre segurança e qualidade do cuidado em saúde no contexto brasileiro: dos sistemas de notificação à internet’, defendida por Vanessa Cristina Felippe Lopes Villar junto ao Programa de Doutorado em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, em 20 de abril de 2021. Mônica Martins recebe bolsa de Produtividade em Pesquisa, concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações: Processo nº 306100/2019-3.

Recebido: 01 de Março de 2021; Aceito: 01 de Junho de 2021

Correspondência: Vanessa Cristina Felippe Lopes Villar - Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Avenida Brasil, nº 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 21040-360 E-mail: vanessalopesvillar@gmail.com

Contribuição das autoras

Villar VCFL contribuiu na concepção da pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Martins M e Rabello ET contribuíram na análise e interpretação dos dados e revisão crítica do manuscrito. Todas as autoras aprovaram a versão final e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

Editora associada:

Taís Freire Galvão - orcid.org/0000-0003-2072-4834

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