Contribuições do estudo
Principais resultados
A baixa pontuação no escore dos indivíduos em estudo sinalizou para o consumo inadequado de alimentos considerados saudáveis, o que, junto a outros fatores, pode redundar em problemas de saúde no futuro.
Introdução
A adolescência, que compreende a faixa etária dos 10 aos 19 anos,1 é considerada uma fase complexa de adaptação do indivíduo a suas mudanças físicas, psicológicas e ambientais.1 Trata-se de um período de extrema importância para a formação e consolidação de hábitos e atitudes saudáveis, incluindo os alimentares, com poder de influenciar o estado de saúde atual e futuro.2 A literatura tem sido consistente ao demonstrar o papel da alimentação adequada, em quantidade e qualidade, na prevenção de doenças como diabetes mellitus, hipertensão e doenças cardiovasculares, as quais vêm sendo identificadas em idades precoces, a exemplo da adolescência.3,4
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2015, ao investigar o consumo alimentar de estudantes do 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas de todo o país, observou consumo menos frequente de alimentos in natura (como frutas e hortaliças) ou minimamente processados, associado ao consumo elevado de alimentos não saudáveis e de baixa qualidade nutricional (como guloseimas e refrigerantes), conforme verificado em outros estudos.5 Hábitos alimentares inadequados estão intimamente relacionados a desfechos desfavoráveis de saúde3,4 e ganham maior relevância diante do aumento da prevalência de excesso de peso entre adolescentes brasileiros.6
Frente às repercussões da alimentação no estado nutricional e na incidência de doenças, pesquisadores têm buscado desenvolver índices para avaliar a qualidade da dieta da população, tanto no nível individual quanto no populacional.7,8 Esses índices foram formulados e adaptados para diferentes públicos, ao longo dos anos, levando em consideração as recomendações alimentares de cada país e as particularidades de cada estágio da vida. O índice de qualidade da dieta, ou IQD [tradução do original inglês, HEI (Healthy Eating Index)], desenvolvido pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e adaptado por Fisberg et al.9 para uso no Brasil, utiliza informações provenientes de recordatórios de 24 horas.
A avaliação da qualidade da dieta de estudantes adolescentes é um tema pertinente, haja vista a alimentação associar-se, de forma articulada, a indicadores de saúde atuais e futuros, posto que os hábitos alimentares adquiridos na adolescência poderão ter repercussões na vida adulta. A presente investigação pretende apoiar ações de promoção da alimentação saudável e prevenção de doenças e agravos nutricionais.10 São poucos os estudos que avaliam a qualidade da dieta nesse grupo etário,11,12 principalmente sob a perspectiva de aplicação de um índice simples, na região Sul do país,10,11 no ambiente escolar.
O objetivo do estudo foi identificar os fatores associados à qualidade da dieta de estudantes do 9º ano da rede municipal de ensino de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Métodos
Estudo transversal, de tipo ‘censo de base escolar’, realizado no ano de 2019, com estudantes do 9º ano do ensino fundamental das escolas municipais da zona urbana de Pelotas, RS, vinculadas ao Programa Saúde na Escola (PSE). Vale ressaltar que o estudo faz parte de uma pesquisa mais abrangente, que avaliou o estado nutricional e outros indicadores de saúde de todos os escolares matriculados do 1º ao 9º ano do ensino fundamental das escolas municipais urbanas de Pelotas.
O município conta com uma população aproximada de 342 mil habitantes, dos quais 16% (52.485) são adolescentes.13 Atualmente, Pelotas dispõe de 51 unidades básicas de saúde (38 localizadas na zona urbana e 13 na zona rural), o produto interno bruto per capita do município é estimado em R$ 17.353,15 e seu índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M) é igual a 0,739.13
À época do estudo, a zona urbana de Pelotas contava com 40 escolas municipais de ensino fundamental (EMEF). Destas, 30 possuíam ensino fundamental completo, sendo 25 vinculadas ao PSE. Conforme a Secretaria Municipal de Educação e Desporto de Pelotas, em 2019, estas últimas ofereciam ensino fundamental para 11.658 estudantes, sendo elegíveis para o presente estudo todos os 951 matriculados no 9º ano.
O recorte populacional em estudantes do 9º ano do ensino fundamental justifica-se pelo fato de ser a mínima escolarização necessária para responder ao questionário autoaplicável, além do fato de os estudantes matriculados nesse ano escolar terem idade próxima à idade de referência preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS),14 que é a de 13 a 15 anos. Para se iniciar a coleta de dados, deu-se preferência às escolas vinculadas ao PSE, porque utilizam o termo de autorização de participação nos Programas de Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde, para todos os alunos, o que habilita a avaliação antropométrica de todos. Além disso, a coleta de dados restringiu-se a essas escolas, porque a pandemia de COVID-19, ao implicar a suspensão das atividades presencias nas escolas no início do ano letivo de 2020, impossibilitou a conclusão do trabalho de campo nas escolas ainda faltantes. Foram excluídos das análises aqueles estudantes com idade superior a 19 anos, pois o presente estudo se limitava a adolescentes. Os estudantes que apresentavam alguma incapacidade física ou mental que os impossibilitasse de preencher o questionário não foram incluídos no estudo. Tais incapacidades, quando existentes, eram informadas à equipe de pesquisa pela coordenação da escola. Considerou-se como perda para a pesquisa os estudantes não encontrados em sala de aula após 3 tentativas, em dias e horários diferentes, pela equipe de pesquisa.
Para a coleta das informações alimentares, utilizou-se o formulário de Marcadores de Consumo Alimentar do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan),15 referente ao consumo, na última semana, de dez alimentos/itens alimentares, sendo cinco deles considerados saudáveis - frutas frescas ou salada de frutas (frutas); legumes e verduras cozidos; salada crua (vegetais crus); feijão; leite/iogurte - e os cinco demais considerados não saudáveis - batata frita, batata de pacote e salgados fritos (salgados fritos); bolachas/biscoitos doces ou recheados, doces, balas e chocolates (doces industrializados); bolacha/biscoitos salgados ou salgadinhos de pacote (salgados industrializados); hambúrguer e embutidos; refrigerantes.
A qualidade da dieta dos estudantes foi avaliada por meio de um índice desenvolvido pelos próprios autores, posteriormente à coleta de dados dos estudantes, tendo como base uma metodologia proposta em estudo anterior realizado com outro grupo etário, do mesmo município, e mais um estudo que adotou instrumento similar.16,17 Primeiramente, as frequências de consumo semanal de cada alimento/grupo de alimentos foram agrupadas em quatro categorias: (i) não comeu na última semana; (ii) comeu 1-3 dias na semana; (iii) comeu 4-6 dias na semana; e (iv) comeu diariamente. Para cada uma destas categorias, atribuiu-se uma pontuação variável, de 0 a 3 (Quadro 1). Levando-se em consideração que não existe uma recomendação de frequência ideal de consumo alimentar, convencionou-se que maiores pontuações seriam atribuídas a maior frequência de consumo semanal de alimentos considerados saudáveis, desde que maiores frequências, possivelmente, representem maior consumo desses alimentos. Dessa forma, os alimentos/grupos alimentares considerados saudáveis receberam pontuação de forma crescente (não comeu = 0 ponto; comeu diariamente = 3 ponto), enquanto os alimentos considerados não saudáveis receberam pontuação decrescente (não comeu = 3 pontos; comeu diariamente = 0 ponto), tendo em vista que a recomendação é de redução do consumo desses alimentos.
Componentes do índice | Pontuação por categoria de consumo |
---|---|
Saudáveisa | 0 = não comeu na última semana |
Frutas frescas ou salada de frutas (frutas); legumes e verduras cozidos; salada crua (vegetais crus); feijão; leite/iogurte. | 1 = comeu 1-3 dias/semana |
2 = comeu 4-6 dias/semana | |
3 = comeu todos os dias | |
Não saudáveisb | 0 = comeu todos os dias |
Batata frita, batata de pacote e salgados fritos (salgados fritos); bolachas/biscoitos doces ou recheados, doces, balas e chocolates (doces industrializados); bolacha/biscoitos salgados ou salgadinhos de pacote (salgados industrializados); hambúrguer e embutidos; refrigerantes. | 1 = comeu 4-6 dias/semana |
2 = comeu 1-3 dias/semana | |
3 = não comeu na última semana |
A pontuação total do índice poderia variar de 0 a 30 pontos, sendo uma maior pontuação sugestiva de maior frequência semanal de consumo de alimentos considerados saudáveis e menor frequência de consumo semanal de alimentos não saudáveis. Posteriormente, essa pontuação foi dividida em tercis: 1º tercil (menor pontuação) - baixa qualidade; 2º tercil - qualidade intermediária; e 3º tercil (maior pontuação) - alta qualidade da dieta.
As variáveis sociodemográficas independentes estudadas foram o sexo (masculino; feminino), a faixa etária (em anos completos: 13 a 14; 15; 16 a 19), a raça/cor da pele (informada pelo adolescente e posteriormente dicotomizada: branca ou preta/parda/amarela/indígena) e a escolaridade materna (informada pelo adolescente em número de anos de estudo da mãe concluídos com aprovação: <8; 8-11; ≥12).
Com relação às variáveis comportamentais, avaliou-se a realização de refeições na companhia da família (não; sim) mediante a proposição da pergunta Tu costumas almoçar ou jantar com as pessoas que moram contigo?, enquanto a experimentação de tabaco (não; sim) foi obtida pela pergunta Alguma vez na vida tu fumaste, mesmo uma ou duas tragadas? e a experimentação alcoólica (não; sim) pela pergunta Alguma vez na vida tu experimentaste bebida alcoólica?. O tempo semanal de atividade física no lazer foi mensurado a partir de uma lista de 12 atividades físicas propostas ao adolescente, suas respectivas frequências e durações. Foram considerados ativos os adolescentes que atingiram a prática de pelo menos 300 minutos de atividade física no lazer na semana anterior à entrevista, segundo recomendações atuais.18
As escolas foram visitadas em datas aleatórias, durante o período de abril a dezembro de 2019, conforme disponibilidade da equipe de trabalho e do calendário escolar, em dia previamente acordado com a equipe diretiva da escola. Os alunos eram identificados e convidados a participação em sala de aula. A coleta de dados ocorreu na forma de questionário, autopreenchido.
Os dados foram duplamente digitados utilizando-se o programa EpiData em sua versão 3.1 (Epidata Association, Odense, Dinamarca), enquanto as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o pacote estatístico Stata versão 16.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Primeiramente, foi realizada a descrição da amostra em números absolutos (N) e relativos (%), conforme características socioeconômicas, demográficas e comportamentais dos adolescentes. Compararam-se as médias de escore de cada componente de acordo com os tercis de qualidade da dieta, mediante análise de variância (oneway). A regressão logística multinomial foi utilizada para avaliar a associação da classificação da qualidade da dieta (baixa; intermediária; alta) com as variáveis independentes, sendo os resultados descritos em odds ratio (OR: razão de chances) bruta e ajustada para possíveis fatores de confusão, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Aplicou-se ‘baixa qualidade da dieta’ como categoria de referência. A análise ajustada foi conduzida de maneira hierarquizada, em dois níveis: no primeiro nível, foram incluídas as variáveis sociodemográficas; e no segundo nível, as variáveis comportamentais. Em cada nível, o p-valor foi verificado, removendo-se as variáveis com o maior p-valor, um a um, do modelo de análise. Foram mantidas na análise, para controle de possíveis efeitos de confusão, as variáveis associadas ao desfecho com p-valor <0,20 (experimentação de tabaco e atividade física no lazer). Testes de tendência linear (teste de Wald) e heterogeneidade (teste de Parm) foram utilizados de acordo com a natureza das variáveis. Assumiu-se um nível de significância de 5% nas associações.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (CEP_FEN/UFPel): Parecer nº 2.843.572, emitido em 24 de agosto de 2018. Previamente à coleta de dados, todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e apenas responderam ao questionário aqueles cujos pais/responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A realização da pesquisa foi autorizada pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto de Pelotas.
RESULTADOS
Dos 951 estudantes adolescentes elegíveis para o estudo, 808 foram avaliados. As perdas e recusas corresponderam a 15% (143), em sua maioria do sexo feminino (56,0%) e adolescentes com 15 anos (37,3%).
As características sociodemográficas e comportamentais desses estudantes são apresentadas na Tabela 1. A maior parte da amostra era do sexo feminino (51,6%), de 13 a 15 anos de idade (80,5%) e de raça/cor da pele branca (61,3%). Quanto à escolaridade materna, cerca de 75% dos adolescentes tinham mães com pelo menos oito anos completos de estudo. Em relação às características comportamentais, 85,4% dos adolescentes informaram realizar refeições com a família, enquanto 18,2% e 73,6% já haviam experimentado tabaco e álcool, respectivamente. Mais da metade dos adolescentes (54,2%) foram classificados como inativos.
Características | Na | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 391 | 48,4 |
Masculino | 417 | 51,6 |
Grupo etário (em anos completos) | ||
13-14 | 314 | 38,9 |
15 | 336 | 41,6 |
16-19 | 158 | 19,5 |
Raça/cor da pele | ||
Branca | 488 | 61,3 |
Preta/amarela/parda/indígena | 308 | 38,7 |
Escolaridade materna (em anos completos) | ||
<8 | 153 | 24,4 |
8-11 | 106 | 16,9 |
≥12 | 368 | 58,7 |
Realiza refeições com a família | ||
Não | 117 | 14,6 |
Sim | 684 | 85,4 |
Experimentação de tabaco | ||
Não | 637 | 81,8 |
Sim | 142 | 18,2 |
Experimentação de álcool | ||
Não | 208 | 26,4 |
Sim | 581 | 73,6 |
Atividade física no lazer | ||
Inativo | 436 | 54,2 |
Ativob | 369 | 45,8 |
a) Para a variável ‘escolaridade materna’, o número máximo de informações ignoradas foi de n=181; b) ≥300 minutos por semana.
A mediana de pontos do índice foi de 16,0 - na amplitude de valores de 3 a 30 pontos. A média de pontos de cada componente (grupo ou combinação de alimentos), por categoria do índice, pode ser observada na Tabela 2. Para cada componente, a pontuação poderia variar de 0 a 3 pontos. Na categoria de baixa qualidade da dieta, encontraram-se as menores médias para os alimentos saudáveis (indicando menor consumo) e não saudáveis (indicando maior consumo). Foi notável a diferença no consumo de legumes e verduras cozidos, entre as categorias de qualidade da dieta, em que a média parte de 0,75 ponto, na baixa qualidade, passa para 1,31 na qualidade intermediária e chega a 2,10 na qualidade alta. No grupo de alta qualidade da dieta, vegetais crus (média de 1,91 ponto) e leite/iogurte (média de 1,95 ponto) tiveram menor frequência de consumo. Quanto aos alimentos considerados não saudáveis, salgados fritos (média de 2,31 pontos) foram os mais frequentemente consumidos entre os adolescentes com alta qualidade da dieta, enquanto doces industrializados (média de 1,92 ponto) foram os de mais baixo consumo entre os adolescentes desse grupo.
Componentes do índice | Amplitude de escore | Qualidade da dieta, em escores | p-valorb | ||
---|---|---|---|---|---|
Baixa | Intermediária | Alta | |||
Média (DPa) | Média (DPa) | Média (DPa) | |||
Saudáveisc | |||||
Frutas | 0 - 3 | 0,89 (0,84) | 1,30 (086) | 1,99 (0,90) | <0,001 |
Legumes e verduras cozidos | 0 - 3 | 0,75 (0,73) | 1,31 (0,86) | 2,10 (0,89) | <0,001 |
Vegetais crus | 0 - 3 | 0,76 (0,81) | 1,14 (0,93) | 1,91 (0,99) | <0,001 |
Feijão | 0 - 3 | 1,36 (0,97) | 1,81 (0,93) | 2,20 (0,88) | <0,001 |
Leite/iogurte | 0 - 3 | 1,21 (1,10) | 1,52 (1,12) | 1,95 (1,09) | <0,001 |
Não saudáveisd | |||||
Salgados fritos | 0 - 3 | 1,62 (0,79) | 2,09 (0,58) | 2,31 (0,61) | <0,001 |
Doces industrializados | 0 - 3 | 1,05 (0,81) | 1,67 (0,79) | 1,92 (0,72) | <0,001 |
Salgados industrializados | 0 - 3 | 1,49 (0,88) | 2,03 (0,73) | 2,15 (0,71) | <0,001 |
Hambúrguer e embutidos | 0 - 3 | 1,46 (0,86) | 1,78 (0,87) | 2,18 (0,82) | <0,001 |
Refrigerantes | 0 - 3 | 1,28 (0,89) | 1,78 (0,80) | 2,20 (0,71) | <0,001 |
Total | 0 - 30 | 11,8 (2,14) | 16,4 (1,13) | 20,9 (2,06) |
a) DP: desvio-padrão; b) Teste de Wald para tendência linear; c) Maiores médias do escore indicam maior frequência de consumo; d) Maiores médias do escore indicam menor frequência de consumo.
As Tabelas 3 e 4 mostram as ORs brutas e ajustadas para as variáveis independentes, conforme categorias de qualidade da dieta - intermediária e alta, respectivamente. Apenas as variáveis ‘experimentação de tabaco’ (p<0,001) e ‘atividade física no lazer’ (p=0,012) estiveram associadas à alta qualidade da dieta. Após ajuste para possíveis fatores de confusão, aqueles que informaram ter experimentado tabaco apresentaram 2,92 vezes mais chances (IC95% 1,74;4,92; p<0,001) de estarem classificados no grupo de alta qualidade da dieta, relativamente aos que não haviam experimentado tabaco. Os adolescentes ativos no lazer tiveram 65,0% (IC95% 1,15;2,38; p-valor=0,007) mais chances de estarem classificados no grupo de alta qualidade da dieta. As demais variáveis estudadas permaneceram estatisticamente não associadas ao desfecho.
Características | Qualidade intermediária da dietaa | |||
---|---|---|---|---|
ORb bruta (IC95%c) | p-valord | ORb ajustada (IC95%c) | p-valord | |
Nível 1 | ||||
Sexo | 0,450 | 0,450 | ||
Masculino | 1,00 | 1,00 | ||
Feminino | 0,88 (0,64;1,22) | 0,88 (0,64;1,22) | ||
Grupo etário (em anos completos) | 0,399 | 0,352 | ||
13-14 | 1,00 | 1,00 | ||
15 | 0,83 (0,57;1,19) | 0,82 (0,57;1,18) | ||
16-19 | 0,93 (0,60;1,44) | 0,92 (0,59;1,42) | ||
Raça/cor da pele | 0,624 | 0,549 | ||
Branca | 1,00 | 1,00 | ||
Preta/amarela/parda/indígena | 1,09 (0,78;1,52) | 1,11 (0,79;1,56) | ||
Escolaridade materna (em anos completos) | 0,401d | 0,362e | ||
<8 | 1,00 | 1,00 | ||
8-11 | 0,92 (0,51;1,66) | 0,89 (0,49;1,60) | ||
≥12 | 0,83 (0,53;1,30) | 0,81 (0,51;1,28) | ||
Nível 2 | ||||
Realiza refeições com a família | 0,652 | 0,902 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,11 (0,71;1,74) | 1,03 (0,64;1,66) | ||
Experimentação de tabaco | 0,008 | 0,009 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,74 (1,15;2,63) | 1,73 (1,15;2,62) | ||
Experimentação de álcool | 0,200 | 0,552 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 0,78 (0,53;1,14) | 0,89 (0,59;1,32) | ||
Atividade física no lazerf | 0,204 | 0,189 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,24 (0,89;1,71) | 1,25 (0,90;1,75) |
a) Categoria de referência = baixa qualidade da dieta; b) OR: odds ratio ou razão de chances; c) IC95%: intervalo de confiança de 95%; d) Teste de Parm para heterogeneidade; e) Teste de Wald para tendência linear; f) ≥300 minutos por semana. Nota: Ajustado para ‘sexo’, ‘grupo etário’, ‘raça/cor da pele’, ‘escolaridade materna’, se ‘realiza refeições com a família’, ‘experimentação de tabaco’, ‘experimentação de álcool’ e ‘atividade física no lazer’.
Características | Qualidade alta da dietaa | |||
---|---|---|---|---|
ORb bruta (IC95%c) | p-valord | ORb ajustada (IC95%c) | p-valord | |
Nível 1 | ||||
Sexo | 0,092 | 0,577 | ||
Masculino | 1,00 | 1,00 | ||
Feminino | 0,74 (0,68;1,13) | 0,90 (0,61;1,31) | ||
Grupo etário (em anos completos) | 0,254 | 0,427 | ||
13-14 | 1,00 | 1,00 | ||
15 | 1,02 (0,69;1,50) | 1,00 (0,68;1,48) | ||
16-19 | 0,70 (0,42;1,16) | 0,69 (0,41;1,13) | ||
Raça/cor da pele | 0,385 | 0,549 | ||
Branca | 1,00 | 1,00 | ||
Preta/amarela/parda/indígena | 1,17 (0,82;1,69) | 1,24 (0,86;1,79) | ||
Escolaridade materna (em anos completos) | 0,643d | 0,445e | ||
<8 | 1,00 | 1,00 | ||
8-11 | 1,05 (0,56;1,96) | 0,98 (0,52;1,86) | ||
≥12 | 0,91 (0,56;1,47) | 0,84 (0,51;1,38) | ||
Nível 2 | ||||
Realiza refeições com a família | 0,315 | 0,979 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,30 (0,78;2,15) | 0,99 (0,58;1,69) | ||
Experimentação de tabaco | <0,001 | <0,001 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,76 (1,66;4,59) | 2,92 (1,74;4,92) | ||
Experimentação de álcool | 0,027 | 0,138 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 0,63 (0,42;0,95) | 0,73 (0,47;1,11) | ||
Atividade física no lazerf | 0,012 | 0,007 | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,57 (1,10;2,23) | 1,65 (1,15;2,38) |
a) Categoria de referência = baixa qualidade da dieta; b) OR: odds ratio ou razão de chances; c) IC95%: intervalo de confiança de 95%; d) Teste de Parm para heterogeneidade; e) Teste de Wald para tendência linear; f) ≥300 minutos por semana. Nota: Ajustado para ‘sexo’, ‘grupo etário’, ‘raça/cor da pele’, ‘escolaridade materna’, se ‘realiza refeições com a família’, ‘experimentação de tabaco’, ‘experimentação de álcool’ e ‘atividade física no lazer’.
Discussão
A pontuação total do índice de qualidade da dieta, com uma baixa mediana entre os adolescentes incluídos no estudo, alerta para a importância da alimentação dos jovens. A alimentação é a base para a promoção e proteção da saúde, ao possibilitar o crescimento e o desenvolvimento com qualidade de vida.
A baixa frequência de consumo de vegetais crus e de leite/iogurte, aliada à ingestão regular de biscoitos doces, configura-se como a principal inadequação na alimentação dos adolescentes avaliados e corrobora os resultados de estudos populacionais, um realizado em Cuiabá, MT, no ano de 2011,19 e outro com dados da PeNSE 2012.20 Os estudos mostram que os adolescentes têm feito escolhas alimentares ruins, substituindo o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados por alimentos considerados não saudáveis, como biscoitos doces, refrigerantes e salgados fritos.5 Cabe destacar que o consumo reduzido de leite/iogurte observado21 pode estar associado à omissão do desjejum,22 visto que, geralmente, os produtos lácteos são mais consumidos no café da manhã. Simultaneamente, entre adolescentes, tem-se registrado a substituição do leite por bebidas com adição de açúcar.19,22
Os achados sobre os maus hábitos alimentares tornam-se preocupantes. Uma alimentação nutricionalmente adequada é necessária para suprir o crescimento acelerado e as modificações na composição corporal características da adolescência.23 Hábitos alimentares menos saudáveis contribuem substancialmente para o aumento do excesso de peso (sobrepeso e obesidade),19 fato que já acomete 19,4% da população brasileira adolescente.6
A maior chance de classificação no grupo de alta qualidade da dieta, para adolescentes que experimentaram tabaco, pode ser considerada inesperada, possivelmente fruto do acaso, dada a reconhecida fragilidade do autorrelato de tabagismo por adolescentes24 e a limitação da variável, que pode ter distorcido o resultado encontrado. Na literatura, consta que adolescentes, ao experimentarem tabaco, estão propensos a se tornar tabagistas na vida adulta, e que o hábito de fumar destes está relacionado ao consumo alimentar inadequado, apontando para a direção oposta à associação observada no presente estudo.24-26
Entretanto, a associação positiva entre atividade física no lazer e qualidade da dieta foi consistente com a literatura.19,27 A prática de esportes pode levar à inclusão de outros hábitos positivos no estilo de vida do adolescente, com reflexo na melhora do estado de saúde, auxiliando na prevenção de consequências patológicas futuras.5,6 A associação encontrada põe em evidência a necessidade de apoiar estratégias de estímulo à adoção de comportamentos saudáveis, e de campanhas eficazes de saúde preventiva, principalmente no ambiente escolar.
Dado que são escassos os estudos avaliativos da qualidade da dieta de adolescentes no ambiente escolar, este é um dos pontos positivos a destacar do presente estudo. A escola se apresenta como um ambiente favorável para intervenções e estratégias de educação promotoras de melhores condições de vida e saúde.23 As escolas participantes deste estudo estão vinculadas ao PSE, programa integrante do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil - 2011-2022 e que tem, por finalidade, a promoção da segurança alimentar e alimentação saudável dos escolares. Vê-se no PSE uma oportunidade de ofertar, no cardápio escolar, alimentos que contemplem gêneros alimentícios básicos, e que essas refeições sejam pautadas na alimentação diária saudável e adequada.5 Contudo algumas adversidades podem ser encontradas, uma vez que a alimentação fora do ambiente escolar ocorre no meio social, comumente em família, e esbarra com a facilidade de aquisição de alimentos processados e o efeito midiático da propaganda sobre a alimentação. Ressalta-se, também como ponto positivo, o baixo percentual de perdas e recusas comparado ao de outros estudos de mesma natureza,28,29 o que reforça a representatividade da amostra avaliada.
O estudo apresenta algumas limitações. A primeira delas diz respeito à utilização do formulário de Marcadores de Consumo Alimentar do Sisvan,15 referente ao consumo na semana anterior de dez alimentos/itens alimentares. Embora seja um instrumento de fácil aplicação e compreensão pelos entrevistados, o curto período prévio considerado pode não refletir o hábito alimentar de longo prazo. Todavia, optou-se por utilizar esse instrumento, haja vista tratar-se de um estudo de base escolar, onde o próprio estudante preencheu o questionário, inviabilizando a aplicação de inquéritos recordatórios de 24 horas. Deve-se considerar, ademais, que, dada a natureza do instrumento aplicado, no qual alguns alimentos/itens alimentares se encontram agrupados, pode ter ocorrido perda de informação específica sobre cada alimento, e possível subestimação do consumo dos componentes do índice. A utilização de um índice não validado para a população-alvo também representa fragilidade do estudo. Todavia, a experiência com índices similares, igualmente desenvolvidos a partir de formulário reduzido para outros grupos etários do mesmo município, mostrou-se satisfatória para fins de rastreamento, ao possibilitar a identificação dos grupos de maior ou menor vulnerabilidade em relação à dieta, além de alimentos ou grupos de alimentos que mais contribuem com a qualidade da dieta. Porém, a impossibilidade de aplicar um ponto de corte para a definição de alta qualidade da dieta torna inviável a comparação de sua prevalência com a encontrada por outros estudos.
Em síntese, a pesquisa observou baixa mediana no índice de qualidade da dieta dos adolescentes desenvolvido para o presente estudo, tendo-se revelado baixo consumo de vegetais crus e alimentos lácteos, mesmo entre adolescentes classificados no grupo de alta qualidade da dieta.
Sabe-se que as escolhas alimentares se baseiam não só em escolhas individuais. Elas também sofrem interferência econômica e social, sendo pertinente o incentivo a práticas e políticas públicas visando melhor distribuição de renda, a ponto de ampliar o acesso aos alimentos; e que, nessas iniciativas, sejam respeitados, protegidos e promovidos os direitos humanos à saúde. Outrossim, é importante salientar que comportamentos de risco, a exemplo do tabagismo, que se mostrou associado ao desfecho, podem vir a se tornar problemas sociais e de saúde pública. É imprescindível que esses comportamentos sejam tratados em ações de educação em saúde, articulando-se educação e sociedade em prol da saúde atual e futura dos adolescentes.