Contribuições do estudo
Principais resultados
A intenção de se vacinar contra a COVID-19 foi informada por 91,8% dos idosos, por meio de entrevistas telefônicas realizadas em março de 2021, entre residentes de 70 municípios brasileiros.
Introdução
No contexto global, o Brasil se destaca como um dos países mais afetados pela pandemia da COVID-19, ocupando a segunda posição em número de óbitos: 401.186, em 29 de abril de 2021.1,2 As vacinas contra a COVID-19 representam a mais importante estratégia para o controle da pandemia.2 Entretanto, é mister que elas estejam disponíveis e contem com a adesão da população. Uma metanálise, baseada em 28 estudos conduzidos no ano de 2020, mostrou que a intenção de se vacinar contra a COVID-19 variava amplamente, de 50% a 90% nas populações, com média global de 73%.2 Em alguns cenários, observou-se menor propensão à vacinação entre não brancos ou imigrantes e/ou entre aqueles com nível de escolaridade mais baixo.2
A vacinação contra a COVID-19 no Brasil iniciou-se em janeiro de 2021, por meio do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde. As populações selecionadas como prioritárias para receber a vacina foram os profissionais de saúde, indígenas e quilombolas e, sucessivamente, as diferentes faixas etárias idosas.3 As vacinas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disponíveis no país, quando este estudo foi conduzido, eram a CoronaVac® e a Oxford/AstraZeneca®.4,5
O presente trabalho objetivou determinar a prevalência e fatores associados à intenção de se vacinar contra a COVID-19 entre idosos brasileiros.
Métodos
Delineamento
Trata-se de um estudo seccional, sobre dados dos participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). O ELSI-Brasil é uma pesquisa de base domiciliar, conduzida em amostra nacional representativa da população com 50 anos ou mais de idade. A pesquisa é conduzida em 70 municípios, distribuídos nas cinco grandes regiões do país. A linha de base da coorte, no período 2015-2016, contou com 9.412 participantes. A 2ª onda do ELSI-Brasil iniciou-se em agosto de 2019 e foi interrompida no mês de março de 2020, em função da pandemia do SARS-CoV-2. Mais detalhes do ELSI-Brasil podem ser vistos na página eletrônica da pesquisa e em publicação anterior.6
A iniciativa ELSI-COVID-19 baseia-se em entrevistas telefônicas dos participantes da 2ª onda do ELSI-Brasil,7 conduzidas em cinco rodadas (Figura 1). Para a presente análise, foram selecionados todos os participantes na idade de 60 anos ou mais, abordados pelo inquérito telefônico conduzido em março de 2021 (quinta rodada).
Variáveis
A variável dependente do estudo foi a intenção de se vacinar (sim; não; não sabe/está indeciso), aferida com a proposição ao entrevistado da pergunta Quando a vacina contra a COVID-19 estiver disponível, o sr(a) pretende se vacinar?, sendo aqueles que haviam recebido pelo menos a primeira dose da vacina incluídos no grupo ‘sim’.
As variáveis independentes foram: faixa etária (em anos: 60 a 69; 70 a 79; 80 e mais); sexo (masculino; feminino); anos de escolaridade (até 4; 5 a 8; 9 a 11; 12 e mais); residência em zona rural ou urbana; grande região nacional de residência (Norte; Nordeste; Centro-Oeste; Sudeste; Sul); número de doenças crônicas presentes (nenhuma; uma; duas ou mais); afiliação à Estratégia Saúde da Família (ESF); principal fonte à qual recorre para obter informações sobre a COVID-19 (Ministério da Saúde, mídia tradicional - canais de TV e jornais - , familiares, amigos ou mídia social; outras fontes); principais razões para hesitação em receber a vacina, entre aqueles que informaram essa condição (tem medo de reações adversas; não se sente suficientemente informado acerca dos benefícios; não acredita que a vacina protege contra a COVID-19; tem medo de que a vacina lhe faça mal; não tem medo de se contaminar com o coronavírus; médico aconselhou a não tomar a vacina; parentes e amigos acham que não deve se vacinar; já teve COVID-19; tem medo de injeção; outro motivo). As doenças crônicas consideradas foram aquelas previamente descritas como associadas ao aumento do risco de complicações pela COVID-19,8 quais sejam: doença cardiovascular (infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e/ou angina do peito); diabetes mellitus; doenças pulmonares crônicas; obesidade [índice de massa corporal (IMC) ≥30 kg/m2]. Especificamente, a obesidade foi aferida por medidas físicas, e as demais, por diagnóstico médico autorreferido.
As perguntas acerca da COVID-19 foram obtidas na quinta rodada do inquérito telefônico, e as demais informações, na 2ª onda presencial do ELSI-Brasil.
Análise estatística
As análises descritivas foram baseadas em média, desvio-padrão e estimativas de prevalência, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para examinar a magnitude das diferenças entre os grupos, odds ratios (OR, ou razões de chances) foram estimadas mediante regressão logística multinomial, em modelos ajustados por sexo e idade, sendo a categoria ‘deseja se vacinar/já vacinado’ a categoria de referência. Todas as análises consideraram os pesos especificamente derivados para os respondentes ao inquérito telefônico e os parâmetros amostrais.7 As análises foram conduzidas utilizando-se o software Stata® (v.14).
Aspectos éticos
Os projetos dos estudos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Instituto Oswaldo Cruz de Minas Gerais, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 34649814.3.0000.5091, Parecer nº 2.111.911, emitido em 9 de junho de 2017, e CAAE 33492820.3.0000.5091, Parecer nº 4.138.284, emitido em 6 de julho de 2020.
RESULTADOS
Entre os 9.177 participantes da 2ª onda presencial do ELSI-Brasil (agosto de 2019 a março de 2020), 6.309 (68,7%) responderam à quinta rodada das entrevistas telefônicas (1º a 14 de março de 2021) (Figura 1); destes, 4.364 contavam 60 anos ou mais e foram incluídos nesta análise (idade média de 70,1 anos; desvio-padrão de 7,9); destes últimos, 3.202 tinham a intenção de se vacinar, enquanto 798 já tinham sido vacinados, totalizando 4 mil indivíduos (91,8%; IC95% 89,5;93,5). A prevalência dos que não tinham a intenção de se vacinar foi de 2,5% (IC95% 1,9;3,4), e a dos que não sabiam se iriam se vacinar ou estavam indecisos, de 5,7% (IC95% 4,2;7,6), correspondendo a 135 e 229 indivíduos, respectivamente (Tabela 1).
Características | n (%)a | Intenção de se vacinar contra a COVID-19 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Já vacinado ou com intenção de se vacinar (referência) | Não tem intenção de se vacinar | Está indeciso ou não sabe | ||||
%b (IC95% c) | %b (IC95% c) | ORd (IC95% c) | %b (IC95% c) | ORd (IC95% c) | ||
Amostra total | 4.364 (100,0) | 91,8 (89,5;93,5) | 2,5 (1,9;3,4) | - | 5,7 (4,2;7,6) | - |
Faixa etária | ||||||
60-69 | 2.270 (55,6) | 91,5 (88,6;93,7) | 2,3 (1,6;3,4) | 1,00 | 6,2 (4,4;8,7) | 1,00 |
70-79 | 1.447 (30,6) | 90,0 (84,3;93,7) | 3,5 (2,0;5,9) | 1,53 (0,77;3,02) | 6,5 (3,4;12,2) | 1,08 (0,48;2,47) |
≥80 | 647 (13,8) | 96,7 (94,5;98,0) | 1,4 (0,8;2,6) | 0,58 (0,28;1,20) | 1,9 (0,9;3,9) | 0,29 (0,13;0,66) |
Sexo | ||||||
Feminino | 2.638 (49,3) | 92,4 (90,3;94,1) | 2,7 (2,0;3,7) | 1,00 | 4,9 (3,5;6,9) | 1,00 |
Masculino | 1.726 (50,7) | 91,2 (87,3;93,9) | 2,4 (1,4;4,0) | 0,87 (0,48;1,57) | 6,5 (4,0;10,4) | 1,35 (0,70;2,60) |
Anos de escolaridade | ||||||
<4 | 2.704 (35,9) | 91,9 (89,4;93,9) | 2,9 (1,9;4,4) | 1,00 | 5,2 (3,9;6,8) | 1,00 |
5-8 | 754 (27,2) | 94,1 (91,6;95,9) | 2,3 (1,4;3,8) | 0,75 (0,38;1,49) | 3,6 (2,2;5,8) | 0,61 (0,39;0,95) |
9-11 | 627 (8,1) | 91,9 (88,1;94,5) | 4,6 (2,6;8,0) | 1,55 (0,72;3,33) | 3,6 (2,1;5,9) | 0,61 (0,36;1,05) |
≥12 | 279 (28,8) | 89,3 (81,1;94,2) | 1,7 (0,5;5,5) | 0,60 (0,15;2,37) | 9,0 (4,6;16,7) | 1,68 (0,66;4,28) |
Zona de residência | ||||||
Urbana | 3.682 (85,1) | 91,9 (89,5;93,8) | 2,5 (1,8;3,4) | 1,00 | 5,6 (4,1;7,7) | 1,00 |
Rural | 682 (14,9) | 90,9 (85,8;94,2) | 3,0 (1,7;5,4) | 1,28 (0,66;2,48) | 6,1 (3,5;10,6) | 1,10 (0,58;2,11) |
Região | ||||||
Centro-Oeste | 531 (9,8) | 90,2 (84,3;94,1) | 3,6 (2,1;6,0) | 1,00 | 6,3 (3,4;11,1) | 1,00 |
Norte | 148 (6,1) | 97,2 (93,4;98,8) | 0,3 (0,0;1,6) | 0,08 (0,01;0,46) | 2,5 (0,1;6,2) | 0,33 (0,10;1,02) |
Nordeste | 1.225 (25,6) | 92,6 (89,2;94,9) | 3,4 (2,1;5,4) | 0,90 (0,43;1,88) | 4,1 (2,6;6,4) | 0,63 (0,28;1,39) |
Sudeste | 1.831 (41,4) | 91,5 (87,2;94,4) | 1,7 (1,1;2,7) | 0,45 (0,22;0,94) | 6,8 (4,2;10,8) | 1,02 (0,47;2,21) |
Sul | 629 (17,1) | 90,2 (83,2;94,5) | 3,5 (1,6;7,4) | 0,97 (0,38;2,48) | 6,3 (3,3;11,7) | 0,97 (0,38;2,48) |
Número de doenças crônicasd | ||||||
Nenhuma | 2.042 (50,4) | 92,3 (89,8;94,2) | 2,7 (2,0;3,7) | 1,00 | 5,0 (3,4;7,4) | 1,00 |
Uma | 1.411 (34,7) | 90,0 (84,8;93,5) | 1,9 (1,0;3,5) | 0,69 (0,36;1,33) | 8,1 (4,7;13,6) | 1,66 (0,82;3,39) |
Duas ou mais | 555 (14,9) | 96,0 (93,2;97,7) | 1,2 (0,6;2,3) | 0,41 (0,20;0,83) | 2,8 (1,4;5,6) | 0,54 (0,24;1,21) |
Domicílio cadastrado na Estratégia Saúde da Família (ESF) | ||||||
Não | 1.502 (39,5) | 90,1 (85,5;93,4) | 2,8 (1,6;5,0) | 1,00 | 7,1 (4,3;11,5) | 1,00 |
Sim | 2.783 (60,5) | 92,7 (90,7;94,3) | 2,4 (1,7;3,4) | 0,85 (0,42;1,91) | 4,9 (3,6;6,6) | 0,69 (0,38;1,26) |
Principal fonte de informação sobre a COVID-19 | ||||||
Ministério da Saúde | 1.727 (40,7) | 93,5 (91,0;95,3) | 2,7 (1,6;4,6) | 1,00 | 3,8 (2,5;5,9) | 1,00 |
Mídia tradicional (canais de TV e jornais) | 1.499 (35,4) | 93,5 (87,7;96,7) | 1,2 (0,7;2,1) | 0,44 (0,20;0,94) | 5,3 (2,3;11,6) | 1,36 (0,49;3,79) |
Familiares, amigos ou mídia social | 275 (6,4) | 85,8 (77,1;91,5) | 3,6 (1,9;6,8) | 1,39 (0,59;3,24) | 10,6 (5,3;20,3) | 3,15 (1,28;7,77) |
Outra fonte ou não confia em nenhuma delas | 677 (17,5) | 88,1 (82,8;91,9) | 4,2 (2,4;7,1) | 1,66 (0,77;3,58) | 7,7 (4,5;13,1) | 2,10 (1,02;4,31) |
Tamanho da amostra | 4.364 | 4.000e | 135 | 229 |
a) Percentagens estimadas pelos totais das colunas; b) Percentagens estimadas pelos totais das linhas; c) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; d) OR: Odds ratio ou razão de chances, estimada pela regressão logística multinomial, tendo a categoria ‘deseja se vacinar/já vacinado’ como categoria de referência. A faixa etária foi ajustada pelo sexo e este pela faixa etária. As demais estimativas listadas na Tabela 1 estão ajustadas por sexo e faixa etária; d) Doenças ou condições crônicas consideradas: doença cardiovascular (infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e/ou angina do peito), diabetes mellitus, doenças pulmonares crônicas e obesidade; e) 798 destes já haviam sido vacinados e foram incorporados à categoria ‘intenção de se vacinar’. Nota: Todas as estimativas consideraram os pesos dos indivíduos e o delineamento complexo da amostra.
A Tabela 1 também apresenta as características dos participantes e os resultados das análises das associações. Após ajustamentos por idade e sexo, observou-se menor chance de indecisos na idade dos 80 anos ou mais (≥80 vs 60-69 anos) (OR = 0,29; IC95% 0,13;0,66) e entre aqueles com 5 a 8 anos de escolaridade (5-8 vs ≤4 anos) (OR = 0,61; IC95% 0,39;0,95). Residentes nas regiões Norte (OR= 0,08; IC95% 0,01;0,46) e Sudeste (OR = 0,45; IC95% 0,22;0,94) foram menos propensos ao desejo de não se vacinar, observando-se razão de chances semelhante entre os que buscavam informações sobre a COVID-19 na mídia tradicional (OR = 0,44; IC95% 0,20;0,94). Participantes que buscavam informações sobre a COVID-19 entre familiares, amigos ou mídia social (OR = 3,15; IC95% 1,28;7,77), ou que buscavam outras fontes ou não confiavam em nenhuma das fontes citadas (OR = 2,10; IC95% 1,02;4,31), apresentaram maiores chances de indecisão acerca da vacinação.
Na Figura 2 são descritas as principais razões para não se vacinar entre aqueles que não pretendiam se vacinar ou estavam indecisos sobre a pertinência da vacinação. As principais razões relatadas foram: medo de reações adversas da vacina (72,8%), não se sentir suficientemente informado acerca de seus benefícios (64,7%) e não acreditar que a vacina proteja contra a COVID-19 (54,8%).
DISCUSSÃO
Os resultados deste trabalho evidenciaram uma das mais altas prevalências de intenção de se vacinar contra a COVID-19, comparados aos achados de estudos realizados em outros países, particularmente naqueles de alta renda.2,9 A aceitação da vacina na presente análise, de cerca de 90%, foi superior à observada em estudo anterior, que utilizou dados da quinta onda do ELSI-COVID-19, conduzida em novembro de 2020.10 Esse aumento é, provavelmente, consequência da disponibilização da vacina no país a partir de janeiro de 2021, do agravamento da epidemia e de melhorias na comunicação dos diferentes veículos, incluindo a mídia tradicional, dado o reconhecimento da importância da imunização contra a COVID-19.
É importante ressaltar que no presente trabalho, ao contrário do observado em estudos conduzidos em alguns países de alta renda,2,9 não se observaram disparidades importantes segundo o nível de escolaridade, na intenção de se vacinar entre idosos brasileiros. A intenção de se vacinar variou pouco entre as grandes regiões, embora os residentes na região Norte tenham apresentado a maior prevalência da intenção de se vacinar. Esse resultado é consistente com a dramática crise provocada pela pandemia naquela região, nas semanas iniciais de 2021.11
O fator mais fortemente associado à intenção de se vacinar contra a COVID-19 foi a fonte à qual o idoso recorria para obter informações sobre a pandemia. Aqueles que costumavam se informar por amigos e mídias sociais foram três vezes mais propensos a estarem indecisos quanto à vacinação, comparados aos que obtinham informações pelo Ministério da Saúde ou mídia tradicional. Os que não confiavam em nenhuma fonte, ou que se informavam por outras fontes, apresentaram chance duas vezes maior de não desejar receber a vacina.
A principal vantagem da iniciativa ELSI-COVID-19 encontra-se em sua grande base populacional.7 Apesar dessa propriedade, suas limitações incluem aquelas inerentes às pesquisas realizadas por entrevista telefônica.7 A entrevista telefônica tem a vantagem de não expor o participante ao risco da infecção; porém, está propensa a vieses, em função do não fornecimento de telefones válidos e/ou não resposta às chamadas. A taxa de resposta da iniciativa ELSI-COVID-19 foi de aproximadamente 70,0%. Utilizando-se os pesos especificamente derivados para compensar essas perdas, as características sociodemográficas dos participantes do estudo foram semelhantes às da população brasileira na idade correspondente.7 Entretanto, não é possível descartar a possibilidade de viés, por fatores não considerados nessas estimativas.
Nossos resultados indicam ampla adesão dos idosos brasileiros à vacinação contra a COVID-19. Um dos resultados mais relevantes da presente análise foi a forte associação observada entre a fonte de informação sobre a pandemia e a intenção de se vacinar. Ações coordenadas pelo Ministério da Saúde, baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis, são necessárias para agilizar a disponibilização das vacinas, assim como a produção de campanhas informativas abrangentes, ressaltando a importância da vacinação e das medidas não farmacológicas de prevenção, mesmo entre vacinados e seus contatos, até que surjam evidências robustas indicando que elas não são mais necessárias.