A Ciência Aberta (Open Science), movimento global criado pela comunidade científica, tem empreendido esforços visando aumentar a popularidade da produção de conhecimento científico e tornar os resultados das pesquisas científicas amplamente acessíveis à sociedade. Os princípios da Ciência Aberta, que visam disponibilizar gratuitamente, por periódicos científicos ou repositórios de acesso aberto (Open Access), produtos de pesquisa, e dar transparência aos seus processos, à replicação e à reprodutibilidade, de forma geral, foram bem recebidos pela comunidade científica. Sua natureza transparente, acessível e colaborativa é amplamente reconhecida, mas a discussão de aspectos potencialmente temerários da implementação, como os custos de participação e a necessidade de agenda política favorável, também estão em pauta.1
À medida que este “guarda-chuva de estratégias” se difunde, alguns questionamentos se tornam mais frequentes: afinal, como promover equidade a partir de uma base tão pouco equânime? O local da “festa da ciência aberta” foi definido, mas a capacidade de participação dos convidados não é a mesma. Levantamentos mostram que as taxas de processamento de artigos (APCs - article processing charges) cobradas pelas revistas internacionais de acesso aberto têm aumentado acentuadamente e constituído uma barreira à visibilidade dos produtos científicos de pesquisadores no âmbito global.2,3 Assim, a comunidade científica brasileira está entre aqueles agentes cuja capacidade de participação está comprometida por restrições orçamentárias em pesquisas e pela ausência de recursos dirigidos às taxas de publicação pelos órgãos de fomento no Brasil.
A ciência no Brasil tem sido profundamente marcada por avanços e retrocessos. Ainda no início dos anos 2000, as condições estruturais de trabalho, os desequilíbrios regionais, as alternativas de financiamento e os conflitos entre o público e o privado já eram tidos como desafios.4 A situação não mudou muito e, apesar da tendência crescente dos gastos públicos federais com ciência e tecnologia, de 2003 a 2015, essa tendência se inverteu a partir de 2016, tendo, em 2020, atingido patamares inferiores aos investimentos em 2009.5 Esse retrocesso no financiamento impôs pesadas cargas a toda a comunidade científica, refletidas em dificuldades para a manutenção de instituições e projetos, e consequente ampliação das barreiras, que distanciam ainda mais os pesquisadores brasileiros da efetiva implementação da Ciência Aberta.
Para a publicação de periódicos científicos editados no Brasil, o panorama não é diferente. Se, por um lado, o Brasil, graças ao protagonismo do Programa SciELO, possui expressivo número de periódicos com publicação em acesso aberto, por outro, a escassez de apoio financeiro fez com que alguns periódicos iniciassem a cobrança de APC nos últimos anos e, até mesmo, tem colocado em risco a sustentabilidade do SciELO.6 Esse cenário é agravado pela política de avaliação dos programas de pós-graduação nacionais, que privilegia a publicação em periódicos internacionais de alto impacto, em detrimento dos periódicos nacionais.
Nesse contexto de limitações financeiras e de desestímulo aos periódicos editados no Brasil e aos pesquisadores, nos deparamos com a crise sanitária da COVID-19. A resposta da comunidade científica foi imediata e consistente, ganhando destaque inclusive no cenário internacional. Para os profissionais da assistência responsáveis pela atenção às pessoas, a demanda pelo acesso oportuno a fontes de informações confiáveis tornou-se ainda mais patente durante a pandemia, tanto para a obtenção de dados acerca dos riscos inerentes ao trabalho, quanto para a capacitação em relação à assistência prestada.
A revista Epidemiologia e Serviços de Saúde (RESS), dada sua missão de contribuir com o aprimoramento dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tem esses profissionais como parte importante de seu público-alvo. Para reforçar essa aproximação, em 2022, os artigos publicados passaram a contar com um quadro de contribuições do estudo, no qual as “implicações para os serviços” são apresentadas, assim como com novas estratégias de divulgação. Além disso, a RESS contribui para a promoção da Ciência Aberta, permitindo a publicização, sem ônus para os pesquisadores, de resultados de análises e estudos desenvolvidos no âmbito do SUS. Diversos outros periódicos da área da Saúde Coletiva também têm investido em estratégias de comunicação científica, a fim de ocuparem o lugar de fonte segura de informações, movimento de máxima importância, visto que são promovidos conteúdos de acesso aberto, cujas evidências são majoritariamente geradas no contexto nacional e sem a barreira da língua, que muitas vezes reduz o acesso de profissionais a artigos publicados internacionalmente.
Desse modo, acreditamos estar consolidando um caminho para superar os “circuitos de publicação”, nos quais a comunidade científica discute entre si, mas os profissionais de saúde ficam excluídos. Ampliar a discussão sobre o papel dos periódicos científicos nacionais para promover a disseminação do conhecimento e a afirmação da Ciência Aberta no contexto das Américas, ou no âmbito global, ainda é necessário, e pode contribuir para a inclusão da sociedade, na defesa da comunidade científica e de políticas para a promoção da equidade, como pilar para a implementação da Ciência Aberta. Trabalhar para que as repercussões deste movimento contemplem também a base da pirâmide, e não apenas o topo, resultará numa condição de participação mais equânime nesta “festa”, que é compromisso da RESS.