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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.31 no.2 Brasília  2022  Epub 17-Ago-2022

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222022000200001 

Editorial

Ciência Aberta, equidade e o cenário brasileiro

Ciencia abierta, equidad y el escenario brasileño

Barbara Reis-Santos (orcid: 0000-0001-6952-0352)1  , Cynthia Braga (orcid: 0000-0002-7862-6455)2 

1Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

2Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, PE, Brasil

A Ciência Aberta (Open Science), movimento global criado pela comunidade científica, tem empreendido esforços visando aumentar a popularidade da produção de conhecimento científico e tornar os resultados das pesquisas científicas amplamente acessíveis à sociedade. Os princípios da Ciência Aberta, que visam disponibilizar gratuitamente, por periódicos científicos ou repositórios de acesso aberto (Open Access), produtos de pesquisa, e dar transparência aos seus processos, à replicação e à reprodutibilidade, de forma geral, foram bem recebidos pela comunidade científica. Sua natureza transparente, acessível e colaborativa é amplamente reconhecida, mas a discussão de aspectos potencialmente temerários da implementação, como os custos de participação e a necessidade de agenda política favorável, também estão em pauta.1

À medida que este “guarda-chuva de estratégias” se difunde, alguns questionamentos se tornam mais frequentes: afinal, como promover equidade a partir de uma base tão pouco equânime? O local da “festa da ciência aberta” foi definido, mas a capacidade de participação dos convidados não é a mesma. Levantamentos mostram que as taxas de processamento de artigos (APCs - article processing charges) cobradas pelas revistas internacionais de acesso aberto têm aumentado acentuadamente e constituído uma barreira à visibilidade dos produtos científicos de pesquisadores no âmbito global.2,3 Assim, a comunidade científica brasileira está entre aqueles agentes cuja capacidade de participação está comprometida por restrições orçamentárias em pesquisas e pela ausência de recursos dirigidos às taxas de publicação pelos órgãos de fomento no Brasil.

A ciência no Brasil tem sido profundamente marcada por avanços e retrocessos. Ainda no início dos anos 2000, as condições estruturais de trabalho, os desequilíbrios regionais, as alternativas de financiamento e os conflitos entre o público e o privado já eram tidos como desafios.4 A situação não mudou muito e, apesar da tendência crescente dos gastos públicos federais com ciência e tecnologia, de 2003 a 2015, essa tendência se inverteu a partir de 2016, tendo, em 2020, atingido patamares inferiores aos investimentos em 2009.5 Esse retrocesso no financiamento impôs pesadas cargas a toda a comunidade científica, refletidas em dificuldades para a manutenção de instituições e projetos, e consequente ampliação das barreiras, que distanciam ainda mais os pesquisadores brasileiros da efetiva implementação da Ciência Aberta.

Para a publicação de periódicos científicos editados no Brasil, o panorama não é diferente. Se, por um lado, o Brasil, graças ao protagonismo do Programa SciELO, possui expressivo número de periódicos com publicação em acesso aberto, por outro, a escassez de apoio financeiro fez com que alguns periódicos iniciassem a cobrança de APC nos últimos anos e, até mesmo, tem colocado em risco a sustentabilidade do SciELO.6 Esse cenário é agravado pela política de avaliação dos programas de pós-graduação nacionais, que privilegia a publicação em periódicos internacionais de alto impacto, em detrimento dos periódicos nacionais.

Nesse contexto de limitações financeiras e de desestímulo aos periódicos editados no Brasil e aos pesquisadores, nos deparamos com a crise sanitária da COVID-19. A resposta da comunidade científica foi imediata e consistente, ganhando destaque inclusive no cenário internacional. Para os profissionais da assistência responsáveis pela atenção às pessoas, a demanda pelo acesso oportuno a fontes de informações confiáveis tornou-se ainda mais patente durante a pandemia, tanto para a obtenção de dados acerca dos riscos inerentes ao trabalho, quanto para a capacitação em relação à assistência prestada.

A revista Epidemiologia e Serviços de Saúde (RESS), dada sua missão de contribuir com o aprimoramento dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tem esses profissionais como parte importante de seu público-alvo. Para reforçar essa aproximação, em 2022, os artigos publicados passaram a contar com um quadro de contribuições do estudo, no qual as “implicações para os serviços” são apresentadas, assim como com novas estratégias de divulgação. Além disso, a RESS contribui para a promoção da Ciência Aberta, permitindo a publicização, sem ônus para os pesquisadores, de resultados de análises e estudos desenvolvidos no âmbito do SUS. Diversos outros periódicos da área da Saúde Coletiva também têm investido em estratégias de comunicação científica, a fim de ocuparem o lugar de fonte segura de informações, movimento de máxima importância, visto que são promovidos conteúdos de acesso aberto, cujas evidências são majoritariamente geradas no contexto nacional e sem a barreira da língua, que muitas vezes reduz o acesso de profissionais a artigos publicados internacionalmente.

Desse modo, acreditamos estar consolidando um caminho para superar os “circuitos de publicação”, nos quais a comunidade científica discute entre si, mas os profissionais de saúde ficam excluídos. Ampliar a discussão sobre o papel dos periódicos científicos nacionais para promover a disseminação do conhecimento e a afirmação da Ciência Aberta no contexto das Américas, ou no âmbito global, ainda é necessário, e pode contribuir para a inclusão da sociedade, na defesa da comunidade científica e de políticas para a promoção da equidade, como pilar para a implementação da Ciência Aberta. Trabalhar para que as repercussões deste movimento contemplem também a base da pirâmide, e não apenas o topo, resultará numa condição de participação mais equânime nesta “festa”, que é compromisso da RESS.

Referências

1. Ross-Hellauer T, Reichmann S, Cole NL, Fessl A, Klebel T, Pontika N. Dynamics of cumulative advantage and threats to equity in open science: a scoping review. R Soc Open Sci. 2022;9(1):211032. doi: 10.1098/rsos.211032 [ Links ]

2. Zhang L, Wei Y, Huang Y, Sivertsen G. Should open access lead to closed research? The trends towards paying to perform research. Scientometrics. 2022;123(2): 1037-49. doi: 10.1007/s11192-022-04407-5 [ Links ]

3. Kwon D. Open-access publishing fees deter researchers in the global south. Nature. 2022. doi: 10.1038/d41586-022-00342-w [ Links ]

4. Chaimovich H. Brasil, ciência, tecnologia: alguns dilemas e desafios. Estudos avançados. 2000;14(40):134-43. doi: 10.1590/S0103-40142000000300014 [ Links ]

5. De Negri F. Políticas públicas para ciência e tecnologia no Brasil: cenário e evolução recente [Internet]. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2021 [citado 2022 06 21]. (Nota Técnica; n. 92). Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10879/2/NT_92_Diset_Politicas_Publicas_Para_Ciencia.pdfLinks ]

6. Garcia LP, Boing AF. Desafios para a sustentabilidade dos periódicos científicos brasileiros e do Programa SciELO. Cien Saude Colet. 2021;26(Supl 3):5183-6. doi: 10.1590/1413-812320212611.3.10652021 [ Links ]

Correspondência Cynthia Braga. cynthia.braga@fiocruz.br

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