Contribuições do estudo
Principais resultados
Foi baixa a completude dos dados de notificação de casos hospitalizados de SRAG no SIVEP-Gripe em dois níveis distintos, regional e nacional. No nível nacional, encontraram-se menos variáveis com nível de completude classificado como ‘excelente’ ou ‘bom’.
Introdução
A síndrome respiratória aguda grave (SRAG) é considerada uma complicação da síndrome gripal e requer tratamento no âmbito hospitalar. Ela se caracteriza pela presença simultânea de um quadro de síndrome gripal, dispneia e/ou sinais de gravidade, como saturação de oxigênio (SpO2) < 95% em ar ambiente, desconforto respiratório e coloração azulada dos lábios ou rosto.1,2
Essa síndrome tornou-se novamente uma preocupação mundial em 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto de um novo coronavírus, o SARS-CoV-2, identificado em Wuhan, China, no mês de dezembro de 2019.3,4 A doença causada pela infecção do SARS-CoV-2, a COVID-19, foi declarada uma emergência de saúde pública, em virtude da alta morbidade e mortalidade que provocava.5 Os indivíduos com COVID-19 podem ser assintomáticos, apresentar sinais e sintomas de síndrome gripal leves ou até quadros moderados, graves e críticos, como os casos de SRAG. Com isso, a vigilância epidemiológica da SRAG foi colocada novamente em evidência, dada a importância do monitoramento desse agravo.6
Para que ocorra o acompanhamento adequado e sistemático dos casos de COVID-19, torna-se necessária a utilização de sistemas de informações em saúde (SIS). Os SIS são complexos em sua organização, envolvem as etapas de coleta, processamento dos dados, produção e transmissão da informação, servindo de subsídio à gestão dos serviços de saúde.4 Ou seja, a análise das informações obtidas a partir desses sistemas influencia o processo de trabalho dos profissionais de saúde, o cotidiano da população, orienta a tomada de decisão dos gestores e auxilia a formulação das políticas de saúde.7,8
No Brasil, o SIS para o registro da notificação universal (e imediata) dos casos de SRAG é o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), responsável pelo registro dos dados da vigilância sentinela de casos de síndrome gripal, além de todos os casos hospitalizados e óbitos por SRAG. O SIVEP-Gripe foi desenvolvido para sustentar ações da vigilância de influenza, principalmente na identificação dos principais vírus respiratórios circulantes no território nacional.6,7,9
Devido à gravidade do quadro clínico e ao risco de agravamento, casos de SRAG demandam leitos hospitalares. Consequentemente, a notificação no SIVEP-Gripe é feita em ambiente hospitalar.1,2 Em 2019, o Brasil apresentava 8.139 estabelecimentos hospitalares e 490.397 leitos, uma oferta equivalente a aproximadamente 2,3 leitos por 1 mil habitantes.10 A macrorregião sudeste de Minas Gerais, em 2020, contava com 51 estabelecimentos hospitalares (incluindo privados e públicos) e 4.743 leitos disponíveis, ou uma oferta de 2,8 leitos por 1 mil hab. nessa região.11 Desagregando-se esses dados no nível de região, a Unidade Regional de Saúde de Ubá (URS/Ubá), uma divisão administrativa dos serviços de saúde no estado de Minas Gerais e objeto deste estudo, está dotada de 1.185 leitos hospitalares disponíveis, a uma oferta de 2,4 leitos por 1 mil hab., índice semelhante ao da média de oferta nacional no mesmo ano.11 Esses dados evidenciam a situação crítica do sistema de saúde para atender à demanda potencial gerada pela pandemia da COVID-19, tendo em vista que, em uma situação não pandêmica, a OMS recomenda média de 3 a 5 leitos por 1 mil hab.11
O desafio que a pandemia de COVID-19 representa para a prestação de assistência à saúde com qualidade, segurança e base em evidências exige confiabilidade das notificações de SRAG no SIVEP-Gripe pelos gestores, importante no sentido de embasar a tomada de decisões em saúde pública.8,12 Para garantir essa confiabilidade, é imperioso que os registros dos casos de SRAG sejam completos, atualizados e fidedignos, sobretudo no contexto pandêmico da COVID-19.8,11
Considerando-se a heterogeneidade na completude dos registros do SIVEP-Gripe entre as cinco regiões brasileiras, e que as notificações incompletas podem impactar negativamente as ações de vigilância em saúde, torna-se fundamental a realização de estudos sobre o tema. Todavia, são escassos os estudos que avaliam a completude dos dados do sistema de vigilância da SRAG no Brasil.
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo analisar a completude das notificações de casos de SRAG do SIVEP-Gripe durante a pandemia de COVID-19, na base de dados nacional e em uma base de regional de saúde no estado de Minas Gerais, no ano de 2020. A avaliação de ambos os cenários possibilitará a análise da completude desse sistema em um contexto local e no contexto nacional, possibilitando intervenções futuras com vistas a aprimorar a qualidade dos dados produzidos.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo, sobre dados disponíveis no SIVEP-Gripe. Foram analisadas e comparadas as completudes das informações dos casos hospitalizados de SRAG em residentes nos municípios pertencentes à URS/Ubá (dados regionais) e dos casos de SRAG notificados em todo o território nacional (dados nacionais).
A URS/Ubá inclui a microrregião de saúde de Muriaé, com 11 municípios e uma população de 173.744 hab., e a microrregião de saúde de Ubá, composta por 20 municípios e com população de 314.647 hab.10 A URS/Ubá foi selecionada por se situar na região de atuação dos pesquisadores envolvidos neste estudo.
Foram analisados os casos de SRAG hospitalizados, notificados no SIVEP-Gripe entre as semanas epidemiológicas 1 e 53 de 2020. O acesso ao banco de dados do SIVEP-Gripe regional foi possível com a autorização prévia do gerente da URS/Ubá. Utilizou-se o banco regional com o intuito de obter dados livres de duplicidade, uma vez que os registros eram nominais e seria possível excluir as duplicidades existentes, antes de proceder à análise dos dados. Os dados do banco nacional, por sua vez, foram obtidos a partir do banco de acesso público, não nominal, disponível no sítio eletrônico https://opendatasus.saude.gov.br em 26 de abril de 2021.
A ficha de notificação do SIVEP-Gripe inclui dados relativos à caracterização sociodemográfica, clínica e de investigação diagnóstica dos casos, cujo preenchimento pode ser interno ao próprio sistema, essencial ou obrigatório.13 Ao longo do ano de 2020, foram realizadas quatro atualizações, em que foram modificadas as regras de preenchimento, acrescentados ou excluídos campos. Por isso, na avaliação da completude, foram selecionadas as variáveis classificadas como essenciais, disponíveis no sistema, sendo excluídas as variáveis de preenchimento obrigatório, cuja ausência de preenchimento constitui um fator impeditivo para o registro da ficha de notificação no sistema. No entanto, a variável ‘raça/cor da pele autodeclarada’ foi mantida na análise, pois se tornou variável de preenchimento obrigatório com a atualização da ficha, em 27 de julho de 2020. Para evitar imprecisões nas análises, variáveis suprimidas na atualização das fichas foram também excluídas.
Ao final, foram incluídas 83 variáveis, agrupadas em três blocos:
Variáveis sociodemográficas e relativas à etiológica: raça/cor da pele autodeclarada, nível de escolaridade, CEP de residência, zona geográfica do endereço de residência, caso proveniente de surto de síndrome gripal, caso de SRAG com infecção adquirida após internação e caso com contato direto com aves, suínos, outros.
Condição clínica e evolução: i) sinais e sintomas (febre, tosse, dor de garganta, dispneia, desconforto respiratório, saturação < 95%, diarreia, vômito, dor abdominal, fadiga, perda de olfato, perda de paladar, outros sinais e sintomas); ii) fatores de risco: ser puérpera, doença cardiovascular crônica, doença hematológica crônica, síndrome de Down, doença hepática crônica, asma, diabetes mellitus, doença neurológica, pneumopatia crônica, imunodeficiência ou imunodepressão, doença renal crônica, obesidade, valor do índice de massa corporal (IMC) para pessoas com obesidade, outros fatores de risco, e descrições de outras morbidades; iii) histórico vacinal: foi vacinado contra gripe na última campanha, data da última dose da vacina contra gripe recebida, mãe foi vacinada contra gripe (menores de 6 meses), mãe amamenta a criança (menores de 6 meses); iv) outras informações clínicas: utilizou antiviral para tratar a doença, antiviral utilizado (oseltamivir, zanamivir, outro), descrição do outro antiviral utilizado, data do início do tratamento com antiviral, necessidade de internação, data da internação, Unidade da Federação de internação, município da internação, unidade sentinela que realizou a internação, internação em unidade de terapia intensiva (UTI), data da internação na UTI, data da alta da UTI, uso de suporte ventilatório, evolução do caso, data da alta ou óbito, data do encerramento do caso.
Critérios diagnósticos: i) exames de imagem (raio X de tórax, especificação de outros resultados do raio X de tórax, data de realização do exame de raio X de tórax), resultado da tomografia (data de realização do exame de tomografia); ii) coleta de amostras (realizou coleta de amostra para teste diagnóstico, data da coleta da amostra para o teste diagnóstico, tipo de amostra clínica coletada para o teste diagnóstico), especificação de outra amostra coletada; iii) teste antigênico (tipo de teste antigênico, data do resultado do teste antigênico, resultado do teste antigênico, resultado do teste antigênico positivo para influenza); iv) RT-PCR [resultado da reverse-transcriptase polymerase chain reaction (RT-PCR)/outro método por biologia molecular, data do resultado do teste RT-PCR/outro método por biologia molecular, resultado de RT-PCR positivo para influenza, resultado de RT-PCR positivo para influenza A ou B]; v) teste sorológico (tipo de amostra sorológica que foi coletada, descrição do tipo de amostra clínica diferente das listadas, data da coleta do material para diagnóstico por sorologia, tipo de teste sorológico que foi realizado, descrição do tipo de teste sorológico que foi realizado, resultado da sorologia para SARS-CoV-2 IgG, IgM e IgA); vi) desfecho (classificação final do caso; indicar qual o critério de confirmação).
Os dados foram analisados utilizando-se o programa IBM SPSS Statistics, versão 23. Descreveu-se a distribuição de frequência absoluta e percentual de preenchimento das variáveis. Para o cálculo da completude de cada variável, considerou-se como denominador o conjunto de notificações elegíveis para o seu preenchimento, tendo em vista que o preenchimento de algumas variáveis é condicionado à opção de resposta da questão anterior, considerada como variável-funil, por exemplo: Possui fatores de risco/comorbidades?; Recebeu vacina contra gripe na última campanha?; Usou antiviral para gripe?; Houve internação?; Coletou amostra?; Classificação final do caso; e evolução do caso.
O nível de completude das variáveis estudadas foi definido de acordo com a seguinte classificação: excelente (completude > 95%); bom (completude de 90% a 95%); regular (completude de 80% a 90%); ruim (completude de 50% a 80%); muito ruim (completude < 50%).14 Os campos preenchidos no SIVEP-Gripe com categoria ‘ignorado’, numeral zero, data ignorada ou ausência de informação foram considerados incompletos.15
O projeto do estudo foi concebido respeitando-se os princípios éticos dispostos na Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466, de 12 de dezembro de 2012, e, uma vez apresentado ao Comitê de Ética e Pesquisa da instituição, foi aprovado mediante o Parecer nº 4.231.826 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 36607820.4.0000.5153, em 24 de agosto de 2020.
Resultados
Foram notificados 1.192.518 casos de SRAG no sistema SIVEP-Gripe em todo o território nacional, em 2020, e destes, 2.590 eram residentes nos municípios pertencentes à URS/Ubá, correspondendo a 0,22% desse total. O número de variáveis com completude superior a 95%, classificadas como excelentes, foi de 15 no cenário nacional e 23 no cenário regional.
A Tabela 1 apresenta a completude das variáveis relativas à caracterização sociodemográfica e etiológica dos casos notificados de SRAG, nos âmbitos nacional e local. Das sete variáveis analisadas, verificou-se completude ‘excelente’ em três no banco regional, e em apenas uma no banco nacional. O percentual de completude da variável ‘nível de escolaridade’ foi de 33,9% e de 37,2% nas bases de dados regional e nacional, respectivamente, sendo classificadas com nível de completude ‘muito ruim’.
Variáveis | Completude | |
---|---|---|
Regionalc (%) | Nacionald (%) | |
1. Raça/cor da pele autodeclarada | 98,2 | 78,6 |
2. Nível de escolaridade | 33,9 | 37,2 |
3. CEPe de residência | 95,9 | 100,0 |
4. Zona geográfica do endereço de residência | 96,6 | 88,6 |
5. Caso proveniente de surto de síndrome gripal | 93,5 | 71,0 |
6. Caso de SRAG com infecção adquirida após internação | 92,5 | 69,9 |
7. Caso de contato direto com aves, suínos, outros | 90,7 | 66,1 |
a) SRAG: Síndrome respiratória aguda grave; b) SIVEP-Gripe: Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe; c) Casos de SRAG hospitalizados residentes nos municípios pertencentes à Unidade Regional de Ubá/MG; d) Casos de SRAG notificados no território nacional; e) CEP: Código de Endereçamento Postal.
Na base de dados nacional, observou-se menor percentual de completude da variável ‘zona geográfica do endereço de residência’, classificada como ‘regular’ (88,6%), e ‘raça/cor da pele autodeclarada’, classificada como ‘ruim’ (78,6%), enquanto as mesmas variáveis apresentaram completude superior a 95%, classificada como de nível excelente, na base de dados regional. Já a variável ‘caso com contato direto com aves, suínos, outros’ apresentou nível de completude classificado como ‘bom’ nos dados regionais, porém ‘ruim’ no âmbito nacional.
A Tabela 2 apresenta os percentuais de completude das variáveis relacionadas à condição clínica e evolução do caso. Das 49 variáveis avaliadas, verificou-se que a completude de preenchimento ‘excelente’ ocorreu em 13 no banco regional e, no banco nacional, em apenas oito. As variáveis ‘data da alta da UTI’ e ‘data da alta ou óbito’ apresentaram completude ‘muito ruim’ (19,9% e 46,6%, respectivamente) no âmbito regional, e ‘ruim’ ou ‘regular’ (51,8% e 89,9%, respectivamente) no âmbito nacional.
Variáveis | Completude | |
---|---|---|
Regionalc (%) | Nacionald (%) | |
(n = 2.590) | (n = 1.192.518) | |
Sinais e sintomas | ||
1. Febre | 96,6 | 85,3 |
2. Tosse | 97,4 | 87,6 |
3. Dor de garganta | 94,8 | 72,6 |
4. Dispneia | 97,7 | 87,7 |
5. Desconforto respiratório | 96,9 | 82,2 |
6. Saturação < 95 | 96,1 | 82,2 |
7. Diarreia | 94,7 | 71,7 |
8. Vômito | 94,4 | 70,6 |
9. Dor abdominal | 91,5 | 42,0 |
10. Fadiga | 91,3 | 43,2 |
11. Perda de olfato | 91,2 | 41,6 |
12. Perda de paladar | 91,1 | 41,9 |
13. Outros sinais e sintomas | 90,1 | 71,1 |
Fatores de risco | ||
14. Apresenta algum fator de risco | 100,0 | 100,0 |
15. Puérpera | 61,6 | 39,1 |
16. Doença cardiovascular crônica | 62,7 | 51,1 |
17. Doença hematológica crônica | 61,2 | 39,3 |
18. Síndrome de Down | 61,3 | 39,3 |
19. Doença hepática crônica | 61,2 | 39,2 |
20. Asma | 61,4 | 40,2 |
21. Diabetes mellitus | 62,7 | 47,5 |
22. Doença neurológica | 61,5 | 40,5 |
23. Pneumopatia crônica | 61,6 | 40,5 |
24. Imunodeficiência ou imunodepressão | 61,2 | 39,8 |
25. Doença renal crônica | 61,5 | 40,2 |
26. Obesidade | 61,3 | 39,8 |
26.1 Valores do índice de massa corporal - IMC (com obesidade) | 19,1 | 47,3 |
27. Outros fatores de risco | 60,7 | 46,8 |
27.1 Descrições de outras morbidades | 98,0 | 98,8 |
Histórico vacinal | ||
28. Foi vacinado contra gripe na última campanha | 72,3 | 40,1 |
28.1 Data da última dose da vacina contra gripe recebida | 66,9 | 66,7 |
29. A mãe foi vacinada contra gripe (se menor de 6 meses de idade) | 47,8 | 29,8 |
30. A mãe amamenta a criança (se menor de 6 meses de idade) | 39,1 | 30,1 |
Outras informações clínicas | ||
31. Utilizou antiviral para tratar a doença | 83,6 | 72,3 |
31.1 Antiviral utilizado (oseltamivir, zanamivir, outro) | 94,7 | 93,8 |
31.2 Descrição do outro antiviral utilizado | 88,9 | 70,8 |
31.3 Data do início do tratamento com antiviral | 93,1 | 91,9 |
32. Necessidade de internação | 98,8 | 97,0 |
32.1 Data da internação | 96,2 | 98,3 |
32.2 Unidade da Federação de internação | 95,4 | 100,0 |
32.3 Município de internação | 95,4 | 100,0 |
32.4 Unidade sentinela que realizou a internação | 95,4 | 100,0 |
33. Necessidade de internação em UTIe | 92,2 | 83,5 |
33.1 Data da internação na UTI | 99,0 | 97,7 |
33.2 Data da alta da UTI | 19,9 | 51,8 |
34. Fez uso de suporte ventilatório | 86,9 | 82,1 |
35. Evolução do caso | 87,7 | 85,5 |
35.1 Data da alta ou óbito | 46,6 | 89,9 |
36. Data do encerramento do caso | 88,0 | 88,2 |
a) SRAG: Síndrome respiratória aguda grave; b) SIVEP-Gripe: Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe; c) Casos de SRAG hospitalizados residentes nos municípios pertencentes à Unidade Regional de Ubá/MG; d) Casos de SRAG notificados no território nacional; e) UTI: Unidade de terapia intensiva.
Com relação ao bloco de variáveis relativas aos sinais e sintomas, verificou-se que, no âmbito nacional, essas variáveis apresentaram completude ‘regular’ para febre, tosse, dispneia, desconforto respiratório e SpO2 < 95%, completude ‘ruim’ para dor de garganta, diarreia e vômito, e completude ‘muito ruim’ para dor abdominal, fadiga, perda de olfato e perda de paladar. Já em âmbito regional, o nível de completude foi ‘excelente’ para febre, tosse, dispneia, desconforto respiratório e SpO2 < 95%, e ‘bom’ para as demais variáveis referentes aos sinais e sintomas.
Variáveis | Completude | |
---|---|---|
Regionalc (%) | Nacionald (%) | |
(n = 2.590) | (n = 1.192.518) | |
Exames de imagem | ||
1. Raio X de tórax | 67,6 | 55,7 |
1.1 Especificação de outros resultados do raio X de tórax | 63,0 | 86,6 |
1.2 Data de realização do exame de raio X de tórax | 87,0 | 90,6 |
2. Aspecto da tomografia | 35,7 | 32,4 |
2.1 Data de realização do exame de tomografia | 88,1 | 90,3 |
Coleta de amostras | ||
3. Realizou coleta de amostra para teste diagnóstico | 98,3 | 96,3 |
3.1 Data da coleta da amostra para teste diagnóstico | 100,0 | 100,0 |
3.2 Tipo de amostra clínica coletada para o teste diagnóstico | 98,8 | 97,9 |
3.3 Especificação de outra amostra coletada | 98,5 | 96,0 |
Teste antigênico | ||
3.4 Tipo de teste antigênico realizado | 34,8 | 41,0 |
3.4.1 Data do resultado do teste antigênico | 9,2 | 6,9 |
3.5 Resultado do teste antigênico | 94,3 | 84,8 |
3.5.1 Resultado do teste antigênico positivo para influenza | 2,2 | 2,9 |
RT-PCRe | ||
3.6 Resultado da RT-PCR/outro método por biologia molecular | 98,3 | 99,2 |
3.6.1 Data do resultado do teste RT-PCR/outro método por biologia molecular | 92,4 | 89,8 |
3.7 Resultado de RT-PCR positivo para influenza | 93,8 | 21,8 |
3.7.1 Resultado de RT-PCR positivo para influenza A ou B | 100,0 | 99,8 |
Teste sorológico | ||
3.8 Tipo de amostra sorológica que foi coletada | 4,8 | 8,5 |
3.8.1 Descrição do tipo de amostra clínica, diferente das listadas | 52,4 | 101,9i |
3.9 Data da coleta do material para diagnóstico por sorologia | 5,4 | 8,0 |
3.10 Tipo de teste sorológico que foi realizado | 3,5 | 8,9 |
3.10.1 Descrição do tipo de teste sorológico que foi realizado | 100,0 | 0,2 |
3.11 Resultado da sorologia SARS-CoV-2 IgGf | 4,0 | 10,8 |
3.12 Resultado da sorologia SARS-CoV-2 IgMg | 4,1 | 11,1 |
3.13 Resultado da sorologia SARS-CoV-2 IgAh | 0,8 | 6,8 |
Desfecho | ||
4. Classificação final do caso | 94,0 | 93,9 |
4.2 Indicar qual o critério de confirmação | 92,8 | 91,4 |
a) SRAG: Síndrome respiratória aguda grave; b) SIVEP-Gripe: Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe; c) Casos de SRAG hospitalizados residentes nos municípios pertencentes à Unidade Regional de Ubá/MG; d) Casos de SRAG notificados no território nacional; e) RT-PCR: Reverse-transcriptase polymerase chain reaction; f) Indivíduos com anticorpos para SARS-CoV-2 por imunoglubulinas G; g) Indivíduos com anticorpos para SARS-CoV-2 por imunoglubulinas M; h) Indivíduos com anticorpos para SARS-CoV-2 por imunoglubulinas A; i) Classificação não realizada, por inconsistência.
A Tabela 3 apresenta o resultado da análise da completude das variáveis relacionadas aos critérios diagnósticos. Das 27 variáveis desse bloco, apenas seis apresentaram classificação ‘excelente’, tanto no banco de dados regional como no nacional. Verificou-se que esse bloco foi o que apresentou maior número de variáveis com completude classificada como ‘muito ruim’, tanto na base de dados regional como nacional.
Discussão
Com base na análise realizada, observou-se que a completude das notificações dos casos hospitalizados de SRAG, notificados no SIVEP-Gripe, foi maior na base de dados da URS/Ubá do que na base nacional, considerando-se a maior frequência de variáveis com nível de completude classificado como ‘excelente’ ou ‘bom’ nessa base regional.
A menor completude da base de dados nacional pode decorrer das disparidades no acesso à informação, entre as diferentes macrorregiões brasileiras. A estrutura e a qualidade dos sistemas de informações em saúde no Brasil não são homogêneas, havendo muitas localidades onde o preenchimento dos dados é realizado em fichas de notificação em papel que necessitam ser posteriormente digitadas.8 Ressalta-se que a região de saúde incluída neste estudo realiza a inclusão dos dados no sistema de saúde de forma manual, ou seja, as fichas preenchidas em papel são enviadas aos serviços de epidemiologia municipais para que estes façam seu registro eletrônico no SIVEP-Gripe.
No que tange às variáveis relativas à caracterização sociodemográfica dos casos notificados, destaca-se a baixa completude da variável ‘nível de escolaridade’, classificada como ‘muito ruim’ tanto no banco de dados regional quanto nacional. Apesar da importância da informação sobre o nível de escolaridade, para o planejamento de políticas sociais e de saúde, verifica-se que esse dado tem sido negligenciado em diferentes sistemas de informações, especialmente no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).14,16
No banco de dados nacional, verificou-se completude ‘ruim’ da variável ‘raça/cor da pele autodeclarada’, possivelmente atribuível à percepção individual quanto a sua raça/cor da pele.15 Tais dados podem trazer informações a respeito das condições de vida e saúde de uma determinada população, sobretudo em um contexto pandêmico com inúmeras lacunas sobre aspectos epidemiológicos da COVID-19.17
Para a variável ‘caso proveniente de surto de síndrome gripal’, a completude apresentou-se ‘ruim’ no contexto nacional e satisfatória no regional. Esta lacuna de informação dificulta as ações de vigilância em saúde no território,18 uma vez que, diante de surtos de síndrome gripal, os serviços públicos buscam combinações de fatores contextuais e ações públicas/privadas para reduzir e mitigar a transmissão da COVID-19 durante o estágio inicial crítico. Tal informação contribui para a implementação de medidas preventivas e intervencionistas visando à diminuição da circulação viral, no sentido de evitar a propagação da doença e o acometimento de casos subsequentes, provenientes da transmissão comunitária.7
O nível de completude da variável ‘caso com contato direto com aves, suínos, outros’ foi classificado como ‘bom’ no banco de dados regional, embora tenha-se mostrado ‘ruim’ no banco nacional. A COVID-19, responsável por grande parte das internações por SRAG em 2020, é uma doença zoonótica. Portanto, é mister enfatizar a importância da adequada completude dos dados nacionais dessa variável, enquanto informação sobre o contato direto entre pessoas com a doença e animais.2,12,20
Ao se analisar o bloco de variáveis relativas às manifestações clínicas notificadas no SIVEP-Gripe, verificou-se que sinais e sintomas como dor de garganta, diarreia, vômito, dor abdominal, perda de olfato e perda de paladar apresentaram nível de completude classificado como ‘ruim’ na base de dados nacional, mas, em contrapartida, ‘bom’ no âmbito da regional da saúde. A inconsistência de informações sobre os dados clínicos de casos notificados constitui uma limitação para seu encerramento, visto que esses dados se fundamentam em critérios laboratoriais, de imagem, epidemiológicos e clínicos.2,21-23
Quanto às variáveis relativas ao histórico vacinal contra influenza, observaram-se níveis de completudes ‘ruim’ e ‘muito ruim’ nas bases de dados regional e nacional. É interessante destacar um estudo realizado no Brasil, que encontrou melhores desfechos entre pessoas que adquiriram COVID-19 quando recentemente vacinadas contra influenza.24,25 Dessa forma, a baixa completude dessa variável nos bancos de dados pode limitar a realização dessas análises. Outra variável que teve baixa completude foi aquela relativa à utilização de medicamento antiviral, sendo classificada com nível de completude ‘ruim’ na base de dados nacional e ‘regular’ na regional, apesar de sua preconização constar do protocolo de tratamento da influenza em indivíduos hospitalizados com SRAG.1,12
Observou-se baixa completude das variáveis relativas à internação em UTI, como a data de alta da UTI e a data da alta ou óbito, classificadas como de nível ‘muito ruim’ na base regional e ‘ruim’ (data em que o paciente saiu da UTI) ou ’regular’ (data da alta ou óbito) na base nacional. A baixa completude das variáveis relativas à ocupação dos leitos de UTI compromete o cálculo das taxas de ocupação desses leitos com casos de SRAG e, assim, impossibilita a avaliação mais precisa da real situação.15,28 Acredita-se que o expressivo número de variáveis com nível de completude ‘ruim’ seja consequência da falta de motivação ou de tempo insuficiente para o completo preenchimento das fichas, diante da priorização das demandas urgentes dos serviços de saúde no contexto da pandemia.26,27
As variáveis relativas aos dados sobre exames de imagem para confirmação diagnóstica, apesar de serem consideradas importantes na investigação epidemiológica, apresentaram, igualmente, baixa completude, tanto no nível nacional como regional.6,29 No que se refere aos testes laboratoriais, a variável ‘realizou coleta de amostra para teste diagnóstico?’ foi classificada como ‘excelente’ em ambas as bases. Se, conforme protocolos vigentes, recomenda-se a testagem de todos os indivíduos sintomáticos pela RT-PCR ou pela pesquisa de antígenos, estas não foram realizadas para todos os casos hospitalizados por SRAG. Tal resultado pode ser reflexo dos desafios do cenário nacional, marcado pela insuficiência de recursos financeiros, humanos e materiais, empecilhos à realização de ampla testagem.12,19,30
A variável ‘classificação final do caso’ apresentou nível de completude definido como ‘bom’ nos bancos regional e nacional, embora devesse ser ‘excelente’ por se tratar da variável correspondente ao diagnóstico final do caso.27 Verifica-se, assim, uma limitação do SIVEP-Gripe quanto à precisão dessas informações, visto que, nesses casos, o encerramento foi realizado sem que as informações necessárias para a classificação final estivessem devidamente registradas. Essas lacunas evidenciam falhas no acompanhamento dos resultados laboratoriais, bem como no fluxo de retorno ao sistema para inclusão do resultado e conclusão do caso.26 Dessa forma, sugere-se uma possível mudança na padronização operacional, reclassificando-se os campos até então ‘essenciais’, como os de exames e classificação final do caso, para ‘obrigatórios’, o que melhoraria a completude dessas variáveis.15,21
Em síntese, ao analisarmos a completude do preenchimento do SIVEP-Gripe em uma base de dados no nível regional e na base de dados nacional, identificamos baixa completude das variáveis, o que pode dificultar a definição do perfil epidemiológico dos casos e, consequentemente, as ações de vigilância. Como pontos fortes, esta pesquisa traz resultados da análise da completude do preenchimento do SIVEP-Gripe, um sistema de informações em saúde atualizado com frequência, durante a pandemia da COVID-19. Nossos achados poderão subsidiar ações voltadas à melhoria do preenchimento adequado do SIVEP-Gripe, especialmente se mudanças forem realizadas na operacionalização de variáveis cujo preenchimento foi classificado como ‘ruim’ ou ‘muito ruim’. Tais mudanças devem ser planejadas com vistas a torná-lo mais sensível, ativo e capaz de monitorar o evento no território, de forma eficiente e efetiva, em tempo oportuno.
Entende-se como uma limitação do estudo a impossibilidade de remoção das duplicidades no banco de dados nacional, devido à falta de acesso aos dados individuais, o que pode ter afetado a classificação da completude de algumas variáveis.
A partir dos resultados deste trabalho, verificou-se que, durante a pandemia da COVID-19 em 2020, ambas as bases de dados avaliadas apresentaram baixa completude dos dados das notificações de caso de SRAG hospitalizados. A ausência de informações no âmbito nacional foi ainda maior, refletida no maior número de variáveis classificadas com pior completude. Recomenda-se que os serviços de vigilância epidemiológica elaborem rotinas de avaliação periódica das variáveis mais críticas, em relação ao baixo preenchimento, no fito de dirimir a baixa completude dos dados notificados e seu comprometimento com a qualidade do SIVEP-Gripe. Finalmente, sugerem-se aperfeiçoamentos no processo de trabalho, mediante atualizações e capacitações rotineiras dos profissionais responsáveis pelo preenchimento das fichas de notificação e administração do SIVEP-Gripe.