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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.31 no.2 Brasília  2022  Epub 17-Ago-2022

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222022000200018 

Artigo original

Perfil do rastreamento do câncer do colo do útero em Campo Grande, Mato Grosso do Sul: um estudo avaliativo do período 2006-2018

Perfil de seguimiento del cáncer de cuello uterino en Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil: un estudio evaluativo del periodo 2006-2018

Geize Rocha Macedo de Souza (orcid: 0000-0002-0680-171X)1  , Andrey Moreira Cardoso (orcid: 0000-0002-7591-7791)2  , Renata Palópoli Pícoli (orcid: 0000-0002-3753-6832)3  , Inês Echenique Mattos (orcid: 0000-0002-7297-1864)2 

1Secretaria Municipal de Saúde, Serviço de Doenças e Agravos não Transmissíveis, Campo Grande, MS, Brasil

2 Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

3 Fundação Oswaldo Cruz, Campo Grande, MS, Brasil

Resumo

Objetivo:

Avaliar a cobertura e a qualidade do rastreamento do Programa de Controle do Câncer do Colo do Útero (PCCCU) em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, 2006-2018.

Métodos:

Estudo descritivo da tendência da série histórica de exames citopatológicos para rastreamento do CCU em mulheres residentes em Campo Grande. Foram descritas características demográficas das mulheres avaliadas e a qualidade dos exames realizados nos cinco últimos anos do período. Analisou-se a tendência temporal por modelos de regressão polinomiais.

Resultados:

Foram registradas 578.417 citologias, das quais 1,8% apresentaram alterações citológicas pré-malignas/malignas. Na faixa etária-alvo do programa, verificou-se redução de 48,4% no número de exames realizados. A positividade dos exames variou entre 2,2% e 3,3% e aumentou o percentual de amostras insatisfatórias.

Conclusão:

O programa de rastreamento de CCU apresenta fragilidades que necessitam ser superadas, como baixa cobertura da população-alvo, crescimento do número de amostras insatisfatórias e baixo índice de positividade.

Palavras-chave: Neoplasias do Colo do Útero; Neoplasia Intraepitelial Cervical; Detecção Precoce de Câncer; Saúde da Mulher; Estudos de Séries Temporais

Resumen

Objetivo:

Evaluar la cobertura y calidad del tamizaje del programa de control de cáncer cervicouterino en Campo Grande, MS, Brasil, entre 2006-2018.

Métodos:

Estudio descriptivo de la serie histórica de exámenes citopatológicos en mujeres de Campo Grande. Se realizó un análisis descriptivo de las características demográficas de las mujeres y la calidad de los exámenes realizados en los últimos cinco años del período. La tendencia temporal se analizó mediante modelos de regresión polinómica.

Resultados:

Se registraron 578.417 citologías, de las cuales el 1,8% mostró alteraciones citológicas. En la población objetivo del programa, hubo reducción del 48,4% en el número de pruebas realizadas. La positividad de las pruebas varió entre 2,2% y 3,3% y aumentó el porcentaje de muestras no satisfactorias.

Conclusión:

El programa de cribado tiene debilidades que es necesario superar, como baja cobertura de la población objetivo, crecimiento del número de muestras insatisfactorias y baja tasa de positividad.

Palabras clave: Neoplasias del Cuello Uterino; Neoplasia Intraepitelial Cervical; Detección Precoz del Cáncer; Salud de la Mujer; Estudios de Series Temporales

Contribuições do estudo

Principais resultados

Observaram-se fragilidades no Programa do Câncer do Colo do Útero (PCCCU)/Campo Grande: oferta insuficiente de exames, periodicidade aquém da necessária, qualidade insatisfatória das amostras coletadas e incompletudes nas informações/sistema PCCCU.

Implicações para os serviços

Há necessidade de avaliação sistemática constante dos serviços de saúde ofertados na linha de cuidado do câncer do colo do útero, visando ao cumprimento dos objetivos e metas do PCCCU

Perspectivas

Espera-se que os achados do estudo possam contribuir para o rastreamento mais efetivo da população exposta ao câncer do colo do útero.

Introdução

O câncer do colo do útero (CCU) é um dos tumores mais frequentes no mundo e importante causa de morte no sexo feminino.1,2 Globalmente, foi estimada a ocorrência de 528 mil casos novos de CCU em 2012, o que correspondeu a uma taxa de incidência ajustada por idade de 14/100 mil mulheres, assim como a ocorrência de 266 mil mortes por ano, com uma taxa de mortalidade ajustada por idade de 6,8/100 mil mulheres.1,2 Devido à relevância desse problema de saúde pública, a Organização Mundial da Saúde (OMS) traçou metas globais para o enfrentamento do CCU, a serem cumpridas entre 2020 e 2030, sendo uma delas a de, nesse período, ter atingido 90% de cobertura de tratamento.3

As distribuições da incidência e da mortalidade por CCU são heterogêneas no mundo.4 Enquanto nos países desenvolvidos são observadas reduções progressivas da incidência e da mortalidade, como decorrência da efetividade de programas de rastreamento populacional, em países em desenvolvimento e com maiores desigualdades sociais, tais indicadores mantêm-se em níveis elevados, indicando a necessidade de ampliação do acesso ao rastreamento, diagnóstico e tratamento precoces.4 No Brasil, foram registrados 16.710 casos novos de CCU em 2020, apresentando-se esse tipo de câncer como o terceiro mais frequente no sexo feminino.5

As ações de controle do CCU inserem-se na Saúde da Mulher, área estratégica de ações prioritárias no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), com destaque para o nível da Atenção Primária à Saúde (APS).6 Diversas políticas e programas envolvendo o controle do CCU, como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), cuja principal contribuição foi a introdução da coleta de material para o exame citopatológico enquanto procedimento de rotina na consulta ginecológica, têm sido desenvolvidos desde a década de 1980; e como resultado, tem-se sua inclusão entre as 11 prioridades do Pacto pela Saúde (2006), com o propósito de ampliar a cobertura de exames preventivos e, assim, reduzir a mortalidade por CCU no país.6

A principal estratégia para o controle do câncer de colo uterino consiste do seu rastreamento, que tem como base a história natural da doença e possibilita a detecção de lesões precursoras, visando ao tratamento precoce e à não progressão da lesão para a forma invasiva. A cobertura para a maior parte da população-alvo consiste em importante fator para a redução da incidência do CCU.4,6

Um estudo que analisou a incidência e a mortalidade por CCU, no estado de Mato Grosso do Sul, relatou aumento de 139% na taxa de incidência, entre 2001 e 2012, e crescimento em torno de 30% nas taxas de mortalidade ajustadas por idade, entre 1979 e 2009.7 No estudo citado, foram relatadas taxas de mortalidade por CCU no município de Campo Grande que variaram de 5,13 a 10,2/100 mil mulheres, entre 1980 e 2009.7 No ano de 2020, estimava-se a ocorrência de 270 novos casos e uma taxa de incidência ajustada por idade de 18,3/100 mil mulheres em Mato Grosso do Sul, e 40 casos novos e taxa de incidência ajustada por idade de 8,1/100 mil mulheres na capital do estado, Campo Grande.8 Esses dados apontam para a importância de avaliar as ações do Programa de Controle do Câncer do Colo do Útero (PCCCU) no município, com vistas à redução da incidência e mortalidade pela doença.

O objetivo deste estudo foi avaliar a cobertura e a qualidade do rastreamento para CCU no município de Campo Grande, com base nos registros do Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (Siscolo) e do Sistema de Informação do Câncer (Siscan).

Métodos

Neste estudo ecológico descritivo, foi analisada a tendência da série histórica de exames citopatológicos realizados para o rastreamento do CCU em mulheres residentes no município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, entre 2006 e 2018, e efetuada a análise descritiva das características das mulheres avaliadas e da qualidade dos exames incluídos no sistema de informação de câncer nos últimos cinco anos do período (2014-2018).

Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, localiza-se na região Centro-Oeste do país e dispõe de uma extensão territorial de 8.082 km2; sua população geral estimada é de 916.001 habitantes, e a população feminina na faixa etária de 25-64 anos, de 216.352 mulheres. A rede de APS do município encontra-se estruturada em 58 unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF), 11 unidades básicas de saúde (UBS) e três unidades de Clínica da Família, o que corresponde a 74,6% de cobertura pela rede na capital. As bases de dados utilizadas para a análise da série temporal definida pelo estudo foram o Siscolo e o Siscan, ambos encarregados do registro dos exames citopatológicos realizados no SUS.

O acesso ao Siscolo é público, e, para este estudo, realizou-se por meio eletrônico em janeiro de 2021. Foram incluídos na análise todos os exames citopatológicos de colo do útero em mulheres residentes no município e registrados no período de 2006 a 2013, último ano completo disponível nessa base de dados. A partir de 2014, os dados dos exames citopatológicos de colo do útero passaram a ser inseridos no Siscan, sistema de informações em saúde para o qual, na época da realização desta análise, não havia acesso público. Os dados referentes ao período 2014-2018 foram obtidos no Siscan em janeiro de 2021, também por meio eletrônico, mediante autorização da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso do Sul.

A troca dos sistemas de informações no período de estudo resultou em diferenças nas configurações das variáveis relativas às características das mulheres e à qualidade dos exames, nos respectivos bancos de dados. Para efetuar uma análise de série histórica, há necessidade de dispor de um número de anos maior do que o período disponível no Siscan (apenas cinco anos). Assim, para a análise da série de exames citopatológicos, optou-se por utilizar o período disponível (2006-2018), incluindo os dados de citologias realizadas disponíveis no Siscolo. Entretanto, na busca por manter a uniformidade das variáveis relativas às usuárias e à qualidade dos exames, seria necessário utilizar somente um dos bancos de dados, de forma que foram analisados os dados disponíveis no Siscan referentes a um período mais recente (2014-2018).

Para a análise da série histórica de exames citológicos, utilizaram-se o número absoluto de citologias realizadas em cada ano e o número absoluto de citologias anuais realizadas em mulheres da população-alvo (25 a 64 anos de idade) pelo PCCCU no período de 2006 a 2018, compreendendo um total de 578.417 exames citológicos. A faixa etária entre 25 e 64 anos é considerada prioritária porque apresenta maior frequência de lesões de alto grau, as quais, tratadas precocemente, não evoluem para CCU.6 Os dados referentes ao quantitativo populacional para os mesmos anos do período foram obtidos do Departamento de Informática do SUS (Datasus).9 Quanto à análise descritiva das características dos exames citopatológicos e da população atendida, foram adotadas as variáveis disponíveis no Siscan (período 2014-2018) para residentes em Campo Grande.10

Inicialmente, procedeu-se a avaliação da completude das variáveis disponíveis no Siscan, ou seja, do percentual de preenchimento dessas variáveis nos anos do estudo, visando selecionar aquelas a serem analisadas. Tendo como base o escore proposto por Romero e Cunha (2006),11 a completude de uma variável foi considerada excelente quando verificado um percentual de preenchimento > 95%; boa, se esse percentual era de 90,1% a 95%; regular, de 80,1% a 90%; ruim, entre 50,1% e 80%; e péssima, quando ≤ 50%. As variáveis “faixa etária”, “adequabilidade”, “representatividade da zona de transformação”, dentro da normalidade/alterações citológicas, e “citologia” apresentaram completude excelente e boa em todos os anos do estudo, sendo selecionadas para análise. A variável “período de realização do preventivo” apresentou completude ruim, evoluindo para regular no final do período; no entanto, por ser uma variável importante para análise, optou-se por sua inclusão. A variável “escolaridade” foi excluída da análise por apresentar completude muito baixa e ausência de preenchimento nos anos finais do período. A variável “raça/cor da pele” não pôde ser avaliada, por não se encontrar entre as variáveis disponíveis para filtro no sistema Siscan.

Foram, portanto, incluídas no estudo as seguintes variáveis: faixa etária (categorizada em anos: 24 ou menos; 25 a 64; ≥ 65); citologia anterior, ou seja, realização de exame citopatológico anteriormente, sem se considerar o tempo decorrido (sim; não); período do preventivo, que consiste no tempo decorrido entre a realização do último exame citopatológico e a realização do exame atual (categorizado em: mesmo ano; um ano; dois anos; três anos; quatro anos ou mais); adequabilidade, ou seja, classificação da qualidade da amostra coletada (satisfatória; insatisfatória; rejeitada); representatividade da zona de transformação (ZT), definida pela presença ou ausência do epitélio metaplásico e/ou glandular na amostra (sim; não); alterações citológicas, ou seja, exames cujos resultados apresentaram atipias celulares de interesse para processo oncótico ou qualquer alteração benigna [categorizadas em: ASC-US (células escamosas atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas); ASC-H (células escamosas atípicas de significado indeterminado e onde não se pode afastar lesão de alto grau); atipias glandulares indeterminadas não neoplásicas, células de origem indefinida não neoplásica e células escamosas de lesão intraepitelial de baixo grau; células glandulares atípicas de significado indeterminado e onde não se pode afastar lesão de alto grau; células atípicas de origem indefinida e onde não se pode afastar lesão de alto grau]; células escamosas de lesão intraepitelial de alto grau; células escamosas de lesão intraepitelial de alto grau, não podendo excluir microinvasão; e câncer (carcinoma epidermoide invasivo, adenocarcinoma in situ e adenocarcinoma invasor).10

A qualidade dos exames foi avaliada pela adequabilidade da amostra, representada pelo percentual de amostras insatisfatórias. Uma amostra é considerada insatisfatória quando há presença de fatores de obscurecimento que prejudicam a avaliação de mais de 75% das células epiteliais,12 e quando isso acontece, torna-se necessária a realização de um novo exame. O indicador foi calculado pelo número de amostras insatisfatórias dividido pelo total de exames realizados. Utilizou-se, como indicador para a etapa referente à coleta, a representatividade da ZT, caracterizada pela intersecção do epitélio estratificado da ectocérvice com o epitélio colunar da endocérvice, sendo que nessa área se encontra a maior concentração de alterações citológicas e lesões precursoras do câncer do colo do útero.13

O índice de positividade informa a prevalência de alterações celulares nos exames, indicando a sensibilidade do processo do rastreamento em detectar lesões na população examinada. Esse indicador, por sua vez, foi calculado pela soma de todos os exames citopatológicos que apresentavam resultados alterados dividida pelo total de exames citopatológicos satisfatórios e multiplicada por 100. O Ministério da Saúde (MS) classifica a positividade no rastreamento do CCU como: muito baixo, inferior a 2,0%; baixa, entre 2,0% e 2,9%; esperada; entre 3% e 10%; e acima do esperado, > 10%.14 As variáveis “citologia anterior” e “período” (em anos) foram utilizadas para avaliar se as mulheres realizavam o exame conforme a periodicidade preconizada.

A oferta de exames foi avaliada pelo indicador “razão entre exames citopatológicos e população-alvo” (população feminina de 25 a 64 anos de idade) residente em Campo Grande, anualmente, entre 2014 e 2018. Tomando-se como base a recomendação de repetição do exame a cada três anos, espera-se que a razão exames/população-alvo seja de 0,3 anualmente, para rastrear 100% das mulheres na faixa etária prioritária.15 Para o cálculo da variação percentual do número de exames no período de 2006 a 2018, utilizou-se a seguinte fórmula:

nº de exames em 2018 - nº de exames em 2006nº de exames realizados em 2006 x 100

Para fins da análise de série temporal, o número absoluto de exames citológicos realizados em cada ano foi considerado como variável dependente (y), e os anos do período de estudo, como variável independente (x). Na análise de regressão polinomial, foram estimados modelos polinomiais de primeiro (y = β0 + β1x), segundo (y = β0 + β1x + β2x2) e terceiro (y = β0 + β1x + β2x2 + β3x3) graus. A variável “ano de realização dos exames” foi centralizada, para evitar a colinearidade dos dados. Considerou-se o nível de significância estatística (p-valor ≤ 0,05), a análise dos resíduos e o valor do R2 como critérios para seleção do melhor modelo. Essa análise foi efetuada utilizando-se o software SPSS20. A análise descritiva dos dados relativos às características dos exames citopatológicos e da população atendida foi efetuada por meio de distribuições absolutas e relativas das variáveis, com a utilização do software Excel 2007. A análise das variáveis “citologia anterior”, “citologia por período desde o último exame”, “adequabilidade”, “representatividade da zona de transformação” e “atipias” foi efetuada para três faixas etárias: ≤ 24, 25 a 64 e ≥ 65 anos.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Instituto Oswaldo Cruz (CEP/ENSP/Fiocruz) mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 50454121.3.0000.5240. Por se tratar de dados secundários de domínio público e irrestrito, em que não é possível identificar os participantes, o estudo foi dispensado de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelas mulheres cujos dados de exames citopatológicos para rastreamento de CCU foram analisados.

Resultados

No período de estudo, foram registrados 578.417 exames citopatológicos de mulheres residentes em Campo Grande, sendo 75,9% deles realizados na faixa etária de 25 a 64 anos, estrato populacional-alvo do PCCCU. A partir de 2015, observou-se diminuição substancial no número de exames registrados. A maior cobertura do PCCCU foi de 19,5%, verificada em 2008, com subsequente declínio até 7,5% em 2018. O ano de 2017 apresentou a cobertura mais baixa do período: 5,8%. A variação percentual entre o primeiro e o último ano da série histórica foi negativa, tanto para o conjunto de exames anuais realizados (-56,2%) como para a população-alvo do PCCCU (-48,4%) (Tabela 1).

Tabela 1 Número total de exames citopatológicos, número de exames na população-alvo, e percentual estimado de cobertura do Programa de Controle do Câncer de Colo do Útero em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2006-2018 

Ano Número de exames Número de exames na população-alvo (25-64 anos) Número de mulheres na população-alvo e percentual estimado de cobertura (25-64 anos)
n % n % n %
2006 51.004 8,8 37.108 8,5 196.736 18,9
2007 50.146 8,7 36.675 8,4 202.421 18,1
2008 55.139 9,5 40.636 9,3 208.126 19,5
2009 55.047 9,5 41.026 9,3 213.771 19,1
2010 53.376 9,2 40.152 9,2 219.296 18,3
2011 56.255 9,7 42.798 9,8 224.087 19,1
2012 54.544 9,4 41.773 9,5 228.722 18,2
2013 44.129 7,6 34.103 7,8 233.209 14,6
2014 50.259 8,7 37.675 8,6 237.613 15,8
2015 34.073 5,9 25.172 5,7 241.969 10,4
2016 34.594 6,0 28.104 6,4 245.732 11,4
2017 17.501 3,0 14.458 3,3 249.383 5,8
2018 22.350 3,9 19.137 4,4 252.899 7,5
2006-2018 578.417 100,0 438.817 100,0 - -
variação(%) (2006-2018) - -56,2 - -48,4 - -60,3

Na Figura 1, é possível observar a evolução do número de exames citológicos realizados no município de Campo Grande, entre 2006 e 2018. O modelo linear foi o mais adequado para descrever a série, explicando 75,2% da distribuição, com significância estatística (p-valor < 0,001). O número de exames realizados diminuiu, em média, 2.313,90 a cada ano do período de estudo. Na Figura 1B, encontra-se a evolução do número de exames citológicos em Campo Grande, no mesmo período, considerando-se somente aqueles realizados na população-alvo do PCCCU. O modelo linear, novamente, foi aquele que representou melhor a série, explicando 72,4% de sua distribuição, com significância estatística (p-valor < 0,001). Nesse segmento da população, o número de exames realizados diminuiu, em média, 1.460,83 a cada ano.

Figura 1 Tendência do número anual de exames citopatológicos do colo do útero na população geral (A) e na população-alvo (B) em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2006-2018 

No período de 2014 a 2018, observou-se predomínio de exames realizados na faixa etária de 25 a 64 anos (78,4%), seguida por mulheres com 24 anos ou menos (15,7%) e aquelas com 65 anos ou mais (5,8%). A razão de exames citopatológicos apresentou maior valor em 2014 (0,16); e redução nos anos subsequentes, com 0,06 e 0,07 em 2017 e 2018, respectivamente, correspondendo a uma queda de mais de 50% em relação a 2014 (dados não apresentados em tabelas ou figuras).

Na Tabela 2, é possível verificar que a maioria das mulheres que realizaram citologia (92,4%) já havia realizado pelo menos um exame em anos anteriores; na população-alvo, esse percentual correspondeu a 96,7%. Quanto à periodicidade da citologia, observou-se maior percentual para o período de um ano, em todas as faixas etárias, correspondendo a 54,9% em menores de 25 anos, 56,3% entre mulheres de 25 a 64 anos e 54,3% no grupo de ≥ 65 anos.

Tabela 2 Distribuição percentual de exames citopatológicos anteriores e citologia por período, no âmbito do Programa de Controle do Câncer de Colo do Útero em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2014-2018 

Citologia anterior Citologia por período desde o último exame
Ano Sim Não Total de exames Mesmo ano 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos ou mais Total de exames
n (%) n n (%) n
≤ 24 anos
2014 5.906 (67,3) 2.867 (32,7) 8.773 758 (13,2) 3.076 (53,6) 1.247 (21,7) 417 (7,3) 237 (4,2) 5.735
2015 4.465 (70,2) 1.894 (29,8) 6.359 407 (9,4) 2.748 (63,2) 830 (19,1) 266 (6,1) 95 (2,2) 4.346
2016 3.071 (72,0) 1.197 (28,0) 4.268 238 (8,0) 1.616 (54,2) 841 (28,2) 210 (7,0) 78 (2,6) 2.983
2017 1.369 (72,5) 520 (27,5) 1.889 83 (6,3) 654 (49,2) 403 (30,3) 158 (11,9) 31 (2,3) 1.329
2018 1.421 (71,7) 560 (28,3) 1.981 92 (6,7) 554 (40,5) 445 (32,5) 183 (13,4) 95 (6,9) 1.369
2014-2018 16.232 (69,8) 7.038 (30,2) 23.270 1.578 (10,0) 8.648 (54,9) 3.766 (23,9) 1.234 (7,8) 536 (3,4) 15.762
25-64 anos
2014 33.022 (95,9) 1.421 (4,1) 34.443 3.055 (9,7) 17.766 (56,1) 7.425 (23,5) 2.261 (7,1) 1.140 (3,6) 31.647
2015 23.039 (97,1) 690 (2,9) 23.729 1.534 (7,0) 14.334 (64,8) 4.405 (19,9) 1.331 (6,0) 512 (2,3) 22.116
2016 25.653 (96,8) 844 (3,2) 26.497 1.497 (6,1) 13.896 (56,3) 7.270 (29,4) 1.498 (6,1) 525 (2,1) 24.686
2017 13.344 (97,3) 375 (2,7) 13.719 639 (4,9) 6.999 (54,4) 3.618 (28,1) 1.346 (10,5) 270 (2,1) 12.872
2018 17.694 (97,2) 513 (2,8) 18.207 762 (4,5) 8.028 (47,0) 5.460 (31,9) 1.951 (11,4) 890 (5,2) 17.091
2014-2018 112.752 (96,7) 3.843 (3,3) 116.595 7.487 (6,9) 61.023 (56,3) 28.178 (26,0) 8.387 (7,7) 3.337 (3,1) 108.412
≥ 65 anos
2014 2.391 (92,4) 196 (7,6) 2.587 195 (8,6) 1.195 (53,0) 560 (24,9) 189 (8,4) 114 (5,1) 2.253
2015 1.883 (95,9) 81 (4,1) 1.964 125 (7,0) 1.117 (62,7) 371 (20,8) 128 (7,2) 41 (2,3) 1.782
2016 1.689 (96,3) 65 (3,7) 1.754 105 (6,6) 876 (55,1) 471 (29,7) 100 (6,3) 36 (2,3) 1.588
2017 912 (96,7) 31 (3,3) 943 42 (4,9) 465 (53,9) 252 (29,2) 86 (10,0) 17 (2,0) 862
2018 988 (96,7) 34 (3,3) 1.022 59 (6,2) 387 (40,7) 311 (32,7) 126 (13,2) 68 (7,2) 951
2014-2018 7.863 (95,1) 407 (4,9) 8.270 526 (7,1) 4.040 (54,3) 1.965 (26,4) 629 (8,5) 276 (3,7) 7.436

A proporção de amostras insatisfatórias, no período de 2014 a 2018, variou entre 0,7% e 1,8% na população-alvo, 0,8% e 1,6% nas mulheres abaixo de 25 anos, e entre 1,3% e 2,6% naquelas de idade ≥ 65 anos. O número de amostras rejeitadas correspondeu a 29, sendo 20 delas em mulheres com 25 a 64 anos de idade. Quanto à representatividade da zona de transformação, observou-se que, na população-alvo, 51,0% das amostras coletadas apresentavam ausência da ZT. Nas mulheres abaixo de 25 anos, o percentual de amostras com ausência de zona de transformação variou entre 38,9% e 49,5%; e naquelas de 65 ou mais anos, entre 67,7% e 73,7% (Tabela 3).

Tabela 3 Distribuição percentual de exames citopatológicos do colo do útero por adequabilidade e zona de transformação, no âmbito do Programa de Controle do Câncer de Colo do Útero em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2014-2018 

Faixa etária (em anos) Ano Adequabilidade Zona de transformação
Satisfatória Insatisfatória Rejeitada Total de exames Sim Não Total de exames
n (%) n n (%) n
≤ 24 2014 9.540 (99,2) 78 (0,8) 1 (0,0) 9.619 5.316 (55,7) 4.223 (44,3) 9.539
2015 6.665 (99,0) 64 (1,0) 1 (0,0) 6.730 3.365 (50,5) 3.303 (49,5) 6.668
2016 4.457 (98,7) 56 (1,3) 2 (0,0) 4.515 2.710 (60,7) 1.755 (39,3) 4.465
2017 1.990 (98,4) 32 (1,6) - (0,0) 2.022 1.219 (61,1) 777 (38,9) 1.996
2018 2.085 (98,6) 29 (1,4) - (0,0) 2.114 1.148 (54,7) 952 (45,3) 2.100
2014-2018 24.737 (98,9) 259 (1,1) 4 (0,0) 25.000 13.758 (55,5) 11.010 (44,5) 24.768
25 a 64 2014 37.386 (99,2) 284 (0,8) 5 (0,0) 37.675 18.402 (49,2) 18.983 (50,8) 37.385
2015 24.977 (99,2) 190 (0,8) 5 (0,0) 25.172 11.330 (45,3) 13.662 (54,7) 24.992
2016 27.861 (99,1) 239 (0,9) 4 (0,0) 28.104 14.691 (52,6) 13.217 (47,4) 27.908
2017 14.200 (98,2) 254 (1,8) 4 (0,0) 14.458 7.367 (51,7) 6.883 (48,3) 14.250
2018 18.897 (98,8) 238 (1,2) 2 (0,0) 19.137 8.759 (46,2) 10.189 (53,8) 18.948
2014-2018 123.321 (99,0) 1.205 (1,0) 20 (0,0) 124.546 60.549 (49,0) 62.934 (51,0) 123.483
≥ 65 2014 2.917 (98,4) 47 (1,6) 1 (0,0) 2.965 825 (28,3) 2.091 (71,7) 2.916
2015 2.139 (98,6) 29 (1,3) 3 (0,1) 2.171 568 (26,5) 1.574 (73,5) 2.142
2016 1.941 (98,3) 33 (1,7) 1 (0,0) 1.975 609 (31,3) 1.339 (68,7) 1.948
2017 994 (97,4) 27 (2,6) - (0,0) 1.021 325 (32,3) 680 (67,7) 1.005
2018 1.079 (98,2) 20 (1,8) - (0,0) 1.099 284 (26,3) 797 (73,7) 1.081
2014-2018 9.070 (98,3) 156 (1,7) 5 (0,0) 9.231 2.611 (28,7) 6.481 (71,3) 9.092

As atipias celulares apresentaram maior percentual na faixa etária de 24 anos ou menos (4,4%); esse percentual foi de 2,3% nas amostras realizadas na faixa etária-alvo do PCCCU. Para as lesões de alto grau, o maior percentual foi observado na população-alvo, embora com valor inferior a 1,0%. Verificou-se maior número de casos de câncer (23) também no grupo de mulheres de 25 a 64 anos. Em relação ao índice de positividade, observou-se variação anual entre 2,2% e 3,3% na população-alvo (Tabela 4).

Tabela 4 Distribuição percentual de alterações citopatológicas do colo do útero por faixa etária, no âmbito do Programa de Controle do Câncer de Colo do Útero em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2014-2018 

Ano Atipias Células escamosas de lesão intraepitelial de alto grau Células escamosas de lesão intraepitelial de alto grau, não podendo excluir microinvasão Câncer Exames alterados Exames satisfatórios Índice de positividade Total de exames
% n
2014 450 (4,7) 34 (0,3) - (0,0) 1 (0,0) 485 (5,0) 9.540 (99,2) 5,1 9.619
2015 240 (3,6) 17 (0,2) - (0,0) 1 (0,0) 258 (3,8) 6.665 (99,0) 3,9 6.730
2016 198 (4,4) 13 (0,3) - (0,0) - (0,0) 211 (4,6) 4.457 (98,7) 4,7 4.515
2017 102 (5,0) 6 (0,3) 1 (0,0) - (0,0) 109 (5,4) 1.990 (98,4) 5,5 2.022
2018 118 (5,6) 12 (0,6) - (0,0) - (0,0) 130 (6,1) 2.085 (98,6) 6,2 2.114
2014-2018 1.108 (4,4) 82 (0,3) 1 (0,0) 2 (0,0) 1.193 (4,8) 24.737 (98,4) 0,0 25.000
2014 866 (2,3) 123 (0,3) 10 (0,0) 8 (0,0) 1.007 (2,7) 37.386 (99,2) 2,7 37.675
2015 443 (1,8) 79 (0,3) 12 (0,0) 5 (0,0) 539 (2,2) 24.977 (99,2) 2,2 25.172
2016 672 (2,4) 120 (0,4) 12 (0,0) 7 (0,0) 811 (2,9) 27.861 (99,1) 2,9 28.104
2017 410 (2,8) 55 (0,4) 8 (0,0) 2 (0,0) 475 (3,3) 14.200 (98,2) 3,3 14.458
2018 513 (2,7) 89 (0,5) 13 (0,1) 1 (0,0) 616 (3,2) 18.897 (98,7) 3,2 19.137
2014-2018 2.904 (2,3) 466 (0,4) 55 (0,0) 23 (0,0) 3.448 (2,8) 123.321 (99,0) 0,0 124.546
2014 40 (1,3) 12 (0,4) - (0,0) 2 (0,1) 54 (1,8) 2.917 (98,4) 1,8 2.965
2015 43 (2,0) 4 (0,2) 2 (0,1) 1 (0,0) 50 (2,3) 2.139 (98,5) 2,3 2.171
2016 32 (1,6) 7 (0,3) - (0,0) 4 (0,2) 43 (2,2) 1.941 (98,3) 2,2 1.975
2017 26 (2,5) 4 (0,4) 1 (0,1) 4 (0,4) 35 (3,4) 994 (97,3) 3,5 1.021
2018 23 (2,1) 2 (0,2) 1 (0,1) - (0,0) 26 (2,4) 1.079 (98,2) 2,4 1.099
2014-2018 164 (1,8) 29 (0,3) 4 (0,0) 11 (0,1) 208 (2,2) 9.070 (98,3) 0,0 9.231

Discussão

Neste estudo, observou-se redução no número de exames citopatológicos realizados para o rastreamento do CCU, inclusive na população-alvo do PCCCU, no período 2006-2018. Ainda, identificou-se baixa razão citologia/população em todos os anos de estudo, e elevado percentual de citologia anterior e de repetição do exame no período inferior a um ano. Houve predomínio de amostras satisfatórias em todas as faixas etárias; porém, encontrou-se representatividade da ZT abaixo de 50% na faixa etária prioritária, dos 25 aos 64 anos de idade, bem como elevado percentual de atipias. Verificou-se, na população-alvo, um índice de positividade baixo (2,0% a 2,9%) no período 2014-2016, e dentro do esperado (3,0% a 10%) em 2017 e 2018.

No Brasil, foi instituída a meta de 85% para a cobertura do exame citológico na população-alvo até 2022.16 Com base nos achados deste estudo, Campo Grande ainda não teria alcançado esse patamar. Essa baixa cobertura citológica evidencia uma fragilidade do programa de rastreamento do CCU no âmbito da rede municipal de saúde e poderia, em parte, estar relacionada à indisponibilidade pontual de insumos para a realização do exame, documentada no município naquele período.17 No entanto, é necessário ressaltar que uma parcela das mulheres residentes em Campo Grande, possivelmente, realizou exames citológicos na rede de saúde suplementar do município e, caso esses dados estivessem registrados no sistema de informação, a cobertura populacional certamente alcançaria um valor mais alto. Oliveira et al.,18 ao compararem dados autorreferidos da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), ambos referentes a 2013, verificaram que a cobertura de exames citológicos para prevenção de CCU em Campo Grande era de cerca de 87% entre as mulheres na faixa etária-alvo do PCCCU que relataram ter realizado pelo menos um exame nos últimos três anos.16

Em estudo realizado em 17 países da União Europeia, com dados referentes ao período de 2004 a 2014, foi demonstrada grande variabilidade no percentual de cobertura de exame preventivo para CCU, sendo que nenhum programa atingiu a meta de 85% definida pelas diretrizes europeias.19 Suécia, Reino Unido e Noruega apresentaram as maiores coberturas, próximas de 80%, enquanto Eslováquia e Itália as menores, com valores ao redor de 20% e 40% respectivamente.19

Observou-se que a razão citologia/população observada não alcançou o valor pactuado por Campo Grande para o ano de 2018, de 0,62,20 indicando um déficit na oferta dos exames na rede municipal. Entretanto, esse indicador também deve ser analisado com cautela, uma vez que, neste estudo, foram utilizados os dados do Siscan relativos tão somente aos exames realizados na rede pública de saúde e, assim, poderia estar subestimado. De qualquer forma, o achado indica que a rede básica de saúde, aparentemente, não está a alcançar uma parte da sua clientela. Lopes e Ribeiro,21 em uma revisão da literatura na qual foram analisados fatores limitadores e facilitadores para o controle do CCU, apontam, entre os fatores limitadores de acesso relativos à gestão e/ou aos profissionais de saúde, a baixa oferta de serviços, a carência de recursos humanos, a superlotação e a fragilidade do acolhimento e do vínculo à unidade de saúde, entre outros.

Outrossim, a não realização do exame citológico pode estar associada a questões de âmbito individual, como medo do exame ou do possível diagnóstico, ansiedade, vergonha, baixa escolaridade,16,18,19 como também a algumas categorias de raça/cor da pele.16,18,19,21,22 O percentual de mulheres de Campo Grande que, segundo este trabalho, relataram não ter realizado citologia anterior por ocasião do exame, correspondeu a 3,3%, valor abaixo daquele observado em estudo realizado no município de Chapecó, Santa Catarina (11,6%), com dados do Siscan referentes a 2015.13 Quanto à periodicidade, houve alta concentração de exames com intervalo de até um ano entre as coletas na população-alvo, o que sugere repetições desnecessárias, em detrimento do alcance de outras mulheres que poderiam se beneficiar do acesso ao rastreamento do CCU. Esses achados diferem das recomendações das Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento de Câncer de Colo do Útero (2016), cuja orientação é realizar dois exames citopatológicos no primeiro ano de realização da citologia e, sendo ambos os resultados negativos, um novo exame a cada três anos.6 Medidas que garantam o acesso às mulheres que nunca realizaram o exame, com coleta em momento oportuno, devem ser enfatizadas.

Para o diagnóstico adequado do exame citológico, é preciso que o esfregaço seja satisfatório, isto é, tenha a presença de células escamosas e glandulares em grande representatividade, bem distribuídas e fixadas, e contenha a ZT, região na qual se encontram mais de 90% das lesões precursoras do CCU.13 Neste estudo, constatou-se a ausência da ZT em mais de 50% das citologias realizadas na população-alvo, sendo esse percentual superior a 67% na faixa etária de 65 anos ou mais, o que pode sugerir uma deficiência técnica dos profissionais responsáveis pela coleta. No estudo de Chapecó,13 os autores relataram ausência da ZT em 24,3% dos exames, um percentual inferior ao observado em Campo Grande. A ausência desses dois epitélios pode contribuir para resultados falso-negativo e gerar atraso no diagnóstico de lesões precursoras do CCU. A coleta adequada do exame citológico, quando correlacionada com uma cobertura populacional de 80%, poderia reduzir a incidência de CCU em até 90%.13

A maior frequência de lesões de baixo grau ocorre antes dos 25 anos de idade e, em sua maioria, regridem espontaneamente.6 Após os 64 anos, para a mulher que realizou rastreamento regular, a chance de desenvolver CCU é reduzida, haja vista sua evolução lenta.6 Os achados do presente estudo foram compatíveis com essas afirmativas, pois observou-se maior percentual de lesões de alto grau na idade de 25 a 64 anos, faixa etária preconizada para o rastreio dessa forma de câncer no Brasil.6

As principais alterações citológicas observadas no presente estudo, para todas as faixas etárias, foram as ASCs, com maior concentração em mulheres jovens (24 anos ou menos). Esse indicador está relacionado à qualidade do laboratório e espera-se que apenas 3% a 5% de todos os exames citológicos sejam classificados como ASCs.23 Na população-alvo, esse indicador correspondeu a 2,3% no período de estudo, apresentando um pequeno aumento nos dois últimos anos. Um percentual elevado de ASCs pode mascarar os resultados de maior gravidade, quando se considera que 20% a 40% das mulheres que apresentam ASCs poderão desenvolver lesões de baixo grau, e 5% a 15% lesões de alto grau.23

Em relação às alterações celulares, a população-alvo apresentou maior percentagem de lesões intraepiteliais de alto grau. Essas alterações necessitam de acompanhamento, cuja recomendação vigente consiste na realização de exames específicos para as mulheres rastreadas, como colposcopia, nova citologia, biópsia e/ou excisões de tipo 1, 2 ou 3, a depender da organização dos serviços.24

O índice de positividade indica a prevalência de alterações celulares nos exames citopatológicos e a sensibilidade do prestador de serviço para detectar lesões na população examinada, sendo classificado pelo Ministério da Saúde da seguinte forma: muito baixo (inferior a 2%); baixo (entre 2% e 2,9%); esperado (entre 3% e 10%); e acima do esperado (superior a 10%).14,25 Neste estudo, observou-se variação do índice de positividade, com predomínio das categorias “baixo” e “esperado” na população-alvo, indicando uma situação de alerta no monitoramento aos prestadores de serviço. No Reino Unido, que possui programa de rastreamento bem estruturado, o índice de positividade foi de 6,4% no ano de 2015,26 valor correspondente a quase o dobro do verificado para Campo Grande neste estudo. Dias et al.,27 ao analisarem os dados do Siscolo, relativos ao período de 2002 a 2006, observaram aumento de 22,9% no Brasil como um todo, embora com variações entre as macrorregiões do país. Estudo realizado no Piauí, com dados referentes ao período 2006-2013, encontrou índice de positividade baixo (2,2%) em mulheres na idade de 65 anos ou mais, e muito baixo (1,5%) em mulheres com menos de 25 anos.28 Outro estudo, este realizado em Minas Gerais, com dados do período 2006-2011, revelou índice muito baixo (menor de 2,0%),29 o que poderia indicar exames falso-negativos. Para a melhora desse índice, seria importante manter uma educação continuada dos profissionais que participam das etapas do processo, visando à manutenção da qualidade na interpretação dos resultados citopatológicos.30

Este estudo apresenta limitações. Os exames incluídos foram somente aqueles realizados no âmbito do sistema público de saúde, correspondendo, portanto, a uma visão parcial da realidade do PCCCU em Campo Grande. Também é possível que deficiências encontradas nos sistemas de informações do PCCCU utilizados como fonte de dados - informações aqui relatadas - tenham introduzido vieses na caracterização da situação local.

A variável “escolaridade”, associada à não realização do exame na literatura,16,18,19 não pôde ser explorada neste estudo, devido à incompletude dessa informação no PCCCU. Da mesma forma, não foi possível avaliar categorias de raça/cor da pele socialmente mais vulneráveis e que apresentam menores percentuais de adesão ao rastreamento do CCU,16,21,22 em decorrência da indisponibilidade dessa variável para análise no Siscan. Vale ressaltar que essa variável tem relevância no município em estudo, haja vista o elevado percentual de população indígena presente em Campo Grande, que vive em condições de desvantagem socioeconômica e marginalização.20

Contudo, foi possível identificar fragilidades importantes no PCCCU em Campo Grande, com destaque para a oferta insuficiente de exames, a periodicidade de realização, aquém da necessária, e a qualidade insatisfatória das amostras coletadas. Ademais, a utilização dos sistemas de informações do PCCCU como fontes de dados deste estudo possibilitou a identificação de problemas de incompletude das variáveis coletadas, demonstrando a necessidade de aprimoramento dessa ferramenta, indispensável à gestão e importante fonte de dados para estudos epidemiológicos.

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Recebido: 25 de Janeiro de 2022; Aceito: 23 de Junho de 2022

Correspondência Geize Rocha Macedo de Souza. geize01@yahoo.com.br

Editora associada

Thaynã Ramos Flores

Contribuição dos autores

Souza GRM, Cardoso AM, Pícoli RP e Mattos IE contribuíram na concepção e delineamento do estudo. Souza GRM realizou a análise e interpretação dos dados. Todos os autores realizaram a revisão crítica, aprovaram a versão final e declaram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

Conflitos de interesse

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

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