Principais resultados
Apenas 8,1% dos diagnósticos originalmente registrados como “outras neoplasias malignas” foram classificados corretamente, como tais. Dos exames reclassificados, 75,5% tinham diagnóstico previsto nas categorias existentes.
Introdução
A incidência de câncer do colo do útero mantém-se elevada no Brasil, estimando-se a ocorrência anual de aproximadamente 15 casos por 100 mil mulheres, o que corresponde a um número estimado de 16.710 casos novos em 2022.1 Esse tipo de câncer constitui a terceira neoplasia mais frequente em mulheres brasileiras - excluído o câncer de pele não melanoma -, havendo acentuadas diferenças regionais em sua ocorrência. Em 2020, o Norte do país, com incidência padronizada de 9,5 casos por 100 mil mulheres, foi a região que apresentou a maior taxa de câncer do colo do útero, enquanto para a região Sudeste, com taxa de 3,4/100 mil, correspondeu uma incidência aproximadamente três vezes menor.2-4 As marcantes diferenças regionais das taxas de incidência e de mortalidade refletem as iniquidades sociais e as desigualdades entre as diferentes regiões do Brasil, no que se refere ao desenvolvimento social e econômico e ao acesso a cuidados de saúde.3-5
As elevadas taxas de mortalidade por câncer do colo do útero no país constituem um cenário desafiador, e evidenciam que as políticas públicas estabelecidas ainda não repercutiram positivamente nas ações de controle e, consequentemente, nos indicadores de mortalidade pela doença.6,7 Problemas como falhas nos programas de rastreamento, ausência de um sistema de convocação da população-alvo, seguimento inadequado de mulheres com resultados suspeitos ou confirmatórios de câncer, e insuficiência de sistemas de controle de qualidade dos exames citopatológicos e histopatológicos do câncer do colo do útero ainda são bastante evidentes no Brasil.8
De acordo com as Diretrizes Brasileiras do Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, diante da presença de um exame de rastreamento alterado, torna-se necessária a investigação para confirmação diagnóstica, seja pela repetição do exame citopatológico, seja pela realização de colposcopia.9 A indicação de biópsia ou excisão da lesão ocorre após a avaliação colposcópica, sendo o diagnóstico final confirmado pela análise histopatológica do material coletado.10 A terapia é definida com base no diagnóstico histopatológico, sendo a qualidade desse exame importante para evitar condutas desnecessárias e eleger o tratamento oportuno.11
No Brasil, os exames histopatológicos do colo do útero realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são registrados no Sistema de Informação do Câncer (Siscan) desde 2013. O Siscan conta com um formulário padronizado, dotado de opções de diagnóstico predefinidas.12 Nas situações em que o resultado não esteja contemplado entre as opções disponíveis, o caso é registrado no campo “outras neoplasias malignas” do sistema, devendo-se especificar o tipo de neoplasia.
A distribuição dos resultados dos exames histopatológicos é um dos indicadores utilizados para avaliação de desempenho do programa de controle do câncer. Dessa forma, espera-se que a opção “outras neoplasias malignas”, relativa ao diagnóstico do caso, seja pouco frequente, haja vista o formulário apresentar os principais diagnósticos histopatológicos relacionados ao câncer do colo do útero. Entretanto, somente campos numéricos ficam disponíveis para tabulação, não sendo possível, por meio das ferramentas de tabulação disponíveis, identificar quais são as outras neoplasias descritas.
Este estudo teve por objetivo descrever e reclassificar os diagnósticos de outras neoplasias de exames histopatológicos do colo do útero registrados no Siscan.
Métodos
Delineamento
Trata-se de um estudo transversal descritivo das informações registradas no campo “outras neoplasias malignas” do formulário de resultados dos exames histopatológicos do colo do útero, do Siscan, no período de janeiro de 2013 a setembro de 2020.
Contexto
O exame histopatológico é o método de confirmação diagnóstica para o câncer. Realizado em laboratórios de anatomia patológica de todo o país, seu laudo é emitido por médicos patologistas e seu resultado é determinante para a escolha do tratamento de cada caso. No SUS, todos os exames histopatológicos para investigação diagnóstica de câncer do colo do útero devem ser registrados no Siscan.
O Siscan é um sistema de informações de livre acesso, utilizado, desde sua implantação em 2013, com a finalidade de permitir o monitoramento das ações relacionadas ao controle dos cânceres do colo do útero e de mama, e, sendo assim, a possibilidade de padronizar e aprimorar a qualidade dos laudos de mamografia e dos exames citopatológico e histopatológico do colo do útero e de mama realizados no âmbito do SUS.12,13 Entre 2013 e 2020, foram registrados cerca de 258 mil exames histopatológicos do colo do útero no sistema.
No formulário de resultados de exames histopatológicos, a opção “outras neoplasias malignas” representa a categoria de exames que apresenta resultado satisfatório; porém, o diagnóstico não está contemplado em nenhuma das opções disponíveis nas informações relativas às lesões de caráter neoplásico ou pré-neoplásico (Quadro 1).12 Quando a opção “outras neoplasias malignas” é assinalada no formulário, torna-se obrigatória a descrição do resultado encontrado, em um campo aberto para digitação.
Lesões de caráter benigno | Lesões de caráter neoplásico ou pré-neoplásico | ||
---|---|---|---|
Bloco I | Bloco II | Bloco III | |
Metaplasia escamosa | Neoplasia intraepitelial cervical de grau I (NIC I) | Adenocarcinoma in situ | Outras neoplasias malignas |
Cervicite crônica inespecífica | Neoplasia intraepitelial cervical de grau II (NIC II) | Adenocarcinoma invasor | |
Pólipo endocervical | Neoplasia intraepitelial cervical de grau III (NIC III) | ||
Alterações citoarquiterurais com ações virais (HPV)a | Carcinoma epidermoide microvinvasivo | ||
Carcinoma epidermoide invasivo | |||
Carcinoma epidermoide, impossível avaliar invasão |
a) HPV, do inglês human papillomavirus, ou papilomavírus humano.
Participantes
Foram incluídos no estudo todos os exames histopatológicos do colo do útero com o diagnóstico “outras neoplasias malignas”, registrados no Siscan no período de 2013 a 2020.
Fontes de dados e mensuração
Os dados foram obtidos da base dos exames histopatológicos do Siscan referentes ao período de 2013 a 2020. Este período de análise foi definido considerando-se a disponibilidade da base de dados nacional consolidada, acessada em janeiro de 2021.
A reclassificação dos diagnósticos registrados como outras neoplasias foi realizada mediante revisão da informação diagnóstica registrada no campo aberto, não havendo releitura de lâmina ou peça anatômica. Os resultados foram reclassificados quando o conteúdo descrito nesse campo correspondia a uma classificação diagnóstica existente na lista de opções do Siscan (Quadro 1). Nas situações em que não foi possível reclassificar os resultados em categorias existentes no formulário, os exames foram categorizados como “achados benignos inespecíficos”, “achados benignos fora do colo do útero”, “atipias em células glandulares”, “exame inconclusivo”, “adenocarcinoma, impossível avaliar invasão” e “outras neoplasias malignas fora do colo do útero”. Mantiveram-se classificados como “outras neoplasias malignas” somente os resultados compatíveis com esse diagnóstico.
Após a reclassificação, foi calculada a proporção de diagnósticos registrados equivocadamente, como “outras neoplasias malignas”, cujo diagnóstico estava presente nas demais opções disponíveis no sistema.
Métodos estatísticos
Os dados do campo descritivo foram extraídos utilizando-se o programa R,14 pacote tydyverse, e organizados em planilhas de Excel; e a análise, realizada segundo a macrorregião de localização do laboratório responsável pelo laudo.
Foram calculadas frequências absolutas e relativas dos resultados histopatológicos registrados no Siscan, segundo idade, região do laboratório e tipo de procedimento cirúrgico.
Aspectos éticos
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (CEP/INCA), por meio do Parecer nº 3.007.666, emitido em 8 de novembro de 2018, sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 68203117.1.0000.5274.
Resultados
No período de 2013 a 2020, foram registrados 248.497 exames histopatológicos no Siscan, dos quais 124.232 (50,5%) com resultado de lesão de caráter pré-neoplásico, 2.051 (0,8%) de caráter neoplásico e 5.778 (2,4%) classificados como “outras neoplasias malignas” (Tabela 1).
Resultado diagnóstico | n | % |
---|---|---|
Lesões de caráter pré-neoplásico | 124.232 | 50,5 |
Lesões de caráter neoplásico | 2.051 | 0,8 |
Outras neoplasias malignas | 5.778 | 2,4 |
Benignos ou sem achados | 113.916 | 46,3 |
Total | 245.977 | 100,0 |
Aproximadamente 80% dos exames classificados como “outras neoplasias malignas” foram realizados na faixa etária de 25 a 64 anos, em um espectro etário de casos dos 16 aos 102 anos. Quanto aos procedimentos de origem, a biópsia (81,9%) e a conização (9,9%) foram os mais frequentes. Sobre a distribuição regional, o Sul do Brasil concentrou 36% dos exames classificados como outras neoplasias (Tabela 2).
Variável | n | % |
---|---|---|
Idade (em anos) | ||
≤ 24 | 188 | 3,2 |
25-64 | 4.612 | 79,8 |
≥ 65 | 778 | 13,5 |
Ignorada | 200 | 3,5 |
Tipo de procedimento cirúrgico | ||
Biópsia | 4.733 | 81,9 |
Conização | 570 | 9,9 |
Exérese da zona de transformação | 165 | 2,9 |
Histerectomia | 229 | 3,9 |
Outros | 81 | 1,4 |
Região do laboratório | ||
Norte | 366 | 6,3 |
Nordeste | 1.154 | 20,0 |
Sudeste | 1.951 | 33,8 |
Sul | 2.079 | 36,0 |
Centro-Oeste | 228 | 3,9 |
Após a revisão e reclassificação dos achados registrados no campo “outras neoplasias malignas”, verificou-se que 91,9% (n = 5.309) foram registrados incorretamente e apenas 8,1% (n = 469) mantiveram-se nessa categoria. Dos resultados reclassificados, 75,5% deveriam ter o diagnóstico assinalado nas categorias existentes no formulário padronizado: 57,9% eram diagnósticos de lesão de caráter neoplásico, 17,3% de lesões pré-neoplásicas, 12,6% de lesões benignas e 1,2% eram exames insatisfatórios. Não apresentaram correspondência com as classificações existentes no formulário 24,5% (n = 1.414) dos diagnósticos registrados (Tabela 3).
Variável | n | % | Por grupo (%) | Total (%) |
---|---|---|---|---|
Neoplásico | 51,2 | 75,5 | ||
Outras neoplasias malignas | 469 | 8,1 | ||
Adenocarcinoma in situ | 44 | 0,8 | ||
Adenocarcinoma invasor | 379 | 6,6 | ||
Carcinoma epidermoide invasivo | 1.357 | 23,5 | ||
Carcinoma epidermoide microinvasivo | 41 | 0,7 | ||
Carcinoma epidermoide, impossível avaliar invasão | 664 | 11,5 | ||
Pré-neoplásico | 17,1 | |||
NIC Ia (displasia leve) | 75 | 1,3 | ||
NIC IIb (displasia moderada) | 20 | 0,3 | ||
NIC IIIc (displasia acentuada/carcinoma in situ) | 897 | 15,5 | ||
Benigno | 5,9 | |||
Metaplasia escamosa | 18 | 0,3 | ||
Cervicite crônica inespecífica | 191 | 3,3 | ||
Alterações citoarquiterurais com ações virais (HPV)d | 88 | 1,5 | ||
Pólipo endocervical | 49 | 0,8 | ||
Adequabilidade | 1,3 | |||
Exame insatisfatório | 72 | 1,3 | ||
Classificação não existente no formulário | 6,6 | 24,5 | ||
Benigno | ||||
Achados benignos inespecíficos | 229 | 3,9 | ||
Achados benignos fora do colo do útero | 143 | 2,5 | ||
Atipias em células glandulares | 12 | 0,2 | ||
Adequabilidade | 11,0 | 11,0 | ||
Exame inconclusivo | 634 | |||
Neoplásico | 6,9 | |||
Adenocarcinoma, impossível avaliar invasão | 156 | 2,7 | ||
Outras neoplasias malignas fora do colo do útero | 240 | 4,2 |
a) NIC I: Neoplasia intraepitelial cervical de grau I; b) NIC II : Neoplasia intraepitelial cervical de grau II; c) NIC III: Neoplasia intraepitelial cervical de grau III; d) HPV: Do inglês human papillomavirus, ou papilomavírus humano.
Na análise por macrorregiões nacionais, observou-se heterogeneidade na proporção de registros reclassificados, sobretudo dos registros de lesões neoplásicas e pré-neoplásicas. Após a reclassificação, a proporção de resultados “outras neoplasias malignas” variou de 3,8% no Norte a 16,2% no Nordeste, sendo esta última a região que manteve maior proporção de resultados classificados como “outras neoplasias” (Tabela 4). No período estudado, o carcinoma epidermoide invasivo foi o diagnóstico mais frequente em todas as macrorregiões; exceto no Sudeste e no Centro-Oeste, onde ocupou a segunda posição. No Brasil, o carcinoma epidermoide invasivo correspondeu a 23,5% dos diagnósticos reclassificados, enquanto nas regiões Norte, Nordeste e Sul essas proporções foram, respectivamente, de 38,3%, 32,5% e 22,3%. A neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de grau III foi a segunda reclassificação mais frequente no Norte e no Sudeste. Na região Centro-Oeste, o exame inconclusivo representou a segunda classificação mais frequente.
Variável | Centro-Oeste | Nordeste | Norte | Sudeste | Sul | Brasil | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | ||||||
Neoplásico | |||||||||||||||||
Outras neoplasias malignas | 29 | 12,7 | 187 | 16,2 | 14 | 3,8 | 112 | 5,7 | 127 | 6,1 | 469 | 8,1 | |||||
Adenocarcinoma in situ | 1 | 0,4 | 9 | 0,8 | 1 | 0,3 | 17 | 0,9 | 16 | 0,8 | 44 | 0,8 | |||||
Adenocarcinoma invasor | 16 | 7,0 | 117 | 10,1 | 5 | 1,4 | 98 | 5,0 | 143 | 6,9 | 379 | 6,6 | |||||
Carcinoma epidermoide invasivo | 39 | 17,1 | 375 | 32,5 | 140 | 38,3 | 339 | 17,4 | 464 | 22,3 | 1.357 | 23,5 | |||||
Carcinoma epidermoide microinvasivo | - | 0,0 | 9 | 0,8 | 6 | 1,6 | 10 | 0,5 | 16 | 0,8 | 41 | 0,7 | |||||
Carcinoma epidermoide, impossível avaliar invasão | 11 | 4,8 | 66 | 5,7 | 37 | 10,1 | 174 | 8,9 | 376 | 18,1 | 664 | 11,5 | |||||
Pré-neoplásico | |||||||||||||||||
NIC Ia (displasia leve) | 4 | 1,8 | 6 | 0,5 | 6 | 1,6 | 37 | 1,9 | 22 | 1,1 | 75 | 1,3 | |||||
NIC IIb (displasia moderada) | 1 | 0,4 | 3 | 0,3 | 2 | 0,5 | 7 | 0,4 | 7 | 0,3 | 20 | 0,3 | |||||
NIC IIIc (displasia acentuada/carcinoma in situ) | 13 | 5,7 | 72 | 6,2 | 88 | 24,0 | 513 | 26,3 | 211 | 10,1 | 897 | 15,5 | |||||
Benigno | |||||||||||||||||
Metaplasia escamosa | - | 0,0 | 1 | 0,1 | - | 0,0 | 11 | 0,6 | 6 | 0,3 | 18 | 0,3 | |||||
Cervicite crônica inespecífica | 2 | 0,9 | 7 | 0,6 | 12 | 3,3 | 91 | 4,7 | 79 | 3,8 | 191 | 3,3 | |||||
Alterações citoarquiterurais com ações virais (HPV)d | 5 | 2,2 | 11 | 0,9 | 7 | 1,9 | 42 | 2,1 | 23 | 1,1 | 88 | 1,5 | |||||
Pólipo endocervical | 4 | 1,8 | 13 | 1,1 | 1 | 0,3 | 12 | 0,6 | 19 | 0,9 | 49 | 0,8 | |||||
Adequabilidade | |||||||||||||||||
Exame insatisfatório | 2 | 0,9 | 10 | 0,9 | 6 | 1,6 | 33 | 1,7 | 21 | 1,0 | 72 | 1,2 | |||||
Classificação não existente no formulário | |||||||||||||||||
Benigno | |||||||||||||||||
Achados benignos inespecíficos | 10 | 4,4 | 24 | 2,1 | 6 | 1,6 | 94 | 4,8 | 95 | 4,6 | 229 | 4,0 | |||||
Achados benignos fora do colo do útero | 5 | 2,2 | 9 | 0,7 | 3 | 0,8 | 25 | 1,3 | 101 | 4,8 | 143 | 2,5 | |||||
Atipias em células glandulares | 3 | 1,3 | 1 | 0,1 | - | 0,0 | 6 | 0,3 | 2 | 0,1 | 12 | 0,2 | |||||
Adequabilidade | |||||||||||||||||
Exame inconclusivo | 62 | 27,2 | 152 | 13,2 | 20 | 5,5 | 196 | 10,0 | 204 | 9,8 | 634 | 11,0 | |||||
Neoplásico | |||||||||||||||||
Adenocarcinoma, impossível avaliar invasão | 9 | 3,9 | 32 | 2,8 | 2 | 0,6 | 41 | 2,1 | 72 | 3,5 | 156 | 2,7 | |||||
Outras neoplasias malignas fora do colo do útero | 12 | 5,3 | 51 | 4,4 | 10 | 2,8 | 93 | 4,8 | 74 | 3,6 | 240 | 4,2 | |||||
Total | 228 | 100,0 | 1.154 | 100,0 | 366 | 100,0 | 1.952 | 100,0 | 2.078 | 100,0 | 5.778 | 100,0 |
a) NIC I: Neoplasia intraepitelial cervical de grau I; b) NIC II : Neoplasia intraepitelial cervical de grau II; c) NIC III: Neoplasia intraepitelial cervical de grau III; d) HPV: Do inglês human papillomavirus, ou papilomavírus humano.
A proporção de lesões neoplásicas após a reclassificação variou de 38,4%, no Sudeste, a 66% no Nordeste; e a de lesões neoplásicas, conjuntamente com as pré-neoplásicas, variou de 50% no Centro-Oeste a 81,7% no Norte.
Discussão
No presente estudo, observou-se que, no período de 2013 a 2020, em mais de 90% dos resultados dos exames histopatológicos do colo do útero classificados no Siscan como “outras neoplasias malignas”, a descrição dos achados era compatível com as categorias predefinidas no sistema. O achado indica falhas que comprometem os objetivos da padronização de resultados, como alcançar uma melhor comunicação entre os profissionais clínicos e cirurgiões, reduzir os erros de interpretação e ambiguidades, facilitar a descrição do diagnóstico e monitorar os dados.12,15
A reclassificação dos termos descritos em “outras neoplasias malignas” possibilitou identificar falhas no preenchimento das informações e forneceu elementos para o debate sobre a necessidade de inclusão de novas categorias no formulário padronizado do sistema, minimizando a heterogeneidade dos laudos histopatológicos emitidos.15
Diagnósticos de “outras neoplasias malignas fora do colo do útero” e “achados benignos fora do colo do útero” representaram quase 7% dos casos, e seus registros não estão previstos no formulário padronizado, que se destina exclusivamente aos registros de procedimentos para rastreamento e investigação diagnóstica do câncer do colo do útero.12 No entanto, é possível que parte desses casos sejam provenientes de biópsias de lesões do colo do útero, em cuja análise do material identificou-se que a lesão teve origem em outro órgão. O achado pode sinalizar a necessidade de inclusão de um campo específico para essas situações no sistema.
O resultado histopatológico da biópsia do colo uterino é considerado o padrão ouro para o diagnóstico, fundamentando a conduta clínica de tratamento adotada por cada profissional.16-18 Entretanto, apesar de o exame histopatológico ser mais preciso para detectar os conceitos e padrões adotados na interpretação dos esfregaços,16 em revisão de literatura realizada no ano de 2007, sobre o controle da qualidade em citologia cervical, ressaltou-se o forte componente de subjetividade que a análise histológica possui, o que pode resultar em alta variabilidade diagnóstica.19
A confiabilidade da histopatologia convencional, quase sempre, depende dos conhecimentos e da experiência do patologista.17 A diferenciação entre lesões de caráter benigno e lesões de caráter maligno baseia-se nos critérios histopatológicos descritos na literatura.20
A conduta clínica para tratamento e o prognóstico dependem da histopatologia e do grau de disseminação - ou estádio - do câncer. O exame histopatológico é um passo essencial, antes da realização de exames mais complexos.9 Para um diagnóstico mais assertivo, é importante que as amostras de tecido tenham tamanho suficiente e estejam bem preservadas,17 o que reforça a importância da estruturação das ações de monitoramento e de controle da qualidade dos exames de rastreamento em todo o processo.18 Estudo prévio indicou, também, fragilidade na classificação de insatisfatoriedade dos exames histopatológico, observando-se 21% de exames com diagnóstico informado incorretamente.21
Ressalta-se que, no diagnóstico de “outras neoplasias”, há categorias em que não é possível especificar, apenas pela morfologia, o tipo de neoplasia. Em alguns casos, são necessários estudos complementares, como o exame de imunoistoquímica, para determinar se a lesão é primária ou metastática; e quando primária, se é de origem escamosa, glandular ou mesenquimal.22
O preenchimento inadequado do diagnóstico no Siscan também impacta na utilização dos dados para monitoramento e planejamento de ações de controle, podendo comprometer a utilização de indicadores baseados no diagnóstico e limitar as comparações com resultados de outros programas.23 Muitas informações que deveriam estar no campo de observações são digitadas em outras neoplasias, tais como a presença de extensão glandular em neoplasias intraepiteliais escamosas.
O monitoramento de indicadores do programa de controle do câncer do colo do útero é fundamental, no sentido de orientar as ações, havendo diversos estudos dedicados a avaliar o desempenho do programa e nortear a política.24,25 A avaliação do conteúdo registrado no campo “outras neoplasias malignas” possibilitou conhecer problemas no registro do diagnóstico do câncer do colo do útero que podem levar a intervenções desnecessárias, bem como problemas relativos ao diagnóstico correto. O monitoramento de laudos com alta proporção de diagnóstico “outras neoplasias malignas”, realizado pelos laboratórios e pelos gestores, pode contribuir na identificação dos pontos da rede que necessitem de aprimoramento.26
Uma limitação do presente estudo consiste na revisão realizada por apenas um profissional, não permitindo avaliar discordâncias. Contudo, muitos dos termos referiam-se diretamente a categorias diagnósticas predefinidas no formulário do sistema e, portanto, é de se esperar que possíveis discordâncias seriam mínimas. Outra limitação deste trabalho reside no fato de a base de estudo não conter todos os registros de exame realizados pelo SUS, porque os dados utilizados são referentes apenas aos serviços que implantaram o Siscan. Entretanto, os achados apontam (i) a necessidade de monitoramento regular das informações imputadas ao Siscan e (ii) a sensibilização dos profissionais para o uso adequado do sistema, considerando-se que, dos 5.778 exames registrados como outras neoplasias, apenas 469 casos estavam classificados corretamente.
O fato de o estudo encontrar que a quase totalidade dos exames histopatológicos do colo do útero (mais de 90%) registrados como “outras neoplasias malignas” terem sido classificados incorretamente evidencia a necessidade de intensificação do monitoramento de qualidade das informações, visando identificar os possíveis vieses responsáveis pela situação descrita.
Conclui-se que o uso inadequado do campo descritivo “outras neoplasias malignas” sinaliza a necessidade de capacitação dos profissionais responsáveis pelos laudos, além da adequação do formulário do Siscan com a inclusão de novas categorias padronizadas.