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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.31 no.3 Brasília  2022  Epub 24-Nov-2022

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222022000300036 

Artigo original

Características epidemiológicas e clínicas dos casos de monkeypox no Brasil em 2022: estudo transversal

Características epidemiológicas y clínicas de los casos de viruela del mono en Brasil em 2022: un estudio transversal

Ana Roberta Pati Pascom (orcid: 0000-0002-2646-3383)1  , análise estatística, tabulação, interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do manuscrito; Isabella Nepomuceno de Souza (orcid: 0000-0002-3916-3478)1  , redação, organização da discussão, padronização das normas, revisão crítica do conteúdo; Amanda Krummenauer (orcid: 0000-0003-1351-779X)1  , coleta de dados, análise dos resultados; Magda Machado Saraiva Duarte (orcid: 0000-0002-7082-4406)1  , coleta de dados, análise dos resultados; Janaina Sallas (orcid: 0000-0002-4909-8518)1  , revisão crítica do conteúdo, adição de sugestões significativas ao manuscrito; Daniela Buosi Rohlfs (orcid: 0000-0001-6967-0852)1  , revisão crítica do conteúdo, adição de sugestões significativas ao manuscrito; Gerson Mendes Pereira (orcid: 0000-0001-8886-1662)1  , revisão crítica do conteúdo, adição de sugestões significativas ao manuscrito; Arnaldo Correia de Medeiros (orcid: 0000-0001-7341-0017)1  , revisão crítica do conteúdo, adição de sugestões significativas ao manuscrito; Angélica Espinosa Miranda (orcid: 0000-0002-5556-8379)1  , concepção, delineamento, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do estudo

1Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília, DF, Brasil

Resumo

Objetivo:

descrever características epidemiológicas e clínicas da monkeypox (MPX) no Brasil desde a identificação do primeiro caso, em 7 de junho de 2022, até a semana epidemiológica (SE) 39, encerrada em 1º de outubro de 2022.

Métodos:

estudo descritivo dos casos notificados ao Ministério da Saúde; as tendências foram analisadas sobre o número de casos confirmados e prováveis, por SE; os casos foram descritos segundo variáveis demográficas e variáveis clínicas.

Resultados:

das 33.513 notificações, 23,8% foram confirmadas, 91,8% eram do sexo masculino e 70,6% de homens cis com idade mediana de 32 anos; febre (58,0%), adenomegalia (42,4%), cefaleia (39,9%) e erupções (37,0%) foram os sintomas mais frequentes; 27,5% declararam ser imunossuprimidos, 34,6% viviam com HIV e 10,5% possuíam infecção sexualmente transmissível; três óbitos foram registrados.

Conclusão:

o perfil de casos de MPX foi semelhante ao de outros países; ações de vigilância devem ser reforçadas para o controle do surto.

Palavras-chave: Vírus da Varíola dos Macacos; Varíola dos Macacos; Surtos de Doenças; Epidemiologia; Brasil

Resumen

Objetivo:

Describir las características epidemiológicas y clínicas de la viruela del mono (MPX) en Brasil, desde la identificación del primer caso, el 7 de junio de 2022, hasta la semana epidemiológica (SE) 39, finalizando el 1° de octubre de 2022.

Métodos:

Las tendencias de los casos notificados al Ministerio de Salud se analizaron como el número de casos notificados confirmados y probables, por SE. Los casos se describieron según variables demográficas y clínicas.

Resultados:

se confirmaron 33.513 notificaciones un 23,8%; 91,8% del sexo masculino; un 70,6% de hombres cis; con edad promedio de 32 años. Fiebre (58,0%), adenomegalia (42,4%), cefalea (39,9%) y exantema (37,0%) fueron los síntomas más frecuentes. Un 27,5% declaró estar inmunodeprimido, 34,6% vivía con VIH y 10,5% tenía alguna infección de transmisión sexual. Se registraron 3 muertes.

Conclusión:

El perfil de los casos MPX fue similar al de otros países. Se deben reforzar las acciones de vigilancia para controlar el brote.

Palabras clave: Virus de la Viruela de los Monos; Viruela del Mono; Brotes de Enfermedad; Epidemiología; Brasil

Contribuições do estudo

Principais resultados

Alta prevalência de monkeypox (MPX) entre homens cis na idade mediana de 32 anos. Febre foi o sintoma mais frequente, seguido de adenomegalia, cefaleia e erupções. Alta proporção de MPX em pessoas vivendo com HIV e outras ISTs, como em outros países.

Implicações para os serviços

A divulgação de dados sobre MPX contribui para a consolidação da literatura científica no país. O processo contínuo e sistemático de análise de eventos como este colabora para o planejamento e implementação de medidas de vigilância em saúde.

Perspectivas

Para complementar os achados deste estudo, é necessário acompanhar a evolução da doença no país e promover a realização de novas pesquisas no sentido de aprimorar a atuação da vigilância em saúde.

Introdução

O primeiro caso de monkeypox (MPX) em humanos, registrado na República Democrática do Congo, ocorreu em 1970. Desde então, a doença tornou-se endêmica em alguns países da África e surtos esporádicos fora desse continente foram registrados nos últimos anos.1-3 No início de 2022, uma revisão sistemática, conduzida por Bunge et al., destacou o risco de disseminação global da doença e alertou sobre a possibilidade de a MPX tornar-se uma pandemia.4 Em 7 de maio de 2022, o Reino Unido relatou a ocorrência de um caso confirmado de MPX no país e, em seguida, foi reportada sua disseminação para outros países não endêmicos.3

Diante desse cenário de dispersão da MPX para 72 países e quase 15 mil casos confirmados, em 23 de julho de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a doença uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), elevou seu nível de atenção e recomendou a ampliação das capacidades de vigilância e de medidas de saúde pública para contenção de sua transmissão nos países.5

No Brasil, em 23 de maio de 2022, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) mobilizou sua Sala de Situação no sentido de organizar e preparar o Sistema Único de Saúde (SUS) para o enfrentamento da doença. Com o avanço da MPX no país, em 29 de julho de 2022, a SVS/MS mobilizou o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública Nacional (COE-MPX) e este atuou de forma a organizar e coordenar a atuação do SUS em resposta à doença, fortalecer a vigilância e adotar medidas de prevenção e controle para a contenção da emergência, nas três esferas de gestão do Sistema.6

Em 7 de junho de 2022, o primeiro caso de MPX foi confirmado no estado de São Paulo, e a vigilância de rotina, instituída em 12 de julho. Desde então, a notificação/investigação de casos suspeitos de MPX tornou-se obrigatória e imediata (no prazo de até 24 horas) em todo o território nacional, e ficou a cargo dos profissionais de saúde de serviços públicos ou privados, conforme determina a Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975.7 No dia 31 de agosto de 2022, a MPX foi incluída na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças e agravos de saúde pública.8

A divulgação de dados sobre MPX contribui para a consolidação da literatura científica no país. O processo, contínuo e sistemático, de análises de eventos semelhantes pode colaborar para o planejamento e implementação de medidas de vigilância em saúde.

Este estudo teve por objetivo descrever a origem, as características epidemiológicas e clínicas dos casos confirmados e prováveis de MPX no Brasil.

Métodos

Trata-se de estudo seccional descritivo dos casos de MPX notificados ao Ministério da Saúde desde a identificação do primeiro caso, em 7 de junho, na semana epidemiológica (SE) 23, até o fim da 39ª SE, em 1º de outubro de 2022, e registrados nos sistemas oficiais de notificação até 6 de outubro de 2022. Apesar de o estado de São Paulo possuir uma ficha e um sistema de notificação próprios, as informações dos casos notificados no estado foram compatibilizadas e consolidadas juntamente com as do nível nacional e, então, incluídas nesta análise. Nas situações em que a compatibilização não foi possível, a informação do nível nacional - à exceção de São Paulo - foi apresentada.

Todos os casos suspeitos que foram classificados como confirmados ou prováveis, de acordo com o critério de definição de caso estabelecido pelo Ministério da Saúde em 5 de agosto de 2022, foram incluídos no presente estudo.9 De acordo com essa definição, foram considerados casos suspeitos aqueles indivíduos, de qualquer idade, que apresentaram início súbito de lesão em mucosas e/ou erupção cutânea aguda sugestiva de MPX e/ou proctite e/ou edema peniano, estando ou não associados a outros sinais e sintomas. Entre os casos suspeitos, aqueles que tiveram resultado laboratorial positivo ou detectável para vírus MPX por diagnóstico molecular, polymerase chain reaction (PCR) em tempo real e/ou sequenciamento, foram considerados confirmados; os casos com resultado negativo ou não detectável foram descartados.

Classificou-se como caso provável de MPX o caso suspeito cuja investigação laboratorial não foi realizada ou teve resultado inconclusivo, cujo diagnóstico de MPX não pôde ser descartado apenas pela confirmação clínico-laboratorial de outro diagnóstico, e que reportaram exposição ou contato próximo com caso confirmado de MPX nos 21 dias anteriores ao início dos sinais e sintomas.9

Os casos foram descritos de acordo com as seguintes características sociodemográficas: macrorregião nacional de residência (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste), sexo ao nascimento (masculino; feminino), gênero (mulher trans; mulher cis; travesti; homem trans; homem cis; não binário; outro); faixa etária (em anos completos: até 1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 17; 18 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 e mais); e raça/cor da pele [branca; negra (parda e preta); amarela; indígena]. Para os registros com sexo de nascimento masculino, descreveu-se: (i) a orientação sexual (heterossexual; homossexual; bissexual; pansexual; outra), exceto para as notificações realizadas no estado de São Paulo e que não continham essa informação na ficha de notificação; e (ii) o comportamento sexual, definindo-se como gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSHs) aqueles indivíduos do sexo masculino que reportaram manter relação sexual somente com homens, ou com homens e com mulheres.

Os casos também foram analisados segundo: (i) a presença de sinais e sintomas (febre; erupção; cefaleia; adenomegalia; dor muscular; astenia; dor nas costas; lesão genital; dor de garganta; suor ou calafrios; linfadenopatia localizada; náusea; artralgia; lesão oral; proctite; edema peniano; tosse; lesão em mucosa; fotossensibilidade; hemorragia; linfadenopatia generalizada; diarreia; conjuntivite; outros); (ii) o local do corpo de surgimento das lesões e erupções (região genital; tronco; membros superiores; face; membros inferiores; região anal; palma da mão; região oral; planta do pé; outros locais); (iii) a presença de imunossupressão descrita na ficha de notificação (sim, devido a alguma doença prévia; sim, de causa medicamentosa; sim, sem causa conhecida; não é imunodeprimido); (iv) o relato de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV, do inglês human immunodeficiency virus (sim; não)]; e (v) o relato de alguma infecção sexualmente transmissível (IST) ativa (sífilis; herpes genital; clamídia; gonorreia; verruga genital; outras ISTs; não tem IST ativa).

Descreveu-se (exceto para o estado de São Paulo) que não apresentavam essa informação, em sua ficha de notificação, os casos conforme: (i) a necessidade de hospitalização (sim, por razões clínicas relacionadas à MPX; sim, por necessidade de isolamento do caso); e (ii) a internação em unidades de terapia intensiva (UTIs) (sim; não). Por fim, apresentou-se a evolução dos casos confirmados e prováveis conforme cura, óbito por MPX ou óbito por outra causa; e, para os casos notificados em São Paulo, caso o indivíduo todavia se encontrasse em tratamento.

As taxas de incidência de MPX, por sexo de nascimento e Unidade da Federação (UF) de residência, foram calculadas dividindo-se os casos - confirmados e prováveis - notificados (numerador) pelas respectivas populações estimadas para o período10 (denominador), vezes 100 mil. Também foi calculada a razão das incidências por sexo ao nascimento.

As tendências da MPX foram apresentadas por meio do número de casos confirmados e prováveis notificados por SE, segundo a data de notificação. Além disso, foram calculadas as médias móveis, por SE da notificação, do número de casos diários notificados.

Os casos foram descritos por meio de frequência absoluta e relativa. Para a variável “idade”, a mediana e o intervalo interquartílico (IIQ) também foram calculados. O software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS for Windows), em sua versão 25.0, foi utilizado em todas as análises.

Todas as análises apresentadas neste trabalho foram desenvolvidas utilizando-se dados secundários notificados nos sistemas oficiais de vigilância da MPX no Brasil, porém sem considerar quaisquer variáveis que permitissem a identificação dos indivíduos. Um código único foi atribuído pelo Ministério da Saúde a todos os casos, antes da realização desta análise, visando garantir sigilo e confidencialidade de cada indivíduo notificado. Os dados estão publicizados em outro formato de análise, nos boletins de informação sobre MPX.9 Por conseguinte, o projeto do estudo foi dispensado de submissão e avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), mas foi realizado em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

No Brasil, até a SE 39, encerrada em 1º de outubro de 2022, foram registrados 33.513 casos notificados de MPX, representando um incremento de 7% no número de notificações acumuladas até a SE 38 (31.284). Desse total, 58,6% das notificações foram descartadas (19.649), 23,8% (7.992) foram confirmadas e 0,5% (175) classificadas como prováveis.

A Figura 1A apresenta a distribuição de 8.167 casos confirmados e prováveis, segundo a SE de notificação e suas respectivas médias móveis. Observou-se aumento do número de casos até a SE 30, quando se atingiu cerca de 150 casos confirmados e prováveis por dia. Passado esse período, observou-se estagnação do número diário de casos, em torno de 130 casos/dia, entre as SEs 31 e 33, quando se passou a observar tendência de decréscimo. Na SE 39, foram notificados, em média, 39 casos confirmados e prováveis/dia.

Mesmo com a desaceleração observada no crescimento do número de casos nas últimas SEs (a partir da SE 35), houve a disseminação da MPX pelo país (Figura 1B). Até a SE 28, a região Sudeste concentrou mais de 85% dos casos confirmados e prováveis, e a região Centro-Oeste, 7%. Na SE 38, 53% dos casos confirmados residiam na região Sudeste, 15% na região Centro-Oeste e 14% na região Sul. Destaca-se ainda que, na SE 39, 497 municípios haviam notificado pelo menos um caso confirmado ou provável.

Figura 1 Número de casos confirmados e prováveis de monkeypox e médias móveis (A), e distribuição desses casos por região de residência (B), segundo a semana epidemiológica (SE) de notificação, Brasil, 7 de junho de 2022 (SE 23) - 1º de outubro de 2022 (SE 39) 

A Tabela 1 mostra que a taxa de incidência de MPX no Brasil foi de 3,8 casos por 100 mil habitantes até a SE 39. Em relação ao sexo, a incidência da infecção foi 12 vezes maior no sexo masculino (7,2/100 mil), quando comparada à observada no sexo feminino (0,6/100 mil). Além disso, observou-se maior concentração do total de casos confirmados e prováveis, nesse período, nas regiões Sudeste (n = 5.607; 68,7%) e Centro-Oeste (n = 998; 12,2%); consequentemente, as maiores taxas de incidência couberam a essas duas regiões (6,3 e 6,0 casos por 100 mil habitantes, respectivamente).

Tabela 1 Número de casos confirmados e prováveis de monkeypox e taxa de incidência, por sexo ao nascimento, segundo a Unidade da Federação, Brasil, 7 de junho de 2022 (SE 23) - 1º de outubro de 2022 (SE 39) 

Região/Unidade da Federação Número de casos Taxa de incidência (por 100 mil hab.)
Masculino Feminino Totala Masculino Feminino Totala
Brasil 7.494 653 8.167 7,2 0,6 3,8
Norte 205 8 213 2,2 0,1 1,1
Rondônia 6 1 7 0,7 0,1 0,4
Acre 1 - 1 0,2 0,0 0,1
Amazonas 143 4 147 6,7 0,2 3,4
Roraima 4 - 4 1,2 0,0 0,6
Pará 40 1 41 0,9 0,0 0,5
Amapá 2 - 2 0,5 0,0 0,2
Tocantins 9 2 11 1,1 0,3 0,7
Nordeste 489 100 589 1,8 0,3 1,0
Maranhão 19 - 19 0,5 0,0 0,3
Piauí 14 1 15 0,9 0,1 0,5
Ceará 112 18 130 2,5 0,4 1,4
Rio Grande do Norte 74 19 93 4,3 1,0 2,6
Paraíba 26 3 29 1,3 0,1 0,7
Pernambuco 127 35 162 2,7 0,7 1,7
Alagoas 11 3 14 0,7 0,2 0,4
Sergipe 10 4 14 0,9 0,3 0,6
Bahia 96 17 113 1,3 0,2 0,8
Sudeste 5.160 429 5.607 11,8 0,9 6,3
Minas Gerais 519 15 535 4,9 0,1 2,5
Espírito Santo 66 10 78 3,3 0,5 1,9
Rio de Janeiro 1.050 98 1.148 12,6 1,1 6,6
São Paulo 3.525 306 3.846 15,5 1,3 8,2
Sul 695 65 760 4,7 0,4 2,5
Paraná 219 15 234 3,9 0,3 2,0
Santa Catarina 279 21 300 7,7 0,6 4,1
Rio Grande do Sul 197 29 226 3,5 0,5 2,0
Centro-Oeste 945 51 998 11,4 0,6 6,0
Mato Grosso do Sul 113 13 126 8,0 0,9 4,4
Mato Grosso 80 4 85 4,4 0,2 2,4
Goiás 490 24 515 13,7 0,7 7,1
Distrito Federal 262 10 272 17,6 0,6 8,8

a) Os casos totais referem-se a todos os casos notificados, incluídos os 20 casos sem informação relacionada ao sexo de nascimento (15 em São Paulo, 2 no Espírito Santo, 1 em Minas Gerais, 1 em Goiás e 1 no Distrito Federal).

A maior parte dos casos confirmados e prováveis ocorreram entre indivíduos residentes nos estados de São Paulo (n = 3.846; 47,1%), Rio de Janeiro (n = 1.148; 14,1%), Minas Gerais (n = 535; 6,6%) e Goiás (n = 515; 6,3%), totalizando quase um terço dos casos nacionais. Também foram essas as quatro UFs entre aquelas com as maiores taxas de incidência: 8,8 casos/100 mil no Distrito Federal; 8,2 casos/100 mil em São Paulo; 7,1 casos/100 mil em Goiás; e 6,6 casos/100 mil no Rio de Janeiro.

Quanto às características demográficas dos casos confirmados e prováveis, 91,8% (7.494) eram do sexo de nascimento masculino. 70,6% (5.766) dos casos notificados corresponderam a indivíduos autodeclarados homens cis e 19,2% (1.564) não dispunham dessa informação. A idade mediana dos casos analisados foi de 32 anos (IIQ 27-38 anos), sendo que 40,6% (3.314) eram indivíduos de 30 a 39 anos e 34,3% (2.805) contavam entre 18 e 29 anos. Foram notificados dez casos em crianças menores de 1 ano e 218 (2,7%) em crianças de 1 a 9 anos; 43,7% (3.572) dos casos autodeclararam-se brancos, 40,8% (3.332), negros, e 13 autorreferiram raça/cor da pele indígena (Tabela 2).

Tabela 2 Número e proporção de casos confirmados e prováveis de monkeypox (n = 8.167) segundo características demográficas, orientação sexual e comportamento sexual, Brasil, 7 de junho de 2022 (SE 23) - 1º de outubro de 2022 (SE 39) 

Características n %
Total 8.167 100,0
Sexo ao nascimento
Masculino 7.494 91,8
Feminino 653 8,0
Não informado 20 0,2
Gênero
Mulher trans 21 0,3
Mulher cis 521 6,3
Travesti 6 0,1
Homem trans 115 1,4
Homem cis 5.766 70,6
Não binário 70 0,9
Outro 104 1,3
Não informado 1.564 19,1
Faixa etária (em anos completos)
< 1 10 0,1
1-4 80 1,0
5-9 67 0,8
10-14 71 0,9
15-17 69 0,8
18-29 2.805 34,3
30-39 3.314 40,6
40-49 1.349 16,5
50-59 314 3,9
≥ 60 84 1,0
Não informada 4 0,1
Raça/cor da pele
Branca 3.572 43,7
Negra 3.332 40,8
Amarela 87 1,1
Indígena 13 0,2
Não informada 1.163 14,2
Região de residência
Norte 213 2,6
Nordeste 589 7,2
Sudeste 5.607 68,7
Sul 760 9,3
Centro-Oeste 998 12,2
Não informada - 0
Orientação sexuala
Heterossexual 534 7,1
Homossexual 2.566 34,2
Bissexual 379 5,1
Pansexual 72 1,0
Outra 360 4,8
Não informadab 3.583 47,8
Gays e outros HSHsa,c
Sim 4502 60,1
Não 687 9,2
Não informada 2.305 30,8

a) Apenas para os 7.494 casos entre indivíduos de sexo ao nascimento masculino; b) Incluídas 3.523 notificações de indivíduos de sexo de nascimento masculino residentes em São Paulo e sem a informação sobre orientação sexual; c) Foram definidos como gays e outros HSHs (homens que fazem sexo com homens) aqueles indivíduos de sexo ao nascimento masculino e que declararam ter relação sexual somente com homens ou relação sexual com homens e com mulheres.

Os casos do sexo masculino que não informaram a orientação sexual corresponderam a 47,8% (3.583), enquanto 34,2% (2.566) autodeclararam-se homossexuais. Dos casos sem registro da orientação sexual, 3.523 foram notificados em São Paulo, haja vista essa informação não haver constado na ficha de notificação do estado. Dos casos notificados no restante do país, 64,6% (2.566) autodeclararam-se homossexuais, 9,5% (379) bissexuais, 1,8% (72) pansexuais e 9,1% (360) reportaram outra orientação sexual. No que se refere aos sinais e sintomas relatados entre os casos de MPX, os mais frequentes foram febre (n = 4.709; 57,7%), erupções (n = 3.498; 42,3%), cefaleia (n = 3.280; 40,2%) e adenomegalia (n = 3.255; 39,9%). Lesões genitais foram reportadas por 18,9% (1.542), lesões orais por 4% (359) e 3,2% (265) reportaram lesões em mucosa. A maior parte dos casos (n = 3.913; 47,9%) declarou que as lesões e/ou erupções surgiram inicialmente na região genital, seguidas do tronco (n = 2.893; 35,4%) e membros superiores (n = 2.832; 34,7%). Quase um quinto (n = 1.585) dos casos referiu lesões e/ou erupções na região anal (Tabela 3).

Tabela 3 Número e proporção de casos confirmados e prováveis de monkeypox (n = 8.167) segundo a presença de sinais e sintomas e o local do corpo de surgimento de lesões e/ou erupções, Brasil, 7 de junho de 2022 (SE 23) - 1º de outubro de 2022 (SE 39) 

Características n %
Total 8.167 100,0
Sinais e sintomas
Pelo menos um sinal 7.399 90,6
Febre 4.709 57,7
Erupção 3.498 42,8
Cefaleia 3.280 40,2
Adenomegalia 3.255 39,9
Dor muscular 2.919 35,7
Astenia 2.679 32,8
Dor nas costas 1.586 19,4
Lesão genital 1.542 18,9
Dor de garganta 1.108 13,6
Suor/calafrios 1.070 13,1
Linfadenopatia localizada 828 10,1
Náusea 470 5,8
Artralgia 398 4,9
Lesão oral 359 4,4
Proctite 338 4,1
Edema peniano 332 4,1
Tosse 300 3,7
Lesão em mucosa 265 3,2
Fotossensibilidade 167 2,0
Hemorragia 99 1,2
Linfadenopatia generalizada 84 1,0
Diarreia 84 1,0
Conjuntivite 81 1,0
Outros sinais e sintomas 755 9,2
Local da lesão ou erupção
Região genital 3.913 47,9
Tronco 2.893 35,4
Membros superiores 2.832 34,7
Face 2.260 27,7
Membros inferiores 2.092 25,6
Região anal 1.585 19,4
Palma da mão 867 10,6
Região oral 806 9,9
Planta do pé 404 4,9
Outros locais 430 5,3

Aproximadamente 28% (2.246) dos casos declararam ser imunossuprimidos, e quase metade (n = 4.034; 49,4%) reportou não ter imunossupressão. Observou-se que 34,6% (2.825) dos casos confirmados e prováveis relataram viver com HIV e 10,5% (857) ter alguma IST ativa, sendo que 5,0% (412) declaram ter sífilis e 2,6% (214) herpes genital (Tabela 4). 381 dos casos foram hospitalizados, dos quais 2,3% (191) devido a necessidades clínicas, 0,6% (49) por necessidade de isolamento e 1,7% (141) por motivo desconhecido; 18,1% (1.480) das notificações não possuíam informações sobre a necessidade de internação. Dos 381 casos hospitalizados, 16 foram internados em UTI. 38% (3.109) evoluíram para cura, 3,9% (319) continuavam em acompanhamento no estado de São Paulo (em tratamento), seis casos foram a óbito por outras causas e 4.271 (58%) não tinham a evolução do caso preenchida no Sistema. Ainda, foram notificados três (0,04%) óbitos por MPX no período, todos de indivíduos do sexo de nascimento masculino, entre 30 e 39 anos, que viviam com HIV, estavam imunossuprimidos, e que foram internados em UTI.

Tabela 4 Número e proporção de casos confirmados e prováveis de monkeypox (n = 8.167) segundo ter-se declarado imunodeprimido, viver com HIVa e ter alguma ISTb ativa, Brasil, 7 de junho de 2022 (SE 23) - 1º de outubro de 2022 (SE 39) 

Características n %
Total 8.167 100,0
Imunodeprimido
Sim, por causa de alguma doença 2.176 26,6
Sim, por causa de alguma medicação 55 0,7
Sim, sem causa conhecida 15 0,2
Não é imunodeprimido 4.034 49,4
Não informado 1.887 23,1
Vive com HIVa
Sim 2.825 34,6
Não 3.175 38,9
Não informada 2.167 26,5
Tem alguma ISTb ativa
Sífilis 412 5,0
Herpes genital 214 2,6
Clamídia 41 0,5
Gonorreia 38 0,5
Verruga genital 37 0,5
Outras 115 1,4
Não tem ISTb ativa 2.871 35,2
Não informado 4.439 54,3

a) HIV: Vírus da imunodeficiência humana (do inglês: human immunodeficiency virus); IST: infecção sexualmente transmissível.

Discussão

O estudo descreveu o perfil de casos - confirmados e prováveis - notificados de monkeypox no Brasil. Observou-se que o surto no país ocorreu, com maior frequência, entre indivíduos do sexo de nascimento masculino e jovens. Constatou-se elevada proporção de indivíduos do sexo masculino que referiram ser homossexuais e, segundo o comportamento sexual reportado, eram HSHs. Embora a MPX não seja uma infecção sexualmente transmissível, um indivíduo infectado pode disseminar a doença mediante contato prolongado e íntimo durante as relações sexuais. O número elevado de casos entre a população gay e outros HSHs levou a OMS a emitir recomendações voltadas exclusivamente a essa população. A participação em eventos nos quais aconteceram contatos íntimos foi reportada como a principal forma de transmissão do surto recente em outros países,1,11-15 sendo provável que essa também tenha sido a forma principal da disseminação no Brasil.

Neste estudo, também foi verificada uma distribuição desigual dos casos, a maioria no Sudeste, região de localização dos maiores centros urbanos e por onde entrou a infecção no país, trazida por viajantes internacionais. Mesmo com a disseminação dos casos observada em todas as UFs, que apresentaram uma curva ascendente, seguida de estabilização, vem se mostrando uma tendência de declínio, o que corrobora as atuais tendências do surto verificadas em nível global.16-19

Outro aspecto relevante observado foi que a maioria dos casos apresentou sintomas leves e baixa taxa de hospitalização. Além do que, três óbitos foram notificados no Brasil, todos de indivíduos imunossuprimidos.20,21 No entanto, até o dia 4 de novembro de 2022, o Ministério da Saúde havia registrado mais sete óbitos em indivíduos com imunossupressão e portadores de comorbidades.22 Nos dados publicizados pela OMS, também foi relatado que a maioria dos casos confirmados e prováveis, em todo o mundo, foram leves, sem necessidade de hospitalização (91,6%); e, quando estas ocorreram, foi por necessidade clínica ou para isolamento (8,4%); apenas 0,1% dos casos levou a internação em UTI. Do total de casos notificados no mundo, até o momento da conclusão deste estudo, houve 29 óbitos correspondentes a indivíduos imunossuprimidos, distribuídos entre todas as regiões.19

A maioria dos sintomas observados foram leves, sendo mais frequentes febre, adenomegalia, cefaleia e erupções, e a localização anogenital a mais reportada (67,3%). Estudo conduzido com 181 indivíduos portadores de MPX na Espanha encontrou que todos os investigados apresentaram lesões de pele, 78% lesões na região anogenital e 43% na cavidade oral e perioral. Um total de 85% apresentaram linfadenopatia.23 Em outro estudo, sobre 197 casos registrados na Inglaterra, todos apresentaram lesões mucocutâneas e, entre os sintomas sistêmicos mais comuns, febre (61,9%), linfadenopatia (57,9%) e mialgia (31,5%).24 A presença de erupção cutânea está entre os sinais e sintomas mais frequentemente registrados nos dados divulgados pela OMS como casos confirmados de MPX.19 São dados demonstrativos da grande frequência de lesões de pele nos casos descritos durante o presente surto de MPX, importante sinal para sua identificação.

Quanto às limitações do estudo, pode-se citar a utilização de dados secundários, de baixa completitude para algumas variáveis, o que dificultou a análise de fatores de interesse. Por se tratar de um novo agravo, também houve dificuldades na capacidade diagnóstica, sendo o diagnóstico laboratorial via detecção molecular do vírus por reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR), realizada em tão somente oito laboratórios de referência no país, o que pode ter causado uma subnotificação de casos. Entretanto, os dados apresentados são de abrangência nacional e representação regional, logo importantes para a elaboração de ações de vigilância e controle na resposta à epidemia de MPX no Brasil.

A diminuição da imunidade da população, associada à descontinuação da vacina contra a varíola, estabeleceu o ressurgimento da infecção. O aparecimento de casos fora da África destacou o risco iminente de disseminação geográfica, e, sendo assim, a vigilância em saúde e a detecção dos casos destacam-se enquanto ferramentas essenciais para a compreensão da mudança epidemiológica da doença.4 A forma de lidar com surtos infecciosos emergentes e reemergentes demonstra uma negligência global, principalmente nos surtos de doenças e agravos que acometem a África e países subdesenvolvidos, especialmente. Essa negligência, de fato, reflete a incapacidade de investimento em estratégias de saúde visando encontrar soluções para situações parecidas antes vistas, como o surto de Ebola e a pandemia da covid-19. O corte nos orçamentos destinados a pesquisas acende o alerta para o risco da redução de recursos e investimentos e, como consequência, a possibilidade da ocorrência de novos surtos, ora em ascensão.25

Igualmente importante, cumpre enfatizar, é a maneira de comunicar e correlacionar a orientação sexual com o vírus MPX, na medida em que tal fato pode gerar estigmas, com potencial para protelar diagnósticos e afastar grupos, mais vulneráveis à infecção, do acesso ao cuidado em saúde.15

As ações de vigilância em saúde devem ser reforçadas, com a identificação de casos suspeitos e confirmados e a busca ativa dos contactantes, visando conter e controlar a infecção. Os dados e orientações descritos neste artigo, devidamente fundamentados, disponibilizam informações que, adicionadas à análise dos cenários epidemiológicos nacional e internacional, podem gerar evidências capazes de servir à elaboração de políticas públicas em saúde. Conclui-se que novos estudos se fazem necessários, para melhor se compreender o processo de desenvolvimento desse agravo no país.

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Recebido: 24 de Outubro de 2022; Aceito: 11 de Novembro de 2022

Correspondência Isabella Nepomuceno de Souza. isabella.souza@aids.gov.br

Editora associada

Bárbara Reis-Santos - 0000-0001-6952-0352

Conflitos de interesse

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

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