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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.31 no.3 Brasília  2022  Epub 24-Nov-2022

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222022000300018 

Artigo original

Óbitos e internações de vítimas de eventos toxicológicos não medicamentosos no Brasil, 2009 a 2018

Muertes y hospitalizaciones de víctimas de eventos toxicológicos no medicamentosos en Brasil, 2009 a 2018

Fernanda Gross Duarte (orcid: 0000-0001-5918-6872)1  , concepção e planejamento do estudo, coleta dos dados, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito; Sandra da Silva Moreira (orcid: 0000-0002-1988-0736)2  , concepção e planejamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito; Maria Goreth Barberino (orcid: 0000-0002-7858-0768)1  , concepção e planejamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito; Marcelo Neubauer de Paula (orcid: 0000-0002-6753-1733)3  , concepção e planejamento do estudo, coleta dos dados, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito; Nelzair Araújo Vianna (orcid: 0000-0002-5183-6671)1  , concepção e planejamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito; Maria Conceição Chagas de Almeida (orcid: 0000-0002-4760-4157)1  , concepção e planejamento do estudo, coleta dos dados, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito; Edson Duarte Moreira Junior (orcid: 0000-0002-7081-8348)1  , concepção e planejamento do estudo, coleta dos dados, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito

1Instituto Gonçalo Moniz, Laboratório de Epidemiologia Molecular e Bioestatística, Salvador, BA, Brasil

2Associação Obras Sociais Irmã Dulce, Centro de Pesquisa Clínica, Salvador, BA, Brasil

3Grupo Hypera Pharma, São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Objetivo:

determinar a taxa de internações por eventos agudos de intoxicação não medicamentosa (NMx) e analisar a mortalidade decorrente desses agravos no Brasil, de 2009 a 2018.

Métodos:

estudo de série temporal, no qual se analisaram registros de internações por “tratamento de intoxicação ou envenenamento por exposição a substâncias de uso não medicamentoso” no Sistema de Informações Hospitalares (SIH), por regressão de Prais-Winsten.

Resultados:

ocorreram 125.570 internações em virtude de intoxicação NMx. A taxa média de internações foi de 6,3/100 mil habitantes, sendo maior no sexo masculino (8,0/100 mil hab.) comparado ao feminino (4,6/100 mil hab.). A taxa de internações e a mortalidade geral de internações por intoxicação NMx diminuíram de 9,4 para 4,5/100 mil hab. e de 2,5 para 1,6/1 milhão de hab., respectivamente.

Conclusões:

houve redução da taxa de internações e da mortalidade por intoxicações NMx durante a década analisada.

Palavras-chave: Intoxicação; Mortalidade; Hospitalização; Toxicologia; Estudos de Séries Temporais

Resumen

Objetivo:

determinar la tasa de hospitalizaciones por eventos agudos de intoxicación no medicamentosa (NMx) y analizar la mortalidad resultante en Brasil de 2009 a 2018.

Métodos:

estudio de serie temporal en el que se analizaron los registros de hospitalizaciones por “tratamiento de intoxicación o envenenamiento por exposición a sustancias de uso no farmacológico” del Sistema de Información Hospitalaria (SIH) por la regresión de Prais-Winsten.

Resultados:

hubo 125.570 hospitalizaciones por intoxicación NMx. La mortalidad promedio de hospitalizaciones fue de 6,3/100 mil hab., siendo más alta en el sexo masculino (8,0/100 mil hab.) en comparación con el femenino (4,6/100 mil hab.). La tasa de hospitalizaciones y la mortalidad global de las hospitalizaciones por NMx disminuyeron de 9,4 a 4,5 por 100 mil hab. y de 2,5 a 1,6 por 1 millón de hab., respectivamente.

Conclusiones:

hubo reducción en la tasa de hospitalizaciones y en la mortalidad por intoxicaciones NMx durante la década analizada.

Palabras clave: Intoxicación; Mortalidad; Hospitalización; Toxicología; Estudios de Series Temporales

Contribuições do estudo

Principais resultados

A taxa de internações e a mortalidade geral de internações por intoxicação não medicamentosa (NMx) diminuíram de 9,4 para 4,5 por 100 mil habitantes e de 2,5 para 1,6 por 1 milhão de hab., respectivamente.

Implicações para os serviços

Os achados indicam que é preciso identificar os fatores de risco, as causas e as circunstâncias da ocorrência das intoxicações NMx, fornecendo evidências para medidas de prevenção efetivas.

Perspectivas

As internações por intoxicação NMx permanecem um grave problema de saúde pública, pelo impacto na saúde individual e coletiva e pelos riscos ao meio ambiente. A natureza prevenível desses agravos reforça a necessidade de novos esforços de prevenção.

Introdução

Desde o início do século XXI, existe uma tendência ao aumento no uso de produtos químicos na economia global e na vida moderna diária, que pode estar relacionado ao aumento da exposição humana a estes produtos.1-3 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 2 milhões de vidas e 53 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade (Avais) foram perdidos devido a exposições a produtos químicos, em 2019.4 Essas estimativas são maiores do que as de 2016 (1,6 milhão de vidas e 45 milhões de Avais) e 2012 (1,3 milhão de vidas e 43 milhões de Avais).4 É importante destacar que os dados disponíveis sobre exposições químicas se restringem a um pequeno número de agentes químicos e, portanto, estas exposições podem ocorrer por uma ampla variedade de outras substâncias.

No Brasil, foram registrados, pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitoz), um total de 97.398 casos e 445 óbitos por intoxicação (0,5%), em 2016.5 Entre os agentes notificados, as substâncias químicas não medicamentosas foram a principal causa de intoxicação, correspondendo a 33,0% dos casos notificados nesse período. O número de casos de intoxicação registrados no Sinitox tem diminuído nos últimos anos, o que se deve à menor participação dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica nestes levantamentos, conforme consta nesta base de dados.5

A exposição a substâncias tóxicas é um problema de saúde pública relevante em vários países,6-8 considerando-se que o processo de industrialização nem sempre é acompanhado do conhecimento e de leis trabalhistas e estruturas institucionais para a proteção das pessoas e do meio ambiente. Os dados sobre intoxicação não medicamentosa (NMx) no Brasil são escassos e incompletos. Assim, o objetivo no presente estudo foi determinar a taxa de internações por eventos agudos de intoxicação NMx e analisar a mortalidade decorrente desses agravos no Brasil, observando as tendências identificadas durante o decênio de 2009 a 2018.

Métodos

Trata-se de um estudo de série temporal, para determinar as taxas de internações e óbitos devidos à intoxicação NMx no Brasil.

Foi realizada uma análise das informações sobre internações e óbitos por intoxicação NMx disponíveis na base de dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) do Ministério da Saúde, de 2009 a 2018. Os dados sobre internações e óbitos do portal de dados do SIH/SUS foram obtidos com auxílio do software TabWin. A fonte dos dados demográficos sobre o número de hab. utilizados nos denominadores das taxas foi o Censo de 2010. Para os demais anos, foram usados dados dos intervalos entre os censos, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).9

Foram selecionadas inicialmente as internações no período de 2009 a 2018, nas quais o procedimento solicitado na Autorização para Internação Hospitalar (AIH) fosse “tratamento de intoxicação ou envenenamento por exposição a medicamento e substâncias de uso não medicamentoso”. Mantiveram-se somente as internações nas quais o procedimento indicado acima era ratificado, excluindo-se aquelas cujo procedimento, no relatório final da AIH, não era confirmado. Foram analisados os casos de internação devidos a intoxicação NMx; aqueles causados por medicamentos foram objeto de análise separada, em outra publicação.10

Foram incluídas como variáveis do estudo: sexo (masculino; feminino), idade em anos ou por faixa etária (< 5; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19; 20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 a 69; 70 ou mais), raça/cor da pele declarada (branca; parda; preta; outra; não informada), local de residência (município e região) e desfecho da hospitalização (alta/transferência; óbito).

A taxa de hospitalização foi calculada dividindo-se o total de casos de hospitalização devido a intoxicação NMx pelo número de hab. no respectivo período e local de residência dos casos. Analogamente, calcularam-se as taxas de mortalidade dividindo-se o total de óbitos devido à intoxicação NMx pelo total da população em cada período estudado. Essas taxas foram calculadas por sexo, idade e região geográfica da residência no Brasil. A letalidade das hospitalizações foi calculada dividindo-se o número de óbitos pelo total de hospitalizações. O risco relativo (RR) foi estimado como a razão entre a taxa num grupo em relação ao grupo de referência, e os intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram baseados na suposição de que os eventos observados têm uma distribuição de Poisson.11

Como as taxas brutas são influenciadas pela composição etária das populações em diferentes regiões e em períodos distintos, a padronização das taxas estimadas por faixa etária se deu pelo método direto, utilizando-se a população padrão sugerida pela OMS (OMS, 2000-2025), o que permitiu a comparação entre as taxas e a avaliação das tendências no período do estudo.12

A tendência da série histórica foi analisada pelo método de regressão linear generalizada de Prais-Winsten, corrigindo-se para o efeito de autocorrelação de primeira ordem. A tendência de óbitos/internações hospitalares foi considerada estacionária para p-valor > 0,05; declinante, para p-valor < 0,05 e coeficiente da regressão negativo; ou ascendente, para p-valor < 0,05 e coeficiente da regressão positivo.13 Foi utilizado o programa estatístico Stata Statistical Software: Release 16 (College Station, TX: StataCorp LLC) na realização das análises estatísticas.

A pesquisa foi realizada com informações de acesso e domínio público, com garantia da privacidade e da confidencialidade dos dados; portanto, o projeto do estudo foi dispensado de registro e avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

No período de 2009 a 2018, foram identificadas 276.568 internações relacionadas ao uso de substâncias químicas, distribuídas em 5.351 municípios em todos os 26 estados brasileiros. Desse total, 125.570 (45,4%) foram devido a intoxicação NMx. A média da incidência anual de internações por intoxicação NMx foi de 6,28 por 100 mil hab. Entre as internações por intoxicação NMx, ocorreram 4.326 (3,4%) óbitos, correspondendo a uma mortalidade média anual de 2,16 por 1 milhão de hab.

A Tabela 1 apresenta a distribuição do número das internações e dos óbitos por intoxicação NMx, de acordo com a região e as características sociodemográficas dos casos. A maior parte das internações aconteceu no sexo masculino (62,1%), cuja taxa média anual, 8,0 por 100 mil hab., foi maior do que a observada no sexo feminino (4,6 por 100 mil hab.). Aproximadamente um terço dos óbitos em internações decorrentes de intoxicação NMx ocorreu no sexo feminino (32,3%).

Tabela 1 Frequência de internações e óbitos por intoxicação não medicamentosa, de acordo com características selecionadas, Brasil, 2009 a 2018 

Variáveis Internações Óbitos
n % n %
Total 125.570 100,0 4.326 100,0
Sexo
Feminino 47.477 37,8 1.399 32,3
Masculino 78.093 62,2 2.927 67,7
Faixa etária (em anos)
< 5 10.809 8,6 53 1,2
5 a 9 3.575 2,8 18 0,4
10 a 14 4.566 3,6 66 1,5
15 a 19 9.789 7,8 235 5,5
20 a 29 21.656 17,2 632 14,6
30 a 39 25.364 20,2 870 20,1
40 a 49 23.968 19,1 972 22,5
50 a 59 14.884 11,9 690 16,0
60 a 69 6.564 5,2 430 9,9
70 ou mais 4.395 3,6 360 8,3
Raça/cor da pele
Branca 38.684 30,8 1.204 27,8
Parda 37.480 29,9 1.235 28,6
Preta 4.583 3,6 157 3,6
Outra 1.293 1,0 51 1,2
Não informada 43.530 34,7 1679 38,8
Região
Norte 7.462 5,9 215 5,0
Nordeste 30.555 24,3 1.382 31,9
Centro-Oeste 13.071 10,4 278 6,4
Sudeste 58.017 46,2 2.070 47,9
Sul 16.465 13,2 381 8,8

A mortalidade por intoxicação NMx foi de 1,36 por 1 milhão de hab., no sexo feminino, e de 2,96 por 1 milhão de hab., no sexo masculino. A raça/cor da pele branca foi a mais frequentemente reportada nas internações (30,8%); em 34,7% dos casos, a informação sobre a cor da pele estava ausente. Houve maior número de internações por intoxicação NMx (46,2%) na região Sudeste, seguida pelas regiões Nordeste (24,3%) e Sul (13,1%).

A taxa geral de internações por intoxicação NMx diminuiu, passando de 9,3 para 4,5 por 100 mil hab. A Figura 1 mostra a taxa de internações por intoxicação NMx segundo sexo e ano. A taxa média de internações decorrentes de intoxicação NMx no sexo masculino, de 8,0 por 100 mil hab., foi superior à observada no feminino - de 4,6 por 100 mil hab., RR = 1,73 (IC95% 1,21;2,54). A taxa de internações por intoxicação NMx diminuiu em ambos os sexos: no masculino, passou de 12,9 para 5,3 por 100 mil hab.; no feminino, de 5,9 para 3,8 por 100 mil hab.

Figura 1 Taxa de internações por intoxicação não medicamentosa segundo sexo e ano, Brasil, 2009 a 2018 

A Figura 2 mostra a mortalidade nas internações por intoxicação NMx, segundo sexo e ano.A mortalidade média nas internações por intoxicação NMx no sexo masculino (2,96 por 1 milhão de hab.) foi superior à mortalidade no sexo feminino (1,36 por 1 milhão de hab.), RR = 2,14 (IC95% 1,10;4,03). Durante a década analisada, a mortalidade nas internações por intoxicação NMx diminuiu em ambos os sexos, passando de 3,52 para 2,33 por 1 milhão de hab., no sexo masculino, e de 1,58 para 0,99 por 1 milhão de hab., no sexo feminino. A mortalidade geral de internações por intoxicação NMx diminuiu, passando de 2,54 a 1,66 por 1 milhão de hab.

Figura 2 Mortalidade de internações por intoxicação não medicamentosa segundo sexo e ano, Brasil, 2009 a 2018 

A Tabela 2 mostra a taxa de internação e a mortalidade por intoxicação NMx de acordo com a idade. A maior incidência de internações por intoxicação NMx foi observada dos 30 aos 49 anos de idade, seguida pela incidência em menores de 5 anos. No período do estudo, a média da mortalidade devido a intoxicação NMx foi de 2,16 por 1 milhão de hab. Indivíduos com 40 a 49 anos de idade apresentaram a maior taxa de mortalidade, seguidos daqueles com 50 a 59 anos. A maior taxa de internações foi observada na faixa de 30 a 59 anos no começo do período estudado (2009), porém, no final da década, observou-se uma maior taxa em menores de 5 anos. Houve redução nas taxas de internação por intoxicação NMx no geral e em todas as faixas etárias, exceto em relação à faixa etária de 15 a 29 anos, que teve um aumento nos últimos anos, e na faixa de 5 a 14 anos, que permaneceu estável.

Tabela 2 Taxa de hospitalização e mortalidade por intoxicação não medicamentosa por faixa etária, Brasil, 2009 a 2018 

Variáveis Ano Média anual
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Hospitalizaçãoa
Faixa etária (em anos)
< 5 9,1 8,7 8,9 8,5 8,4 8,2 7,8 7,5 7,3 7,1 8,1
5 a 9 3,0 2,8 2,8 2,8 2,4 2,5 2,2 2,1 2,0 2,0 2,5
10 a 14 3,2 3,0 2,9 2,9 2,8 2,7 2,7 2,3 2,7 2,7 2,8
15 a 19 6,5 6,4 6,3 6,1 5,9 5,5 4,7 4,4 5,1 6,1 5,7
20 a 29 9,9 8,8 8,0 6,8 6,5 6,2 5,6 5,1 5,1 5,4 6,7
30 a 39 13,7 11,8 9,9 8,7 7,8 7,4 6,6 5,5 5,3 5,2 8,2
40 a 49 15,2 12,8 11,4 9,8 8,8 7,7 6,8 6,0 5,7 5,1 8,9
50 a 59 11,3 9,3 8,4 7,2 6,3 6,4 5,5 5,0 4,7 4,2 6,8
60 a 69 7,2 6,1 5,5 4,5 4,7 4,1 3,9 3,5 3,1 3,0 4,6
70 ou mais 5,5 5,3 4,9 3,8 3,8 4,0 3,4 3,0 2,6 2,3 3,9
Total 9,4 8,3 7,5 6,6 6,2 5,8 5,2 4,7 4,6 4,5 6,3
Mortalidadeb
Faixa etária (em anos)
< 5 0,59 0,44 0,59 0,37 0,37 0,61 0,15 0,15 0,54 0,15 0,40
5 a 9 0,13 0,45 0,13 0,21 0,07 0,00 0,07 0,00 0,15 0,00 0,12
10 a 14 0,34 0,46 0,57 0,41 0,24 0,43 0,45 0,46 0,33 0,34 0,40
15 a 19 1,58 1,57 2,08 0,92 1,32 1,44 1,33 0,98 1,06 1,40 1,37
20 a 29 2,73 2,42 2,66 1,72 1,67 1,67 1,84 1,90 1,42 1,67 1,97
30 a 39 3,66 3,78 2,52 3,20 2,78 2,70 3,01 2,25 2,20 1,85 2,80
40 a 49 4,55 4,82 4,06 4,16 3,44 3,28 3,49 2,76 2,79 2,61 3,60
50 a 59 3,72 3,16 3,41 3,78 3,37 3,42 2,91 2,61 2,52 2,36 3,13
60 a 69 3,30 4,18 3,40 2,70 2,62 2,34 2,58 3,28 2,66 2,23 2,93
70 ou mais 2,23 3,65 4,47 3,89 2,32 2,98 3,93 3,08 2,57 1,99 3,11
Total 2,54 2,66 2,48 2,31 2,02 2,07 2,18 1,92 1,79 1,66 2,16

a) Taxa de internações por 100 mil habitantes; b) Mortalidade por 1 milhão de habitantes.

A Tabela 3 mostra a taxa de internação e a mortalidade por intoxicação NMx no Brasil, após padronização de acordo com as regiões geográficas do país. No período estudado, a maior taxa média de internações por intoxicações NMx foi observada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, enquanto nas regiões Nordeste e Norte as taxas foram menores. Houve uma redução nas taxas de internação por intoxicação NMx no Brasil e em todas as regiões. Entretanto, em relação às regiões Sul e Norte, observa-se uma estabilização nessas taxas na segunda metade do período estudado. A mortalidade nas internações por intoxicações NMx foi mais alta nas regiões Sudeste e Nordeste, e a região Norte foi a que apresentou a menor taxa.

Tabela 3 Taxa de internação e mortalidade por intoxicação não medicamentosa, por região, com coeficiente de regressão e tendência, Brasil, 2009 a 2018 

Variáveis Ano Média anual Coeficiênte IC95% a p-valor Tendência
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Internaçãob
Região
Norte 5,8 5,2 5,5 5,0 5,6 4,2 3,6 3,1 2,9 3,1 4,4 -0,36 -0,47;-0,24 0,001 Declinante
Centro-Oeste 13,6 9,9 10,3 9,4 9,2 8,2 7,7 6,8 6,1 6,0 8,7 -0,72 -0,92;-0,52 < 0,001 Declinante
Nordeste 8,0 8,8 7,5 6,1 5,2 4,9 4,3 3,7 3,6 3,4 5,6 -0,62 -0,77;-0,47 < 0,001 Declinante
Sudeste 10,7 8,7 8,1 7,2 6,6 6,6 5,8 5,3 5,0 4,9 6,9 -0,58 -0,72;-0,43 0,002 Declinante
Sul 8,5 7,2 5,8 5,3 5,5 4,8 4,9 4,7 5,5 5,3 5,8 -0,29 -0,51;-0,07 0,015 Declinante
Brasil 9,4 8,3 7,5 6,6 6,2 5,8 5,2 4,7 4,6 4,5 6,3 -0,54 -0,65;-0,43 < 0,001 Declinante
Mortalidadec
Região
Norte 0,99 1,79 1,70 1,08 1,36 1,16 1,15 1,41 1,17 0,82 1,26 -4,38 -11,71;2,95 0,205 Estacionária
Centro-Oeste 2,96 2,86 2,81 1,96 1,27 1,84 1,49 0,83 1,07 1,55 1,86 -21,75 -32,67;-10,83 0,002 Declinante
Nordeste 2,81 2,95 2,55 2,62 2,52 2,49 2,51 2,51 1,82 2,24 2,50 -5,24 -12,01;1,47 0,004 Estacionária
Sudeste 2,94 2,98 2,78 2,69 2,15 2,35 2,60 2,04 2,30 1,72 2,46 -11,81 -17,36;-6,26 0,001 Declinante
Sul 1,63 1,61 1,78 1,41 1,43 1,08 1,24 1,30 0,95 0,91 1,33 -8,73 -12,27;-5,20 0,003 Declinante
Brasil 2,55 2,67 2,48 2,30 2,01 2,07 2,17 1,92 1,78 1,65 2,16 -10,57 -13,42;-7,72 < 0,001 Declinante

a) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; b) Taxa de internação por 100 mil habitantes padronizada para a distribuição da população mundial (OMS, 2000-2025); c) Mortalidade por 1 milhão de habitantes padronizada para a distribuição da população mundial (OMS, 2000-2025).

Discussão

Foram notificados casos de hospitalização por intoxicação NMx em todos os estados do Brasil durante o período do estudo (2009-2018). As intoxicações NMx foram a causa mais frequente das internações tóxico-farmacológicas. Entretanto, houve redução da taxa de internações e da mortalidade das intoxicações NMx durante a década analisada.

Comparativamente, outro estudo, referente ao mesmo período, identificou que as internações causadas por medicamentos com prescrição perfaziam 30,1%, enquanto as internações pelo uso de medicamentos isentos de prescrição eram menos frequentes, com 0,9% das internações.10 As admissões e a mortalidade por envenenamento reduziram-se a cerca da metade no final da década de 2009 a 2018. Dados da OMS mostram uma mortalidade de 4,0 por 1 milhão de hab. nas Américas em 2018.14 As estimativas são comparáveis àquelas produzidas numa revisão de casos de intoxicação em Taiwan de 1999 a 2008, segundo a qual a média da taxa de internações por intoxicação NMx foi de 4,97 por 100 mil hab., e a mortalidade, cerca de 5,5 por 1 milhão de hab.15 Entretanto, no período deste estudo (2009-2018), observou-se uma tendência de crescimento nas taxas de mortalidade por envenenamento e de hospitalização. Na Finlândia, um estudo revisando dois anos de internações (1987-1988) mostrou uma taxa de internações por intoxicação NMx de 30 por 100 mil,16 com as taxas de envenenamentos por produtos químicos reduzindo-se significativamente. Em outro estudo, em crianças com menos de 5 anos de idade, na Inglaterra, de 2000 a 2011, a incidência de hospitalização por NMx também diminuiu, passando de 41 por 100 mil para 32 por 100 mil.17 A incidência de envenenamento químico pode variar por região geográfica, devido a diferenças sociodemográficas e outros fatores que influenciam a incidência de intoxicação química. Esses agravos têm particularidades de ordem social, econômica e cultural, podendo resultar em padrões distintos entre países e até mesmo entre as regiões de um mesmo país.18 Além disso, a mortalidade atribuída ao envenenamento químico também pode diferir de acordo com a idade da vítima, a via de administração, a natureza e a quantidade do produto químico, entre outros fatores.3,4

As faixas etárias mais afetadas por intoxicação NMx foram adultos (30 a 40 anos) e menores de 5 anos de idade. No mesmo período, as internações em virtude de intoxicação medicamentosa no Brasil ocorreram mais comumente também em crianças com menos de 5 anos de idade.10 A taxa de hospitalização devido a envenenamento, em estudo realizado na Austrália, atingiu, no segundo ano de vida, o pico para substâncias não medicinais.19 A ingestão acidental de medicamentos ou de produtos químicos é mais comum dos 2 aos 5 anos de idade.20 Os comportamentos exploratórios e a curiosidade das crianças levam-nas a tocar, testar e explorar seus arredores, entrando assim em contato com produtos químicos tóxicos que não são armazenados de forma segura, principalmente produtos farmacêuticos e de limpeza.21 Ademais, nesse grupo etário, o menor peso corporal dos indivíduos faz com que eles sejam mais vulneráveis à intoxicação com quantidades proporcionalmente menores de substâncias químicas ou medicamentos.22 Envenenamento químico envolvendo crianças ocorre acidentalmente na maioria dos casos, que poderiam ser evitados com maior atenção às medidas de prevenção.21,23 Adultos, por sua vez, estão mais sujeitos à exposição ocupacional a produtos químicos, somada ainda aos eventos de intoxicação intencional, mais frequentes nesse grupo do que nas crianças.3,8

A incidência de internações decorrentes de intoxicação NMx foi aproximadamente o dobro no sexo masculino, comparado ao feminino. Este achado é consistente com dados da OMS, que indicam um maior índice global de mortalidade por envenenamento não intencional em homens.14 Na análise dos óbitos devidos a intoxicação ocorridos no Brasil, entre 2010 e 2015, observou-se que as taxas de mortalidade reportadas por envenenamento foram maiores para o sexo masculino.24 Numa outra revisão de dados sobre o perfil da mortalidade por intoxicação no Brasil, durante uma década (de 1996 a 2005), também foi reportada maior frequência de óbitos decorrentes de intoxicações medicamentosas entre homens.25 Diferenças no estilo de vida e no comportamento no sexo masculino, bem como a exposição ocupacional a produtos químicos, mais frequente entre homens, são possíveis razões para os resultados encontrados.

Os indivíduos com 40 anos ou mais exibiram as maiores taxas de mortalidade, analogamente ao apresentado por outros estudos brasileiros nos quais se analisou a mortalidade por intoxicação medicamentosa.26,27 A exposição ocupacional a produtos químicos também ocorre mais frequentemente nessa faixa etária; adicionalmente, com o aumento da idade, existe a possibilidade de efeito cumulativo da exposição a substâncias tóxicas. Além disso, o aumento da susceptibilidade à toxicidade - associada à capacidade diminuída de metabolização e de excreção de toxinas, que ocorrem na população com o incremento da idade - pode contribuir para uma maior mortalidade nessa faixa etária.27

A incidência das internações relacionadas a intoxicação variou segundo a região do país. A maior incidência de hospitalização por intoxicação NMx ocorreu na região Centro-Oeste, enquanto as regiões Norte e Nordeste apresentaram as menores taxas de internação. No mesmo período, também a região Centro-Oeste apresentou a maior incidência das internações por intoxicação medicamentosa no Brasil; nas regiões Norte e Nordeste, essas internações foram menos comuns.10 Semelhantemente, também variou a mortalidade das intoxicações NMx segundo a região do país, que foi maior na região Nordeste e menor na região Norte. Numa revisão dos óbitos entre 2010 e 2015, as taxas de mortalidade por intoxicação foram maiores no Nordeste e no Centro-Oeste.24 Assim, é possível que as diferenças observadas no nosso estudo resultem de desigualdades na disponibilidade de produtos químicos, para as populações residentes nas diversas regiões, e no acesso a tais produtos. Adicionalmente, é possível que elas sejam consequência das discrepâncias em coberturas dos serviços de saúde responsáveis por notificar os casos e os óbitos decorrentes de intoxicação no Brasil.28

Houve uma tendência decrescente na taxa de internações e na mortalidade por intoxicação NMx. Os resultados são consistentes com declínios nas taxas de internação hospitalar por envenenamento relatados no Brasil24 e em outros países.17,29 A diminuição dos casos pode se dever à crescente conscientização da população sobre o problema das intoxicações químicas, suas complicações e os métodos de prevenção. Em relação à população adulta, a tendência de diminuição na quantidade de pessoas empregadas na indústria agrícola, a importância crescente atribuída à proteção ambiental e à segurança ocupacional, pelo público em geral e pelas agências reguladoras, são possíveis razões para a redução da taxa de internações e da mortalidade por intoxicação NMx observadas no nosso estudo.24,28

Em relação às crianças, prováveis explicações para a queda observada nas intoxicações nesse grupo incluem mudanças legislativas, conscientização pública e o impacto de programas direcionados de educação em saúde pública.30 O sucesso das intervenções de saúde pública para prevenção de envenenamento infantil, como a aplicação de tampas e fechos resistentes a crianças, pode reduzir o número de mortes por envenenamento.21 Entretanto, esses dispositivos não são um substituto para o armazenamento seguro e a supervisão dos pais.23

A natureza deste estudo - retrospectiva, uma vez que se baseou em um banco de dados preexistente, em que as informações disponíveis estão sujeitas a limitações - impediu que pudessem ser investigadas algumas características atinentes às causas, às circunstâncias, ao tipo de substância química e ao tratamento das internações devidas a intoxicação NMx. Ademais, as informações estão sujeitas a subnotificação, e referem-se apenas aos serviços de saúde públicos, não contemplando os privados; assim, as taxas resultantes estão subestimadas. Entretanto, a cobertura dos dados com abrangência nacional, incluindo um intervalo longo de dez anos, permitiu comparar as diversas regiões e analisar tendências de longo prazo nas taxas e na mortalidade das internações por intoxicação NMx.

As internações e a mortalidade por intoxicações NMx foram mais comuns no sexo masculino, e nas faixas etárias de 30 a 49 anos e em menores de 5 anos de idade; essas taxas reduziram-se a cerca da metade durante a década de 2009 a 2018. Não obstante, as internações por intoxicação NMx se constituem num grave problema de saúde pública - pelos impactos na saúde individual e na coletiva, pelo alto custo econômico e social, pelos riscos ao meio ambiente e, particularmente, pela natureza prevenível desses agravos. Os resultados deste estudo indicam que são necessários mais trabalhos em que se investiguem os fatores de risco, as causas e as circunstâncias da ocorrência dessas intoxicações, fornecendo-se evidências para subsidiar novos esforços de prevenção.

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Trabalho acadêmico associado Artigo derivado de tese de doutorado intitulada Óbitos e internações decorrentes de intoxicações medicamentosas e não-medicamentosas no Brasil, defendida por Fernanda Gross Duarte no Programa de Pós-graduação em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa, do Instituto Gonçalo Moniz, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2022.

Recebido: 16 de Junho de 2022; Aceito: 20 de Outubro de 2022

Correspondência Edson Duarte Moreira Junior. edson.moreira@fiocruz.br

Editora associada

Doroteia Aparecida Höfelmann - 0000-0003-1046-3319

Conflitos de interesse

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

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