INTRODUÇÃO
Os serviços ofertados pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS) abrangem desde ações de prevenção de doenças e agravos até o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação das pessoas acometidas, além da promoção e manutenção da saúde. No Brasil, o acesso universal e gratuito a esses serviços é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e pelo SUS, este criado em 1990.1,2 Entretanto, o acesso a tais serviços depende tanto da oferta e disponibilidade quanto da percepção e necessidade do indivíduo e da comunidade.3
No Brasil, inquéritos populacionais têm identificado um aumento na oferta de ações e serviços de saúde, principalmente no período de 2008 a 2013. Observa-se, contudo, a manutenção das desigualdades, com maior dificuldade de acesso por usuários menos escolarizados, população de menor renda e residentes nas regiões Norte e Nordeste do país.4–6 Sabe-se que a iniquidade no acesso aos serviços acarreta piores desfechos e agravos de saúde para a população geral.7
Estudos nacionais e internacionais têm enfatizado que o aumento da oferta de serviços de saúde não é suficiente para garantir o maior acesso e utilização desses serviços, principalmente quando as populações são mais vulneráveis.8,9 Nos últimos anos, o SUS sofreu importantes mudanças em seus programas e políticas, especialmente na atenção básica, ou Atenção Primária em Saúde (APS); entre essas mudanças, destacam-se a nova Política Nacional da Atenção Básica, de 2017, e o Programa Previne Brasil, de 2019, os quais reformularam a política de financiamento da atenção básica.10,11 A partir de então, como decorrência das novas políticas de saúde, a estimativa do custeio da APS no âmbito do SUS passou a ter por base o número de cidadãos cadastrados nos municípios e o desempenho alcançado pelas equipes de saúde, este avaliado por indicadores e metas definidos pelo Ministério da Saúde. Além disso, passam a vigorar novas possibilidades de relação entre Estado e empresas privadas, de maneira a que agentes públicos e privados participem, indistintamente, da prestação de serviços de saúde no SUS, o que acaba por reduzir o compromisso e dever do Estado, definido constitucionalmente, de promover a saúde dos brasileiros. Dessa forma, a ampliação no acesso e na qualificação dos serviços tende a ser contida, uma vez que possíveis distorções no financiamento podem restringir a atuação da APS.10,11 Nesse sentido, identificar as lacunas de acesso e utilização dos serviços públicos de saúde, nesse novo cenário, pode contribuir para identificar necessidades e reduzir as iniquidades no acesso universal aos serviços.
Contribuições do estudo | |
---|---|
Principais resultados | A utilização de serviços odontológicos e o atendimento na busca a medicamentos, pelo serviço público ou pelo Programa Farmácia Popular, foi mais frequente para moradores das regiões Norte e Nordeste, e entre indivíduos com menor escolaridade. |
Implicações para os serviços | Auxiliar gestores da Saúde a nortear políticas de saúde, de acordo com a necessidade de cada região, além de proporcionar acesso e disponibilidade, e mais efetividade dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde. |
Perspectivas | Espera-se que os indicadores de saúde da população brasileira apresentem redução da iniquidade no acesso e na utilização dos serviços de saúde. |
O objetivo deste estudo foi descrever o acesso e a utilização de serviços de saúde pela população brasileira segundo características sociodemográficas, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo transversal, em que foram analisados dados da PNS de 2019, inquérito domiciliar de base populacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. Tal pesquisa visa produzir dados sobre a situação de saúde e os estilos de vida da população brasileira, como também sobre a atenção à saúde em âmbito nacional, no que diz respeito ao acesso e utilização dos serviços, ações preventivas, continuidade dos cuidados e financiamento da assistência.
A amostragem da PNS 2019 foi estimada por conglomerados, em três estágios de seleção. No primeiro estágio, foram estratificadas unidades primárias de amostragem (UPAs), por municípios, mediante seleção aleatória simples. O tamanho da amostra foi definido em 8.036 UPAs, que representam 53% das UPAs e correspondem a um conjunto de unidades de área a partir das quais é possível selecionar subamostras que atendam ao objetivo da pesquisa. No segundo estágio, realizou-se a distribuição dos domicílios por UPA, onde seriam realizadas as entrevistas: para Unidades da Federação (UFs) com maior quantidade de UPAs, menor número de domicílios (12 domicílios); para UFs com menor quantidade de UPAs, maior número de domicílios (18 domicílios); e finalmente, para UFs não contempladas nos dois critérios anterior-mente definidos, a quantidade alocada foi de 15 domicílios por UPA. No terceiro estágio, foi selecionado um morador com 15 anos de idade ou mais, com equiprobabilidade entre todos os moradores adultos do domicílio, para responder à entrevista individual. Neste estudo, o critério de elegibilidade adicional foi ter respondido às perguntas sobre acesso e utilização dos serviços do SUS e serviços de saúde privados, independentemente de sexo e do local de residência.
Descrições mais detalhadas do processo de amostragem e métodos de coleta de dados estão no relatório da PNS 2019, disponível online no sítio eletrônico do IBGE. Os dados foram acessados no dia 21 de julho de 2021.
A coleta de dados da PNS ocorreu entre agosto de 2019 e março de 2020, mediante a proposição de um questionário composto de três blocos de informações: a) variáveis do domicílio; b) características gerais de todos os moradores da residência; e c) questões sobre trabalho e saúde, direcionadas a um morador selecionado aleatoriamente. O questionário foi aplicado por entrevistadores devidamente treinados, segundo a personal digital assistance (PDA). As entrevistas foram agendadas de acordo com a disponibilidade de cada morador, tendo sido previstas duas ou mais tentativas de visitas em cada domicílio.
As variáveis relacionadas ao uso de serviços estudadas remeteram às seguintes questões:
Deixou de realizar atividades habituais por motivo de saúde, nas duas últimas semanas;
Procurou o mesmo profissional médico ou serviço, para atendimento, nas duas últimas semanas;
Realizou consulta com médico nos últimos 12 meses;
Realizou consulta com dentista nos últimos 12 meses;
Procurou atendimento em serviço de saúde, nas duas últimas semanas;
Conseguiu atendimento na primeira vez que o procurou, nas duas últimas semanas;
Teve atendimento de saúde realizado e medicamento receitado, nas duas últimas semanas;
Obteve todos os medicamentos receitados (por algum meio);
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitados no último atendimento de saúde;
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitados pelo Programa Farmácia Popular no último atendimento de saúde;
Obteve pelo menos um medicamento no serviço público, no último atendimento de saúde;
Foi internado em hospital por 24 horas, nos últimos 12 meses; e
A última internação foi realizada em uni-dade do SUS nos últimos 12 meses.
Todas as questões utilizadas foram dicotomizadas: não; sim.
Foram calculadas as prevalências das variáveis e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), mediante estratificação por sexo (feminino; masculino), grupos de idade (em anos: 0 a 17; 18 a 29; 30 a 39; 40 a 59; 60 ou mais), nível de instrução/escolaridade do chefe da família (sem instrução; ensino fundamental incompleto; ensino fundamental completo e ensino médio incompleto; ensino médio completo e ensino superior incompleto; ensino superior completo) e macrorregião do país (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste).
A análise de dados foi realizada com o uso do software Stata versão 16.1, por meio do módulo survey, que considera efeitos da amostragem complexa.
O projeto da PNS 2019 foi submetido à apreciação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)/Conselho Nacional de Saúde (CNS) e aprovado: Parecer n° 3.529.376, emitido em 23 de agosto de 2019. Todos os entrevistados foram consultados, devidamente esclarecidos e aceitaram participar da pesquisa.
RESULTADOS
O tamanho estimado da amostra foi de 108.457 domicílios e 279.210 indivíduos. Foram investigados 293.725 indivíduos, dos quais 51,9% eram do sexo feminino, 24,1% possuíam entre 18 e 29 anos de idade, cerca de 35,0% residiam na região Nordeste e 36,7% tinham ensino fundamental incompleto.
A Figura 1 apresenta a prevalência dos indicadores investigados. Observou-se que a maioria dos participantes (76,6%; IC95% 75,9;77,2) costumavam procurar o mesmo lugar, médico ou serviço de saúde, quando necessitavam, e 67,9% (IC95% 66,5;69,2) conseguiram atendimento na primeira vez que o buscaram; 19,2% (IC95% 18,5;19,9) se consultaram com médico nos últimos 12 meses e, para esse mesmo período, 49,2% dos entrevistados se consultaram com dentista (IC95% 48,5;49,9). Relativamente ao uso de medicamentos, 6 a cada 10 usuários tiveram medicamento receitado no último atendimento, e destes, 84,6% (IC95% 83,1;86,0) conseguiram obter todos os medicamentos; porém, somente para 11,5% (IC95% 10,4;12,9), a fonte para obtenção de pelo menos um medicamento foi a Farmácia Popular, e 19,4% (IC95% 17,8;21,1) obtiveram medicamentos em algum serviço público. Quanto a internação hospitalar realizada no último ano, 7,6% (IC95% 7,2;7,9) utilizaram o serviço, e, para 63,4% (IC95% 60,8;65,9) deles, a internação foi pelo SUS.
Ao se estratificar a amostragem por sexo, verificou-se maior proporção de pessoas do sexo feminino (11,6%; IC95% 10,7;11,7) que deixaram de realizar atividades habituais por motivo de saúde, nas duas semanas anteriores à pesquisa. Os indivíduos do sexo masculino apresentaram menor proporção de consulta médica nos últimos 12 meses (66,6%; IC95% 66,3;66,8), menor consulta com dentista (45,2%; IC95% 44,3;46,2) e também procuraram menos por atendimentos de saúde nas duas semanas anteriores à pesquisa (17,6%; IC95% 17,1;18,4). Os demais indicadores apresentaram proporções semelhantes entre os sexos, conforme se observa na Tabela 1.
Variável | n | Sexo | |||
---|---|---|---|---|---|
Feminino | Masculino | ||||
% | IC95%a | % | IC95% | ||
Deixou de realizar atividades habituais por motivo de saúdeb | 279.382 | 11,6 | 10,7;11,7 | 6,6 | 6,2;7,0 |
Procurou o mesmo profissional médico ou serviço, para atendimento | 279.382 | 77,5 | 76,7;78,3 | 75,5 | 74,6;76,3 |
Realizou consulta com médico nos últimos 12 meses | 206.384 | 80,6 | 80,4;80,8 | 66,6 | 66,3;66,8 |
Realizou consulta com dentista nos últimos 12 meses | 279.382 | 52,8 | 51,9;53,7 | 45,2 | 44,3;46,2 |
Procurou atendimento em serviço de saúdeb | 279.382 | 26,5 | 25,8;27,3 | 17,6 | 17,1;18,4 |
Conseguiu atendimento na primeira vez que o procuroub | 6.615 | 29,4 | 27,7;31,1 | 29,8 | 27,6;32,0 |
Teve atendimento de saúde realizado e medicamento receitadob | 40.357 | 59,8 | 58,0;61,6 | 58,9 | 56,6;61,2 |
Obteve todos os medicamentos receitados (por algum meio)c | 24.753 | 83,6 | 81,7;85,3 | 86,1 | 83,8;88,1 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitados no último atendimento de saúdec | 24.753 | 8,4 | 7,1;9,9 | 6,9 | 5,5;8,6 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitados pelo Programa Farmácia Popular no último atendimento de saúdec | 22.548 | 11,4 | 10,0;13,0 | 11,8 | 9,9;14,0 |
Obteve pelo menos um medicamento no serviço público, no último atendimento de saúdec | 20.501 | 19,4 | 17,4;21,6 | 19,3 | 16,9;22,0 |
Permaneceu internado em hospital por período de 24 horasd | 279.382 | 8,8 | 8,4;9,3 | 6,1 | 5,7;6,6 |
A última internação foi realizada em unidade do Sistema Único de Saúde | 17.392 | 64,3 | 60,9;67,2 | 61,9 | 58,2;65,3 |
a)IC95%: Intervalo de confiança de 95%;
b)Nas duas semanas prévias à pesquisa;
c)No último atendimento de saúde;
d)Nos 12 meses anteriores à pesquisa.
A Tabela 2 apresenta a distribuição dos indicadores de acordo com grupos etários.
Variável | n | Grupo etário (em anos) | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
0 a 17 | 18 a 29 | 30 a 39 | 40 a 59 | 60 e mais | |||||||
% | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | ||
Deixou de realizar atividades habituais por motivo de saúdeb | 279.382 | 5,2 | 3,5;7,8 | 5,4 | 4,7;6,0 | 7,2 | 6,5;7,9 | 9,0 | 8,2;9,9 | 12,0 | 11,4;12,8 |
Procurou o mesmo profissional médico ou serviço para atendimento | 279.382 | 78,3 | 75,7;80,7 | 74,8 | 73,5;76,0 | 75,9 | 74,7;77,0 | 76,2 | 75,3;77,2 | 78,8 | 77,8;79,7 |
Realizou consulta com médico nos últimos 12 meses | 206.384 | 66,6 | 63,1;69,8 | 69,9 | 69,5;70,4 | 77,3 | 76,2;78,4 | 78,0 | 77,6;78,5 | 85,0 | 84,7;85,3 |
Realizou consulta com dentista nos últimos 12 meses | 279.382 | 59,3 | 55,7;62,9 | 55,1 | 53,6;56,6 | 56,1 | 54,8;57,3 | 50,8 | 49,6;51,7 | 35,2 | 33,9;36,5 |
Procurou atendimento em serviço de saúdeb | 279.382 | 13,4 | 10,1;16,7 | 15,8 | 14,9;16,9 | 19,0 | 17,9;20,1 | 23,7 | 22,8;24,7 | 29,4 | 28,3;30,4 |
Conseguiu atendimento na primeira vez que o procurou | 6.615 | 80,7 | 71,3;87,5 | 67,1 | 63,5;70,6 | 71,1 | 68,2;73,8 | 66,0 | 63,7;68,2 | 68,1 | 66,0;70,3 |
Teve atendimento de saúde realizado e medicamento receitadob | 40.357 | 59,7 | 46,8;71,5 | 58,2 | 54,1;62,3 | 58,0 | 54,5;61,3 | 60,0 | 57,5;62,6 | 60,0 | 57,6;62,4 |
Obteve todos os medicamentos receitados (por algum meio)c | 24.753 | 71,9 | 47,3; 87,9 | 86,9 | 83,5;89,6 | 83,7 | 79,3;87,3 | 84,2 | 82,2;86,0 | 85,5 | 83,1;87,5 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitadosc | 24.753 | 9,3 | 2,5;29,2 | 7,1 | 5,2;9,6 | 9,1 | 4,9;10,1 | 8,1 | 6,8;9,8 | 6,5 | 5,2;8,2 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitados pelo Programa Farmácia Popularc | 22.548 | 4,6 | 0,9;19,2 | 5,6 | 3,4;9,2 | 6,3 | 4,3;9,0 | 11,0 | 9,2;13,2 | 17,7 | 15,4;20,4 |
Obteve pelo menos um medicamento no serviço públicoc | 20.501 | 10,5 | 4,1;24,3 | 16,6 | 12,2;22,1 | 15,2 | 11,6;19,7 | 17,8 | 15,5;20,3 | 25,2 | 22,1;28,4 |
Permaneceu internado em hospital por período de 24 horasd | 279.382 | 4,7 | 3,1;7,0 | 6,0 | 5,4;6,7 | 7,3 | 6,6;8,0 | 7,0 | 6,5;7,5 | 10,4 | 9,8;11,1 |
A última internação foi realizada em unidade do Sistema Único de Saúde | 17.392 | 82,1 | 63,5;92,4 | 68,4 | 61,7;73,6 | 56,3 | 50,4;62,0 | 62,5 | 58,5; 66,4 | 65,0 | 61,7;68,2 |
a)IC95%: Intervalo de confiança de 95%;
b)Nas duas semanas prévias à pesquisa;
c)No último atendimento de saúde;
d)Nos 12 meses anteriores à pesquisa.
Os resultados revelaram aumento progressivo da prevalência de atividades habituais por motivo de saúde, à medida que aumentou a idade, passando de 5,2% (IC95% 3,5;7,8) entre indivíduos de 0 a 17 anos para 12,0% (IC95% 11,4;12,8) em idosos. O mesmo ocorreu com os indicadores relacionados à procura por serviço de saúde nas últimas duas semanas, acesso a medicamentos pelo Programa Farmácia Popular, acesso a medicamentos por algum serviço público de saúde, consulta com médico nos últimos 12 meses e internação nos últimos 12 meses. Por sua vez, a consulta com dentista nos últimos 12 meses mostrou menor prevalência com o aumento da idade (Tabela 2).
Na Tabela 3, são apresentados os indicadores segundo as macrorregiões do país. A região Norte referiu menor proporção de pessoas que consultaram com médico e com dentista nos últimos 12 meses, 69,1% (IC95% 68,8;70,0) e 41,3% (IC95% 39,9;42,8) respectivamente. O Nordeste teve maior proporção de última internação pelo SUS, 77,1% (IC95% 73,9;80,0), e maior sucesso em conseguir atendimento na primeira busca, 72,7% (IC95% 70,1;74,5). A maior proporção de obtenção, pelo Farmácia Popular, de ao menos um dos medicamentos receitados, no último atendimento de saúde, foi observada no Sul: 17,8% (IC95% 15,1;21,0).
Variável | n | Macrorregiões | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Norte | Nordeste | Centro-Oeste | Sudeste | Sul | |||||||
% | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | ||
Deixou de realizar atividades habituais por motivo de saúdeb | 279.382 | 9,0 | 8,4;9,7 | 9,6 | 9,1;10,2 | 8,7 | 7,9;9,6 | 9,0 | 8,4;9,6 | 8,1 | 7,4;8,8 |
Procurou o mesmo profissional médico ou serviço, para atendimento | 279.382 | 70,5 | 67,9;71,0 | 76,0 | 74,9;77,0 | 71,0 | 69,0;72,3 | 78,8 | 77,7;80,0 | 77,3 | 75,7;78,8 |
Realizou consulta com médico nos últimos 12 meses | 206.384 | 69,1 | 68,8;70,0 | 71,6 | 71,3;71,8 | 74,4 | 73,9;74,9 | 80,5 | 80,2;80,8 | 78,0 | 77,6;78,5 |
Realizou consulta com dentista nos últimos 12 meses | 279.382 | 41,3 | 39,9;42,8 | 42,4 | 41,4;43,4 | 48,4 | 46,8;50,1 | 53,0 | 51,8;54,3 | 54,0 | 52,5;55,5 |
Procurou atendimento em serviço de saúdeb | 279.382 | 16,6 | 15,7;17,6 | 19,5 | 18,8;20,3 | 19,7 | 18,5;20,9 | 25,1 | 24,1;26,2 | 23,5 | 22,4;24,6 |
Conseguiu atendimento na primeira vez que o procurou | 6.615 | 63,2 | 60,0;66,3 | 72,7 | 70,1;74,5 | 70,5 | 67,5;73,3 | 68,5 | 66,0;70,9 | 59,9 | 56,9;62,7 |
Teve atendimento de saúde realizado e medicamento receitadob | 40.357 | 62,2 | 58,9;65,4 | 57,6 | 55,4;59,7 | 61,8 | 58,4;65,0 | 59,2 | 56,6;61,9 | 61,1 | 57,9;64,3 |
Obteve todos os medicamentos receitados (por algum meio)c | 24.753 | 81,5 | 78,4;84,3 | 83,7 | 81,4;85,7 | 85,1 | 82,0;87,7 | 84,5 | 82,3;87,3 | 85,3 | 82,3;87,9 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitadosc | 24.753 | 8,9 | 7,1;11,1 | 8,0 | 6,5;9,9 | 5,7 | 4,2;7,6 | 8,0 | 6,3;10,0 | 7,8 | 6,1;9,9 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitados pelo Programa Farmácia Popularc | 22.548 | 8,7 | 6,6;11,5 | 7,8 | 6,5;9,4 | 12,1 | 9,4;15,4 | 11,5 | 9,5;13,8 | 17,8 | 15,1;21,0 |
Obteve pelo menos um medicamento no serviço públicoc | 20.501 | 19,4 | 16,0;23,3 | 17,5 | 15,2;20,2 | 15,2 | 12,3;18,7 | 20,3 | 17,3;23,7 | 18,9 | 15,9;22,3 |
Permaneceu internado em hospital por período de 24 horasd | 279.382 | 6,6 | 6,0;7,2 | 6,7 | 6,2;7,1 | 9,2 | 8,5;10,1 | 7,9 | 7,2;8,5 | 8,1 | 7,4;8,8 |
A última internação foi realizada em unidade do Sistema Único de Saúde | 17.392 | 73,1 | 68,3;77,4 | 77,1 | 73,9;80,0 | 60,8 | 56,1;65,4 | 55,6 | 50,8;60,4 | 63,1 | 58,6;67,4 |
a)IC95%: Intervalo de confiança de 95%;
b)Nas duas semanas prévias à pesquisa;
c)No último atendimento de saúde;
d)Nos 12 meses anteriores à pesquisa.
Quanto à escolaridade, encontrou-se uma relação inversamente proporcional de maior prevalência entre aqueles com menor escolaridade, ao se considerarem os seguintes indicadores: deixar de realizar atividades habituais por motivo de saúde nas duas semanas anteriores à pesquisa (14,0%; IC95% 12,7;15,4); ter atendimento de saúde nas duas últimas semanas e ter medicamento receitado (65,8%; IC95% 61,3;70,0); obter no Programa Farmácia Popular pelo menos um dos medicamentos receitados no último atendimento de saúde (16,5%; IC95% 12,2;22,0); e obter, no serviço público de saúde, ao menos um dos medicamentos receitados no último atendimento de saúde (13,2%; IC95% 9,0;18,9). No entanto, os participantes com maior escolaridade apresentaram maiores proporções de consultas odontológicas nos últimos 12 meses (71,9%; IC95% 70,6;73,2) e de obtenção de todos os medicamentos receitados no último atendimento de saúde (90,0%; IC95% 87,0;92,4), quando comparados aos participantes sem instrução ou de menor escolaridade (Tabela 4).
Variável | n | Nível de instrução | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sem instrução | Ensino fundamental incompleto | Ensino fundamental completo/Ensino médio incompleto | Ensino médio completo/Ensino superior incompleto | Ensino superior completo | |||||||
% | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | % | IC95%a | ||
Deixou de realizar atividades habituais por motivo de saúdeb | 279.382 | 14,0 | 12,7;15,4 | 11,3 | 10,6;12,0 | 7,6 | 4,0;8,5 | 7,3 | 6,8;7,9 | 7,5 | 6,7;8,3 |
Procurou o mesmo profissional médico ou serviço para atendimento | 279.382 | 78,5 | 76,8;80,2 | 79,2 | 78,3;80,0 | 76,0 | 74,6;77,3 | 74,4 | 73,3;75,4 | 75,9 | 74,6;77,2 |
Realizou consulta com médico nos últimos 12 meses | 206.384 | 75,9 | 75,4;76,4 | 79,4 | 78,5;80,3 | 69,6 | 69,1;70,3 | 66,5 | 65,8;67,1 | 88,0 | 87,1.88,9 |
Realizou consulta com dentista nos últimos 12 meses | 279.382 | 20,3 | 18,8;21,9 | 35,0 | 33,9;36,1 | 50,1 | 48,5;51,6 | 56,6 | 55,5;57,6 | 71,9 | 70,6;73,2 |
Procurou atendimento em serviço de saúdeb | 279.382 | 23,3 | 21,6;25,1 | 23,6 | 22,6;24,5 | 19,7 | 18,5;21,0 | 20,6 | 19,7;21,6 | 26,2 | 24,9;27,6 |
Conseguiu atendimento na primeira vez que o procurou | 6.615 | 21,9 | 18,9;25,2 | 29,1 | 26,9;31,4 | 30,7 | 27,0;34,6 | 30,7 | 28,5;33,1 | 30,0 | 27,3;32,8 |
Teve atendimento de saúde realizado e medicamento receitadob | 40.357 | 65,8 | 61,3;70,0 | 61,9 | 59,2;64,5 | 62,2 | 58,4;65,9 | 59,2 | 56,6;61,8 | 51,4 | 48,0;54,8 |
Obteve todos os medicamentos receitados (por algum meio)c | 24.753 | 79,7 | 73,9;84,4 | 84,3 | 82,2;86,2 | 81,5 | 76,5;85,7 | 84,6 | 81,8;87,1 | 90,0 | 87,0;92,4 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitadosc | 24.753 | 13,2 | 9,0;18,9 | 8,2 | 6,8;10,0 | 8,2 | 6,0;11,2 | 7,3 | 5,5;9,7 | 5,1 | 3,5;7,4 |
Obteve pelo menos um dos medicamentos receitados pelo Programa Farmácia Popularc | 22.548 | 16,5 | 12,2;22,0 | 14,2 | 12,1;16,6 | 13,3 | 10,2;17,0 | 8,7 | 6,9;10,9 | 7,6 | 5,4;10,6 |
Obteve pelo menos um medicamento no serviço públicoc | 20.501 | 30,4 | 24,6;37,0 | 24,4 | 21,4;27,5 | 25,8 | 20,8;31,5 | 13,8 | 11,4;16,7 | 9,5 | 7,0;12,8 |
Permaneceu internado em hospital por período de 24 horasd | 279.382 | 10,9 | 9,7;12,3 | 8,1 | 7,6;8,8 | 6,5 | 5,8;7,3 | 7,0 | 6,5;7,6 | 7,5 | 6,7;8,4 |
A última internação foi realizada em unidade do Sistema Único de Saúde | 17.392 | 90,1 | 86,2;92,9 | 79,4 | 75,7;82,6 | 75,2 | 69,5;80,1 | 55,0 | 50,2;59,5 | 20,7 | 16,2;26,1 |
a)IC95%: Intervalo de confiança de 95%;
b)Nas duas semanas prévias à pesquisa;
c)No último atendimento de saúde;
d)Nos 12 meses anteriores à pesquisa.
DISCUSSÃO
A análise dos principais resultados deste estudo sugere iniquidades no acesso e na utilização dos serviços de saúde no Brasil. Os achados mostraram menor uso de serviços odontológicos entre idosos e, para aqueles que residiam nas regiões Norte e Nordeste e entre os de menor escolaridade, adicionalmente, menor proporção de atendimento na busca de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular ou pelo serviço público, evidenciando as diferenças nesse acesso entre grupos sociodemográficos.
Ao se compararem os resultados apresentados com os dados da PNS de 2013, identificou-se um pequeno aumento no acesso a consultas médicas e odontológicas, nos últimos 12 meses, assim como na busca e no atendimento realizado nas últimas duas semanas que antecederam a pesquisa, resultado também identificado em outras pesquisas nacionais.5,12 Paradoxalmente, chama a atenção a redução proporcional daqueles que conseguiram atendimento na primeira vez que o procuraram, que passou de 95,3%, em 2013, para 67,9% em 2019.5 Este resultado representa um retrocesso nos avanços alcançados nos últimos 30 anos, pelo Sistema Único de Saúde, especialmente na atenção básica, sendo um possível reflexo das iniciativas governamentais adotadas desde 2017, que causaram drástica redução do financiamento, diminuição dos serviços de saúde e de recursos humanos, levando à fragilização dos serviços e do cuidado à saúde dos usuários do SUS.6,12
Nesse sentido, o acesso a medicamentos pelo Programa Farmácia Popular e por serviços públicos reduziu-se em cerca de 15 p.p., entre 2013 e 2019. Há 15 anos, o Programa Farmácia Popular vem ampliando e facilitando o acesso da população a medicamentos, especialmente entre idosos e portadores de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), pelo que recebeu o reconhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), haja vista os resultados alcançados.13,14 Outrossim, a redução no acesso a medicamentos expõe principalmente os idosos e doentes crônicos, maiores usuários desses programas, situação que deve se agravar à medida que avance a transição demográfica e epidemiológica.15,16
Quanto ao sexo, o menor acesso e utilização de serviços de saúde pelos homens é amplamente discutido na literatura nacional e internacional.17-19 Os homens, além de apresentarem maior prevalência de comportamentos de risco para a saúde, como tabagismo, consumo de álcool e sedentarismo, também são mais resistentes a buscar cuidados em saúde, o que aumenta a chances de problemas no longo prazo.17 Consoante isso, Bibiano et al. mostraram, em seu estudo, que o atendimento dos homens idosos tem perfil curativo e de reabilitação, não de prevenção e promoção da saúde.
A maior frequência de busca por atendimento médico e o menor acesso imediato a cuidados odontológicos foram majoritariamente identificados entre os idosos. O processo fisiológico de envelhecimento, somado à maior ocorrência de doenças crônicas nessa população, ademais do fomento de políticas públicas voltadas para o aumento e facilitação do acesso aos serviços, faz com que os idosos busquem mais cuidados em saúde, demanda que vem aumentando nos últimos anos, com perspectiva crescente, ainda que a dificuldade de acesso em algumas áreas reforce uma importante lacuna na oferta de serviços de saúde.4,20
A propósito, sobre a macrorregião de residência, os resultados deste trabalho retratam as desigualdades regionais no acesso e na utilização dos serviços de saúde no Brasil, já reconhecidas pelo Ministério da Saúde em iniciativas como a instituição da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e a realização de outras pesquisas populacionais, caso do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel).21,22 O menor acesso a consulta médica e odontológica nas regiões Norte e Nordeste está associado à menor disponibilidade desses profissionais na rede pública, pois, ainda que, nos últimos anos, as políticas de ampliação dos serviços de saúde no Brasil tenham focado as regiões mais vulneráveis e reduzido as desigualdades, a garantia de recursos humanos para a assistência à população é uma dificuldade.6,21,23
A estratificação por nível de instrução escolar reforça as desigualdades no acesso aos serviços de saúde. Apesar de estudos de tendência mostrarem aumento no acesso a consulta odontológica no Brasil,12 barreiras como baixa renda, baixa escolaridade e escassa oferta de serviços públicos de atenção à saúde bucal ainda são impeditivos, no sentido de suprir as demandas existentes, principalmente de idosos.24,25 Os resultados do trabalho em tela corroboram a literatura, ao mostrarem que a disponibilidade de atendimento à saúde bucal ainda é limitada, para os mais vulneráveis. Cabe lembrar que 70% da população brasileira tem o SUS como única fonte de acesso a serviços de saúde, além de o quantitativo de serviços odontológicos de acesso gratuito distribuídos no território nacional ser insuficiente para atender a população geral, causando demanda reprimida e dificuldade de acesso.26
A condição socioeconômica também aparece como fator relacionado ao acesso e utilização de diferentes serviços de saúde: maior renda ou melhor nível socioeconômico mantêm relação direta com maior probabilidade de utilização de serviços de saúde, como é o caso do acesso e utilização de medicamentos.27–29 Assim, pode-se inferir que aqueles de menor renda ou nível socioeconômico mais baixo apresentam maiores dificuldades e dependência do SUS para o acesso a medicamentos.30 O estudo também evidenciou que pessoas com menor nível de escolaridade obtiveram, no Programa Farmácia Popular, pelo menos um dos medicamentos receitados no último atendimento de saúde, e conseguiram pelo serviço público de saúde ao menos um dos medicamentos receitados no último atendimento recebido. Tais resultados reforçam o princípio de equidade promovido pelo SUS no acesso aos medicamentos, superando as disparidades entre grupos sociais nesse serviço de saúde.
O estudo apresenta como limitação o método de obtenção das informações da PNS, aqui extrapoladas para a população, embora tenham sido fornecidas por um único indivíduo, na qualidade de representante dos demais membros do domicílio, além de adotar o grau de instrução escolar na estratificação da população por renda e não considerar a renda per capita. No entanto, o trabalho foi capaz de analisar importantes características de saúde da população brasileira, ao observar que, apesar da melhora observada em alguns indicadores, como o maior número de consultas médicas e odontológicas, o SUS – enquanto principal e, muitas vezes, a única forma de acesso a serviços de saúde para a população de baixa renda – ainda se mostra insuficiente, uma vez que persiste grande desigualdade regional: o Norte e o Nordeste mantêm-se como as regiões de menor acesso aos serviços, e os indivíduos de baixo nível socioeconômico são os que enfrentam mais dificuldades para terem suas demandas atendidas.
Os resultados apresentados demonstram a relevância do monitoramento das características sociodemográficas e de vulnerabilidades da população. O conhecimento dessas condições permite compreender sua influência e assim contribuir para o desempenho mais efetivo do SUS, de forma a orientar políticas de saúde equânimes, baseadas na identificação dos riscos e demandas populacionais de acesso e utilização dos serviços de saúde no Brasil.