A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) nasceu com o propósito de ampliar o escopo temático dos Suplementos de Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). A pesquisa foi delineada com o objetivo de coletar informações sobre as condições de saúde da população, a vigilância de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e seus fatores de risco associados, bem como verificar o desempenho do sistema nacional de saúde no que se refere ao acesso e uso dos serviços disponíveis e à continuidade dos cuidados. A PNS foi a campo pela primeira vez em 2013, fruto de convênio do Ministério da Saúde com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nessa segunda edição, realizada em 2019, a PNS demonstra um amadurecimento quanto aos aspectos metodológicos, com ampla revisão do questionário. A PNS 2019 incluiu novas questões relacionadas a condições de trabalho e de paternidade no pré-natal, por exemplo. Entre os grandes diferenciais da PNS 2019, pela primeira vez, uma pesquisa domiciliar incluiu, em escala nacional, um módulo de perguntas com o intuito de contribuir para a avaliação da qualidade dos serviços da Atenção Primária à Saúde (APS). A pesquisa também abordou a realização de exames preventivos, o envolvimento com algum tipo de violência e, além disso, coletou dados antropométricos de um dos moradores de cada domicílio visitado.
Monitorar as condições de saúde da população, por meio de inquéritos como a PNS, é essencial para a produção de informações relevantes para a tomada de decisão assertiva no campo da saúde pública, contribuindo na construção e avaliação de políticas de saúde. Assim, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS), juntamente com parceiros como o IBGE, reforça o seu compromisso na realização de inquéritos que permitam monitorar o perfil de saúde dos brasileiros, produzindo indicadores necessários para acompanhar o cumprimento de metas propostas nacionalmente, bem como de compromissos assumidos pelo país em agendas internacionais estratégicas.
Entre os resultados da PNS 2019, chama atenção a elevada prevalência de DCNTs observada entre os brasileiros. Em 2019, 23,9% dos adultos entrevistados referiram ter hipertensão arterial; 7,7%, diabetes mellitus; e 14,6%, colesterol alto. O Brasil atingiu somente duas das nove metas propostas de enfrentamento às DCNTs,1 o que aponta para a necessidade de ampliação e promoção de ações estratégicas voltadas ao enfrentamento dessas doenças e seus fatores de risco, haja vista o envelhecimento populacional brasileiro em curso.
A avaliação da qualidade dos serviços de APS no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), na percepção dos usuários do sistema, foi uma inovação da segunda edição da PNS. Para tanto, utilizou-se um instrumento validado internacionalmente, o Primary Care Assessment Tool (PCATool Brasil). A maioria dos brasileiros com hipertensão arterial (66,1%) referiu ser atendido por um serviço público de saúde, sendo 45,8% em unidades básicas de saúde (UBS).2 Ainda, com relação às medidas de promoção da saúde, a maior parte dos indivíduos com hipertensão arterial relataram ter recebido orientações de profissionais de saúde para o manejo da doença.2
Um outro importante desafio para o SUS, evidenciado neste Número Especial da revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, foram as desigualdades em saúde. As análises das prevalências de hipertensão arterial e diabetes mellitus, em indivíduos na idade de 60 anos ou mais, mostraram que aqueles com menor escolaridade foram os mais acometidos por ambas as morbidades.3 Estudo sobre a Farmácia Popular mostrou que o Programa ainda apresenta importantes desigualdades socioeconômicas e regionais quanto à obtenção de medicamentos para hipertensão e diabetes.4
Outro resultado alarmante da PNS 2019 foi o aumento da depressão autorreferida no país, que passou de 7,6%, em 2013, para 10,2% em 2019.5 A pesquisa inovou ao investigar a qualidade do sono, cuja insuficiência, por sua vez, pode contribuir para o aumento de morbidades cardiovasculares, metabólicas, respiratórias e mentais, entre outras. A propósito do tema, os problemas no sono autorreferidos pelos adultos brasileiros mostraram-se associados a todas as morbidades e multimorbidades avaliadas.6
Além dos resultados destacados, foram incluídos, neste Número Especial, dados sobre condições de saúde bucal, doença renal crônica, condições de trabalho e pré-natal, comportamentos de risco e de proteção para DCNTs, cessação do hábito de fumar, desigualdades associadas à atividade física e envolvimento em violência.
Por fim, ressalta-se que os inquéritos em saúde, fomentados pela SVS/MS, vêm sendo aprimorados de modo a abarcar os principais problemas de saúde pública brasileiros, permitindo a produção de informações que podem subsidiar ações estratégicas para enfrentamento desses problemas. Os inquéritos nacionais, como a PNS 2019, a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel)7 e a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), permitem o monitoramento e a avaliação do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil, 2021-2030 (Plano de DANTs). Trata-se de um documento estratégico, que se apresenta como diretriz para a prevenção dos fatores de risco das DANTs e para a promoção da saúde da população, com vistas a dirimir desigualdades em saúde, em sintonia com a Agenda 2020-2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Enfatiza-se, ainda, que o Ministério da Saúde tem se pautado na Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS), uma iniciativa pública de Estado, essencial para o aprimoramento do SUS, de caráter universal e transversal, orientadora do modelo de atenção à saúde nos territórios.8