Contribuições do estudo
Principais resultados
No Brasil, 14,6% dos adultos referiram colesterol alto, e associaram-se a isso sexo feminino, envelhecimento, status socioeconômico, pior autoavaliação da saúde, doenças crônicas, sobrepeso/obesidade, raça/cor da pele preta/parda, hábitos comportamentais e estilos de vida.
Implicações para os serviços
Os resultados deste estudo podem fornecer subsídios para políticas públicas de promoção da saúde, para a elaboração de protocolos clínicos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como para o apoio a ações de prevenção e redução de dislipidemias e doenças cardiovasculares.
Introdução
As dislipidemias são caracterizadas por concentrações anormais de lipídeos circulantes na corrente sanguínea, como colesterol total, triglicerídeos, lipoproteínas de baixa densidade (low density lipoprotein - LDL) ou lipoproteínas de alta densidade (high density lipoprotein - HDL).1
Elevações dos níveis de colesterol total, triglicerídeos e, principalmente, de LDL aumentam o risco de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares.2 De acordo com o último relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), lançado em 2009, sobre dados de níveis altos de colesterol sérico, estes causaram globalmente 2,6 milhões de mortes (4,5% do total) e 29,7 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidades (disability adjusted life years - DALYs).3 Nos países de média renda, relacionaram-se a 1,3 milhão de mortes (5,2% do total) e 14 milhões de DALYs (2,5% do total).3 Níveis de LDL elevados ocasionaram mundialmente, em 2019, 4.396.983 de mortes (7,8% do total) e 98.618.020 de DALYs (3,9% do total),4 e no Brasil provocaram 99.375 mortes (7,0% do total) e 2.363.140 de DALYs (3,6% do total).4
Globalmente as populações adultas estão expostas ao adoecimento e a agravos à saúde, em decorrência de níveis altos de colesterol total e frações,5 como consequências de estilos de vida não saudáveis, doenças crônicas ou fatores genéticos.1
Quanto aos fatores associados às dislipidemias, a literatura documenta as características sociodemográficas, 5-8 estilos de vida inadequados,6-8 índice de massa corporal alterado,5,7,8,9 doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs)5,7-9 e autoavaliação do estado de saúde ruim.7
Tendo em vista os impactos negativos das dislipidemias na saúde cardiovascular, este estudo avança ao identificar, pela primeira vez, prevalências populacionais de diagnóstico autorreferido de colesterol alto e seus fatores associados, pelos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), edição de 2019. O último inquérito da PNS, que coletou dados autorreferidos, foi realizado em 2013,7,10 sendo a prevalência de colesterol alto verificada em 12,5% dos adultos brasileiros.10 Além disso, diante das prevalências mais elevadas de dislipidemias por alterações de perfil lipídico, segundo os dados laboratoriais da PNS, entre 2014 e 2015 (32,7% de colesterol total alto,11 18,6% de LDL aumentado5,11 e 31,8% de HDL baixo5,11, torna-se importante conhecer o cenário atual desta condição no país. Os resultados podem contribuir para apoiar políticas públicas, ações de controle e, com isso, a prevenção de dislipidemias.
Desta forma, o objetivo deste estudo consistiu em estimar a prevalência de diagnóstico autorreferido de colesterol alto, e analisar os fatores associados à prevalência na população adulta brasileira.
Métodos
Desenho do estudo
Trata-se de estudo transversal que utilizou como fonte de informação a PNS 2019 realizada entre agosto de 2019 e março de 2020.
Contexto
A PNS é um inquérito populacional de saúde de base domiciliar realizado em âmbito nacional, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde. A amostragem da PNS foi probabilística, com estratificação em três estágios: setores censitários, domicílios e moradores,12 sendo estes dois últimos selecionados por amostragem aleatória simples.12,13 Na edição da PNS 2019, no terceiro estágio de seleção, o morador foi selecionado aleatoriamente entre aqueles com 15 anos ou mais, a partir da aquisição de uma lista de moradores no momento da entrevista.12,13
Por outra parte, foram excluídos da PNS: quartéis, bases militares, presídios, agrupamentos indígenas, alojamentos, acampamentos, agrovilas de assentamento, comunidades quilombolas, embarcações, conventos, hospitais e abrigos destinados a idosos, crianças ou adolescentes. Mais detalhes metodológicos estão disponíveis em outras publicações.12,13
Em decorrência do desenho amostral complexo da PNS, definiram-se pesos amostrais para domicílios e moradores selecionados. O peso final aplicado constitui-se do produto do inverso das probabilidades de seleção de cada estágio, com a finalidade de corrigir as perdas e realizar os ajustes dos totais populacionais.12,13
Participantes
Para o presente estudo foram utilizados os dados dos moradores selecionados12 com idade ≥ 18 anos.
Fonte de dados
Os dados utilizados, base de dados e questionários da PNS 2019 são de livre acesso e foram obtidos no repositório da PNS, disponível em https://www.pns.icict.fiocruz.br/.
O questionário da PNS é dividido em módulos, constando informações sobre o domicílio, todos os moradores e o morador selecionado.12,13 Neste estudo, utilizaram-se perguntas dos seguintes módulos: Identificação; Características dos moradores (C); Características de educação dos moradores (D); Cobertura de plano de saúde (I); Percepção do estado de saúde (N); Estilos de vida (P); e Doenças crônicas (Q).12,13
Variáveis
A variável desfecho foi o diagnóstico autorreferido de colesterol alto, avaliado por meio da pergunta: Algum médico já lhe disse que você tem colesterol alto? Considerou-se como diagnóstico de colesterol alto, a resposta "sim".
As variáveis explicativas incluíram:
Características sociodemográficas: sexo (masculino; feminino); faixa etária em anos (18 a 24; 25 a 39; 40 a 59; ≥ 60); escolaridade (sem instrução e fundamental incompleto; fundamental completo e médio incompleto; médio completo e superior incompleto; superior completo); raça/cor da pele [branca; parda; preta e outras (amarela e indígena)]; regiões (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste); posse de plano de saúde (sim; não) - originadas de perguntas dos módulos identificação, C, D, e I do questionário.
Condições de saúde: autoavaliação do estado de saúde (bom/muito bom; regular e ruim/muito ruim); diagnóstico autorreferido de hipertensão arterial (sim; não); diagnóstico autorreferido de diabetes (sim; não); diagnóstico autorreferido de insuficiência renal (sim; não); estado nutricional (baixo peso/eutróficos, classificado pelo índice de massa corporal [IMC] < 25 kg/m2); sobrepeso (IMC entre 25 e 29 kg/m2); obesidade (IMC ≥ 30kg/m2).14 Calculou-se o IMC pelo relato de medidas de peso e altura na PNS.
Estilo de vida: tabagismo (não fumante; ex-fumante; fumante); consumo abusivo de bebida alcoólica (sim - consumo de cinco ou mais doses em uma única ocasião; não);13 consumo recomendado de frutas e hortaliças (sim - consumo desses alimentos em pelo menos 25 vezes por semana, tendo um consumo mínimo de cinco frutas, inclusive suco ou cinco hortaliças; não);15 consumo de alimentos ultraprocessados (sim - relato de consumo no dia anterior a pesquisa de cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados; não);13 atividade física suficiente no lazer (sim - foram considerados como ativos os indivíduos com a prática de 150 minutos semanais de intensidade leve ou moderada, ou 75 minutos semanais de intensidade vigorosa, independentemente do número de dias de prática por semana; não).16
Para os indivíduos que relataram o diagnóstico de colesterol alto, foram investigadas ainda a idade no primeiro diagnóstico de colesterol alto (média de idade para o primeiro diagnóstico) e recomendações recebidas de profissionais de saúde devido ao colesterol alto: manter a alimentação saudável (sim; não); manter peso adequado (sim; não); prática de atividade física regular (sim; não); uso de medicamentos (sim; não); não fumar (sim; não); acompanhamento regular com profissional de saúde (sim; não).
Mais detalhes sobre a construção das variáveis deste estudo e os métodos de cálculo desses indicadores estão apresentados no Material Suplementar 1.
Análises estatísticas
Nas análises descritivas, estimaram-se as prevalências, apresentadas em proporções (%) e intervalos de confiança de 95% (IC95%). Também se analisou a completude das variáveis de forma descritiva para identificação dos dados incompletos (a completude foi acima de 99% para todas as variáveis).
Para verificar as associações entre as variáveis desfecho e explicativas, utilizou-se como medida de associação a razão de prevalência (RP), obtida por modelos de regressão de Poisson com variância robusta. Considerou-se o modelo teórico do estudo de Sá et al.5 Realizaram-se análises bivariadas para se obterem as RPs brutas (RPb) e os IC95%. Procedeu-se a análise multivariável, sendo incluídas no modelo as variáveis com p-valor < 0,20 nas análises brutas, para o cálculo das RPs ajustadas (RPa) e IC95%. Utilizou-se o método forward para seleção das variáveis. No modelo final, consideraram-se como fatores associados as variáveis com p-valor < 0,05. Foram testadas variáveis de confusão considerando-se aspectos da literatura.5-9
As análises foram realizadas com o uso do software Data Analysis and Statistical (Stata), versão 14, utilizando-se o módulo survey para amostras complexas que incorpora os pesos de pós-estratificação.
Aspectos éticos
A PNS 2019 considerou todos os princípios éticos de estudos com seres humanos e recebeu aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, parecer nº 3.529.376. Todos os entrevistados foram esclarecidos sobre a pesquisa e concordaram em participar, sendo garantida a confidencialidade das informações obtidas.
Resultados
A amostra prevista da PNS 2019 foi de 108.525 domicílios e a amostra final constituiu-se de 94.114 domicílios. As análises deste estudo abrangeram 88.531 indivíduos com 18 anos e mais.
A prevalência de diagnóstico médico autorreferido de colesterol alto foi de 14,6% (IC95% 14,1;15,0). A idade média do primeiro diagnóstico médico de colesterol alto foi 45,9 anos (IC95% 45,4;46,4; desvio-padrão = 16,5). Indivíduos com colesterol alto reportaram receber recomendações de profissionais de saúde para: a manutenção de alimentação saudável (94,1%); peso adequado (88,3%); prática de atividade física regular (87,9%); não fumar (60,7%); usar medicamentos para o colesterol (74,2%); fazer acompanhamento regular com um profissional de saúde (74,0%) (Tabela 1).
Variáveis | n | % (IC95%a) |
---|---|---|
Diagnóstico de colesterol alto | 88.531 | |
Sim | 14,6 (14,1;15,0) | |
Não | 85,4 (84,9;85,9) | |
Idade no primeiro diagnóstico de colesterol alto (média; IC95%a) | 13.396 | 45,9 (45,4;46,4) |
Recomendações recebidas de profissionais de saúde devido ao colesterol alto | ||
Manter uma alimentação saudável | 13.396 | |
Sim | 94,1 (93,3;94,8) | |
Não | 5,9 (5,2;6,7) | |
Manter peso adequado | 13.396 | |
Sim | 88,3 (87,1;89,3) | |
Não | 11,7 (10,7;12,7) | |
Prática de atividade física regular | 13.396 | |
Sim | 87,9 (86,9;88,9) | |
Não | 12,1 (11,1;13,1) | |
Uso de medicamentos | 13.396 | |
Sim | 74,2 (72,6;75,6) | |
Não | 25,8 (24,4;27,3) | |
Não fumar | 13.396 | |
Sim | 60,7 (59,0;62,3) | |
Não | 39,3 (37,7;40,9) | |
Acompanhamento regular com um profissional de saúde | 13.396 | |
Sim | 74,0 (72,5;75,5) | |
Não | 26,0 (24,6;27,5) |
a) IC95%: Intervalo de confiança de 95%.
A prevalência de colesterol alto foi maior no sexo feminino (17,6%; IC95% 17,0;18,3), entre os idosos (27,2%; IC95% 26,2;28,3), habitantes da região Sudeste (15,8; IC95% 14,9;16,7), pessoas com plano de saúde (18,3%; IC95% 17,4;19,2), que autoavaliaram a saúde como ruim ou muito ruim (31,3%; IC95% 29,1;33,6), com hipertensão (30,9%; IC95% 29,9;32,0), diabetes (39,2%; IC95% 37,2;41,2), insuficiência renal (33,7%; IC95% 29,3;38,4) e obesidade (19,7%; IC95% 18,7; 20,7), ex-fumantes (19,5%; IC95% 18,6;20,4); e para quem consumia frutas e hortaliças conforme recomendação (18,2%; IC95% 17,0;19,5). Por outro lado, a menor prevalência de colesterol alto esteve presente para indivíduos de escolaridade intermediária (ensino fundamental completo e médio incompleto, 11,0%; IC95% 10,1;12,0), de raça/cor da pele preta (13,0%; IC95% 11,9;14,2), que consumiam bebidas alcóolicas abusivamente (10,6%; IC95% 9,7;11,6), cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados (9,8%; IC95% 8,9;10,7) e que eram fisicamente ativos no lazer (14,0%; IC95% 13,2;14,8) (Tabela 2).
Variáveis | n % (IC95%) | Colesterol alto | RPba (IC95%b) |
---|---|---|---|
Total | 88.531 | 14,6 (14,1;15,0) | |
Características sociodemográficas | |||
Sexo | 88.531 | ||
Masculinoc | 11,1 (10,6;11,7) | 1,00 | |
Feminino | 17,6 (17,0;18,3) | 1,58 (1,49;1,68) | |
Faixa etária (anos) | 88.531 | ||
18 a 24c | 3,5 (2,8;4,2) | 1,00 | |
25 a 39 | 6,7 (6,1;7,4) | 1,93 (1,5;2,41) | |
40 a 59 | 17,7 (16,9;18,5) | 5,11 (4,17;6,26) | |
≥ 60 | 27,2 (26,2;28,3) | 7,85 (6,40;9,62) | |
Escolaridade | 88.531 | ||
Sem instrução e fundamental incompletoc | 19,1 (18,4;19,9) | 1,00 | |
Fundamental completo e médio incompleto | 11,0 (10,1;12,0) | 0,58 (0,5;0,63) | |
Médio completo e superior incompleto | 11,3 (10,6;12,0) | 0,59 (0,5;0,64) | |
Superior completo | 15,1 (14,1;16,2) | 0,79 (0,73;0,85) | |
Raça/cor da pele | 88.522 | ||
Brancac | 16,2 (15,5;16,9) | 1,00 | |
Parda | 13,4 (12,8;13,9) | 0,82 (0,77;0,87) | |
Preta | 13,0 (11,9;14,2) | 0,80 (0,73;0,89) | |
Outros (amarela/indígena) | 16,0 (12,2;20,7) | 0,98 (0,75;1,29) | |
Região | 88.531 | ||
Nortec | 11,8 (11,0;12,6) | 1,00 | |
Nordeste | 14,2 (13,6;14,8) | 1,20 (1,11;1,30) | |
Sudeste | 15,8 (14,9;16,7) | 1,34 (1,22;1,46) | |
Sul | 14,1 (13,3;15,0) | 1,20 (1,10;1,31) | |
Centro-Oeste | 13,0 (12,0;14,1) | 1,11 (0,99;1,23) | |
Plano de saúde | 88.531 | ||
Nãoc | 13,2 (12,8;13,7) | 1,00 | |
Sim | 18,3 (17,4;19,2) | 1,38 (1,31;1,46) | |
Condições de saúde | |||
Avaliação do estado de saúde | 88.531 | ||
Bom/muito bomc | 10,5 (10,0;11,0) | 1,00 | |
Regular | 20,6 (19,8;21,5) | 1,96 (1,85;2,10) | |
Ruim/muito ruim | 31,3 (29,1;33,6) | 2,97 (2,72;3,24) | |
Hipertensão | 88.531 | ||
Nãoc | 9,4 (9,0;9,9) | 1,00 | |
Sim | 30,9 (29,9;32,0) | 3,29 (3,12;3,47) | |
Diabetes | 88.531 | ||
Nãoc | 12,5 (12,1;12,9) | 1,00 | |
Sim | 39,2 (37,2;41,2) | 3,13 (2,94;3,33) | |
Insuficiência renal | 88.531 | ||
Nãoc | 14,3 (13,9;14,7) | 1,00 | |
Sim | 33,7 (29,3;38,4) | 2,36 (2,10;2,70) | |
Estado nutricional | 87.678 | ||
Baixo peso/eutróficoc | 10,7 (10,2;11,3) | 1,00 | |
Sobrepeso | 16,3 (15,6;17,1) | 1,53 (1,43;1,62) | |
Obesidade | 19,7 (18,7;20,7) | 1,84 (1,71;1,98) | |
Estilo de vida | |||
Tabagismo | 88.531 | ||
Não fumantec | 13,1 (12,6;13,7) | 1,00 | |
Ex-fumante | 19,5 (18,6;20,4) | 1,48 (1,40;1,57) | |
Fumante | 11,2 (10,3;12,3) | 0,86 (0,78;0,94) | |
Consumo abusivo de bebidas alcoólicas | 88.531 | ||
Nãoc | 15,4 (14,9;15,9) | 1,00 | |
Sim | 10,6 (9,7;11,6) | 0,69 (0,63;0,80) | |
Consumo recomendado de frutas e hortaliças | 88.531 | ||
Nãoc | 14,0 (13,6;14,5) | 1,00 | |
Sim | 18,2 (17,0;19,5) | 1,30 (1,21;1,39) | |
Consumo de alimentos ultraprocessados > 5 | 88.531 | ||
Nãoc | 15,38 (14,9;15,87) | 1,00 | |
Sim | 9,8 (8,9;10,7) | 0,63 (0,57;0,70) | |
Atividade física suficiente no lazer | 88.531 | ||
Nãoc | 14,8 (14,4;15,3) | 1,00 | |
Sim | 14,0 (13,2;14,8) | 0,94 (0,90;1,01) |
a) RPb: Razão de prevalência bruta; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; c) Categoria de referência.
No modelo final multivariável, verificou-se que sexo feminino (RPa = 1,44; IC95% 1,40;1,52), aumento da idade (25 a 39 anos: RPa = 1,67; IC95% 1,33;2,08; 40 a 59 anos: RPa = 3,33; IC95% 2,70;4,11; ≥ 60: RPa = 3,80; IC95% 3,06;4,71), ter plano de saúde (RPa = 1,33; IC95% 1,24;1,42), autoavaliar a saúde como regular (RPa = 1,40; IC95% 1,32;1,50) e ruim ou muito ruim (RP = 1,75; IC95% 1,60;1,90), ter hipertensão (RP = 1,78; IC95% 1,68;1,89), diabetes (RPa = 1,54; IC95% 1,45;1,65), insuficiência renal (RPa = 1,33; IC95% 1,15;1,53), sobrepeso (RPa = 1,26; IC95% 1,20;1,33) e obesidade (RPa = 1,27; IC95% 1,18;1,36), ser ex-fumante (RPa = 1,13; IC95% 1,07;1,20), consumir abusivamente bebidas alcóolicas (RPa = 1,11; IC95% 1,01;1,21) e ser ativo no lazer (RPa = 1,22; IC95% 1,15;1,30) foram associados à maior prevalência de colesterol alto. Possuir escolaridade intermediária (ensino fundamental completo e médio incompleto, RPa = 0,89; IC95% 0,81;0,98), ser da raça/cor da pele parda (RPa = 0,91; IC95% 0,86;0,97) e preta (RPa = 0,84; IC95% 0,77; 0,93) e fumante (RPa = 0,88; IC95% 0,80;0,97) foram associados à menor prevalência de colesterol alto (Tabela 3).
Variáveis | RPaa(IC95%b) |
---|---|
Características sociodemográficas | |
Sexo | |
Masculinoc | 1,00 |
Feminino | 1,44 (1,40;1,52) |
Faixa etária (anos) | |
18 a 24c | 1,00 |
25 a 39 | 1,67 (1,33;2,08) |
40 a 59 | 3,33 (2,70;4,11) |
≥ 60 | 3,80 (3,06;4,71) |
Escolaridade | |
Sem instrução e fundamental incompletoc | 1,00 |
Fundamental completo e médio incompleto | 0,89 (0,81;0,98) |
Médio completo e superior incompleto | 1,02 (0,95;1,10) |
Superior completo | 1,04 (0,95;1,14) |
Raça/cor da pele | |
Brancac | 1,00 |
Parda | 0,91 (0,86;0,97) |
Preta | 0,84 (0,77;0,93) |
Outros (amarela/indígena) | 0,97 (0,75;1,25) |
Plano de saúde | |
Nãoc | 1,00 |
Sim | 1,33 (1,24;1,42) |
Condições de saúde | |
Avaliação do estado de saúde | |
Bom/muito bomc | 1,00 |
Regular | 1,40 (1,32;1,50) |
Ruim/muito ruim | 1,75 (1,60;1,90) |
Hipertensão | |
Nãoc | 1,00 |
Sim | 1,78 (1,68;1,89) |
Diabetes | |
Nãoc | 1,00 |
Sim | 1,54 (1,45;1,65) |
Insuficiência renal | |
Nãoc | 1,00 |
Sim | 1,33 (1,15;1,53) |
Estado nutricional | |
Baixo peso/eutróficoc | 1,00 |
Sobrepeso | 1,26 (1,20;1,33) |
Obesidade | 1,27 (1,18;1,36) |
Estilo de vida | |
Tabagismo | |
Não fumantec | 1,00 |
Ex-fumante | 1,13 (1,07;1,20) |
Fumante | 0,88 (0,80; 0,97) |
Consumo abusivo de bebidas alcoólicas | |
Nãoc | 1,00 |
Sim | 1,11 (1,01;1,21) |
Ativo no lazer | |
Nãoc | 1,00 |
Sim | 1,22 (1,15;1,30) |
a) RPa: Razão de prevalência ajustada; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; c) Categoria de referência.
Discussão
Um a cada sete adultos brasileiros referiu ter diagnóstico de colesterol elevado, segundo PNS 2019. Associaram-se positivamente a esse diagnóstico o sexo feminino, a idade, ter plano de saúde, autoavaliação de saúde regular, ruim ou muito ruim, ter hipertensão, diabetes, insuficiência renal, sobrepeso e obesidade, ser ex-fumante, consumir álcool abusivamente e ser ativo no lazer. Associaram-se inversamente ter ensinos fundamental e médio completos, raça/cor de pele preta e parda e ser fumante.
Entre as limitações deste estudo, observam-se aquelas inerentes aos estudos transversais: a impossibilidade de atestar causalidade; as associações apresentadas foram analisadas em momento único, podendo sofrer influências de mudanças de estilo de vida e tratamento; alguns resultados podem estar sujeitos ao viés de sobrevivência, como a diferença no sentido da associação em relação ao sexo; e possível causalidade reversa entre variáveis de DCNTs, estilo de vida e dislipidemias. Outro limitador é o fato de o inquérito ter coletado informações autorreferidas, estando os dados sujeitos ao viés de informação e classificação do diagnóstico, podendo gerar subnotificação ou subestimação.7 Apesar de as medidas laboratoriais serem mais precisas, estudos populacionais sobre dislipidemias com dados laboratoriais são escassos no país, devido ao custo elevado.7,11 As pesquisas com informações autorreferidas são importantes para o monitoramento,7 uma vez que são uma forma rápida e econômica de obtenção de dados sobre colesterol alto.10 Ademais, o estudo foi realizado em amostra representativa da população, sendo as generalizações das estimativas relativamente seguras.
Nos adultos, a idade média do primeiro diagnóstico foi de aproximadamente 46 anos. Na PNS 2013, identificou-se idade média de 46,7 anos.10 Observaram-se, no presente estudo, prevalências elevadas de recomendações por profissionais de saúde, para adultos com colesterol alto na adoção de comportamentos saudáveis e cuidados de saúde, como o uso de medicamentos e acompanhamento. Resultados semelhantes foram encontrados na PNS 2013.10 A literatura estabelece a importância da adoção de dieta saudável, manutenção do IMC adequado, bem como da regularidade da prática de atividade física para prevenir e controlar as dislipidemias.1 Além disso, esses indivíduos se beneficiam do tratamento com hipolipemiantes, já que reduções de colesterol total, especialmente LDL, diminuem a morbimortalidade por doenças cardiovasculares.1
A prevalência de colesterol alto encontrada na PNS 2019 foi maior que na PNS 2013 (12,5%; IC95% 12,1;13,0).10 Estudos no Brasil,5,10,11 Turquia,9 Estados Unidos17 e China18 identificaram prevalências laboratoriais de dislipidemias mais elevadas5,10,11,17,18 do que as encontradas neste estudo.
O crescimento das dislipidemias entre as edições 201310 e 2019 da PNS pode ser consequência da maior detecção, em decorrência de melhorias e ampliação no acesso e utilização dos serviços de saúde no país,19 mas também pode estar relacionada ao aumento do excesso de peso, obesidade e consumo de alimentos ultraprocessados.20 A diferença entre dados autorreferidos e laboratoriais pode sugerir subestimação do diagnóstico na população estudada.21 Nesse contexto, o monitoramento das dislipidemias no país7 mostra-se fundamental para a prevenção de doenças cardiovasculares, que são a principal causa de mortalidade no Brasil.4
Este estudo está em consonância com outras investigações que identificaram maior prevalência de dislipidemias nas mulheres.5,8,10,18 As dislipidemias são altamente prevalentes entre mulheres,22 com maior ocorrência com o aumento da idade, na gravidez, menopausa e pós-climatério, por alterações hormonais.22 Com o avançar da idade, acentua-se o aumento dos níveis de triglicerídeos, colesterol total e LDL, e redução de HDL.22 Nessas fases da vida, as alterações de perfil lipídico as colocam em maior risco de doenças cardiovasculares.22 No Brasil, dados da PNS 2013 mostraram associação positiva nas mulheres, com ou sem doenças crônicas, quando comparadas aos homens, quanto à maior utilização dos serviços de saúde e número de consultas ao médico nos últimos 12 meses,23 favorecendo o diagnóstico e tratamento nesse grupo.
Assim como em outros estudos, esta investigação identificou associação positiva entre a idade e o diagnóstico de colesterol alto.5,7-9 As dislipidemias são mais prevalentes com o aumento da idade24 devido ao envelhecimento dos principais órgãos da homeostase, tendo como consequência alterações no endotélio hepático, aumento da resistência insulínica e alterações hormonais, tais como a diminuição do estrógeno e progesterona nas mulheres e do androgênio em homens ao longo da vida, levando a repercussões no perfil lipídico.24 Outra possível justificativa para esse achado é o fato de os idosos no Brasil utilizarem mais os serviços de saúde, contribuindo para o diagnóstico.19
Pessoas com escolaridade intermediária apresentaram menores prevalências de colesterol alto. Estudos com a PNS laboratório5 mostrou que níveis de colesterol total e LDL elevados são menos frequentes em adultos mais escolarizados, e as prevalências foram menores em indivíduos com escolaridade média, comparando-se aos com menor nível de instrução.5,11 As prevalências de alterações de perfil lipídico para colesterol total, segundo anos de estudo, foram de 37,1% (0 a 8 anos), 28,6% (9 a 11 anos) e 30,4% (acima de 12 anos);11 para LDL, foram de 21,5% (0 a 8 anos), 16,8% (9 a 11 anos) e 16,7% (acima de 12 anos).5,11 Possíveis explicações para a ocorrência desses dados seriam a maior procura por assistência de saúde em razão de uma maior compreensão da doença e dos riscos inerentes,19 bem como a adoção de mais práticas de prevenção, promoção e cuidados com a saúde.11,19,25
Em relação à raça/cor da pele, os dados deste estudo foram similares a investigações populacionais no Brasil5,26 em que foram encontradas menores prevalências de dislipidemias entre pretos e pardos. Existem poucas informações sobre o perfil lipídico de populações miscigenadas, mas sabe-se que há diferenças entre etnias.26 Em negros, documenta-se a menor prevalência de níveis altos de LDL e triglicerídeos em relação aos brancos; contudo, pessoas pardas apresentam concentrações lipídicas mais próximas às de brancos.26 Negros apresentam padrões lipídicos associados a menor risco de doenças cardiovasculares.26 Visto a falta de informações sobre o assunto em populações miscigenadas, como a brasileira, e as diferenças no perfil lipídico,26 são necessários mais estudos para elucidar essas potenciais diferenças no país.
Algumas variáveis proxy socioeconômicas relacionam-se com fatores de risco cardiovasculares.25 Pessoas usuárias de plano de saúde, geralmente, possuem maior poder aquisitivo, o que oportuniza o acesso a serviços e diagnóstico.23 Ter acesso a um plano de saúde pode ter contribuído com maior número de diagnósticos, haja vista que pessoas com DCNTs e plano de saúde apresentam maior prevalência de uso de serviços de saúde no país.23 Além disso, as dislipidemias são altamente prevalentes em países em desenvolvimento, e indivíduos com categorias socioeconômicas mais elevadas apresentam maior risco de desenvolver estas doenças.27 Isso se deve ao crescimento da obesidade e sobrepeso nestes países,25 que contribuem para a ocorrência de dislipidemias.6,27,28
As associações positivas encontradas entre obesidade e sobrepeso com diagnóstico de colesterol alto estão em consonância com outros estudos.5,7-9,18 No sobrepeso e obesidade, a ocorrência de resistência insulínica relaciona-se ao aumento do colesterol.28 Isso em razão das elevações das concentrações de ácidos graxos livres, com maior secreção hepática de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), com consequente metabolização de VLDL em partículas de LDL (pequenas e densas) que se acumulam na vasculatura, além de elevações de triglicerídeos.28
As DCNTs estudadas (hipertensão, diabetes e insuficiência renal) relacionam-se com dislipidemias.1,29,30 Na hipertensão arterial, o processo aterosclerótico afeta a elasticidade das artérias, com aumento da pressão arterial e disfunção endotelial, elevando a permeabilidade vascular às lipoproteínas, favorecendo acúmulo, oxidação e imunogenicidade da LDL.1 Pessoas com insuficiência renal apresentam alterações no perfil lipídico devido a anormalidades do metabolismo das lipoproteínas e, à medida que a função renal deteriora, aumentam as concentrações de triglicerídeos e LDL e diminuem as de HDL.29 As dislipidemias podem ser secundárias ao diabetes,1 principalmente pela resistência à insulina, resultando em retenção de partículas densas de LDL e presença de HDL baixo, que é anormalidade comum nas pessoas com diabetes.30
Este estudo mostrou associação positiva entre pior autoavaliação de saúde e o diagnóstico de colesterol alto. Esse dado é relevante, uma vez que a autoavaliação de saúde é um importante preditor de mortalidade e morbidade.7 Os achados deste estudo estão em consonância e com outros que identificaram a associação entre autoavaliação regular, ruim ou muito ruim e dislipidemias.5,7 Possíveis explicações seriam a percepção da doença quanto às consequências e alterações funcionais.7
As associações positivas entre praticar atividades físicas e ser ex-fumantes e a associação negativa entre ser fumante e o diagnóstico de colesterol alto podem ser consequências de mudanças de estilos de vida e tratamento. Ainda, podem configurar-se como possíveis efeitos de causalidade reversa, sugerindo que os adultos com colesterol alto aderiram a essas mudanças em decorrência do diagnóstico. Evidências apontam que a prática de atividades físicas aumenta o HDL, reduz VLDL e triglicerídeos e aumenta a resistência à oxidação da LDL.1 O tabagismo tem como consequência a disfunção endotelial e propicia a doença aterosclerótica; fumar provoca o aumento dos níveis de colesterol total e LDL e diminuição do HDL, sendo a cessação do fumo benéfica em qualquer fase da vida.1 Já a associação positiva entre uso abusivo de álcool e diagnóstico de colesterol alto, identificado neste estudo, é preocupante, pois a combinação do uso abusivo de etanol e ácidos graxos saturados pode potencializar elevações dos triglicerídeos, sendo recomendada a redução de ingestão de bebida alcoólica.1
A prevalência de dislipidemia autorreferida foi elevada entre adultos brasileiros. Foram fatores associados ao diagnóstico de colesterol alto: ser do sexo feminino, envelhecimento, ter melhor condição socioeconômica, ter pior autoavaliação da saúde, ter hipertensão, diabetes, insuficiência renal, sobrepeso, obesidade, ser ex-fumante e fumante, ser ativo no lazer e ser da raça/cor de pele preta e parda, além de consumir álcool abusivamente. Este estudo pode fornecer subsídios para políticas públicas de promoção da saúde, elaboração de protocolos clínicos no âmbito do Sistema Único de Saúde e apoio a ações de prevenção e redução de dislipidemias e doenças cardiovasculares.