As discussões sobre desenvolvimento sustentável foram incluídas na pauta da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano realizada em Estocolmo, Suécia.1 Desde então, várias iniciativas relacionadas ao tema, na perspectiva da construção de acordos e agendas globais, marcaram o percurso do debate entre as nações. Entre estas, destacam-se a Rio+20 e a Agenda dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), lançadas em 2000 e finalizadas em 2015.2
Ainda em 2015, foi iniciada uma nova agenda global, desta vez denominada Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada por 193 Estados-membros da ONU. Trata-se de um plano de ação global, que abrange as dimensões ambiental, econômica e social do desenvolvimento sustentável, de forma integrada e inter-relacionada.3-6 Nessa Agenda, estão incluídos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), compostos por 17 objetivos (Figura 1) e 169 metas de ação global para alcance até 2030. Guiados pelas metas globais, a expectativa é de que, para além do alcance das metas pactuadas, os países definam as suas metas nacionais e as incorporem em suas políticas, programas e planos de governo.3
Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Manual de identidade visual - ODS (Pnud) [Internet], 2017.
Nesse contexto, o presente manuscrito apresenta algumas reflexões sobre a potencialidade das fontes de dados disponíveis para o monitoramento das metas dos ODS no Brasil, especialmente os indicadores trabalhados no âmbito da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS).
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Ministério da Saúde
O Brasil, como país-membro da ONU, aderiu aos ODS a partir do início da sua vigência. Em 2016, foi instituída a Comissão Nacional para os ODS (CNODS),7 com a finalidade de internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.7,8 A partir da revogação dessa Comissão, em 2019,9 a implementação da Agenda 2030 está sob a coordenação da Secretaria Especial de Articulação Social da Secretaria de Governo da Presidência da República. No MS, o Departamento de Monitoramento e Avaliação do Sistema Único de Saúde (Demas), instância da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, coordena e articula o monitoramento e a avaliação da Agenda 2030, e é o ponto focal de articulação com instituições externas, estando a execução das ações distribuídas entre as secretarias que possuem metas a serem monitoradas, em virtude do seu escopo de atuação.
No contexto dos ODS, é necessário articular, além do componente político, iniciativas de monitoramento e de gestão compartilhada, que fomentem a participação ativa dos entes federados, da sociedade civil e do setor privado no acompanhamento das metas, incluindo suporte técnico, e da implementação das iniciativas locais, regionais e nacionais.
Nesse sentido, no MS foi constituída uma estrutura para organizar o processo de monitoramento dos ODS. Em 2020, na SVS foi criado um grupo de trabalho (GT), denominado GT ODS SVS, composto por representantes de todos os departamentos dessa Secretaria, para trabalhar especificamente os indicadores sob sua responsabilidade direta (ODS 3 - Saúde e Bem-estar), bem como aqueles que têm relação com os temas dessa secretaria (ODS 5, 6, 8, e 16). Esse GT contribuiu para que as atividades de monitoramento dos ODS, já existentes no MS, fossem mais bem organizadas e qualificadas. Desde a sua implementação, o GT desenvolve atividades permanentes, nos seguintes eixos:
atualização dos indicadores (ficha metodológica e série histórica de dados);
qualificação de indicadores que estão na fase de ‘análise/construção’3 com o objetivo de atualizá-los para a situação de ‘produzido’;3
monitoramento dos indicadores; e
formação de redes englobando governos estaduais, do Distrito Federal e municipais, universidades e sociedade civil para a interiorização da Agenda 2030.
Diante da necessidade de se ampliar o monitoramento dos ODS, de forma a serem contemplados metas e indicadores relacionados aos ODS em todo o MS, em 2021 foi instituído, por meio do Comitê Consultivo de Monitoramento e Avaliação do Sistema Único de Saúde, coordenado pelo Demas, o GT para a Agenda 2030 no MS (GT ODS MS), composto por secretarias do MS - Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Secretaria Especial de Saúde Indígena, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, e Secretaria de Vigilância em Saúde -, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Fundação Nacional de Saúde e Instituto Nacional do Câncer.
Monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e fontes de dados DO Ministério da Saúde
A disponibilização de dados de qualidade, acessíveis, atualizados, confiáveis e desagregados, baseados em fontes oficiais nacionais, é condição imprescindível para a produção periódica de indicadores.3
No contexto brasileiro, são apontadas como importantes fontes de dados para o monitoramento dos ODS, em especial o ODS 3, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e os inquéritos epidemiológicos de saúde de abrangência nacional, tais como o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas Não Transmissíveis (Vigitel), a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).
O SIM é o sistema oficial de registro de óbitos no Brasil10 e, desde sua criação em 1975, apresenta progressiva melhora na qualidade dos dados no que se refere a cobertura, regularidade e proporção de causas mal definidas.11,12 Em 2019, alcançou cobertura de 96,2%, variando entre as Unidades Federadas de 89,2% a 100%.13 O Sinasc foi criado em 1990 e, em 2019, sua cobertura era de 97,8%, indo de 91,4% a 100% entre as Unidades Federadas.13 As altas coberturas apresentadas pelo SIM e Sinasc fazem desses sistemas robustas fontes de dados para o cálculo de indicadores. O Sinan, que é alimentado por meio da notificação e investigação de casos de doenças e agravos da lista nacional de doenças de notificação compulsória,14,15 auxilia no planejamento no setor saúde e na definição de prioridades de intervenção, e permite avaliações sobre o impacto dessas intervenções,14 demonstrando, dessa forma, o seu importante papel para a produção de indicadores.
Por serem sistemas oficiais de registros de dados e por sua abrangência, o SIM, o Sinasc e o Sinan compõem a base de cálculo de pelo menos 15 dos indicadores referentes ao ODS 3, composto por 13 metas e 28 indicadores, além do uso para o indicador 16.1.1, componente do ODS 16 (Quadro 1).
Indicadores | Fontes de dados | Classificação dos indicadores na Plataforma ODS Brasila | |
---|---|---|---|
3.7.2 | Taxa de fecundidade na adolescência (entre as faixas etárias de 10 a 14 anos e 15 a 19 anos) | Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc); Projeção e Retroprojeção da População do Brasil por sexo e grupo de idade | Produzido |
3.1.2 | Proporção de nascimentos assistidos por pessoal de saúde qualificado | Sinasc | Produzido |
3.1.1 | Razão de mortalidade materna | Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); Sinasc | Produzidos |
3.2.1 | Taxa de mortalidade em menores de 5 anos | ||
3.2.2 | Taxa de mortalidade neonatal | ||
3.4.2 | Taxa de mortalidade por suicídio | SIM; Projeção e Retroprojeção da População do Brasil por sexo e grupo de idade | Produzidos |
3.6.1 | Taxa de mortalidade por acidentes de trânsito | ||
3.9.2 | Taxa de mortalidade atribuída a fontes de água inseguras, saneamento inseguro e falta de higiene | ||
3.9.3 | Taxa de mortalidade atribuída a intoxicação não intencional | ||
16.1.1 | Número de vítimas de homicídio intencional, por 100 mil habitantes, por sexo e idade | ||
3.4.1 | Taxa de mortalidade por doenças do aparelho circulatório, tumores malignos, diabetes mellitus e doenças crônicas respiratórias | Em análise/construção | |
3.3.5 | Número de pessoas que necessitam de intervenções contra doenças tropicais negligenciadas (DTNs) | Sinan; Sistema de Informação do Programa de Controle da Esquistossomose (SISPCE); Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco; Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena (SIASI); Banco de dados do Inquérito Nacional de Prevalência de Esquisitossomose mansoni e Geo-helminitíases (INPEGl); Portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) - Sinopse Educação Básica 2019; Sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) | Em análise/construção |
3.3.2 | Incidência de tuberculose por 100 mil habitantes | Sinan; Projeção e Retroprojeção da População do Brasil por sexo e grupo de idade | Produzido |
3.3.4 | Taxa de incidência da hepatite B por 100 mil habitantes | Em análise/construção | |
3.3.3 | Taxa de incidência da malária por mil habitantes | Sinan; Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Malária (Sivep-Malária); Projeção e Retroprojeção da População do Brasil por sexo e grupo de idade | Em análise/construção |
3.5.2 | Consumo de álcool em litros de álcool puro per capita (com 15 anos ou mais) por ano | Pesquisa Industrial Anual - Produto (PIA-Produto); Comex STAT, para Importação (re-importação) e exportação de bebidas alcóolicas; estatísticas de turistas da ONU para consumo de álcool entre turistas; estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para consumo de álcool não registrado; Projeção e Retroprojeção da População do Brasil por sexo e grupo de idade | Em análise/construção |
3.a.1 | Prevalência de fumantes na população de 15 ou mais anos | Pesquisa Nacional de Saúde (PNS); Projeção da População do Brasil por sexo e idade | Em análise/construção |
3.b.1 | Taxa de cobertura vacinal da população em relação às vacinas incluídas no Programa Nacional de Vacinação | Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI); Sinasc; Retroprojeção da População do Brasil por sexo e grupo de idade | Em análise/construção |
3.3.1 | Número de novas infecções por HIV por mil habitantes, por sexo, idade e populações específicas | Em fase de definição | Em análise/construção |
3.9.1 | Taxa de mortalidade por poluição ambiental (externa e doméstica) do ar | ||
3.d.1 | Capacidade para o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) e preparação para emergências de saúde |
a) Classificação na Plataforma ODS Brasil em 08/11/21.
Quanto aos inquéritos nacionais, enquanto fontes de dados para indicadores dos ODS, é relevante destacar, que na edição de 2019 da PNS, ocorreu importante mudança em relação à versão anterior, de 2013. Nessa última edição, reduziu-se de 18 para 15 anos a idade mínima do morador selecionado para responder às perguntas do inquérito. Essa alteração ocorreu em função do monitoramento de indicadores pactuados internacionalmente, em especial aqueles relacionados aos ODS. Para demonstrar a importância dessa adequação, o indicador ODS 3.a.1 avalia a prevalência de fumantes na população de 15 ou mais anos.16,17 Assim, com a mudança instituída, a PNS se tornou a fonte de dados para o cálculo desse indicador. Além desse, os indicadores 3.3.5 e o 3.5.2 também são calculados por meio de dados de pesquisas nacionais (Quadro 1).
Faz parte desse processo de monitoramento a ampla divulgação dos resultados produzidos. No Brasil, essa divulgação é feita por meio da Plataforma Digital dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Plataforma ODS),3 produzida e gerenciada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IBGE, representante do Brasil na Inter-agency and Expert Group on SDG Indicators,18 é um colaborador nesse processo, especialmente no eixo de monitoramento e qualificação dos indicadores. Por meio de reuniões integradas, fortalece-se o debate interno no MS e junto ao IBGE no processo de delineamento dos indicadores nacionais, a partir das fichas de metadados da ONU,17 o que também subsidia as interlocuções do IBGE com a organização. O produto dessa articulação pode ser visualizado na Plataforma ODS,3 que apresenta ao Brasil e ao mundo os indicadores, com respectivas fichas metodológicas e séries históricas de dados, além de diversas possibilidades de extração e desagregação das informações.
Para o acompanhamento e alcance das metas dos ODS, contudo, são necessárias iniciativas intersetoriais para a construção e gestão de redes que envolvam toda a sociedade brasileira e contribuam para a formulação das políticas, programas e planos. Com a aproximação do término do período de vigência do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil 2011-2022,19 e em resposta à pactuação global para alcance das metas dos ODS, o MS elaborou, a partir das contribuições das suas secretarias, do Distrito Federal, de estados e municípios, do setor privado e da sociedade civil, o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil 2021-2030. Este plano, além de atualizado para as metas de combate às Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), foi ampliado com a inclusão dos agravos violências e acidentes, da promoção da saúde e de ações relacionadas aos ODS, além do alinhamento da sua vigência com o período da Agenda 2030.20
Considerações finais
A produção dos indicadores dos ODS ainda se apresenta como um grande desafio para o país, tanto pela quantidade, como por sua diversidade. Embora o Brasil disponha de fontes de dados sólidas, de boa qualidade e com adequado nível de desagregação, a Agenda exige combinações de informações para além deste setor, o que aumenta a dificuldade do processo. A pulverização e a falta de regularidade na produção de alguns dados podem ser citadas como questões centrais a serem observadas para a produção desses indicadores e, consequentemente, o monitoramento das metas.
Por fim, é oportuno desenvolver os objetivos e metas dos ODS de forma alinhada às demandas do Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS). Dessa forma, criam-se possibilidades para o seu alcance e fortalecimento da intersetorialidade, universalização e equidade em saúde, requisitos para contemplar a diversidade e complexidade dos temas da Agenda 2030 frente aos determinantes sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais da saúde.