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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.32 no.1 Brasília  2023  Epub 08-Mar-2023

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222023000100001 

EDITORIAL

Sofrimento mental e o Sistema Único de Saúde

Taís Freire Galvão (orcid: 0000-0003-2072-4834)1 

1Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Campinas, SP, Brasil

Neste primeiro número de 2023 da Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do SUS (RESS), seis contribuições relevantes em saúde mental são apresentadas ao público. Os desafios à construção de políticas de atenção em saúde mental e sofrimento relacionado ao trabalho são discutidos, trazendo luz ao cenário existente e perspectivas na área.1 A saúde mental de trabalhadores da atenção primária foi investigada em inquérito realizado em Minas Gerais em 2021, com efeitos da sobrecarga de trabalho e transtornos prévios na ocorrência de adoecimento mental durante a pandemia de covid-19.2 Duas análises do Sistema de Informações Hospitalares observaram redução nas internações psiquiátricas no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2008 e 2021,3 e internações devido ao uso de álcool entre 2010 e 2020,4 possivelmente refletindo efeitos da reforma psiquiátrica e sua luta antimanicomial, bem como consequências da pandemia na cadeia de cuidados. Um indicador extremo de sofrimento mental, o suicídio, foi avaliado com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, entre 1996 e 2018, e observou maior risco entre indivíduos do sexo masculino e idosos em Chapecó/SC, com identificação de regiões geográficas de maior risco a partir de análise espacial.5 Uma coorte a partir das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade, de 2008 a 2017, observou que o uso off-label de antipsicóticos atípicos em crianças e adolescentes foi frequente entre usuários assistidos pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica do SUS.6

Ponto comum entre as pesquisas, dados gerados no âmbito do SUS constituíram a fonte dos artigos originais. Quatro dessas pesquisas se basearam em sistemas alimentados por profissionais e gestores de saúde,3-6 ressaltando o papel do SUS em fornecer informações que são base para pesquisas que retroalimentam o sistema e a sociedade, além de prover os cuidados integrais e universais em sua rede capilarizada. O registro e acesso à informação originada nas diversas atividades do SUS, e o seu aprimoramento por meio da análise dos indicadores, devem ser reconhecidos e fomentados em toda a sociedade, em especial na comunidade científica.

Todas essas atividades humanas, tanto as assistenciais quanto as gerenciais, são realizadas por trabalhadores do SUS, que igualmente necessitam de valorização. Segundo o inquérito mineiro, profissionais da atenção básica sofreram consequências da sobrecarga na saúde mental, o que indica também o papel dos serviços de saúde no adoecimento dos seus trabalhadores.2 Além do estresse decorrente das atividades laborais, ameaças à estabilidade dos profissionais, com terceirizações e precarização das relações de trabalho, tornam-se frequentes no âmbito do SUS e precisam ser combatidas para se prevenir o adoecimento mental entre os trabalhadores da saúde.1

Há relação estreita entre sofrimento mental e os determinantes sociais. Sentimentos de inquietação, como preocupações, medo, vergonha, perda de identidade e pertencimento, percepção de falta de controle frente a dificuldades financeiras - comumente observadas em situações de desemprego, por exemplo - embasam o racional biológico entre contexto e sofrimento mental que levam ao adoecimento do indivíduo e da comunidade.7,8 De maneira contraditória, a visão neoliberal busca atomizar os problemas coletivos em questões fragmentadas. Fracassos seriam culpa do indivíduo ou das famílias, vistas como empreendimentos que demandam gestão adequada e responsável que não onere o Estado. Nessa perspectiva meritocrática, a sociedade desestruturada torna-se ofuscada, e discussões para resolução de injustiças históricas são inviabilizadas. Problemas de saúde são questões particulares a serem tratadas pontualmente para assegurar a produtividade. Igualmente, o sofrimento mental é uma disfuncionalidade a ser resolvida individualmente, normalizando-se a medicalização na vida. O próprio acesso à saúde é um problema pessoal que deve ser resolvido de acordo com a condição econômica - em última análise, reflexo de opções prévias -, legitimando a cobertura universal de saúde, em que cada um paga de acordo com suas possibilidades, em detrimento do sistema de saúde universal baseado na solidariedade, como o SUS. Obviamente, há sofrimento na ausência de preocupações socioeconômicas, reflexo da natureza humana de sentir e amadurecer permeada por emoções, e que podem resultar em transtornos mentais que requerem terapia apropriada. Longe de despersonalizar o indivíduo ao reduzi-lo ao seu contexto, a relação entre saúde mental e sociedade é indissociável.

A RESS reforça seu papel como incentivadora e disseminadora de pesquisas que fortaleçam o SUS, nos seus diferentes aspectos e com a visibilidade de temas essenciais para a sociedade brasileira, com a compreensão de que a saúde da população - em especial, o sofrimento mental - não se restringe a uma questão médica.

REFERENCES

1. Araújo TM, Torrenté MON. Saúde Mental no Brasil: desafios à construção de políticas e de monitoramento de seus determinantes. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(1):e2023005. doi: 10.1590/S2237-96222023000100028 [ Links ]

2. Oliveira FES, Trezena S, Dias VO, Martelli Júnior H, Martelli DRB. Transtornos mentais comuns em profissionais da atenção primária à saúde no período de pandemia da COVID-19: estudo transversal na macrorregião norte de Minas Gerais, 2021. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(1):e2022432. doi: 10.1590/S2237-96222023000100012 [ Links ]

3. Carvalho CN, Fortes S, Castro APB, Cortez-Escalante J, Rocha TAH. A pandemia da covid-19 e a morbidade hospitalar por transtorno mental e comportamental no Brasil: uma análise de série temporal interrompida, janeiro de 2008 a julho de 2021. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(1):e2022547. doi: 10.1590/S2237-96222023000100016 [ Links ]

4. Oliveira RSC, Matias JC, Fernandes CAOR, Gavioli A, Marangoni SR, Assis FB. Internações por transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool no Brasil e regiões: análise de tendência temporal, 2010-2020. Epidemiol Serv Saude. 2023; 32(1):e20221266. doi: 10.1590/S2237-96222023000100005 [ Links ]

5. Bando DH, Rodrigues LA, Biesek LL, Luchini Junior D, Barbato PR, Fonsêca GS, et al. Padrões espaciais e caracterização epidemiológica dos suicídios na microrregião de Chapecó, Santa Catarina, Brasil: estudo ecológico, 1996-2018. Epidemiol Serv Saude. 2023:32(1):e2022593. doi: 10.1590/S2237-96222023000100007 [ Links ]

6. Fulone I, Silva MT, Lopes LC. Uso de antipsicóticos atípicos no tratamento da esquizofrenia no Sistema Único de Saúde do Brasil: estudo de coorte, 2008-2017. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(1):e2022556. doi: 10.1590/S2237-96222023000100015 [ Links ]

7. Hamm AO. Fear, anxiety, and their disorders from the perspective of psychophysiology. Psychophysiology. 2020;57(2):e13474. doi: 10.1111/psyp.13474 [ Links ]

8. Guerra O, Agyapong VIO, Nkire N. A Qualitative Scoping Review of the Impacts of Economic Recessions on Mental Health: Implications for Practice and Policy. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(10):5937. doi: 10.3390/ijerph19105937 [ Links ]

Correspondência: Taís Freire Galvão. E-mail: taisgalvao@gmail.com

CONFLITOS DE INTERESSE

Taís Freire Galvão é editora associada da Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do SUS.

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