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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.32 no.1 Brasília  2023  Epub 15-Fev-2023

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222023000100002 

ARTIGO ORIGINAL

Completude das notificações dos acidentes por animais peçonhentos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação: estudo descritivo, Brasil, 2007-2019

Mariana Brito (orcid: 0000-0002-2208-8707)1  , Ana Caroline Caldas de Almeida (orcid: 0000-0003-0640-4797)1  , Franciana Cavalcante (orcid: 0000-0002-7876-1841)1  , Yukari Figueroa Mise (orcid: 0000-0002-5273-1548)1 

1Universidade Federal da Bahia, Instituto de Saúde Coletiva, Salvador, BA, Brasil

Resumo

Objetivo:

descrever a completude das notificações de acidentes causados por animais peçonhentos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, no Brasil e macrorregiões, em 2007-2019.

Métodos:

analisou-se a completude de campos de preenchimento essenciais e não obrigatórios das notificações de ofidismo, araneísmo e escorpionismo, utilizando-se a classificação de “Excelente” (≤ 5,0% de incompletude), “Bom” (5,0% a 10,0%), “Regular” (10,0% a 20,0%), “Ruim” (20,0% e ≤ 50,0%) e “Muito ruim” (> 50,0%); estimou- -se a variação proporcional (VP) da completude.

Resultados:

foram investigadas 1.871.462 notificações; os campos “manifestações locais”, “sistêmicas”, “classificação do caso”, “evolução do caso” e “zona de ocorrência” apresentaram completude excelente ou boa; “escolaridade” e “raça/cor da pele”, completude regular ou ruim; ocupação, completude ruim ou muito ruim; “zona”, “evolução do caso” e “escolaridade” apresentaram piora proporcional na completude, na maioria das regiões (VP < 0).

Conclusão:

melhorou a completude na maioria dos campos, exceto socioeconômicos e ocupacionais, que demandam maior atenção.

Palavras-chave: Confiabilidade dos Dados; Mordeduras de Serpentes; Picadas de Escorpião; Picadas de Aranhas; Sistemas de Informação em Saúde; Epidemiologia Descritiva

Contribuições do estudo
Principais resultados No período, a maioria dos campos de preenchimento apresentou melhora na completude. Campos relacionados à dimensão socioeconômica apresentam pior completude, a exemplo daqueles referentes ao atendimento.
Implicações para os serviços Dados da vigilância apoiam formulação de políticas, sendo essencial o monitoramento sistemático da qualidade. Reconhecer erros e ausências na produção dos dados direciona estratégias de capacitação para melhor preenchimento das fichas de notificação.
Perspectivas Recomendam-se estudos que explorem demais dimensões da qualidade dos dados, para reforçar a importância dos dados notificados no Sinan para animais peçonhentos, visando contribuir mais robustamente à vigilância, planejamento e intervenções em saúde.

INTRODUÇÃO

Os acidentes por animais peçonhentos constituem a principal causa de intoxicação humana no Brasil. Suas complicações clínicas podem evoluir para óbito.1,2 Em 2019, foram notificados, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 287.132 acidentes provocados por animais peçonhentos, sendo os casos de escorpionismo, com 168.915 registros (58,8%), os mais frequentes, seguidos de araneísmo (13,5%) e ofidismo (11,3%). Os 16,4% de notificações restantes foram distribuídos entre acidentes com lagartas, abelhas, outros animais peçonhentos não especificados, dado ignorado ou sem informação.3

Para o estudo desses acidentes, o Sinan se destaca entre os sistemas de informações públicos do país, por possuir ficha individual de investigação específica para o registro desse agravo, o que garante um maior número de dados de interesse epidemiológico, além da notificação compulsória dos envenenamentos.4

O sistema, cujo objetivo é coletar, transmitir e difundir dados da vigilância epidemiológica, é alimentado pela notificação obrigatória de registros de doenças e agravos presentes na lista nacional de doenças de notificação compulsória.5 Esse sistema representa uma importante fonte de dados da vigilância sobre envenenamentos por animais peçonhentos no Brasil. As informações contidas no Sinan servem a análises epidemiológicas e pesquisas estratégicas para o Sistema Único de Saúde (SUS), norteadoras de políticas e intervenções públicas.6 Diante da importância desses registros, é necessária a avaliação constante da qualidade dos dados notificados no Sinan. Entre as dimensões da qualidade de um sistema de vigilância, a completude dos dados relativos aos casos notificados constitui a frequência de preenchimento das informações na ficha de notificação.7 O objetivo deste estudo foi descrever a completude dos dados sobre acidentes causados por animais peçonhentos e notificados no Sinan, Brasil, no período de 2007 a 2019.

MÉTODOS

Delineamento

Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo, sobre a completude das notificações no Sinan para ofidismo, araneísmo e escorpionismo, no Brasil.

Contexto

Os registros analisados foram de casos notificados no período entre 2007 e 2019, em municípios das 27 Unidades da Federação brasileira, agrupados segundo as cinco macrorregiões nacionais: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. O período de análise teve início em 2007, considerando-se a implementação da nova ficha individual de investigação para acidentes por animais peçonhentos, e encerrou-se em 2019, período de tempo necessário para consolidação dos dados.

Participantes

Foram incluídos na pesquisa os casos de indivíduos acidentados por animais peçonhentos, notificados no Sinan, no período definido.

Variáveis

Para a análise, foram selecionados dez campos com preenchimento considerado “essencial” ou “não obrigatório” (Quadro 1), agrupados de acordo com os seguintes fatores:

  1. Relacionados ao acidente: zona de ocorrência (urbana; rural; periurbana; ignorada - campo essencial para preenchimento); tempo decorrido entre a picada e o atendimento (em horas: 0 a 1; 1 a 3; 3 a 6; 6 a 12; 12 a 24; 24 e mais; ignorado - campo essencial para preenchimento).

  2. Relacionados ao atendimento: classificação do caso (leve; moderado; grave, ignorado - campo de preenchimento não obrigatório); manifestações locais (sim; não; ignorado - campo essencial para preenchimento); manifestações sistêmicas (sim; não; ignorado - campo essencial para preenchimento); e evolução do caso (cura; óbito por acidente com animais peçonhentos; óbito por outras causas; ignorado - campo essencial para preenchimento).

  3. Sociais: raça/cor da pele (branca; preta; amarela; parda; indígena; ignorado - campo de preenchimento não obrigatório); escolaridade (analfabeto; 1ª a 4ª série do ensino fundamental incompleta; 2ª a 4ª série do ensino fundamental completa; 3a a 5ª série do ensino fundamental incompleta; ensino fundamental completo; ensino médio incompleto; ensino médio completo; educação superior incompleta; educação superior completa; ignorado; não se aplica - campo de preenchimento não obrigatório).

  4. Relacionados ao trabalho: acidente relacionado ao trabalho (sim; não; ignorado - campo de preenchimento não obrigatório); e ocupação (código de ocupação segundo a Classificação Brasileira de Ocupações da versão domiciliar - campo de preenchimento não obrigatório).

Fonte de dados e mensuração

Investigou-se o percentual de preenchimento dos campos “essenciais” e “não obrigatórios” da ficha de investigação de acidentes por animais peçonhentos do Sinan, previstos na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), em seu item X29.8 Os campos de preenchimento “obrigatório” não foram investigados, uma vez que a obrigatoriedade impede o prosseguimento da notificação no sistema, conferindo, sistematicamente, um melhor preenchimento a esses campos.8

Foram estimadas frequências absolutas e relativas das notificações de ofidismo, araneísmo e escorpionismo, por cada uma das cinco grandes regiões do país. A completude dos campos da ficha foi investigada conforme o preenchimento de dados válidos, excluindo-se a categoria “ignorado” e valores/termos indicativos de ausência de dados (Quadro 1), segundo o tipo de agravo e região notificante, no período.

Quadro 1 - Descrição dos campos de preenchimento da ficha de investigação dos acidentes por animais peçonhentos, do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, classificados como essenciais ou não obrigatórios, 2007-2019 

Campo de preenchimento Tipo Descrição
Relacionados ao acidente
Zona de ocorrência Essencial Zona de ocorrência do acidente
Tempo picada-atendimento Essencial Tempo transcorrido entre o acidente e a chegada à unidade de saúde
Acidente relacionado ao trabalho Não obrigatório Ocorrência do acidente no local de trabalho ou no trajeto até o trabalho
Relacionados ao atendimento
Classificação do caso Não obrigatório Classificação clínica do indivíduo acidentado no início do atendimento
Manifestações locais Essencial Ocorrência de manifestações clínicas locais
Manifestações sistêmicas Essencial Ocorrência de manifestações clínicas sistêmicas
Evolução do caso Essencial Desfecho clínico do indivíduo acidentado
Socioeconômicos
Raça/cor da pele Não obrigatório Características étnico-raciais segundo o sistema classificatório de raça/ cor da pele do IBGEa
Escolaridade Não obrigatório Série e grau que a pessoa está frequentando ou frequentou pela última vez
Ocupação Não obrigatório Código de ocupação segundo Classificação Brasileira de Ocupações da versão domiciliar

a) IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Métodos estatísticos

A completude dos dados, nos níveis nacional e regional, foi analisada com base em escore adaptado de Romero e Cunha,7 que categoriza a completude como excelente (≤ 5,0% de incompletude), boa (5,0% a 10,0% de incompletude), regular (10,0% a 20,0% de incompletude), ruim (20,0% a ≤ 50,0% incompletude) ou muito ruim (> 50,0% de incompletude).

Complementarmente, determinou-se a variação proporcional (VP) da completude por tipo de agravo, ano e região notificante. O VP foi calculado subtraindo-se o percentual de completude do último ano (PerComp-2019) pelo percentual de completude do primeiro ano (PerComp-2007), sendo dividido o resultado dessa subtração pelo percentual de completude do primeiro ano (PerComp-2007), multiplicado por 100:9

VP= ([PerComp-2019 - PerComp-2007] / PerComp-2007) x 100

Aspectos éticos

O projeto desta investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (CEP-ISC/UFBA): Parecer no 1.370.415/2015, emitido em 16 de dezembro de 2015.

RESULTADOS

Foram notificados 1.871.462 acidentes por animais peçonhentos no Sinan, entre 2007 e 2019. Desses casos, 1.111.300 (59,4%) foram de escorpionismo, 386.938 (20,7%) de ofidismo e 373.224 (19,9%) de araneísmo. O ofidismo destacou-se na região Norte, que concentrou 31,6% dos casos (n = 122.129), seguida das regiões Nordeste, com 26,0% (n = 100.645), Sudeste, com 23,2% (n = 90.004), Centro-Oeste, com 10,3% (n = 39.782) e Sul, com 8,9% (n = 34.378). Observou-se maior percentual de casos de araneísmo na região Sul (n = 233.785; 62,6%), seguida pelo Sudeste (n = 102.111; 27,4%), Nordeste (n = 18.449; 4,9%), Norte (n = 10.426; 2,8%) e Centro-Oeste (n = 8.453; 2,3%). Em relação aos acidentes escorpiônicos, destacou- -se o Nordeste, com 512.533 casos (46,1%), seguido pelas regiões Sudeste (n = 471.564; 42,5%), Centro-Oeste (n = 54.843; 4,9%), Norte (n = 45.415; 4,1%) e Sul (n = 26.945; 2,4%).

As regiões Norte, Nordeste, e Centro-Oeste apresentaram maior número de campos com completude regular, ruim ou muito ruim (Tabela 1). Em contrapartida, a região Sul apresentou graus de completude regular e ruim em apenas dois campos, “escolaridade” e “ocupação”, para todos os tipos de acidente. Na região Sudeste, o grau de completude regular/ruim/muito ruim variou entre dois campos, “escolaridade” e “ocupação”, nos casos de escorpionismo, e cinco campos - “acidente relacionado ao trabalho”, “evolução do caso”, “raça/cor da pele”, “escolaridade” e “ocupação” - nos casos de ofidismo.

Com exceção do campo correspondente à “evolução do caso”, todos os demais relacionados ao atendimento (“manifestações locais”, “manifestações sistêmicas” e “classificação do caso”) apresentaram maiores graus de completude (excelente e bom) em todas as regiões. Ainda sobre o campo “evolução do caso”, foi observada completude regular para os acidentes ofídicos entre as regiões, à exceção da região Sul, onde essa completude foi boa. O mesmo campo “evolução do caso” obteve completude regular na região Centro-Oeste para os três agravos; e na região Nordeste, para araneísmo (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição do percentual e escorea de completude dos campos de preenchimento das fichas de investigação de ofidismo, araneísmo e escorpionismo, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (N = 1.871.462), Brasil, 2007-2019 

Agravo Campo de preenchimento Completude, %
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
% Escore % Escore % Escore % Escore % Escore % Escore
Ofidismo Zona de ocorrência 96,5 excelente 97,0 excelente 96,6 excelente 95,4 excelente 96,6 excelente 97,0 excelente
Tempo picada-atendimento 93,2 bom 94,0 bom 90,7 bom 93,5 bom 95,8 excelente 94,2 bom
Acidente relacionado ao trabalho 84,5 regular 82,7 regular 80,3 regular 87,9 regular 92,4 bom 86,4 regular
Classificação do caso 93,8 bom 94,5 bom 91,0 bom 94,7 bom 96,4 excelente 94,0 bom
Manifestações locais 97,7 excelente 98,0 excelente 96,3 excelente 98,4 excelente 98,5 excelente 97,8 excelente
Manifestações sistêmicas 93,6 bom 93,9 bom 91,3 bom 94,7 bom 96,2 excelente 93,6 bom
Evolução do caso 87,1 regular 86,3 regular 84,3 regular 89,6 regular 91,4 bom 87,6 regular
Raça/cor da pele 90,6 bom 95,2 excelente 85,3 regular 88,5 regular 96,2 excelente 90,2 bom
Escolaridade 65,1 ruim 71,4 ruim 58,6 ruim 59,4 ruim 75,9 ruim 66,3 ruim
Ocupação 49,5 muito ruim 50,0 ruim 46,3 muito ruim 49,1 muito ruim 60,7 ruim 47,0 muito ruim
Araneísmo Zona de ocorrência 97,2 excelente 97,4 excelente 96,4 excelente 96,1 excelente 97,7 excelente 97,3 excelente
Tempo picada-atendimento 92,7 bom 92,7 bom 83,7 regular 91,4 bom 94,0 bom 89,6 regular
Acidente relacionado ao trabalho 92,0 bom 86,3 regular 78,1 ruim 88,2 regular 95,3 excelente 84,4 regular
Classificação do caso 96,8 excelente 94,5 bom 92,1 bom 95,1 excelente 98,1 excelente 94,2 bom
Manifestações locais 98,7 excelente 98,0 excelente 96,1 excelente 98,3 excelente 99,1 excelente 97,5 excelente
Manifestações sistêmicas 96,3 excelente 94,1 bom 91,2 bom 95,1 excelente 97,4 excelente 93,0 bom
Evolução do caso 92,6 bom 90,0 bom 86,8 regular 91,4 bom 93,8 bom 89,3 regular
Raça/cor da pele 91,3 bom 95,2 excelente 77,5 ruim 86,8 regular 94,5 bom 82,8 regular
Escolaridade 72,1 ruim 70,7 ruim 53,1 ruim 60,4 ruim 79,2 ruim 62,1 ruim
Ocupação 53,2 ruim 50,2 ruim 38,8 muito ruim 46,0 muito ruim 58,1 ruim 41,3 muito ruim
Escorpionismo Zona de ocorrência 97,1 excelente 97,7 excelente 96,5 excelente 97,6 excelente 97,8 excelente 97,2 excelente
Tempo picada-atendimento 90,3 bom 93,5 bom 86,0 regular 94,4 bom 96,3 excelente 90,5 bom
Acidente relacionado ao trabalho 87,3 regular 85,4 regular 82,5 regular 92,7 bom 96,0 excelente 82,1 regular
Classificação do caso 96,0 excelente 94,9 bom 94,8 bom 97,4 excelente 98,1 excelente 95,4 excelente
Manifestações locais 97,6 excelente 97,9 excelente 96,3 excelente 98,9 excelente 99,1 excelente 97,1 excelente
Manifestações sistêmicas 93,8 bom 94,1 bom 91,1 bom 96,6 excelente 97,6 excelente 92,6 bom
Evolução do caso 93,4 bom 91,6 bom 92,0 bom 95,6 excelente 96,6 excelente 89,1 regular
Raça/cor da pele 82,4 regular 94,8 bom 74,4 ruim 90,0 bom 94,4 bom 76,3 ruim
Escolaridade 59,0 ruim 72,7 ruim 51,2 ruim 65,2 ruim 82,1 regular 54,9 ruim
Ocupação 44,2 muito ruim 50,8 ruim 38,4 muito ruim 49,0 muito ruim 68,1 ruim 39,5 muito ruim

a) Escore de completude adaptado de Romero e Cunha: excelente (≥ 95%); bom (< 95% e ≥ 90%); regular (< 90% a ≥ 80%); ruim (< 80% a ≥ 50%); muito ruim (< 50%).

Quanto aos campos relativos aos fatores sociais, “escolaridade” apresentou grau de completude ruim, em todas as cinco regiões do país, para ofidismo e araneísmo; a região Sul, entretanto, apresentou completude regular para o escorpionismo. Entre esses fatores, o campo “raça/cor da pele” foi o único a apresentar completude boa ou excelente para todos os três tipos de acidente, nas regiões Norte e Sul; entretanto, na região Nordeste, o mesmo campo “raça/cor da pele” apresentou completude regular ou ruim para os três acidentes investigados (Tabela 1).

Quanto aos fatores relativos ao acidente, a completude do campo “tempo decorrido picada-atendimento” (tempo decorrido entre o acidente e o atendimento médico prestado) foi regular nas notificações de araneísmo nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, como também nas notificações de escorpionismo na região Nordeste. Em contraste, o campo “zona de ocorrência” apresentou completude excelente em todas as regiões, para todos os agravos (Tabela 1).

No que se refere aos campos relativos ao trabalho, a completude do campo “ocupação” variou entre ruim e muito ruim, em todas as regiões do Brasil e para todos os acidentes estudados. A variável complementar “acidente relacionado ao trabalho” apresentou completude regular, exceto nas notificações da região Sul, onde a completude desse campo foi classificada como boa (ofidismo) e excelente (araneísmo e escorpionismo), nas notificações do Sudeste, onde apresentou completude boa (escorpionismo), e nas notificações da região Nordeste, ruim para araneísmo (Tabela 1).

Também foram observadas as tendências de melhora ou piora do grau de completude dos campos a partir do cálculo da variação proporcional (VP). A região Sul, que referiu o maior número de campos com completude boa ou excelente, foi, entretanto, a mesma que apresentou maior número de variações proporcionais negativas (VP < 0,0) no preenchimento, ao longo do período observado, para todos os tipos de acidentes. Contrariamente, a região Sudeste foi a que apresentou piora no grau de completude em apenas um campo, “evolução do caso”, para as notificações de ofidismo e araneísmo (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição da variação proporcional da completude dos campos de preenchimento das fichas de investigação dos agravos ofidismo, araneísmo e escorpionismo, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (N = 1.871.462), Brasil, 2007-2019 

Agravo Campo de preenchimento Completude (variação: %)
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
2007 2019 Variação 2007 2019 Variação 2007 2019 Variação 2007 2019 Variação 2007 2019 Variação 2007 2019 Variação
Ofidismo Zona de ocorrência 96,9 96,5 -0,4 97,9 97,0 -1,0 97,4 96,6 -0,9 95,0 95,7 0,7 97,5 96,2 -1,4 96,7 96,8 0,1
Tempo picada-atendimento 92,6 93,9 1,4 93,1 95,3 2,4 91,2 91,6 0,4 92,7 93,8 1,2 95,4 95,9 0,5 91,6 95,5 4,3
Acidente relacionado ao trabalho 81,0 85,9 6,0 78,8 86,2 9,4 78,2 80,8 3,4 82,2 89,4 8,7 90,6 90,9 0,3 81,2 88,6 9,1
Classificação do caso 92,6 94,6 2,2 91,1 96,8 6,2 90,3 91,5 1,3 94,1 95,5 1,5 97,2 94,1 -3,2 93,9 95,1 1,3
Manifestações locais 96,7 98,4 1,8 93,1 98,7 6,0 96,2 97,6 1,5 97,1 99,0 2,0 97,9 98,6 0,8 95,3 98,5 3,4
Manifestações sistêmicas 89,6 95,4 6,5 88,6 96,4 8,8 87,6 93,2 6,3 91,5 96,2 5,2 94,5 96,1 1,7 86,7 96,1 10,9
Evolução do caso 88,8 85,3 -4,0 85,3 87,0 2,0 89,0 81,3 -8,7 90,1 87,6 -2,8 92,8 87,8 -5,4 91,0 84,2 -7,5
Raça/cor da pele 90,3 94,2 4,4 95,2 97,1 2,0 87,8 90,9 3,6 85,5 93,1 9,0 95,5 97,0 1,6 87,6 94,4 7,7
Escolaridade 69,7 65,9 -5,5 75,3 71,9 -4,6 67,6 58,2 -13,9 60,2 63,6 5,8 80,3 73,5 -8,4 69,9 68,2 -2,5
Ocupação 43,9 61,3 39,6 45,4 64,3 41,7 41,2 58,2 41,3 41,5 62,4 50,5 59,2 63,5 7,2 33,8 56,2 66,4
Araneísmo Zona de ocorrência 97,5 97,1 -0,4 98,1 97,6 -0,5 96,8 96,6 -0,2 95,8 96,8 1,0 98,0 97,3 -0,7 95,3 98,0 2,8
Tempo picada-atendimento 90,8 93,1 2,5 93,3 92,5 -0,8 81,4 85,2 4,7 88,9 92,6 4,2 91,7 94,5 3,1 85,6 90,5 5,8
Acidente relacionado ao trabalho 90,4 92,3 2,1 86,8 89,1 2,7 73,7 80,3 8,9 84,8 91,5 7,9 92,6 94,8 2,3 85,9 88,6 3,1
Classificação do caso 97,1 96,8 -0,3 94,0 95,2 1,3 91,7 91,9 0,2 95,6 96,6 1,1 97,7 97,7 -0,1 94,9 95,0 0,1
Manifestações locais 98,6 98,7 0,1 97,4 98,3 1,0 96,9 97,0 0,1 97,3 98,8 1,6 99,1 99,0 -0,1 98,1 98,3 0,2
Manifestações sistêmicas 95,5 96,8 1,4 92,8 95,7 3,2 89,1 93,7 5,1 92,1 97,1 5,4 96,7 97,1 0,4 89,8 96,1 7,0
Evolução do caso 88,8 92,3 3,9 91,3 89,6 -1,9 90,8 85,0 -6,4 93,9 91,4 -2,7 87,3 94,0 7,7 92,2 89,7 -2,7
Raça/cor da pele 88,6 93,6 5,7 91,6 96,6 5,5 76,2 86,0 13,0 79,4 91,7 15,5 91,5 95,8 4,8 79,7 89,2 12,0
Escolaridade 72,1 73,1 1,5 76,4 70,8 -7,3 54,6 56,4 3,3 55,4 67,1 21,2 76,9 79,3 3,1 68,4 65,9 -3,6
Ocupação 48,5 58,5 20,6 41,9 64,2 53,1 31,0 47,9 54,7 37,6 56,6 50,5 52,3 61,3 17,2 32,4 46,7 44,1
Escorpionismo Zona de ocorrência 97,6 97,4 -0,1 97,9 98,1 0,3 98,1 97,0 -1,1 96,9 97,8 0,9 98,3 97,6 -0,7 96,2 97,5 1,4
Tempo picada-atendimento 87,3 92,1 5,6 94,2 93,6 -0,7 82,7 89,1 7,8 91,7 95,1 3,6 97,4 96,3 -1,1 90,5 90,9 0,5
Acidente relacionado ao trabalho 82,4 90,4 9,8 80,8 88,8 9,9 78,3 86,9 11,1 87,5 94,5 8,1 95,5 95,6 0,0 82,1 85,8 4,55
Classificação do caso 96,1 96,6 0,5 91,3 96,6 5,8 96,2 95,1 -1,2 96,5 98,0 1,6 98,0 98,1 0,2 95,2 96,2 1,1
Manifestações locais 97,2 98,4 1,2 97,3 98,6 1,3 96,5 97,4 0,9 98,0 99,4 1,4 99,1 99,3 0,2 96,6 98,2 1,7
Manifestações sistêmicas 92,4 95,3 3,1 90,4 96,7 7,0 91,7 92,7 1,1 93,7 97,9 4,4 97,1 97,9 0,9 89,0 94,5 6,2
Evolução do caso 95,5 93,4 -2,3 89,8 91,7 2,1 96,0 91,5 -4,7 95,9 95,9 0,0 96,9 95,8 -1,1 93,1 89,1 -4,3
Raça/cor da pele 79,2 89,5 13,0 94,6 96,5 2,0 74,4 84,2 13,2 83,3 95,2 14,3 92,2 96,7 4,9 74,6 80,9 8,4
Escolaridade 57,1 63,5 11,4 80,7 74,7 -7,4 48,0 55,4 15,5 63,6 71,0 11,5 87,6 81,0 -7,6 65,6 56,2 -14,3
Ocupação 34,5 52,3 51,4 44,8 64,3 43,6 30,6 43,7 42,7 37,1 60,4 62,7 57,6 68,3 18,6 32,6 44,0 35,3

Quanto aos fatores relativos ao atendimento, o campo “manifestações sistêmicas” não apresentou perda na completude do preenchimento para todas as regiões, em todos os agravos. O campo “manifestações locais” mostrou piora de 0,11% apenas para a região Sul, no araneísmo. A “classificação do caso”, por sua vez, exibiu piora de preenchimento no Sul, para ofidismo e araneísmo, e na região Nordeste para escorpionismo. De forma similar, o campo “evolução do caso” expressou, predominantemente, piora da variação proporcional, com melhoras apenas nas regiões Norte para ofidismo, Sul para araneísmo, além de Norte e Sudeste para escorpionismo.

Entre os campos relativos às características sociais, “raça/cor da pele” apresentou melhora no preenchimento para todos os tipos de acidentes e em todas as regiões; ao contrário de “escolaridade”, que apresentou piora no preenchimento dos casos de ofidismo - exceto no Sudeste, onde apresentou melhora de 5,8%. Para o araneísmo, houve piora da completude da “escolaridade” nas regiões Norte e Centro-Oeste, enquanto para o escorpionismo, além dessas regiões, o Sul do país também apresentou piora nesse campo.

Quanto aos fatores relacionados ao acidente, observou-se piora no preenchimento do campo “zona de ocorrência” para todos os agravos, nas regiões Nordeste e Sul; e na região Norte, para os acidentes ofídicos e araneídicos. Também foi constatada piora na completude do campo “tempo decorrido picada-atendimento” para os casos de araneísmo na região Norte, e para escorpionismo nas regiões Norte e Sul. Os campos relacionados ao trabalho (“ocupação” e “acidente relacionado ao trabalho”) apresentaram melhora do grau de completude em todas as cinco regiões, para todos os agravos (Tabela 2).

Figura 1 - Distribuição da completude dos casos de ofidismo, araneísmo e escorpionismo notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (N =1.871.462) por região do Brasil, 2007-2019 

DISCUSSÃO

O padrão de classificação de completude das notificações, com base no escore adaptado de Romero e Cunha,7 pouco variou nos casos de ofidismo, araneísmo e escorpionismo. No período estudado, foi observada melhora na completude de quase todos os campos de preenchimento, com ressalvas para “escolaridade”, “evolução do caso” e “zona de ocorrência”.

A análise das notificações de acidentes com animais peçonhentos, registrados no Sinan, no período de 2007 a 2019, mostrou variações no grau de completude dos campos avaliados para casos de ofidismo, araneísmo e escorpionismo, observando-se maior completude dos campos relacionados ao acidente e ao atendimento, embora as variações proporcionais da completude dos campos relacionados ao acidente tenham apresentado piora em sua completude, em algumas regiões. Destaca-se a completude ruim e muito ruim dos campos relativos às características socioeconômicas, especialmente os relativos ao trabalho (ocupação) e à escolaridade, com baixa completude em todas as regiões brasileiras.

Quanto às limitações deste estudo, vale ressaltar que foi abordada apenas uma das dimensões da qualidade dos dados, justamente a completude. Dessa forma, torna-se recomendável a realização de pesquisas que avaliem outras dimensões da qualidade dos registros, incluindo a consistência, a confiabilidade, a validade e a cobertura da notificação dos agravos. Adicionalmente, a consolidação dos dados no Sinan limitou-se à inclusão de dados mais recentes do agravo. O uso das informações relativas ao ano inicial e ao ano final do período, para a estimativa da variação proporcional, embora possibilite apresentar a modificação no intervalo de tempo, não permite a análise da completude dos dados de cada ano.

A completude na notificação dos acidentes por animais peçonhentos apresentou variação, considerando-se os dois parâmetros adotados. O escore proposto por Romero e Cunha7 permitiu destacar, de maneira geral, os campos e dimensões cujas faltas de preenchimento implicavam maiores perdas de informação, principalmente os socioeconômicos, e, entre estes, “ocupação” e “escolaridade”. Entretanto, apesar de amplamente utilizado em estudos que avaliam a completude dos sistemas de informações nacionais, esse escore não permite estimar variações no grau de incompletude de alguns campos,10 porque o percentual de completude de um campo pode apresentar variação, para mais ou para menos, ainda que dentro dos limites da categoria de completude inicial. Esse achado pode ser observado no campo “zona de ocorrência”, que apresentou piora da completude somente perceptível após a estimativa da variação percentual (VP). O cálculo da VP, empregado como medida complementar, mostrou-se eficaz para estimar a qualidade do registro dos acidentes de trabalho fatais no Brasil, entre 2007 e 2012.9

Embora estudos da relação entre o trabalho e o processo saúde-doença sejam relativamente antigos, o conhecimento da influência ou impacto desses fatores tem-se aprimorado, e ganhado visibilidade; contudo, problemas como o sub-registro e a má qualidade dos dados relativos a essas informações ainda representam desafios.11

Neste estudo, a completude dos campos relativos ao trabalho foi pior em relação à dos demais campos avaliados. Apesar da melhora na completude observada entre o primeiro e o último anos do período analisado, a variação percentual correspondente não foi tão expressiva como para alcançar melhores escores de preenchimento, cuja classificação variou de regular a muito ruim.

No Brasil, os sistemas de informações em saúde têm apresentado melhorias nas últimas décadas, por meio da implementação de estratégias como a publicação de portarias,12 a integração de informações entre os sistemas e o uso de técnicas de linkage, entre outras ações. Contudo, essas melhorias ainda são insuficientes.13

Problemas na qualidade dos registros de dados ocupacionais não são exclusividade do Sinan. Um estudo com o propósito de avaliar a qualidade da informação das variáveis do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), tendo como referência o ano de 2002, identificou problemas de definição, codificação, completude e consistência do campo “ocupação materna”.14 Outro estudo, que reuniu dados do Sinasc e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no estado do Rio Grande do Sul, no período de 2000 a 2014, encontrou falhas no preenchimento dos dados desse sistema, atribuídas pelos autores a falta de clareza nos manuais, pluralidade de responsáveis pelo preenchimento das declarações e maior atenção para algumas variáveis em detrimento de outras.15

Em 20 de março de 2020, O Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 458/2020, que dispõe sobre a inclusão e obrigatoriedade do preenchimento dos campos relativos ao tipo de ocupação e atividade econômica, nos sistemas de informações em saúde (SIS).12 Com essa normativa, espera-se um aumento da completude dos campos “ocupação” e “acidente relacionado ao trabalho” nas fichas de investigação dos acidentes causados por animais peçonhentos do Sinan.

A dimensão ocupacional representa um importante determinante social em saúde para a ocorrência dos acidentes com animais peçonhentos, a exemplo dos casos de ofidismo, estes classicamente relacionados à ocupação agropecuária, que aproxima os trabalhadores das serpentes no ambiente rural.16 Como o ofidismo, o araneísmo por Phoneutria e Latrodectus e o escorpionismo podem também ser relacionados à atividade agrícola, por se tratar de animais que conseguem se alojar em depósitos de alimentos e insumos agrícolas, onde encontram pequenas presas (por exemplo, insetos, outros aracnídeos) e espaço de proteção.1,17 Os casos de escorpionismo e araneísmo por Loxosceles também são comumente relacionados às atividades domésticas e à construção civil, principalmente durante o manuseio de serapilheira, acumulado de entulho e lixo orgânico.1,18

Diferentemente dos campos relacionados ao trabalho, classificados como “não obrigatórios”, os campos referentes a “manifestações locais e sistêmicas”, de preenchimento “essencial”, apresentaram completude boa e excelente, e aumento da proporção de preenchimento, no período de 2007 a 2019, para todos os agravos estudados e diferentes regiões geográficas. O Ministério da Saúde classifica como “obrigatório”, “essencial” ou “não obrigatório” o preenchimento dos campos da ficha de investigação de envenenamentos por animais peçonhentos no Sinan.8 Essa classificação poderia resultar no falso entendimento de que determinados campos devem ter maior notabilidade no preenchimento do que outros, enquanto, na verdade, correspondem a campos nos quais o não preenchimento impede o avanço no preenchimento da ficha de notificação no sistema.19

Apesar de sua classificado como campo “essencial”, a “evolução do caso” apresentou classificação regular ou piora de completude em algumas regiões do país, no período estudado, para os três agravos investigados. Em contrapartida, o campo “classificação do caso”, cujo preenchimento é considerado “não obrigatório”, obteve escore excelente e bom, e melhora da completude na maioria das regiões. Vale destacar que informações perdidas, devido a campos de preenchimento em branco, também podem ser reflexo do grau de importância (de natureza subjetiva) conferido pelo profissional responsável da notificação.20 A classificação do caso determina diretamente o número de ampolas de soro antiveneno a ser administrado, informação necessária para o manejo do acidentado.21

Infelizmente, a perda de informação da evolução dos indivíduos acidentados pode dificultar o monitoramento dos desfechos fatais e não fatais, implicando problemas de disponibilidade de serviços de saúde para o tratamento.22 No atual cenário de racionamento do uso de soro antiveneno, a informação sobre evolução da pessoa acidentada é essencial para o monitoramento do estoque desses imunobiológicos e das medidas tomadas nesse cenário, a exemplo das alterações nos algoritmos de soroterapia, e desabastecimento de soro antibotrópico no Brasil, vigente em 2021.23

O tratamento do acidente é intimamente dependente do agente etiológico envolvido. Cada veneno possui mecanismos de ação diferentes e que, portanto, demandam tratamento específico.23,1 O Ministério da Saúde define diretrizes para identificação dos animais envolvidos nos acidentes, a partir dos sintomas e sinais clínicos apresentados durante sua estada no serviço de saúde.21 Ademais, o tempo decorrido entre o acidente e a admissão na unidade de atendimento é uma informação de suma importância para a administração correta do tratamento, uma vez que esse intervalo de tempo tem relação direta com a gravidade e a evolução clínica do acidentado.24 Informações perdidas no preenchimento desses campos mascaram o real cenário da assistência às vítimas, principalmente em situação de escassez de soro antiveneno,23 um problema potencialmente grave, principalmente entre crianças e idosos, contingentes mais propensos a complicações por envenenamento via picada de animais peçonhentos.21

Entre os sistemas de informações nacionais, o Sinan apresenta o maior número de variáveis de interesse para a investigação desses agravos.4 Apesar de suas limitações e divergências com outros sistemas, como o SIM, avaliar a qualidade dos dados provenientes do Sinan para os acidentes por animais peçonhentos torna-se fundamental. O preenchimento adequado desses dados permite gerar informações confiáveis sobre o processo saúde-doença, a serem usadas no monitoramento e na definição das prioridades de intervenção pelos gestores de saúde.25

A qualidade dos dados é essencial à produção de informações confiáveis. A forma como eles são registrados interfere em toda a cadeia de processos informacionais, do registro ao armazenamento e análise.26,27 No Brasil, a qualidade dos registros nos SIS não é uniforme e, portanto, faz-se mister considerar diferenças na qualidade do preenchimento, uma vez que o contingente de acidentados varia substancialmente, de acordo com a região do país e o tipo de animal peçonhento envolvido.

As ações de vigilância dos agravos à saúde consideram os dados de notificação compulsória para auxiliar na análise da situação de saúde e na tomada de decisão. Desigualdades nas perdas de dados podem mascarar informações sobre esses acidentes e, consequentemente, subestimar vulnerabilidades.28 Um estudo que avaliou a qualidade dos dados dos SIS no Brasil encontrou desigualdades inter e intrarregionais, e interestaduais na avaliação da qualidade dos dados. Outrossim, há concentração de estudos dedicados a localidades específicas, nas regiões Sudeste e Nordeste.28

Essas perdas diferenciais na informação são especialmente complexas nos registros de acidentes por animais peçonhentos, dado que a distribuição da biodiversidade de espécies de importância médica no país não é homogênea e particularidades regionais podem ser escamoteadas por essas oportunidades perdidas de informação.1 Nessa mesma perspectiva, as perdas de dados, particularmente os relativos às características socioeconômicas e ocupacionais, dificultam a identificação das populações vulneráveis ao acidente. Embora, classicamente, trabalhadores da agricultura apresentem piores níveis de escolaridade e se reconheçam como de raça/cor da pele negra (pretos/pardos), a perda dessa informação inviabiliza análises dessa característica sob a perspectiva social.29 Este problema fica evidente em dados da maioria dos estudos epidemiológicos sobre esses acidentes, limitados a descrever atributos individuais sem considerar os determinantes sociais.30 Inconsistências nas informações são igualmente relevantes porque afetam sua confiabilidade, ao gerar falsos diagnósticos de saúde, além de comprometer a avaliação e definição de medidas de intervenção sobre esses eventos.25

Dados dos SIS são, atualmente, a única fonte de conhecimento da magnitude dos acidentes provocados por animais peçonhentos no Brasil, país de dimensões continentais e um hotspot de biodiversidade de espécies de animais peçonhentos de importância médica em nível planetário. Torna-se necessária a sensibilização dos profissionais de saúde para a importância do registro, no Sinan, das características socioeconômicas, ocupacionais e relativas ao acidente, que permitam análises robustas de dados da situação, para o planejamento, intervenção e avaliação das ações em saúde segundo as diretrizes do SUS, na abordagem e atenção aos acidentes provocados por animais peçonhentos e no tratamento dos indivíduos afetados.

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TRABALHO ACADÊMICO ASSOCIADO As autoras declaram não haver trabalho acadêmico associado.

FINANCIAMENTO Pesquisa financiada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), por meio do Edital de Apoio a Jovens Doutores (Edital 004/2016), vinculado às Pró-Reitorias de Pesquisa, Criação e Inovação (PROPCI) e de Ensino de Pós-Graduação (PROPESQ) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Recebido: 19 de Setembro de 2022; Aceito: 05 de Dezembro de 2022

Correspondência: Mariana Brito. E-mail: marianabritogs@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Brito M, Almeida ACC, Mise YF e Cavalcante F delinearam a pesquisa, analisaram e interpretaram os dados e revisaram criticamente o artigo. Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

Editora associada:

Taís Freire Galvão - https://orcid.org/0000-0003-2072-4834

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