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Epidemiologia e Serviços de Saúde

Print version ISSN 1679-4974On-line version ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.32 no.2 Brasília  2023  Epub Apr 27, 2023

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222023000200012 

ARTIGO ORIGINAL

Cobertura da vacinação contra papilomavírus humano no Nordeste do Brasil, 2013-2021: estudo descritivo

Mateus de Paula von Glehn (orcid: 0000-0003-3609-251X)1  , Luciana Maiara Diogo Nascimento (orcid: 0000-0002-8490-3914)1  , Krishna Mara Rodrigues Freire (orcid: 0000-0003-3085-4907)1  , Thaís Tâmara Castro e Souza Minuzzi (orcid: 0000-0001-8481-6549)1  , Carlos Edson Hott (orcid: 0000-0002-7987-627X)1  , Ana Goretti Kalume Maranhão (orcid: 0000-0003-1417-2009)1  , Camile de Moraes (orcid: 0000-0003-4789-0429)1 

1 Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Brasília, DF, Brasil

Resumo

Objetivo:

descrever a cobertura da vacina contra papilomavírus humano (HPV) na região Nordeste do Brasil, no período de 2013 a 2021.

Métodos:

estudo descritivo conduzido com dados obtidos do Programa Nacional de Imunizações, que estabelece a meta de 80% para a vacina contra o HPV para meninas entre 9 e 14 anos e meninos entre 11 e 14 anos.

Resultados:

as coberturas para as meninas foram de 73,9%, na primeira, e de 54,3% na segunda dose, e para meninos, as coberturas de cada dose foram de 49,7% e 32,6%, respectivamente; excetuando-se Ceará e Paraíba, que alcançaram coberturas acima de 80% na primeira dose para as meninas, nenhum estado alcançou a meta para as duas doses.

Conclusões:

entre 2013 e 2021, as coberturas da vacina contra HPV estiveram abaixo da meta para ambos os sexos, com exceção de Ceará e Paraíba, que atingiram a meta para a primeira dose no grupo de meninas.

Palavras-chave: Programas de Imunização; Saúde do Adolescente; Cobertura Vacinal; Sistemas de Informação em Saúde; Vacinas contra Papilomavírus; Epidemiologia Descritiva

Contribuições do estudo
Principais resultados No período de 2013 a 2021, a cobertura da vacina contra papilomavírus humano (HPV) para adolescentes na região Nordeste do Brasil foi maior para a primeira dose, em ambos os sexos.
Implicações para os serviços A qualificação e o monitoramento dos dados de imunização contra o HPV são ações estratégicas para aumentar a cobertura vacinal, e orientar ações locais para a vacinação dos adolescentes nas escolas.
Perspectivas Gestores poderão aprimorar estratégias para o aumento da cobertura vacinal, inclusive com mobilização da comunidade. Inquéritos de cobertura vacinal poderão contribuir para o melhor entendimento da situação em nível local.

INTRODUÇÃO

Papilomavírus humano (HPV) é um grupo de mais de 200 vírus,1 existindo ao menos 13 considerados oncogênicos.2 Os genótipos 16, 18, 45, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 58, 59, e 68 estão associados à persistência da infecção e ao desenvolvimento de câncer, como o cervical e o de pênis. Os genótipos de HPV 16 e 18 estão presentes em até 70% dos casos de câncer cervical e, apesar de serem considerados de baixo risco, os genótipos 6 e 11 estão associados a cerca de 90% das verrugas genitais.3

Estudo de coorte conduzido com dados de uma década (2004-2014) apontou que o Maranhão, um dos estados da região Nordeste do Brasil, tem a maior incidência mundial de câncer de pênis,4 e metanálise recente, que investigou a detecção e a distribuição genotípica do HPV em casos de câncer de pênis no Brasil, apontou que a maior prevalência do HPV nesses casos ocorre na região Nordeste (79%), sendo o HPV16 o mais frequentemente detectado, seguido pelo HPV6, ambos com proteção conferida pela vacina contra HPV.5

A infecção por HPV é a mais comum de todas as infecções sexualmente transmissíveis, e sua prevalência varia entre diferentes populações e grupos etários.6 No Brasil, estudo transversal conduzido nas 27 Unidades da Federação (UFs), entre 2016 e 2017, encontrou que a prevalência da infecção entre jovens com idade de 16 a 25 anos foi de 53,6%, com predominância na região Nordeste (53,1%).7

Em 2020, houve o registro de 6.627 mortes por câncer de colo de útero no Brasil, dos quais 2.058 (31%) ocorreram no Nordeste,8 classificando a região em segundo lugar em número absoluto de mortes e em taxa de mortalidade pela doença, atrás apenas da região Norte. Destaca-se que o câncer cervical é um agravo evitável e que a vacinação contra o HPV, juntamente com o rastreamento da doença, são as principais estratégias para a redução dos casos e mortes por esta condição.9

A vacina contra HPV foi introduzida no calendário nacional de vacinação em 2014,10 sendo precedida por iniciativas no Amazonas e no Distrito Federal.11 O calendário inicialmente previa esquema com três doses administradas em intervalos de 0, 6 e 60 meses para meninas de 11 a 13 anos, com gradual ampliação para outras faixas etárias, até se atingir a indicação para a faixa etária de 9 a 14 anos para meninas, em 2016, e para meninos com idade de 11 a 14 anos, em 2017.12 Contudo, a partir de 2016, o esquema vacinal recomendado passou a ser de duas doses, com intervalo de seis meses entre elas, seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).13

Considerando-se as prevalências de infecção pelo HPV e as complicações associadas reportadas na região Nordeste, o objetivo deste trabalho foi descrever a cobertura da vacina contra HPV no Nordeste do Brasil, no período de 2013 a 2021.

MÉTODOS

Delineamento

Trata-se de estudo descritivo, realizado com dados secundários extraídos do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI).

Contexto

As doses aplicadas da vacina HPV são registradas nos sistemas de informações disponibilizados pelo Ministério de Saúde, tais como os Sistemas e-SUS Atenção Primária (e-SUS APS) e o SIPNI. Os registros de doses vacinais podem, ainda, ser realizados em sistemas próprios de natureza pública ou privada. Todos os registros de doses vacinais devem ser inseridos ou integrados aos sistemas de informações disponibilizados pelo Ministério da Saúde, para que seja permitido o acompanhamento da vacinação por UF, município, sexo e faixa etária.14

A integração entre os sistemas permite a elaboração de relatórios anonimizados, com os indicadores de doses aplicadas, coberturas vacinais e homogeneidade de coberturas, que são extraídos a partir do aplicativo de tabulação estatística denominado Tabnet, desenvolvido pelo Ministério da Saúde e disponibilizado no portal eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS - http://tabnet.datasus.gov.br). Nesses relatórios, os indicadores de vacinação são apresentados de forma agregada (anonimizados) por município, UF, região e país.14

Participantes

Foram definidas as coortes de 9 a 15 anos de idade, para a população feminina, e de 11 a 15 anos, para a população masculina vacinada na região Nordeste. A segunda dose da vacina foi avaliada na população com até 15 anos de idade de ambos os sexos, conforme estratégia de monitoramento de coortes proposta pela OMS e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), seguida pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).13,15 O cálculo da cobertura vacinal em 2021 foi realizado de acordo com o esquema a seguir.

  1. População de 9 anos de idade: população vacinada com 9 anos de idade, em 2021;

  2. População de 10 anos de idade: população vacinada com 9 anos de idade em 2020, somada à população vacinada com 10 anos em 2021;

  3. População de 11 anos de idade: soma das populações vacinadas aos 9 anos de idade, em 2019; aos 10 anos, em 2020; e aos 11 anos, em 2021;

  4. População de 12 anos idade: soma das populações vacinadas aos 9 anos de idade, em 2018; aos 10 anos, em 2019; aos 11 anos, em 2020; e aos 12 anos, em 2021.

Este procedimento foi realizado sucessivamente, para a população vacinada aos 13, 14 e 15 anos de idade. No cômputo das doses aplicadas, foram consideradas a primeira e a segunda dose para os sexos feminino e masculino separadamente.

Variáveis

As variáveis de estudo foram as seguintes: sexo (masculino ou feminino), idade (9 a 15 anos, para meninas, e 11 a 15 anos, para meninos); dose aplicada (primeira ou segunda); cobertura vacinal (< 50%, entre 50% e 80%, e maior ou igual a 80%); e homogeneidade de cobertura vacinal entre municípios (número de municípios no estado com cobertura vacinal acima de 80% dividido pelo número total de municípios do estado).

Fontes de dados e mensuração

Os dados foram extraídos em 11 de agosto de 2022, por meio do aplicativo de tabulação Tabnet. Para o cálculo da cobertura vacinal, considerou-se como numerador a quantidade de doses aplicadas a partir de 2014. Para o denominador, utilizou-se a população de meninas e meninos em cada idade, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 e atualizada em 2021 pela Coordenação-Geral de Informações e Análises Epidemiológicas, do Departamento de Análise de Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde.16

O cálculo da homogeneidade foi realizado dividindo-se o número de municípios no estado com cobertura vacinal acima de 80% (numerador) pelo número total de municípios do estado (denominador). No total, a região Nordeste tem 1.794 municípios, distribuídos em seus nove estados: Alagoas (102 municípios), Bahia (417 municípios), Ceará (184 municípios), Maranhão (217 municípios), Paraíba (223 municípios), Pernambuco (185 municípios), Piauí (224 municípios), Rio Grande do Norte (167 municípios) e Sergipe (75 municípios).8,14

Tamanho do estudo

Foram consideradas todas as doses aplicadas no período entre 2013 e 2021, em ambos os sexos.

Métodos estatísticos

A partir de 2016, o Ministério da Saúde adotou o cálculo por coortes etárias como metodologia de avaliação das coberturas vacinais da vacina contra o HPV.14 Esta forma de cálculo considera as doses acumuladas, desde o ano de implantação da vacina para cada coorte, considerando-se o fato de que o esquema é composto de duas doses, que podem ser aplicadas em anos diferentes. O cálculo da cobertura foi realizado de maneira similar tanto para a primeira dose como para a segunda, e foi comparada com a meta estipulada pelo PNI (80%).14 Descreveu-se a distribuição (frequências absolutas e relativas) das coberturas vacinais por município, em cada estado.

Os dados foram apresentados em frequências relativas e absolutas e organizados em gráficos e mapas, consolidados por município e estado, utilizando-se os programas Microsoft Office Excel 2016 e QGIS versão 3.16.1.8 Este último é um software gratuito do Sistema de Informações Geográficas (SIG), de código aberto, que oferece suporte à visualização, edição e análise de dados geoespaciais.

Aspectos éticos

O estudo prescindiu de avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), por se tratar de avaliação de dados secundários de domínio público (Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 674, de 6 de maio de 2022).

RESULTADOS

No período avaliado, foram administradas 11.613.518 doses de vacina contra HPV na região Nordeste do Brasil, sendo 8.544.424 doses destinadas para o sexo feminino (5.009.022 referentes a primeira dose e 3.511.420 a segunda dose) e 3.069.094 para o sexo masculino (1.909.519 referentes a primeira dose e 1.150.372 a segunda dose) (Figura 1).

Figura 1 - Distribuição do número de doses de vacina contra papilomavírus humano, aplicadas por sexo e segundo dose (primeira ou segunda) do esquema de vacinação, na região Nordeste, 2013-2021 

Para o sexo feminino, a cobertura vacinal na região foi de 73,9% na primeira dose e 54,3% na segunda. Os estados com maiores coberturas foram Ceará (85,9%) e Paraíba (81,7%), tanto na primeira dose quanto na segunda, enquanto as menores coberturas foram observadas no estado do Rio Grande do Norte (65,9% para a primeira dose e 45,6% para a segunda) (Figura 2A).

Figura 2 - Distribuição das coberturas vacinais da vacina contra papilomavírus humano nas populações do sexo feminino (A) e do sexo masculino (B), por estado, na região Nordeste, 2013-2021 (N = 11.613.518) 

Na população do sexo masculino, a cobertura da primeira dose na região foi de 49,7%, enquanto a cobertura da segunda dose foi de 32,6%. Neste sexo, os estados com maiores coberturas foram o Ceará (53,8%) e a Paraíba (53,8%), para a primeira dose, e Piauí (36,3%) e Ceará (36,0%), para a segunda. As menores coberturas foram observadas no estado do Maranhão, para a primeira dose (44,8%), e do Rio Grande do Norte, para a segunda (28,4%) (Figura 2B).

Avaliando-se espacialmente, 50,6% (908/1.794) dos municípios da região Nordeste alcançaram cobertura de 80% ou mais na primeira dose em meninas, enquanto o percentual de cobertura encontrado na segunda dose para meninas foi de 15,2% (Figura 3).

Figura 3 Distribuição espacial das coberturas vacinais da vacina contra papilomavírus humano no sexo feminino (A) e no sexo masculino (B), na região Nordeste, 2013-2021 (N = 11.613.518) 

Quando considerados os estados, nenhum deles alcançou homogeneidade de 80% para nenhuma das doses, e em nenhum dos sexos. Entre os meninos, 80% de homogeneidade foi constatada em 12,7% (228/1.794) dos municípios nordestinos para a primeira dose da vacina. O estado da Paraíba foi o que mais contribuiu (28,6%) para o indicador de homogeneidade, entre os municípios que atingiram essa cobertura. Nenhum estado atingiu cobertura de 80% ou mais na população do sexo masculino nas duas doses (primeira ou segunda). Em relação às meninas, o estado com melhor resultado de homogeneidade de cobertura de primeira dose foi a Paraíba, com 76,6% dos seus municípios com cobertura vacinal adequada. Este estado também apresentou a maior proporção (32,7%) de municípios com cobertura maior ou igual a 80% na segunda dose. O estado da Paraíba também apresentou as maiores homogeneidades de cobertura para o sexo masculino - de 28,6% para a primeira e de 9,4% para a segunda dose (Tabela 1).

Tabela 1 - Número de doses e percentuais de cobertura da vacina contra papilomavírus humano, segundo sexo, na região Nordeste e em seus estados, 2013-2021 (N = 11.613.518) 

Sexo Cobertura vacinal (%) Alagoas Bahia Ceará Maranhão Paraíba Pernambuco Piauí Rio Grande do Norte Sergipe Total
Feminino 1ª dose n (%)
< 50 5 (4,9) 43 (10,3) 9 (4,8) 19 (8,7) 3 (1,3) 6 (3,2) 15 (6,6) 12 (7,1) 1 (1,3) 113 (6,2)
50 a < 80 41 (40,1) 207 (49,6) 65 (35,3) 109 (50,2) 49 (21,9) 85 (45,9) 93 (41,5) 88 (52,6) 36 (48,0) 773 (43,0)
≥ 80 56 (54,9) 167 (40,0) 110 (59,7) 89 (41,0) 171 (76,6) 94 (50,8) 116 (51,7) 67 (40,1) 38 (50,6) 908 (50,6)
2ª dose
< 50 31 (30,3) 153 (36,6) 39 (21,1) 70 (32,2) 21 (9,4) 35 (18,9) 57 (25,4) 65 (38,9) 12 (16,0) 483 (26,9)
50 a < 80 66 (64,7) 211 (50,5) 111 (60,3) 130 (59,9) 129 (57,8) 124 (67,0) 130 (58,0) 85 (50,8) 52 (69,3) 1.038 (57,8)
≥ 80 5 (4,9) 53 (12,7) 34 (18,4) 17 (7,8) 73 (32,7) 26 (14,0) 37 (16,5) 17 (10,1) 11 (14,6) 273 (15,2)
Masculino 1ª dose
< 50 56 (54,9) 166 (39,8) 70 (38,0) 94 (43,3) 33 (14,7) 65 (35,1) 70 (31,2) 74 (44,3) 25 (33,3) 653 (36,3)
50 a < 80 40 (39,2) 207 (49,6) 94 (51,0) 119 (54,8) 126 (56,5) 105 (56,7) 110 (49,1) 72 (43,1) 40 (53,3) 913 (50,8)
≥ 80 6 (5,8) 44 (10,5) 20 (10,8) 4 (1,8) 64 (28,6) 15 (8,1) 44 (19,6) 21 (12,5) 10 (13,3) 228 (12,7)
2ª dose
< 50 95 (93,1) 319 (76,4) 140 (76,0) 191 (88,0) 123 (55,1) 151 (81,6) 151 (67,4) 131 (78,4) 51 (68,0) 1.352 (75,3)
50 a < 80 6 (5,8) 86 (20,6) 38 (20,6) 25 (11,5) 79 (35,4) 31 (16,7) 67 (29,9) 30 (17,9) 23 (30,6) 385 (21,4)
≥ 80 1 (0,9) 12 (2,8) 6 (3,2) 1 (0,4) 21 (9,4) 3 (1,6) 6 (2,6) 6 (3,5) 1 (1,3) 57 (3,1)

DISCUSSÃO

No período de 2013 a 2021, as coberturas vacinais contra o HPV apresentadas pelos estados da região Nordeste estiveram, no geral, abaixo da meta de 80% preconizada pelo PNI. A cobertura vacinal foi maior para as meninas e maior na primeira dose para ambos os sexos. Ceará e Paraíba alcançaram cobertura acima de 80% na primeira dose, entre as meninas. Nenhum estado da região alcançou a meta para as demais doses.

Como limitação deste trabalho, aponta-se a potencial imprecisão do cálculo das coberturas, uma vez que o estudo foi realizado com base em dados secundários (método indireto), que podem apresentar deficiência em atributos como oportunidade, qualidade dos dados, completitude, entre outros.17 Por se tratar de dados secundários anonimizados, não foi possível verificar a consistência dos registros quanto à sua correção, de modo que eventuais equívocos de registro atinentes ao sexo e à faixa etária constituem potenciais vieses.

O número de doses aplicadas pode não corresponder ao número de pessoas vacinadas, tendo em vista que pode haver duplicidades de registros e perda vacinal, além de ser possível a ocorrência de erros no registro da ordem da dose administrada: primeira ou segunda dose. O denominador é baseado em uma estimativa populacional de pessoas da faixa etária elegível para receber a vacina. Por ser uma estimativa, está mais sujeita a imprecisões do que um censo. As pessoas também podem ser vacinadas fora do município de domicílio, o que influencia na estimativa, podendo ser aumentada a cobertura em um município e reduzida em outro. Tal limitação pode ser superada por estudos que utilizam o método direto, com aferição local através de inquéritos de coberturas vacinais - método mais preciso, embora mais caro e demorado.

As baixas coberturas vacinais encontradas neste estudo, na maioria dos estados do Nordeste, sinalizam para a existência de uma situação preocupante, considerando-se que esta região apresenta a maior prevalência de infecção por HPV, é a segunda região com maior coeficiente de mortalidade de mulheres por câncer de colo do útero no país,7,18,19 e tem em um dos seus estados a maior incidência de câncer de pênis do mundo.4 Ressalta-se que o controle de doenças imunopreveníveis depende, entre outros fatores, de ampla cobertura vacinal. No caso específico da vacinação contra o HPV, postula-se que a cobertura mínima necessária seja de 80%.14

Apenas os estados do Ceará e da Paraíba alcançaram a meta de cobertura vacinal para a primeira dose entre as meninas. As melhores coberturas nesses estados podem estar relacionadas a legislações e ações específicas que vinculam a vacinação às atividades escolares, além da realização de campanhas periódicas, nas mídias sociais, sobre a importância da vacinação contra o HPV. Em avaliação das coberturas da vacina contra HPV realizada pelo Ministério da Saúde, em todo o país, com dados de 2013 a 2018, dois estados da região Nordeste (Ceará e Pernambuco) ultrapassaram a meta para a primeira dose, e cinco estados se encontravam abaixo da média nacional para a segunda dose.20

No presente trabalho, as coberturas vacinais apresentadas para o sexo masculino foram mais baixas do que para o sexo feminino, em todos os estados e em ambas as doses. Em contraste com estes resultados, estudo transversal descritivo, realizado em 24 municípios paraibanos, encontrou maior cobertura vacinal de primeira dose para o sexo masculino.21 O estudo considerou dados de 2017, referentes a 18 municípios do estado, e incluiu doses administradas em pessoas até 26 anos com comorbidades, o que pode explicar as diferenças encontradas.

A menor cobertura vacinal entre os meninos pode estar relacionada ao desconhecimento das famílias sobre o impacto negativo do HPV no sexo masculino.20,22-24 O desconhecimento da população em geral sobre o HPV foi identificado em estudo transversal conduzido entre setembro de 2016 e novembro de 2017, em unidades básicas de saúde localizadas nas 27 UFs do Brasil, com 2.125 homens e 5.569 mulheres sexualmente ativos, não vacinados, de maioria parda, com média de idade de 21,6 anos: os resultados mostram que metade dos jovens de 16 a 25 anos ainda desconhece a associação entre o vírus HPV e o surgimento de câncer.25 Estudo conduzido no Reino Unido em 2016 e 2017, com 186 pais de adolescentes entre 11 e 18 anos, observou que, entre os entrevistados que ouviram falar do HPV, há menor conhecimento sobre as sequelas associadas ao HPV para os homens, em relação ao conhecimento sobre seu impacto nas meninas.23 No Brasil, entrevistas realizadas com 826 pessoas nas sete maiores cidades do país, em 2015 e 2016, relatam que, entre os pais que recusam a vacinação contra o HPV para filhos mas a aceitam para filhas, a afirmação mais frequente foi que “a vacina contra o HPV não é recomendada para rapazes”.22 Saliente-se que o perfil de eficácia e segurança para aplicação da vacina contra HPV nesse público já foi demonstrado em estudo duplo-cego controlado, que incluiu 1.803 homens entre 16 e 26 anos, em 18 países.26

É importante que a cobertura vacinal seja alta e adequadamente distribuída, o que não se observou mesmo nos estados com cobertura acima da meta de 80%.14 No Ceará, por exemplo, embora o estado tenha apresentado cobertura acima da meta em seu território, observou-se que essa cobertura ocorreu em pouco mais da metade dos municípios. Isto significa que, mesmo que o estado tenha cobertura vacinal dentro da meta, pode ocorrer uma distribuição desigual entre seus municípios, ou seja, a distribuição não é homogênea. Para a região Nordeste como um todo, a homogeneidade foi de 18%, tendo 330 dos 1.794 municípios apresentado cobertura maior ou igual a 80% para a segunda dose. A heterogeneidade de coberturas foi observada em avaliação de coberturas vacinais por coortes etárias no sexo feminino, realizada com dados de 2013 a 2017.27 Não foram encontrados estudos que avaliaram a homogeneidade da cobertura vacinal no público masculino.

Estratégias de melhoramento das coberturas vacinais voltadas para o público adolescente, não apenas nas unidades de saúde, mas também em contextos extramuros, especialmente aquelas realizadas no ambiente escolar,28,29 podem aumentar a adesão dos adolescentes às ações de prevenção e promover a melhoria das coberturas vacinais. Estudo de coorte prospectiva, com 4.878 meninos e meninas de 9 e 10 anos, na cidade de Indaiatuba, estado de São Paulo, nos anos de 2018 e 2019, demonstrou aumento da cobertura vacinal de 16% para 50% na primeira dose, após a adoção de estratégia de vacinação em ambiente escolar.12

Conclui-se que, no período de 2013 a 2021, as coberturas da vacina contra HPV em meninas e meninos estão abaixo da meta, na maioria dos estados do Nordeste. Estudos do tipo inquérito de coberturas vacinais, além de planos com estratégias locais específicas de vacinação para cada estado, poderão ser implementados para o alcance da meta de cobertura vacinal na região.

Recomenda-se a intensificação das ações de comunicação voltadas para a população e os profissionais de saúde, além de incremento da vacinação no território, com atuação integrada a outras estratégias, a exemplo do Programa Saúde na Escola (PSE). Recomenda-se, ainda, o fortalecimento das ações das Equipes de Saúde da Família (ESF), principalmente em suas atividades de visita domiciliar e ações de mobilização da comunidade.

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Recebido: 22 de Outubro de 2022; Aceito: 27 de Janeiro de 2023

Correspondência: Mateus de Paula von Glehn. E-mail:mateus.glehn@saude.gov.br

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Glehn MP e Maranhão AGK contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Nascimento LMD, Minuzzi TTCS, Hott CE e Moraes C contribuíram na análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Freire KMR contribuiu na elaboração, análise e interpretação dos mapas e na redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

Editora associada:

Tais Freire Galvão - https://orcid.org/0000-0003-2072-4834

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