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Epidemiologia e Serviços de Saúde

Print version ISSN 1679-4974On-line version ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.32 no.2 Brasília  2023  Epub June 21, 2023

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222023000200007 

ARTIGO ORIGINAL

Subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no Sistema de Informação de Agravos de Notificação no estado de São Paulo, 2007-2018

Larissa Festa (orcid: 0000-0001-5774-3700)1  , Marli de Fátima Prado (orcid: 0000-0003-1059-5119)2  , Amanda Cristina Santos Jesuino (orcid: 0000-0002-1373-8691)3  , Rita de Cássia Xavier Balda (orcid: 0000-0002-7553-466X)4  , Ângela Tayra (orcid: 0000-0002-8039-1165)2  , Adriana Sañudo (orcid: 0000-0003-1187-0143)4  , Mariza Vono Tancredi (orcid: 0000-0002-3371-8700)2  , Maria Aparecida da Silva (orcid: 0000-0001-5356-3075)2  , Valdir Monteiro Pinto (orcid: 0000-0002-6880-7607)2  , Daniela Testoni Costa-Nobre (orcid: 0000-0001-7629-4904)4  , Carlos Roberto Veiga Kiffer (orcid: 0000-0003-1122-0693)4  , Carla Gianna Luppi (orcid: 0000-0001-9183-8594)4 

1Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, São Paulo, SP, Brasil

2Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, São Paulo, SP, Brasil

3Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, São Paulo, SP, Brasil

4Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Objetivo:

descrever a frequência de subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no estado de São Paulo, Brasil, 2007-2018.

Métodos:

estudo descritivo dos casos de aborto, óbitos fetais e não fetais por sífilis congênita notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), e daqueles registrados com sífilis congênita, em qualquer linha da Declaração de Óbito, no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), mediante relacionamentos probabilístico e determinístico.

Resultados:

dos 27.713 casos de sífilis congênita notificados, 1.320 evoluíram para óbito (871 fetais, 449 infantis) e foram pareados com o SIM; 355 óbitos (259 fetais, 96 infantis) não constavam no Sinan; ocorreu incremento de desfechos desfavoráveis, de 11,4% para óbitos infantis por sífilis congênita, 3,0% para óbitos fetais e 1,9% para abortos.

Conclusão:

o emprego de diferentes técnicas de relacionamento mostrou-se adequado para identificar a frequência da subnotificação dos desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no estado de São Paulo.

Palavras-chave: Sífilis Congênita; Sistemas de Informação em Saúde; Monitoramento Epidemiológico; Mortalidade Infantil; Epidemiologia Descritiva

Contribuições do estudo
Principais resultados Houve subnotificação de desfechos desfavoráveis para sífilis congênita no estado de São Paulo, entre 2007 e 2018. Após relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM, os óbitos infantis por sífilis congênita tiveram incremento de 11,4%.
Implicações para os serviços A importância da qualidade do dado relativo ao desfecho dos casos de sífilis congênita e a possibilidade de aplicação de técnicas de relacionamento de bases de dados na rotina das vigilâncias pode contribuir com a qualificação da informação.
Perspectivas A interação entre os sistemas de informações em saúde é imprescindível para obter estimativas mais precisas sobre a distribuição e as consequências dos principais agravos e doenças de notificação compulsória no país.

INTRODUÇÃO

Apesar dos esforços empreendidos para a eliminação da sífilis congênita e o alcance das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas,1 a sífilis congênita ainda é considerada importante causa de desfechos desfavoráveis da gestação, com a ocorrência de óbitos fetais e não fetais, abortos e baixo peso ao nascer, entre outras graves consequências.2 No mundo, em 2016, eram estimados 661 mil casos de sífilis congênita e mais de 200 mil óbitos fetais e neonatais.2

No Brasil, a taxa de incidência de sífilis congênita foi de 9,9 casos por 1 mil nascidos vivos (NV) em 2021.3 Naquele mesmo ano, dos 27.019 casos de sífilis congênita notificados, 8,8% apresentaram evolução com desfechos desfavoráveis: 1.069 óbitos, fetais ou não fetais, e 1.026 abortos.3) No estado de São Paulo, a taxa de incidência de sífilis congênita aumentou em 184% no período de 2011 a 2021;3 em 2021, a taxa de incidência foi de 7,1 casos por 1 mil NV,3 14 vezes maior que a meta de eliminação estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS),2 de 0,5 caso por 1 mil NV.

A sífilis congênita foi incluída na lista de doenças de notificação compulsória, no Brasil, em 1986.4 Os casos de sífilis congênita são notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mediante o preenchimento e digitação de um instrumento padronizado de coleta de dados, a “Ficha de Notificação/Investigação - Sífilis Congênita”, na qual devem constar informações relativas às características sociodemográficas, epidemiológicas, clínicas e de evolução do caso: vivo; óbito por sífilis congênita ou outras causas; óbito fetal; aborto.5 Nas situações em que ocorreu óbito fetal e não fetal, essa informação também deveria estar registrada no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), pois contempla dados relativos aos óbitos fetais e não fetais ocorridos em território nacional, e suas respectivas causas.6

Para que os dados provenientes do Sinan retratem com fidedignidade a magnitude da doença, o sistema de vigilância epidemiológica precisa ter qualidade, ou seja, completude, congruência das informações e ausência de duplicidades.7 A qualidade do dado relativo à evolução do caso é necessária para monitorar a gravidade da sífilis congênita, ou seja, os desfechos desfavoráveis.2

Estudos conduzidos na capital de Pernambuco, Recife,8 no estado do Ceará9 e em sua capital Fortaleza,10 focados em diferentes períodos da década de 2010, mostraram a ocorrência de subnotificação de óbitos por sífilis congênita; esses resultados foram obtidos com o emprego de técnicas de relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM. Na rotina de trabalho das equipes de vigilância epidemiológica, o relacionamento automatizado entre essas bases de dados poderia constituir uma das estratégias de qualificação da informação sobre o desfecho dos casos notificados de sífilis congênita; porém, tal processo é dificultado em função da ausência de um identificador unívoco e da fragmentação desses sistemas.11),(12

O relacionamento entre bases de dados pode-se realizar por meio dos métodos determinístico ou probabilístico.13),(14 O método determinístico faz uso de conjuntos de regras com base em resultados de concordância ou discordância entre itens correspondentes. Trata-se de um método que dispensa o uso de programas específicos e cálculos complexos, embora tenha como desvantagem a necessidade de um identificador unívoco comum entre as bases a serem vinculadas.13 Por sua vez, no método probabilístico, dada a ausência de um identificador unívoco, utiliza-se a blocagem de variáveis nominais no pareamento. A desvantagem do método probabilístico reside na complexidade do processo e na possível ocorrência de pares não verdadeiros.14

O relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM para sífilis congênita mostra-se relevante, no sentido de qualificar o dado relativo aos desfechos desfavoráveis da sífilis congênita.

O objetivo deste estudo foi descrever a frequência de subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita ocorridos no estado de São Paulo, Brasil, no período de 2007 a 2018.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo, a partir de notificações de casos e óbitos (fetais e não fetais) por sífilis congênita no Sinan e no SIM, respectivamente, no estado de São Paulo, entre 2007 e 2018.

No período de 2007 a 2018, o estado registrou 16,3% dos casos notificados de sífilis congênita no Brasil;3 em 2021, sua população geral somava 46.649.132 habitantes15 e concentrava 31% do produto interno bruto (PIB) nacional.16 No mesmo ano de 2021, em São Paulo, existiam 5.027 unidades básicas de saúde (UBS), 777 hospitais gerais e uma ampla rede de vigilância em saúde, com 356 unidades.17

No estudo, foram incluídos (i) os casos de sífilis congênita em menores de 1 ano de idade notificados no Sinan, entre 2007 e 2018, e (ii) os óbitos fetais e não fetais registrados no SIM para o mesmo período, que apresentavam os códigos A50.0 a A50.9 da 10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)18 como causa básica ou associada do óbito (estivesse essa menção em qualquer linha - parte I e parte II).

Considerou-se caso de sífilis congênita “todo recém-nascido, óbito fetal (feto morto, após 22 semanas de gestação ou com peso maior que 500 gramas) ou aborto (perda gestacional, até 22 semanas de gestação ou com peso menor ou igual a 500 gramas) de mulher com sífilis não tratada ou tratada de forma não adequada”, de acordo com a definição do Ministério da Saúde.19

Foram considerados óbitos fetais ou não fetais por sífilis congênita as seguintes situações: óbito fetal ou não fetal que encontrou a correspondência do registro na base de dados do SIM com os códigos A50.0 a A50.9 da CID-10 como causa básica ou associada; registros no Sinan com evolução “natimorto” ou “óbito por sífilis congênita”, não localizados no SIM; registros no Sinan e no SIM que apresentavam os códigos A50.0 a A50.9 da CID-10 como causa básica ou associada.

Foram utilizados os dados da base de dados do Sinan obtidos da Vigilância Epidemiológica do Programa Estadual de DST/Aids do estado de São Paulo, no dia 1o de julho de 2019; e do SIM, obtidos da Coordenadoria de Controle de Doenças, órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, no dia 1o de março de 2020. Para permitir o pareamento, as bases de dados foram fornecidas com a identificação dos indivíduos.

O relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM constituiu-se de três etapas (Figura 1). Na primeira etapa, de volumetria, padronização e normalização, foram realizados os procedimentos de preparação dos campos das bases de dados. Esse processo consistiu na mensuração de linhas e colunas, e na padronização das categorias dos campos (caracteres, tipo, tamanho, caixa e codificação).

A segunda etapa consistiu na transformação, fonetização e aprimoramento, com a execução de tratamento de datas e aplicação de algoritmo de expressões regulares por meio da remoção de termos associados a nomes. A fonetização consistiu na conversão das palavras em um código, para que a comparação fosse feita pelo código fonético e não pela escrita da palavra. Nesses procedimentos, foi utilizada a linguagem Phyton® com as bibliotecas Fonetipy e Metaphone.

Adicionalmente, foram identificados e removidos os registros duplicados, por meio da blocagem com campos nominais, como os nomes do caso e da mãe, o sexo e a data de nascimento. Foram empregados três momentos subsequentes, no tratamento dos registros duplicados: identificação, seleção e aprimoramento. No caso de duplicidade, o registro mantido foi o primeiro a dar entrada na base de dados.

A terceira etapa de procedimentos correspondeu ao relacionamento (linkage), auditoria e validação. Para o pareamento de registros, foram utilizados algoritmos da linguagem Python® no software R® com as respectivas bibliotecas NumPy, Pandas e Record Linkage. Nessa etapa operacional, as bases de dados já se encontravam limpas, padronizadas, normalizadas, sem duplicidades e fonetizadas. Para o relacionamento determinístico, empregou-se, como critério de par, 100% de similaridade entre os registros. Para recuperar os registros não pareados, foi realizado relacionamento probabilístico20 com ponto de corte de 90%. (21

A auditoria e a validação dos pares de registros foram realizadas por uma dupla de revisores técnicos, para assegurar a identificação e validação dos pares verdadeiros. No caso de coincidência, a validação era automática, enquanto nos casos discordantes, ambíguos, gemelares ou homônimos, foram revistos os registros completos e, se, necessário, eles foram encaminhados para investigação junto à unidade notificadora.

Como etapa final e complementar ao pareamento, realizou-se a investigação e busca ativa de informações juntamente com os grupos de vigilância epidemiológica regional e/ou municipal, nos casos de sífilis congênita com ausência de informação no Sinan sobre sua evolução, e assim também na investigação de óbitos não notificados. As informações obtidas foram incorporadas à base de dados resultante do relacionamento entre o Sinan e o SIM, com a correção, quando necessária, da evolução de casos.

A variável estudada foi a evolução do caso (óbito não fetal por sífilis congênita; óbito não fetal por outras causas; óbito fetal; aborto; ignorado). Foram classificados como “desfecho desfavorável da sífilis congênita” os casos de sífilis congênita que apresentaram como evolução o óbito (fetal ou infantil com sífilis congênita) e o aborto.

Foi conduzida a análise descritiva de distribuição de frequência das categorias observadas, comparando-se os valores percentuais entre as bases de dados do Sinan: original e pareada (após relacionamento). A análise foi realizada mediante a distribuição de frequência absoluta e frequência relativa dos casos com sífilis congênita; foi realizado cálculo de mudança percentual do número de casos (resultado da subtração do valor final pelo valor inicial, dividido pelo valor inicial, multiplicado por 100).

O projeto do estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids [Parecer no 4.007.885, emitido em 5 de maio de 2020; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) no 26960919.9.0000.5375] e da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (Parecer no 4.042.404, emitido em 22 de maio de 2020; CAEE no 26960919.9.3001.0086), com aprovação de ambas as instituições.

RESULTADOS

A base de dados original do Sinan de sífilis congênita apresentava 29.536 registros. Foram excluídos da análise 1.823 casos: 72 registros duplicados; 43 com idade superior a 1 ano; e 1.708 registros de ocorrências fora do período do estudo. A base de dados do SIM foi de 2.080 registros de óbitos fetais e não fetais por sífilis congênita em menores de 1 ano de idade, todos incluídos no relacionamento de bases de dados.

Após relacionamento dos 27.713 casos notificados no Sinan com a base de dados do SIM, 1.320 (4,8%) casos foram pareados e 26.393 (95,2%) não pareados. Dos 26.393 casos não pareados, 23.978 (90,8%) foram registrados como vivos, 1.490 (5,6%) como abortos, 487 (1,9%) ignorados, 259 (1,0%) como óbitos fetais, 96 (0,4%) como óbitos infantis por sífilis congênita e 83 (0,3%) óbitos infantis por outras causas. Dos 1.320 casos pareados com o SIM, 871 (66,0%) eram óbitos fetais, 295 (22,3%) óbitos infantis por sífilis congênita e 154 (11,7%) óbitos por outras causas. Foram identificados 3.011 (10,9%) desfechos desfavoráveis da sífilis congênita entre pareados e não pareados: 1.490 (49,5%) abortos, 1.130 (37,5%) óbitos fetais e 391 (13%) óbitos infantis por sífilis congênita (Figura 2).

Figura 1 Etapas do processo de relacionamento entre as bases de dados de casos e óbitos de sífilis congênita 

Figura 2 Distribuição da evolução dos casos e óbitos de sífilis congênita após o relacionamento entre as bases de dados 

A maior mudança percentual entre as versões ocorreu na evolução para “óbitos infantis por outras causas” (-11,9%) e na evolução para “óbitos infantis por sífilis congênita” (+11,4%). A menor alteração observada foi na evolução para “aborto”: 1,9%. A mudança percentual dos desfechos desfavoráveis encontrada foi de 3,5% (Tabela 1).

Tabela 1 Evolução dos casos de sífilis congênita nas bases de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), original e pareada, estado de São Paulo, Brasil, 2007-2018 

Evolução dos casos de sífilis congênita Base de dados do Sinan Mudança percentual
Original Pareada
N % N % n %
Óbitos infantis com sífilis congênita 351 12,1 391 13,0 40 11,4
Óbitos fetais 1.097 37,7 1.130 37,5 33 3,0
Abortos 1.462 50,2 1.490 49,5 28 1,9
Subtotal (desfechos desfavoráveis) 2.910 100,0 3.011 100,0 101 3,5
Óbitos infantis por outras causas 269 8,5 237 7,3 -32 -11,9
Total 3.179 100,0 3.248 100,0 69 2,2

DISCUSSÃO

Ocorreu subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no Sinan no estado de São Paulo. A maior subnotificação ocorreu com o desfecho “óbito infantil por sífilis congênita”. A realização do processo de relacionamento de base de dados foi capaz de detectar a subnotificação de desfechos desfavoráveis.

Ao se comparar com os dados do Boletim Epidemiológico do estado de São Paulo, pode ser observada a subnotificação de óbitos fetais e infantis por sífilis congênita encontrada no estado, visto que, no mesmo período, foram reportados 299 óbitos infantis com sífilis congênita; ou seja, observou-se um acréscimo de 30,7% por meio do processo de relacionamento adotado.5) Essa diferença é maior ao se comparar com os dados obtidos da base de dados do SIM: para o mesmo período, foram reportados 178 óbitos com sífilis congênita, ou seja, uma diferença de 119%.22

A subnotificação dos óbitos por sífilis congênita já foi objeto de estudos transversais conduzidos com as bases de dados do SIM e do Sinan em outros estados,8)-(10 com emprego de técnicas semelhantes de relacionamento entre casos e óbitos. No Recife,8 no período de 2010 a 2016, a proporção de subnotificações de óbitos fetais e infantis por sífilis congênita no Sinan foi de 80,9%; no Ceará,9 no período de 2010 a 2014, essa proporção foi de 89,4%; e em Fortaleza, no período de 2007 a 2013, de 90,1%.10

A diferença observada em relação ao número de óbitos fetais por sífilis congênita foi menor quando comparada ao óbito infantil. Uma possível explicação para esse achado seria a baixa qualidade do preenchimento do campo da causa de morte em óbitos fetais no SIM, registrados com maior frequência como decorrentes de causas não especificadas.23 Outrossim, também pode ocorrer subenumeração de óbitos fetais, que, apesar dos esforços empreendidos pelas equipes de vigilância dos óbitos, ainda ocorrem no Brasil acima do encontrado em países desenvolvidos.24

Verificou-se uma discreta subnotificação de casos de aborto com o emprego desse método de relacionamento. Este resultado era esperado, principalmente quando se considera que o evento não é registrado na base de dados do SIM, fonte utilizada para o relacionamento com a base de dados do Sinan neste estudo. A diferença atribuída deveu-se ao resultado da investigação de busca ativa, pela qual as equipes de vigilância regionais constataram casos com preenchimento incorreto do campo “evolução” da ficha de investigação/notificação do Sinan. Este achado também foi descrito na investigação conduzida no estado do Ceará, onde se utilizou a técnica de relacionamento entre as bases de dados do Sinan e do SIM.9

A subnotificação de desfechos desfavoráveis, especialmente os relacionados aos óbitos fetais e de menores de 1 ano de idade, não deveria ser tão elevada, já que os óbitos fetais e infantis são investigados sistematicamente no Brasil por meio da vigilância dos óbitos infantil e fetal.23 Os resultados deste estudo evidenciaram que, apesar da ocorrência da vigilância de forma continuada, ainda foi necessário realizar a busca ativa para uma nova investigação dos casos de sífilis congênita, relativamente a seus desfechos. Portanto, visando reduzir a subnotificação da sífilis congênita, faz-se necessário rever a aplicação dos critérios empregados de classificação das causas de morte pelas equipes de vigilância epidemiológica e comitês de investigação dos óbitos fetais e não fetais.8

Neste estudo, considerou-se “óbito por sífilis congênita” aquele no qual a sífilis congênita constava em qualquer linha da declaração de óbito (DO). Estudo conduzido no mesmo período, na Região Metropolitana de São Paulo, ao adotar esse mesmo critério para análise dos óbitos infantis por sífilis congênita, mostrou acréscimo de 97% no desfecho “óbito”, em relação ao encontrado por meio da análise da base de dados do SIM.25

O relacionamento entre as bases de dados realizado com a combinação das duas técnicas - determinística e probabilística - contribuiu para o sucesso no pareamento dos dados. O uso da abordagem probabilística proporciona recuperação de registros de um mesmo indivíduo que não foram identificados na abordagem determinística.26 Dessa forma, o uso híbrido das técnicas apresenta melhor performance quando comparado ao uso de técnicas de abordagem independentes, metodologia adotada na implementação do relacionamento de registros no sistema estadual de vigilância de cardiopatias congênitas no estado do Colorado, Estados Unidos, com indivíduos na idade entre 11 e 64 anos, portadores de cardiopatia congênita, registrados no sistema entre 2011 e 2013.27

Algumas limitações deste estudo devem ser apresentadas. Um fator limitante para o relacionamento das bases de dados foi a ausência de uma chave identificadora unívoca e comum, o que resultou em dificuldades operacionais e demandou o uso de técnicas probabilísticas para a identificação de pares baseados em sequência de caracteres, como o nome da mãe e/ou da criança (nas bases de dados do Sinan, em sua maioria, os casos ainda estavam identificados com os termo recém-nascido ou natimorto precedendo o nome da mãe). Ademais, a ocorrência de falhas na padronização do preenchimento dos campos de identificação empregados para o relacionamento das bases de dados, os erros no registro ou na codificação das causas de morte e o longo tempo transcorrido entre a ocorrência do desfecho e a investigação podem ter levado à ocorrência de falso pareamento dos casos. Para minimizar a possibilidade de falso pareamento de casos, utilizou-se uma estratégia de validação dos casos, que ficou a cargo de uma dupla de investigadores independentes.

Este estudo identificou subnotificação de desfechos desfavoráveis da sífilis congênita no estado de São Paulo. Visando contribuir para a redução dessa subnotificação, mostrou-se adequada a aplicação de técnicas de relacionamento de bases de dados, prática esta que pode ser incorporada à rotina da vigilância em saúde como ferramenta de aprimoramento das informações e monitoramento das doenças e agravos de notificação compulsória, entre eles a sífilis congênita.

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FINANCIAMENTO Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): Processo nº 2019/03799-6.

Recebido: 24 de Agosto de 2022; Aceito: 20 de Março de 2023

Correspondência: Larissa Festa. E-mail: larissa.festa@usp.br

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Festa L, Prado MF, Jesuino ACS, Luppi CG, Tayra A e Tancredi MV contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e dos resultados, redação e revisão crítica do manuscrito. Silva MA e Pinto VM contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito. Sañudo A, Balda RCX, Testoni Costa-Nobre D e Kiffer CRV contribuíram na análise e interpretação dos dados e dos resultados, redação e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

Editora associada

: Cristine Bonfim - https://orcid.org/0000-0002-4495-9673

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