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Epidemiologia e Serviços de Saúde

Print version ISSN 1679-4974On-line version ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.32 no.2 Brasília  2023  Epub July 03, 2023

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222023000200006 

NOTA DE PESQUISA

Avaliação da incompletude dos registros de óbitos por causas externas do Sistema de Informações sobre Mortalidade no Rio Grande do Sul, 2000-2019

Juliane de Souza Barbosa (orcid: 0000-0002-4380-2076)1  , Luiza Tartaro (orcid: 0000-0001-7703-547X)2  , Lucas da Rosa Vasconcelos (orcid: 0000-0002-8208-285X)2  , Marcela Nedel (orcid: 0000-0002-5499-5854)2  , Jéssica Ferri Serafini (orcid: 0000-0001-8124-8144)2  , Suely Garcia Suslik Svirski (orcid: 0000-0003-1343-5743)2  , Leandra Soares de Souza (orcid: 0000-0001-6897-1071)1  , Marilyn Agranonik (orcid: 0000-0003-2699-9628)3 

1Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, São Leopoldo, RS, Brasil

2Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Faculdade de Medicina, São Leopoldo, RS, Brasil

3Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Economia e Estatística, Porto Alegre, RS, Brasil

Resumo

Objetivo:

avaliar a incompletude dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) para óbitos por causas externas (CEs) no Rio Grande do Sul, Brasil, 2000-2019.

Métodos:

estudo ecológico, com dados do SIM para a totalidade das CEs e, especificamente, por acidentes de transporte, homicídios, suicídios e quedas; analisou-se a tendência da incompletude via regressão de Prais-Winsten, com nível de significância de 5%.

Resultados:

146.882 óbitos foram avaliados; sexo (0,1%), local de ocorrência do óbito (0,1%) e idade (0,4%) mostraram as menores incompletudes, em 2019; a proporção de incompletude apresentou tendência decrescente para local de ocorrência do óbito e escolaridade, crescente para estado civil e estável para idade e raça/cor da pele, entre todos os tipos de óbito avaliados.

Conclusão:

as variáveis analisadas alcançaram alto grau de preenchimento; à exceção do estado civil e da escolaridade, para as quais persistiram escores insatisfatórios para óbitos por CEs, totais e por subgrupos.

Palavras-chave: Sistemas de Informação; Atestado de óbito; Estatísticas vitais; Causas externas; Estudo ecológico

Contribuições do estudo
Principais resultados Sexo, idade, local de ocorrência do óbito e raça/cor da pele tiveram nível excelente de incompletude para óbitos por causas externas (CEs) - abaixo de 5% em todo o período -, enquanto a escolaridade teve 35,2%, e o estado civil, 11,3%, em 2019.
Implicações para os serviços Alta incompletude pode modificar o perfil de óbitos por CEs, acarretando vieses para estudos com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Persiste necessidade qualificar o preenchimento de alguns campos da Declaração de Óbito.
Perspectivas O monitoramento do preenchimento do SIM, com qualificação contínua da informação, permitirá, a todas as variáveis, níveis excelentes de incompletude e caracterização dos grupos mais vulneráveis, de forma fidedigna.

INTRODUÇÃO

As causas externas (CEs) ocupam as primeiras posições entre as principais causas de óbito nos últimos anos, no Brasil. Entre os estados brasileiros, o Rio Grande do Sul ocupou a sétima posição em mortes por CEs no ano de 2019.1

A análise de características epidemiológicas e sociodemográficas dos óbitos por CEs auxilia o planejamento e a implantação de ações específicas, de acordo com as condições sociais e de saúde.2,3 Nesse contexto, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) torna-se ferramenta essencial, tanto no monitoramento do número de óbitos como na identificação de grupos mais vulneráveis, proporcionando subsídios para o desenho de políticas públicas.4,5 Nesse sentido, é necessário alcançar elevado grau de completude das variáveis nesse sistema de informações. O grau de incompletude é um indicador que mede o não preenchimento dos registros. Considerando-se especialmente as desigualdades observadas no Brasil, seja entre estados ou macrorregiões brasileiras,6 seja entre as causas de óbito,7-9 o grau de incompletude é o indicador por excelência para um monitoramento constante do não preenchimento dos registros de variáveis sociodemográficas presentes na Declaração de Óbito (DO).

Entre os óbitos por CEs, o Rio Grande do Sul destaca-se por ser um dos dez estados com maior número de mortes atribuídas a essas causas e por apresentar a maior taxa de suicídios do país, desde 2008.1 Portanto, a análise do perfil epidemiológico desses óbitos pelo SIM aponta para a necessidade de conhecer o grau de preenchimento das variáveis desse sistema de informações.

O objetivo deste estudo foi avaliar a incompletude dos dados do SIM para os óbitos por CEs registrados no Rio Grande do Sul, Brasil, entre 2000 e 2019.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo ecológico de série temporal, utilizando-se os registros no SIM para a totalidade dos óbitos por CEs - capítulo XX da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) - e, especificamente, os subgrupos de óbitos por acidentes de transporte (capítulos V01-V99 da CID-10), homicídios (X85-Y09), suicídios (X60-X84) e quedas (W01-W20), ocorridos no Rio Grande do Sul entre 2000 e 2019. As quatro causas de óbito especificadas foram escolhidas por serem as mais prevalentes entre as CEs no estado, representando 85% dessas mortes em 2019.1

O Rio Grande do Sul está situado no extremo Sul do Brasil, sua capital é Porto Alegre e sua área geográfica de 281.707,1 km², onde estão distribuídos 497 municípios e uma população estimada de 11.466.630 habitantes em 2021.10 No ano de 2019, o Rio Grande do Sul contava com cobertura de 59,0% para a Estratégia Saúde da Família e de 74,3% para a Atenção Básica à Saúde.11 As informações utilizadas no presente estudo foram obtidas do SIM, via site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em maio de 2021.1 O SIM apresenta uma cobertura de aproximadamente 100% dos óbitos registrados na região Sul do país.12

O grau de incompletude foi definido como o percentual de informações não preenchidas, considerando-se os dados ignorados (código “9” no manual do SIM) ou deixados em branco. O grau de incompletude foi definido conforme os pontos de corte propostos por Romero e Cunha:13 (incompletude abaixo de 5%); bom (5% a 9,9% de incompletude); regular (10% a 19,9%); ruim (20% a 49,9%); e muito ruim (50% ou mais de incompletude). Avaliou-se a incompletude das variáveis presentes na DO relativas às seguintes características sociodemográficas: sexo (masculino; feminino; ignorado); idade (em anos completos: menos de 1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19; 20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 a 69; 70 a 79; 80 ou mais; ignorada); raça/cor da pele (branca; parda; preta; amarela; indígena; ignorada); escolaridade (em anos de estudo completos: 0; 1 a 3; 4 a 7; 8 a 11; 12 ou mais; ignorada); estado civil (solteiro; casado; viúvo; separado judicialmente; outro; ignorado); e local de ocorrência do óbito (hospital; outro estabelecimento de saúde; domicílio; via pública; outros; ignorado).

Em um primeiro momento, foi calculada a variação percentual (Δ%) da proporção de incompletude entre o início e o final do período selecionado para o estudo, dividindo-se a diferença do percentual de incompletude entre 2019 e 2000 pelo percentual de incompletude em 2000. Em seguida, visando avaliar a tendência da incompletude na série temporal para cada variável, foi utilizada regressão de Prais-Winsten, corrigida para autocorrelação de primeira ordem.14 Esta análise permitiu interpretar se a tendência foi crescente, decrescente ou estacionária. A variável dependente foi a proporção de incompletude; e a independente, os anos do período estudado. O nível de significância foi de 5%.

As análises estatísticas foram realizadas com o uso do software Stata em sua versão 14.0. Trata-se de um estudo ecológico, com base em dados secundários agregados e de domínio público, com o propósito de resguardar a identidade dos participantes e, que portanto, foi dispensado de avaliação por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Ressalta-se que foram seguidas todas as demais recomendações presentes na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012.

RESULTADOS

Entre 2000 e 2019, ocorreram 146.882 óbitos por CEs no estado do Rio Grande do Sul, representando 9,5% das mortes ocorridas durante o período. O sexo, a idade, o local de ocorrência do óbito e a raça/cor da pele apresentaram grau de incompletude excelente (< 5%) para todas as causas de óbito avaliadas (Tabela 1). Em 2019, as menores incompletudes observadas no preenchimento das características sociodemográficas foram para o sexo, o local de ocorrência do óbito e a idade, entre os óbitos por suicídio e quedas. O grau de incompletude do estado civil variou de bom (2000-2010) a regular (2011-2019) para a totalidade das CEs, e, especificamente, acidentes de transporte, homicídios e suicídios, atingindo 6,6% em 2019. Para óbitos por quedas, o preenchimento do estado civil variou de excelente (2000-2006) a bom (2007-2019). A escolaridade apresentou o pior desempenho no preenchimento, inicialmente com classificação muito ruim (2000-2010) e finalmente, ruim (2011-2019): em 2019, último ano do período estudado, a incompletude da escolaridade manteve-se alta, variando de 26,0% para óbitos por quedas a 38,8% para óbitos por acidentes de transporte.

Tabela 1 - Percentual de incompletude de variáveis selecionadas do Sistema de Informações sobre Mortalidade por causa externa de óbito, Rio Grande do Sul, 2000-2019 

Variáveis sociodemográficas e causas de óbito Incompletude (%)
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
6.485 6.522 6.853 6.808 6.932 6.869 6.909 7.136 7.344 7.289 7.209 7.079 7.537 7.693 7.876 7.842 8.379 8.586 7.973 7.561
Idade
Causas externas 0,3 0,4 0,3 0,3 0,3 0,2 0,4 0,6 1,1 0,7 0,6 0,8 0,6 0,5 0,3 0,5 0,3 0,4 0,6 0,5
Acidentes de transporte 0,2 0,3 0,3 0,2 0,3 0,1 0,2 0,3 0,5 0,2 0,1 0,3 0,4 0,2 0,1 0,1 0,1 0,1 0,2 0,1
Homicídios 0,3 0,3 0,4 0,2 0,2 0,2 0,5 0,9 1,4 1,3 1,2 1,4 0,9 1,1 0,4 0,8 0,6 0,9 1,1 0,9
Suicídios 0,3 0,1 - 0,2 0,1 0,1 0,1 0,1 - - - 0,2 - 0,1 - 0,1 - 0,1 0,1 -
Quedas 0,4 - - - - - - - - 0,4 - - - - - - - - - -
Local de ocorrência do óbito
Causas externas 1,2 1,0 0,8 0,5 0,6 0,7 0,8 0,4 0,5 0,6 0,4 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,3 0,2 0,1
Acidentes de transporte 0,6 0,5 0,3 0,2 0,1 0,1 0,1 0,1 - 0,3 0,1 0,2 0,5 0,2 0,2 - - 0,2 0,1 -
Homicídios 1,5 1,3 1,2 0,8 1,0 1,2 0,9 0,4 0,9 0,5 0,5 0,4 0,3 0,5 0,3 0,2 0,3 0,5 0,2 0,2
Suicídios 1,5 1,0 0,5 0,3 0,6 0,6 0,8 0,7 0,5 0,9 0,7 0,3 0,2 0,4 0,5 0,4 0,3 0,2 0,2 -
Quedas 0,4 0,7 - 0,3 - - 0,8 - 0,4 - 0,2 0,3 - - - - - 0,2 0,1 0,0
Raça/cor da pele
Causas externas 2,0 1,5 1,2 0,9 0,9 0,8 1,0 1,1 1,4 1,1 1,2 1,6 1,4 1,7 1,4 1,7 1,7 1,4 1,8 1,9
Acidentes de transporte 1,5 1,3 0,6 0,5 0,7 0,2 0,6 0,6 1,3 0,9 1,1 1,4 0,9 1,2 1,0 1,6 0,8 1,1 0,9 1,1
Homicídios 1,9 2,1 1,3 0,6 0,8 0,6 0,8 1,1 1,6 1,0 1,3 1,2 2,1 2,1 1,5 1,4 1,7 1,0 1,5 2,1
Suicídios 1,9 1,2 0,4 0,5 0,1 0,3 0,7 1,0 0,9 0,8 0,4 1,1 1,0 0,6 1,1 0,8 0,9 0,7 0,9 1,0
Quedas 4,9 0,3 2,3 1,8 1,1 1,2 0,5 0,4 1,2 1,6 1,0 2,7 1,2 3,1 1,3 3,6 2,4 3,3 4,0 2,7
Estado civil
Causas externas 6,6 6,4 7,0 7,0 6,4 7,1 7,7 9,0 8,8 8,5 8,9 11,4 11,3 12,4 10,8 11,1 9,9 10,1 12,5 11,3
Acidentes de transporte 6,1 5,4 6,3 5,8 5,2 6,1 7,3 7,8 7,8 7,2 8,4 11,6 11,9 13,2 11,8 11,1 10,1 11,3 12,3 10,0
Homicídios 7,0 6,1 7,2 5,9 4,5 6,4 7,1 6,9 7,6 7,5 7,8 9,4 9,6 10,0 9,3 9,5 8,1 8,4 11,9 11,8
Suicídios 4,4 3,2 4,3 5,1 4,6 5,4 5,6 5,9 6,1 7,0 7,5 12,1 11,2 12,7 9,5 11,3 9,0 8,8 10,6 9,6
Quedas 3,8 2,4 3,4 3,9 4,1 2,9 4,0 5,9 5,3 3,8 7,3 6,8 7,8 9,5 7,4 8,3 7,9 8,8 10,3 8,4
Escolaridade
Causas externas 56,2 56,2 58,2 57,7 56,0 57,9 56,3 57,6 55,2 54,1 52,8 44,4 39,4 38,2 38,1 40,2 36,4 36,4 37,7 35,2
Acidentes de transporte 58,5 56,9 59,4 58,1 56,1 55,6 55,9 55,6 52,9 51,8 51,3 46,0 44,5 42,7 40,5 43,1 40,1 39,8 39,9 38,8
Homicídios 60,0 58,2 62,2 61,8 60,0 63,7 59,8 63,0 60,2 57,9 56,8 42,9 34,8 35,6 34,6 38,5 33,5 34,1 38,1 34,8
Suicídios 54,3 54,8 55,0 55,9 55,1 55,5 52,3 54,7 51,3 49,2 50,1 44,2 40,8 40,5 40,4 42,6 39,1 38,2 37,7 35,7
Quedas 55,1 56,0 56,9 55,4 49,7 52,8 48,7 49,3 49,6 49,4 50,6 38,4 40,9 34,5 35,3 31,8 30,2 29,1 30,7 26,0

Nota: O sinal de travessão ( - ) representa dado numérico igual a 0,0 (zero) não resultante de arredondamento.

Também foram observadas diferentes tendências para as taxas de incompletude no preenchimento das características sociodemográficas, segundo causas de óbitos (Tabela 2). O sexo e a idade apresentaram tendência estável para a proporção de incompletude entre os óbitos por acidentes de transporte e os óbitos por homicídios. No que concerne ao sexo, como também à idade, não foi possível analisar a tendência dos óbitos por suicídio e dos óbitos por quedas devido à grande quantidade de anos com nível zero de incompletude. As proporções de incompletude para o local de ocorrência do óbito e a escolaridade apresentaram tendência decrescente em todas as causas de óbito analisadas (p-valor < 0,05). O preenchimento da raça/cor da pele manteve-se estável para CEs ao longo do período, entre os subgrupos de causas de óbito. Em contrapartida, a tendência da incompletude do estado civil revelou-se crescente para todas as causas de óbito avaliadas (p-valor < 0,001).

Tabela 2 - Variação percentual e tendência temporal da proporção de incompletude de variáveis sociodemográficas do Sistema de Informações sobre Mortalidade por causa externa de óbito (N = 20), Rio Grande do Sul, 2000-2019 

Variáveis sociodemográficas e causas de óbito Δ%a IC95% b R² ajustadoc p-valord Tendência
Idade
Causas externas 46,1 45,9;46,3 0,451 Estável
Acidentes de transporte -71,7 -71,9;-71,5 0,149 0,097 Estável
Homicídios 192,4 191,9;192,8 0,031 0,169 Estável
Local de ocorrência do óbito
Causas externas -92,2 -92,4;-91,9 0,796 < 0,001 Decrescente
Acidentes de transporte -82,1 -82,5;-81,7 0,294 0,044 Decrescente
Homicídios -84,6 -85,2;-84,0 0,780 < 0,001 Decrescente
Suicídios -89,0 -89,7;-88,2 0,527 0,002 Decrescente
Quedas -78,4 -79,2;-77,7 0,297 0,010 Decrescente
Raça/cor da pele
Causas externas -4,2 -4,7;-3,8 0,398 0,306 Estável
Acidentes de transporte -25,8 -26,5;-25,0 0,119 0,430 Estável
Homicídios 8,3 7,4;9,2 0,182 0,465 Estável
Suicídios -47,1 -48,0;-46,1 0,181 0,792 Estável
Quedas -45,7 -48,5;-42,9 0,123 0,074 Estável
Estado civil
Causas externas 70,1 69,2;71,1 0,591 < 0,001 Crescente
Acidentes de transporte 64,4 62,6;66,2 0,309 0,005 Crescente
Homicídios 67,2 65,4;69,0 0,569 < 0,001 Crescente
Suicídios 118,6 116,6;120,6 0,375 0,001 Crescente
Quedas 120,6 117,9;123,4 0,871 < 0,001 Crescente
Escolaridade
Causas externas -37,4 -39,0;-35,8 0,863 < 0,001 Decrescente
Acidentes de transporte -33,7 -37,0;-30,5 0,949 < 0,001 Decrescente
Homicídios -42,1 -45,2;-39,0 0,744 0,002 Decrescente
Suicídios -34,3 -38,2;-30,4 0,915 < 0,001 Decrescente
Quedas -52,8 -59,3;-46,3 0,899 < 0,001 Decrescente

a) Δ%: Variação percentual da proporção de incompletude entre 2000 e 2019; b) IC95%: Intervalo de confiança de 95% para Δ; c) R² ajustado: Coeficiente de determinação ajustado; d) P-valor para o teste F do modelo de regressão de Prais-Winsten.

DISCUSSÃO

O estudo encontrou discrepâncias no grau de incompletude entre as variáveis analisadas, com alguns campos a apresentar preenchimento excelente, enquanto outros ainda possuíam maior grau de incompletude. Entre as causas de óbito investigadas, não houve diferença no nível de preenchimento para uma mesma variável. Houve queda na incompletude do local de ocorrência do óbito e da escolaridade, e aumento para o estado civil. As demais variáveis apresentaram incompletude estável ao longo de todo o período.

O sexo, a idade, a raça/cor da pele e o local de ocorrência mostraram preenchimento excelente para todas as causas de óbito avaliadas. Esses resultados sugerem, fortemente, que essas variáveis podem ser utilizadas em análises demográficas e epidemiológicas sobre óbitos por CEs no estado do Rio Grande do Sul. Outros estudos, realizados na região Sudeste do país, em 2007,7,8 e no estado da Bahia, em 2010,9 observaram níveis excelentes de preenchimento apenas para o sexo e a idade em óbitos por câncer de mama e suicídio. Já o preenchimento do local de ocorrência do óbito diverge entre cidades, estados ou grandes regiões do país: no Sudeste, em 2007,8 e na região Nordeste, em 2010, e nos estados da Bahia9 e Pernambuco,15 o preenchimento foi excelente, enquanto na capital do estado nordestino do Ceará, Fortaleza, foi muito ruim.16

A tendência decrescente de incompletude para a raça/cor da pele também foi encontrada em outras regiões brasileiras, com redução de pelo menos 50% na incompletude entre 2000 e 2015.6 Porém, estudos que analisaram a incompletude dessa variável segundo causas de óbitos específicas, encontraram maiores percentuais do que os observados no presente estudo. Em Fortaleza, verificou-se uma das piores incompletudes para raça/cor da pele, de 38% em 2010,16 enquanto Romero e colaboradores identificaram estados como Alagoas, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo com escores abaixo da categoria excelente em 2015.6 Portanto, apesar dos percentuais mais baixos identificados no Rio Grande do Sul para o preenchimento da raça/cor da pele, persistem as desigualdades regionais no preenchimento da DO.

Entretanto, o estado civil e a escolaridade não obtiverem escores bons ou excelentes. Quanto ao estado civil, houve aumento do grau de incompletude no período. Resultados semelhantes foram observados na região Sudeste, em 2006,8 e no estado de Pernambuco em 2010.15 Ao longo de todo o período analisado, a escolaridade apresentou os maiores escores, permanecendo com aproximadamente 35% de incompletude no ano de 2019. O Rio Grande do Sul mostrou melhores resultados neste estudo, comparados aos observados em Fortaleza para o ano de 2010,16 embora a proporção de incompletude no estado ainda esteja aquém da encontrada por Rios e colaboradores na Bahia e por Melo e Valongueiro em Pernambuco, também para o ano de 2010.9,15

Destaca-se a importância da escolaridade e do estado civil, variáveis sociodemográficas apontadas como indicadoras de vulnerabilidade social.3,17 Pesquisas que utilizam variáveis com baixa completude podem incorrer em vieses, distorcendo o perfil de óbitos, o que pode se refletir na ausência de políticas públicas voltadas às reais necessidades da população.

Frente a grandes variações no preenchimento de diferentes variáveis, ressalta-se que, inicialmente, o Ministério da Saúde classificava os campos da DO como indispensáveis, essenciais ou secundários, acrescentando maior grau de importância às variáveis “sexo”, “tipo de óbito”, “causa básica” e “município de ocorrência”.18 Porém, desde 2001, a instituição recomenda o preenchimento de todas as variáveis constantes da DO.19 Apesar dessa mudança, a classificação inicial desses campos pode ter fomentado um ponto de vista equivocado entre os profissionais responsáveis por seu preenchimento, de que algumas variáveis possuem menor importância que outras. Essa forma como os profissionais de saúde abordam a importância das variáveis presentes na DO pode impactar em diferenças na completude dos dados, entre regiões, estados e municípios. Estudo realizado no Rio Grande do Norte, no ano de 2013, ao comparar o conhecimento de médicos, professores, residentes e estudantes de medicina acerca da DO, observou desempenho semelhante entre professores e estudantes, e inferior ao do grupo dos residentes.20 Tal resultado aponta conhecimento insatisfatório, com baixos índices de preenchimento de determinadas variáveis, possivelmente explicados pela falta de capacitação, durante a vida acadêmica, sobre a importância do completo preenchimento da DO.21

O presente estudo analisou apenas um estado brasileiro e limitou-se a uma das dimensões da qualidade dos dados, a incompletude, focando óbitos por causas externas. Existem, ainda, limitações inerentes ao uso de dados secundários como possibilidade de sub-registro de óbitos, duplicidade e confiabilidade das informações da DO. Ressalta-se que a cobertura do SIM para os estados da região Sul é de aproximadamente 100%,12 e ações contínuas da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul têm permitido uma redução a níveis próximos de zero, para duplicidade dos dados, como também buscam aumentar sua confiabilidade. Os resultados desta pesquisa contribuem para maior visibilidade de um dos aspectos da qualidade da informação das estatísticas de mortalidade no estado, ao se basearem em uma longa série histórica de óbitos. A análise da incompletude em um período de 20 anos permitiu uma observação fidedigna de sua tendência.

A pesquisa evidenciou uma tendência decrescente ou estável na incompletude da maioria das variáveis do SIM referentes aos óbitos ocorridos no estado do Rio Grande do Sul, no período estudado. Todavia, permanecem grandes diferenças no grau de incompletude dessas variáveis. A melhora da qualidade dos dados inseridos no SIM depende da estrutura dos serviços envolvidos, das ferramentas de gestão e da percepção dos profissionais quanto à completude desses registros. Como conclusão, os autores desta nota recomendam a realização de cursos de qualificação permanente e sensibilização dos profissionais de saúde e estudantes de medicina do Rio Grande do Sul sobre a importância do preenchimento de todos os campos da DO.

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Recebido: 22 de Abril de 2022; Aceito: 27 de Março de 2023

Correspondência: Marilyn Agranonik. E-mail: marilyn.agranonik@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Barbosa JS contribuiu na concepção e delineamento do estudo, coleta e interpretação dos dados e redação do manuscrito. Tartaro L, Vasconcelos LR e Nedel M contribuíram na coleta e interpretação dos dados e redação do manuscrito. Serafini JF, Svirski SGS e Souza LS contribuíram na interpretação dos dados e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Agranonik M contribuiu na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua exatidão e integridade.

Editora associada:

Thaynã Ramos Flores - https://orcid.org/0000-0003-0098-1681

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