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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.32 no.3 Brasília  2023  Epub 18-Oct-2023

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222023000300003.en 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Certificação subnacional da eliminação da transmissão vertical de HIV e/ou sífilis: relato da experiência brasileira

Angélica Espinosa Miranda (orcid: 0000-0002-5556-8379)1  , Pâmela Cristina Gaspar (orcid: 0000-0003-4642-0783)1  , Leonor Henriette de Lannoy (orcid: 0000-0002-9520-8538)1  , Aranaí Sampaio Diniz Guarabyra (orcid: 0009-0004-1860-5718)1  , Rayone Moreira Costa Veloso Souto (orcid: 0000-0001-9848-299X)1  , Esdras Daniel dos Santos Pereira (orcid: 0000-0002-5673-1545)1  , Gerson Fernando Pereira (orcid: 0000-0001-8886-1662)1  , Guilherme Borges Dias (orcid: 0000-0002-1459-3148)1  , Carmen Silvia Bruniera Domingues (orcid: 0000-0003-2784-9592)1  , Aparecida Morais Lima (orcid: 0009-0006-7207-4246)1  , Ariane Tiago Bernardo de Matos (orcid: 0009-0006-3154-2090)1  , Maria da Guia de Oliveira (orcid: 0009-0000-8750-9560)1  , Mayra Gonçalves Aragón (orcid: 0000-0001-6631-1790)1  , Nádia Maria da Silva Machado (orcid: 0000-0001-9334-9305)1  , Luíz Fernando Aires Junior (orcid: 0000-0002-2831-797X)1  , Isabella Mayara Diana de Souza (orcid: 0000-0002-3916-3478)1  , Ethel Leonor Maciel (orcid: 0000-0003-4826-3355)2  , Draurio Barreira (orcid: 0000-0002-9626-7740)1 

1Ministério da Saúde, Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, Brasília, DF, Brasil

2Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Brasília, DF, Brasil

Resumo

Objetivo:

descrever o processo de implantação subnacional da certificação da eliminação da transmissão vertical de HIV e/ou sífilis, suas principais barreiras, desafios e oportunidades.

Métodos:

em 2022, foram avaliados indicadores do último ano completo para meta de impacto, e dos dois últimos anos completos para metas de processo, disponíveis nos sistemas nacionais de informações; foram analisados relatórios descritivos e reconhecidas ações em quatro eixos temáticos, conforme recomendações da OPAS/OMS.

Resultados:

43 municípios ≥ 100 mil habitantes foram certificados, abrangendo 24,6 milhões de habitantes; um município alcançou dupla eliminação (HIV-sífilis), 28 alcançaram eliminação para HIV e 10, selos prata; para sífilis, houve uma eliminação, 4 selos ouro, 13 prata e 4 bronze; identificou-se maior número de certificações nas regiões Sudeste e Sul.

Conclusão:

barreiras e desafios do processo foram superados pela colaboração tripartite; a experiência proporcionou melhor integração da vigilância com a assistência e qualificação das ações para prevenção da transmissão vertical.

Palavras-chave: Transmissão Vertical; HIV; Sífilis; Vigilância em Saúde Pública; Certificação

Contribuições do estudo

Principais resultados

Primeira experiência do processo subnacional de certificação da eliminação da transmissão vertical (ETV) de HIV e/ou sífilis em nível global. Em 2022, foram certificados 43 municípios ≥ 100 mil habitantes, abrangendo 24,6 milhões de habitantes.

Implicações para os serviços

A experiência da certificação subnacional da ETV foi importante na mobilização dos municípios que se engajaram nas ações, trabalharam pela melhoria da qualidade de assistência e vigilância e foram os principais protagonistas do processo.

Perspectivas

Com esta iniciativa contínua e dinâmica, há expectativa de adesão de mais de 100 municípios e estados em 2023. A certificação subnacional tem o objetivo de qualificar o cuidado integral a gestantes, para alcançar a certificação da ETV nacional.

Palavras-chave: Transmissão Vertical; HIV; Sífilis; Vigilância em Saúde Pública; Certificação

INTRODUÇÃO

Apesar dos avanços tecnológicos das últimas décadas, a transmissão vertical (TV) de sífilis e do vírus da imunodeficiência humana, o HIV (Human Immunodeficiency Virus), configura-se como um importante problema para a saúde pública, haja vista seus impactos na saúde materno-infantil.1),(2 A prevenção da TV constitui uma das estratégias estabelecidas para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 das Nações Unidas, visando promover a saúde e o bem-estar, salvaguardar os direitos humanos, fomentar a igualdade de gênero e reduzir desigualdades.3),(4

Desde a década de 1990, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) incentiva a redução da incidência dos casos de sífilis congênita para menos de 0,5 caso por 1 mil nascidos vivos. Diversas recomendações e diretrizes têm sido publicadas, e um plano foi proposto para os Estados-membros das Américas impulsionarem a eliminação da transmissão vertical (ETV) do HIV e da sífilis, com metas a serem cumpridas até 2015.5 Cuba foi o primeiro país no mundo a receber certificação da ETV de HIV e sífilis.6 O plano inicial da OPAS foi ampliado em 2016, quando passou a incluir a hepatite B e a doença de Chagas.7

Após a iniciativa da OPAS, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2014 o guia que estabeleceu os critérios e processos para validar a ETV de HIV e/ou sífilis em nível global. Esses critérios foram ampliados em 2017, quando se estabeleceu a possibilidade de os países com elevada prevalência de HIV e/ou sífilis serem certificados com a atribuição de selos “rumo à eliminação”, um estímulo ao alcance gradual na redução das taxas de TV.8

No mesmo ano de 2017, o Brasil lançou o primeiro guia de ETV subnacional para HIV, com a certificação da cidade de Curitiba; em 2019, coube aos municípios de São Paulo e Umuarama serem certificados. Em 2021, o guia brasileiro foi atualizado e incluiu a TV da sífilis; e ainda, uma segunda edição do documento, baseada no guia proposto pela OMS, veio a permitir a certificação única (HIV ou sífilis) e dupla, ademais de prever a certificação por meio do Selo de Boas Práticas rumo à ETV de HIV e/ou sífilis, nas categorias ouro, prata e bronze, para contemplar locais que não tenham atingido as metas de eliminação mas apresentem indicadores próximos (Quadro 1).8 A política nacional adotou a certificação de ETV subnacional para municípios com 100 mil habitantes ou mais,9 dando visibilidade à pauta e discutindo a importância de uma vigilância e assistência integradas, de qualidade.10),(11

Quadro 1 Metas de impacto e de processo para certificação da eliminação da transmissão vertical de HIVa e/ou sífilis, Brasil 

Critérios mínimos Parâmetro
Eliminação Selo
Metas de impactob Ouro Prata Bronze
1) Taxa de incidência de crianças infectadas pelo HIV devido à transmissão verticalc ≤ 0,5 caso por 1 mil NVsd ≤ 1,0 caso por 1 mil NVsd ≤ 1,5 caso por 1 mil NVsd ≤ 2,0 casos por 1 mil NVsd
2) Taxa de transmissão vertical do HIVc ≤ 2% ≤ 2% ≤ 2% ≤ 2%
3) Taxa de incidência de sífilis congênita ≤ 0,5 caso por 1 mil NVsd ≤ 2,5 casos por 1 mil NVsd ≤ 5,0 casos por 1 mil NVsd ≤ 7,5 casos por 1 mil NVsd
Metas de processoa Eliminação Ouro Prata Bronze
1) Cobertura mínima de quatro consultas no pré-natal ≥ 95% ≥ 95% ≥ 90% ≥ 90%
2) Cobertura de gestantes com pelo menos um teste para HIVc no pré-natal
3) Cobertura de gestantes vivendo com HIVc em uso de terapia antirretroviral no pré-natal
4) Cobertura de gestantes com pelo menos um teste para sífilis no pré-natal
5) Cobertura de gestantes tratadas adequadamente para sífilis no pré-natal

a) HIV: Virus da imunodeficiência humana (Human Immunodeficiency Virus); b) Para as metas de impacto, considera-se o último ano completo de cada agravo, e para as metas de processo, os dois últimos anos completos, dada a necessidade de conclusão da investigação do caso; c) Taxas adaptadas para o Brasil, menores do que as preconizadas pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), haja vista ser baixa a incidência de HIV no país; c) d) NVs: Nascidos vivos.

Fonte: Adaptação do Guia de Certificação da Eliminação da Transmissão Materno-Infantil.9

A atualização do guia estimulou o processo de certificação subnacional ao incluir os selos de boas práticas. Esta medida foi importante para atender à realidade do Brasil: grandes diferenças regionais e uma elevada taxa de detecção de sífilis na gestação. A despeito do avanço na cobertura da atenção ao pré-natal no país, a qualidade dos serviços com oferta e tratamento oportunos, principalmente da sífilis, não foi suficiente para conter a TV.12),(13 Estudos apontam que falhas na testagem durante o pré-natal, inadequação ou ausência de tratamento da sífilis e do HIV em gestantes são responsáveis pela maior parte dos casos de sífilis congênita e TV do HIV.1),(14),(15

A consecução do processo de certificação subnacional de eliminação de HIV e/ou sífilis, ou ainda, da atribuição de selos de boas práticas, teve como parâmetro o desempenho de indicadores municipais de impacto e de processo.8),(9

Este artigo teve como objetivo descrever o processo de implantação da certificação da eliminação da transmissão vertical de HIV e/ou sífilis no Brasil, suas principais barreiras, desafios e oportunidades.

MÉTODOS

O processo de certificação da ETV de HIV e/ou sífilis ocorreu em municípios com população ≥ 100 mil habitantes,³ durante o ano de 2022, enquanto estratégia de parceria do Ministério da Saúde, estados e municípios, com o intuito de aprimorar as ações para a redução da transmissão vertical do HIV e da sífilis, infecções ainda consideradas um problema em saúde pública no país.9 Os anos avaliados foram 2019 e 2020.

Os passos para a implantação da certificação foram: (i) a instituição da Comissão Nacional de Certificação de TV; (ii) a definição de critérios e indicadores de processo e impacto; (iii) a construção da lista de cidades com ≥ 100 mil habitantes e estados elegíveis, com atendimento aos indicadores preconizados; (iv) a apresentação da proposta para estados e municípios; (v) a elaboração padronizada do relatório de certificação, com base no suplemento do Guia para Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis, pelo município ou estado candidato; (vi) a análise dos relatórios municipais pelo Ministério da Saúde; (vii) a constituição e treinamento da Equipe Nacional de Validação (ENV), formada por especialistas de cada eixo temático; (viii) a elaboração do manual de campo para a ENV; (ix) o planejamento e execução de visitas in loco pela ENV, com base no suplemento do Guia;16 (x) a validação da certificação pela Comissão Nacional de Validação (CNV); e finalmente, (xi) a certificação, formalizada em ato público, com a entrega de placas e certificados. A operacionalização do processo ocorreu a partir da criação do fluxo de solicitação e concessão de certificação (Figura 1).

a) HIV: Vírus da imunodeficiência humana (Human Immunodeficiency Virus).

Nota: O fluxo de solicitação e concessão de certificação inicia-se em um primeiro contato do Ministério da Saúde com estados e munícipios; segue-se a elaboração de relatório pela equipe local do município, com base no Suplemento do Guia de Certificação;16 após análise e emissão de parecer do estado, o mesmo relatório é encaminhado ao Ministério da Saúde; este faz uma análise global do documento quanto ao atendimento de critérios mínimos, e se estes são atendidos, dá seguimento à visita in loco, realizada pela Equipe Nacional de Validação (ENV); finalizada essa etapa, a ENV elabora um relatório da visita, a ser submetido à apreciação da Comissão Nacional de Validação (CNV), composta de representantes de diversas instituições relacionadas ao tema; finalmente, a CNV decide pela aprovação ou não da certificação.

Figura 1 - Fluxo de operacionalização do processo de certificação municipal de transmissão vertical de HIVa e/ou sífilis segundo as competências do Ministério da Saúde, das comissões e da equipe de validação 

No Guia para Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis, a estratégia de certificação subnacional reconhece o desenvolvimento de ações distribuídas em quatro eixos temáticos, conforme as recomendações da OPAS/OMS:

a) programas e serviços;

b) vigilância epidemiológica e qualidade dos dados;

c) capacidade diagnóstica e qualidade dos testes; e

d) direitos humanos, igualdade de gênero e participação da comunidade.

Estes quatro eixos foram estruturados para, a partir das melhores evidências, induzir a organização e qualificação do cuidado segundo os recursos logísticos e tecnológicos disponíveis, desde o acompanhamento pré-natal precoce, com acesso oportuno a testagens e tratamento adequado, até a vigilância, por meio de monitoramento e controle dos casos.9

As prerrogativas e critérios mínimos para certificação dos municípios incluíram (i) o alcance prévio de indicadores de impacto e processo, estabelecidos no Guia para Certificação da ETV (Quadro 1), (ii) a implantação de Comitê de Investigação de TV por HIV e/ou Sífilis, ou grupos técnicos/de trabalho ou Comitê de Mortalidade Materno-Infantil, (iii) a disponibilidade de sistema de vigilância e monitoramento dos casos de TV de HIV e/ou sífilis, (iv) a comprovação de medidas preventivas adequadas para ETV de HIV e/ou sífilis, e (v) a salvaguarda dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à saúde e seus determinantes sociais.9

Do total dos 326 municípios brasileiros ≥ 100 mil habitantes, 85 foram considerados previamente elegíveis, conforme análise de indicadores e metas de impacto e processo disponíveis nos sistemas nacionais de informações; à exceção da testagem, cuja fonte é de origem local. Os gestores dos estados, contatados pelo Ministério da Saúde via e-mail e chamada telefônica, foram solicitados a participar do processo de certificação, na elaboração de estratégias de apoio aos gestores municipais e profissionais de saúde da rede, para análise epidemiológica dos dados e construção do relatório descritivo.

A principal etapa do processo foi a visita in loco aos municípios, realizada pela ENV, cujos integrantes deveriam provir de estados diferentes dos municípios visitados. O objetivo da visita foi validar e qualificar as informações contidas no relatório encaminhado pelo município. Essa atividade foi dividida em dois momentos: primeiramente, uma reunião técnico-política com gestores estaduais, municipais, profissionais de saúde e organizações não governamentais (ONGs) locais atuantes no processo; em segundo lugar, a visita aos serviços de saúde que compõem a rede de atenção materno-infantil (vigilância, ouvidoria, laboratório, unidades de atenção primária, serviço de atenção especializada (SAE), centro de testagem e aconselhamento (CTA), maternidade, Consultório de Rua, entre outros). As unidades de atenção primária visitadas deveriam estar localizadas, de preferência, em regiões de maior vulnerabilidade social.

Para padronizar as visitas, construiu-se (i) uma lista de pontos a serem avaliados para cada tipo de solicitação (HIV, sífilis ou dupla certificação), conforme os quatro eixos anteriormente descritos, e (ii) um roteiro estruturado para construção de relatórios durante as visitas técnicas, com inclusão dos pontos avaliados e observações.16 Nas visitas, que duraram de 3 a 5 dias, de acordo com o tamanho do município e conforme o cronograma da equipe nacional, buscou-se percorrer, juntamente com equipe local de saúde do território, a trajetória da gestante, com o propósito de observar a organização do atendimento, a adequação do fluxo, o acesso aos serviços e as ações de vigilância. Foram realizadas entrevistas individuais, com amostra de conveniência envolvendo profissionais de saúde e usuárias dos serviços (gestantes ou puérperas). Realizou-se, ainda, a verificação de sistemas de informações e de prontuários.

Para cada visita redigiu-se um relatório, destinado a subsidiar a Comissão Nacional de Certificação no julgamento final sobre a concessão da certificação. Essa Comissão é composta por representantes do Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), conselhos de classe (medicina, enfermagem e farmácia), sociedades científicas, OPAS, UNICEF, UNAIDS e Agência Nacional de Saúde (ANS). O relatório da visita também foi enviado aos municípios, no esteio de um processo contínuo de aprimoramento e qualificação.

A certificação subnacional tem validade de 2 anos para municípios ≥ 1 milhão de habitantes, e de 3 anos para municípios com ≥ 100 mil e < 1 milhão. Durante esse período, os municípios devem manter os desempenhos de seus indicadores anualmente, por meio dos sistemas de informações disponíveis.

Os dados analisados estão disponíveis em relatórios já publicados, razão por que o trabalho não foi submetido a apreciação ética.

RESULTADOS

A maior parte dos 326 municípios ≥ 100 mil habitantes no Brasil encontram-se na região Sudeste (n = 154), seguida do Nordeste (n = 64). Estas regiões concentram 71,5% da população brasileira residente em munícipios desse porte (Figura 2).

Figura 2 - Distribuição dos municípios brasileiros com 100 mil habitantes ou mais, segundo porte populacional (A) regiões (B) e população por região (C) 

No total, foram recebidas 45 solicitações de certificação de municípios, distribuídos nas cinco regiões geográficas do país, e 43 receberam certificado e/ou selo de boas práticas. O processo envolveu visitas a 337 serviços de saúde da rede materno-infantil. Os serviços localizados em área de maior vulnerabilidade social e individual, maternidades e serviços de atenção especializada (SAEs) eram priorizados. As especificidades locais e o cumprimento do cronograma representaram desafios vivenciados pela ENV.

Ao final do processo, em 2022, das 43 certificações entregues, 38 foram para HIV e 22 para sífilis. Um município alcançou a dupla eliminação, para HIV e sífilis. O maior número de certificações ocorreu nas regiões Sudeste e Sul do país. O total de municípios certificados abrangeu 24,6 milhões de habitantes. Com relação às categorias, 28 alcançaram a eliminação para HIV; e 10, selos prata. Para sífilis, houve uma eliminação, 4 selos ouro, 13 prata e 4 bronze (Figuras 3A e 3B).

Nota: Dois munícipios não foram certificados por não atenderem aos critérios estabelecidos durante a análise de relatório encaminhado pelo município e a visita in loco.

Figura 3 - Distribuição dos municípios brasileiros, segundo certificação para a eliminação ou rumo à eliminação da transmissão vertical do HIV (A), da sífilis (B) e elegibilidade para a certificação HIV e/ou sífilis, por desempenho de indicadores de processo e resultado (C) 

DISCUSSÃO

O processo subnacional de certificação de ETV de HIV e/ou sífilis no Brasil foi a primeira experiência realizada nesse sentido, e pode servir de modelo para outros países. Implementada em 2022 para ambos os agravos, a iniciativa demonstrou a importância de se trabalhar com estados e municípios na organização das redes de serviço e de vigilância dessas infecções.

Algumas barreiras e desafios surgiram durante o processo, mas o trabalho conjunto das três esferas de governo facilitou a consecução de soluções e adaptações dentro da dinâmica descrita. A primeira adequação necessária foi a utilização do Guia de Certificação proposto pela OMS,8 como principal referência na atualização do guia brasileiro,9 em detrimento do modelo de certificação proposto pela OPAS,7 que recomendava a certificação da ETV dupla - de HIV e sífilis -, ademais de incluir hepatite B e doença de Chagas. Essa adequação foi necessária para permitir a certificação, em separado, de HIV ou sífilis, e a inclusão dos selos de boas práticas rumo à ETV. O ajuste buscou aumentar o número de municípios envolvidos, pois era necessário estimulá-los a incluir a TV em suas agendas prioritárias. Mesmo com desafios geográficos, especificidades locais e questões determinantes de contexto social, o processo possibilitou melhorias nos procedimentos de vigilância e assistência nos municípios visitados.

Uma barreira encontrada na experiência foi a dificuldade em mensurar o indicador de cobertura de gestante com pelo menos um teste de HIV e/ou sífilis no atendimento pré-natal, visto que não há fonte de dados única e nacional para sua verificação. Observou-se que a adesão ao prontuário eletrônico do Ministério da Saúde, que permite esse registro da informação, é heterogênea no país. Também foi observado que parte significativa dos munícipios candidatos realizava testagem rápida, mas não registrava esse procedimento de forma sistematizada. Adicionalmente, havia lacuna na captação desse dado na rede privada de saúde. Logo, a alternativa encontrada foi oportunizar a análise sistemática dos prontuários, a partir de amostra aleatória representativa da população de nascidos vivos nos anos avaliados, quais sejam: os prontuários do último ano completo, para metas de impacto; e dos dois últimos anos completos, para metas de processo. Essa medida foi importante e motivou ainda mais os municípios a participarem do processo de certificação de eliminação da TV de HIV e/ou sífilis.

A atenção pré-natal é essencial para que se obtenham bons resultados no desfecho da gestação; sua qualidade está relacionada com a disponibilidade de insumos e o estabelecimento de rotinas no atendimento.11),(14 Algumas estratégias podem ajudar a melhorar a testagem no pré-natal, entre elas a implantação do duo-teste, para diagnóstico conjunto de sífilis e HIV, reconhecidamente custo-efetivo em vários países.17),(18 Outra estratégia importante é a sensibilização do profissional da atenção primária, no sentido de melhorar a notificação de casos e procedimentos realizados durante o atendimento, tornando-se parte integrante do sistema de vigilância.19

Uma oportunidade na condução deste processo foi a realização das visitas presenciais aos municípios, o que proporcionou momentos de troca de experiências e conhecimentos, mobilização das equipes locais, percepção de fortalezas e fragilidades nos processos desenvolvidos nas localidades, além de incentivo à utilização dos sistemas nacionais de informações e do prontuário eletrônico da atenção primária. O processo de certificação é uma estratégia de mobilização e educação contínua. Os indicadores são monitorados nas três esferas da gestão, anualmente, estimulando o empoderamento mediante o reconhecimento dos esforços conjuntos realizados. As etapas do processo proporcionaram o fortalecimento da integração entre a vigilância e a atenção em saúde, da intersetorialidade, da gestão interfederativa e do controle social no enfrentamento da ETV. Tudo isso retroalimenta uma metodologia contínua de aprendizagem e aperfeiçoamento local, em um mecanismo potente de indução ao alcance de metas de processo e impacto, rumo à ETV de HIV e sífilis.20),(21

Ao incluir o eixo “direitos humanos, igualdade de gênero e participação da comunidade”, o processo de certificação promoveu o reconhecimento de experiências municipais na prevenção, diagnóstico e tratamento, no contexto de populações em situação de vulnerabilidade e iniquidade no acesso a esses serviços, e evidenciou a demanda de fomento à participação da comunidade nas instâncias de controle social, como conselhos de saúde e ouvidorias.9 Este é um movimento contínuo e prioritário na agenda nacional, pois o Brasil é um país signatário da OPAS na estratégia de ETMI-Plus e, mais recentemente, na eliminação de doenças - passíveis de eliminação - nas Américas. Nesse sentido, uma reunião plenária da comissão tripartite, fórum composto pelo Ministro da Saúde e os presidentes do CONASS e do CONASEMS, resultou no Pacto Nacional para a Eliminação da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis, Hepatite B e Doença de Chagas como Problema de Saúde Pública, até 2030.22 Por conseguinte, o Guia para Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis está sendo atualizado, para a inclusão da hepatite B e da doença de Chagas na certificação subnacional desses agravos.

A experiência com o processo de certificação da ETV de HIV e/ou sífilis em 2022 foi importante na mobilização dos municípios, que se engajaram em suas ações, trabalharam para a melhoria da qualidade de assistência e foram os principais protagonistas do processo. A participação das três esferas de governo - federal, estadual e municipal -, da sociedade civil e do meio científico mostrou a força da governança tripartite, principalmente em um país com dimensões continentais como o Brasil. Para o ano de 2023, todo o processo está sendo repetido, com a perspectiva da adesão de mais de 100 municípios. A experiência da certificação subnacional da eliminação da transmissão vertical de HIV e/ou sífilis mostrou que, mais importante que os resultados, foram os meios utilizados para atingi-los, proporcionando mudanças na rotina dos serviços e melhor integração da vigilância com a assistência à saúde.

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Recebido: 12 de Maio de 2023; Aceito: 24 de Julho de 2023

Correspondência: Angelica Espinosa Miranda. E-mail: amiranda.ufes@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Miranda AE, Gaspar PC, Lannoy LH, Guarabyra ASD, Souto RMCV, Pereira GF e Dias GB contribuíram na concepção e delineamento do estudo, obtenção dos dados, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Pereira EDS, Lima AM, Matos ATB, Oliveira MG, Aragón MG, Machado NMS, Aires-Junior LF e Souza IMD contribuíram na obtenção dos dados, condução do estudo e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Domingues CSB, Maciel EL e Barreira D contribuíram na redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

Editora associada:

Bárbara Reis-Santos - https://orcid.org/0000-0001-6952-0352

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