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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.33  Brasília  2024  Epub 16-Ene-2024

http://dx.doi.org/10.1590/s2237-96222024v33e2023398.en 

ARTIGO ORIGINAL

Análise temporal e distribuição espacial da sífilis adquirida no estado de Mato Grosso, 2010-2021: estudo ecológico

Susi Astolfo (orcid: 0000-0003-2707-7924)1  , Amanda Cristina de Souza Andrade (orcid: 0000-0002-3366-4423)2  , Ruth Terezinha Kehrig (orcid: 0000-0003-2931-1067)2 

1Superintendência Estadual do Ministério da Saúde, Serviço de Articulação Interfederativa e Participativa, Cuiabá, MT, Brasil

2Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Saúde Coletiva, Cuiabá, MT, Brasil

Resumo

Objetivo:

Analisar a tendência temporal e a distribuição espacial da sífilis adquirida em Mato Grosso, de 2010 a 2021.

Métodos:

Estudo ecológico utilizando notificações de sífilis adquirida do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. As taxas de detecção foram calculadas por macrorregiões de saúde e triênios (2010-2012, 2013-2015, 2016-2018, 2019-2021). O método jointpoint foi utilizado no cálculo da variação percentual anual (VPA). Foram construídos mapas temáticos das taxas bayesianas e a distribuição analisada por Moran local.

Resultados:

A taxa de detecção passou de 16,2/100 mil habitantes, no primeiro triênio (2010-2012), para 70, no último triênio (2019-2021). A macrorregião Centro-Norte apresentou a maior taxa no último triênio (94,3/100 mil hab.), enquanto a maior tendência de aumento ocorreu na macrorregião Centro-Noroeste, de 2013 a 2018 (VPA = 50,2; IC95% 26,3;78,6). As taxas bayesianas aumentaram na maioria dos municípios.

Conclusão:

Houve tendência de aumento da sífilis adquirida, principalmente nos dois últimos triênios.

Palavras-chave: Doenças Sexualmente Transmissíveis; Sífilis; Mapeamento Geográfico

Contribuições do estudo

Principais resultados

A taxa de detecção da sífilis aumentou do primeiro triênio (2010-2012) para o último (2019-2021), sendo a mais alta no Centro-Norte no último triênio. Na macrorregião Centro-Noroeste ocorreu a maior variação (2013-2018). As taxas bayesianas aumentaram na maioria dos municípios.

Implicações para os serviços

As ações de promoção, prevenção e tratamento devem ser direcionadas aos locais adequados, contribuindo para a melhoria dos indicadores de controle da doença e para o melhor aproveitamento dos recursos materiais disponíveis.

Perspectivas

Espera-se que os resultados do estudo contribuam com estratégias de controle da sífilis, por pesquisadores, profissionais de saúde e população, e para a maior efetividade na prevenção, inclusive nos registros para seguimento dos casos no contínuo do cuidado.

Palavras-chave: Doenças Sexualmente Transmissíveis; Sífilis; Mapeamento Geográfico

INTRODUÇÃO

Entende-se por sífilis adquirida todas as formas de sífilis, com exceção da congênita, cuja abordagem é distinta das demais. A sífilis em gestante, embora seja adquirida, tem seus dados notificados separadamente. Os sistemas de informação em saúde utilizados para notificação da sífilis no Brasil são o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e o e-SUS/Vigilância em Saúde.

A sífilis é uma infecção bacteriana sexualmente transmissível (IST) que tem se configurado como uma epidemia, devido à tendência de crescimento observada na maioria dos países de renda média, como o Brasil.1 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 7,1 milhões de adultos contraíram sífilis em 2020.2

O aumento dos casos de sífilis no Brasil foi registrado pelo Boletim Epidemiológico da Sífilis, do Ministério da Saúde (MS), que reportou um aumento da incidência de 2 casos por 100 mil habitantes, em 2010, para 9,3 casos por 100 mil habitantes em 2011.3 Esta tendência de aumento tem sido atribuída a alguns fatores, como a ampliação da testagem, em especial os testes rápidos, a redução do uso de preservativo, a resistência de profissionais de saúde da atenção primária à saúde (APS) na administração da penicilina (que pode ser justificado pelo temor ao risco de reações alérgicas ao medicamento), o desabastecimento mundial de penicilina e aprimoramento do sistema de vigilância do evento. 4

Diante da gravidade do cenário epidemiológico da sífilis no Brasil, o MS declarou a sífilis como uma epidemia, em 2016, que exigiu ações estratégicas por parte das autoridades sanitárias, visando à redução da sua ocorrência nos diferentes estados do país.5 Em 2017, com o objetivo de reduzir a transmissão da sífilis no nível nacional, o MS lançou, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Projeto Interfederativo de Resposta Rápida à Sífilis nas Redes de Atenção.5 Em 2019, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Atenção Integral às Pessoas com IST trouxe, como inovação, a elaboração de um algoritmo de decisão clínica para manejo da sífilis, com recomendações para testar, diagnosticar, tratar, notificar e monitorar os casos de sífilis.1),(4

Diversas pesquisas publicadas mostram a evolução da sífilis congênita e da sífilis adquirida em gestantes no cenário nacional, nos estados e no Distrito Federal.6)-(10) Entretanto, estudos epidemiológicos analisando a ocorrência da sífilis adquirida são escassos.11)-(14 Cabe ressaltar que ainda são poucos os estudos que analisaram tendências do evento segundo as regiões de saúde, que fornecem dados importantes para a avaliação das estratégias visando ao enfrentamento do problema em cada região.

O objetivo do presente estudo foi analisar a tendência temporal e a distribuição espacial da taxa de detecção da sífilis adquirida no estado de Mato Grosso, de 2010 a 2021.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico dos casos de sífilis adquirida, analisando a tendência temporal e descrevendo a distribuição espacial das taxas de detecção, de acordo com a macrorregião, no Mato Grosso. O estado de Mato Grosso localiza-se na região Centro-Oeste do país e possuía uma população estimada de 3.658.813 hab., em 2022,15 no conjunto dos seus 141 municípios distribuídos em seis macrorregiões de saúde (Figura 1) e 16 regiões: Norte (Alto Tapajós, Vale do Peixoto, Teles Pires, Vale do Arinos e Norte), Sul (Sul), Leste (Araguaia Xingu, Norte Araguaia Karajá, Médio Araguaia e Garças Araguaia), Oeste (Sudoeste e Oeste) e Centro-Norte (Baixada Cuiabana) e Centro-Noroeste (Centro Norte, Médio Norte e Noroeste).

Fonte: Dados cartográficos do IBGE.

Figura 1 Macrorregiões de saúde, Mato Grosso, 2021 

A população de estudo constituiu-se de casos de sífilis adquirida notificados nos municípios do estado, no período de estudo, extraídos do Sinan e disponibilizados pela Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica (Covepi) da Secretaria de Estado de Saúde (SES/MT), em novembro de 2022. As estimativas populacionais foram obtidas no TabNet, disponível no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS). Os dados foram organizados em planilha do Excel. A taxa de detecção foi calculada dividindo-se o número de casos notificados, no local e período, pela população, no local e período, multiplicado por 100 mil habitantes por ano.

As taxas de detecção foram analisadas de acordo com as macrorregiões de saúde (Sul, Oeste, Norte, Leste, Centro-Noroeste e Centro-Norte) e triênios (2010-2012, 2013-2015, 2016-2018, 2019-2021). Nas análises espaciais, as unidades de análise foram os municípios de Mato Grosso nos mesmos triênios.

A análise de tendência das taxas de detecção foi realizada de acordo com macrorregião de saúde, empregando-se o modelo jointpoint. Consideraram-se as taxas de detecção log-transformadas como variáveis dependentes (y) e os anos do período de estudo como variáveis independentes (x). O modelo jointpoint permite ajustar as linhas de tendência e seus pontos de inflexão em uma escala logarítmica.16),(17 Foram calculadas a variação percentual anual (APC ‒annual percent change) e a variação percentual média anual (AAPC ‒Average annual percent change). A tendência foi classificada como crescente (APC positiva e p-valor < 0,05), decrescente (APC negativa e p-valor < 0,05) e estacionária (p-valor > 0,05). O software utilizado foi o Joinpoint Regression Program, versão 4.9.0.0.

Na análise da distribuição das taxas de detecção foram construídos mapas temáticos por município para cada triênio por meio do software QGIS, versão 3.18 com o sistema de projeção e referência SIRGAS 2000. A base cartográfica do estado (municípios, regionais e macrorregiões de saúde) foi a disponibilizada no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).18

As taxas de detecção da sífilis foram suavizadas por meio do cálculo das taxas bayesianas empíricas locais [média ponderada entre a taxa bruta da localidade e a taxa global da região (razão entre o número total de casos e a população total)] no software GeoDa.

O mesmo software foi utilizado para a construção dos mapas com o indicador LISA do teste de Moran univariado local, a fim de se analisar o nível de autocorrelação espacial local. A análise dos quadrantes indica áreas de associação espacial positiva Q1 (++) e Q2 (--), e áreas de associação espacial negativa Q3 (+-) e Q4 (-+). As áreas localizadas nos quadrantes Q1 e Q2 formam clusters (agregados de casos de sífilis adquirida) de valores similares com autocorrelação positiva, enquanto as áreas localizadas nos quadrantes Q3 e Q4 não apresentam similaridades entre as áreas vizinhas, ou seja, autocorrelação negativa.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso, sob o parecer no 5.245.07, em 16 de fevereiro de 2022, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Foram utilizados exclusivamente dados secundários, portanto, não houve necessidade da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Foram analisados 17.712 casos de sífilis adquirida notificados no estado, de 2010 a 2021. A taxa de detecção aumentou no período, passando de 14,7, em 2010, para 69,2 por 100 mil hab., em 2021. Houve maior pico de ocorrência em 2018 (86,1 por 100 mil hab.). Considerando-se as diferenças das taxas entre os triênios, observou-se que a taxa de detecção de sífilis adquirida aumentou de 16,2 por 100 mil hab., no primeiro triênio (2010-2012), para 70 por 100 mil hab., no último (2019-2021). As taxas dos dois últimos triênios foram mais elevadas que os triênios anteriores em todas as macrorregiões do estado, conforme mostra a Figura 2.

Figura 2 Taxas de detecção de sífilis por 100 mil habitantes segundo macrorregião de saúde, Mato Grosso, 2010-2021 

A macrorregião Centro-Norte, que inclui a região de saúde da Baixada Cuiabana, onde se situam as duas maiores cidades do estado em termos populacionais (a capital, Cuiabá, e Várzea Grande), apresentou taxas de detecção mais altas em relação às demais macrorregiões em quase todos os períodos da série histórica, exceto no segundo triênio, quando a macrorregião Norte apresentou taxa mais elevada. O incremento nas taxas de detecção, do primeiro até o último triênio, foi mais acentuado na macrorregião Norte, onde se observou aumento de 677,5%, e na macrorregião Centro-Noroeste, que apresentou aumento de 514%. A macrorregião Sul foi a que apresentou menor incremento das taxas, 223,6%.

Na macrorregião Centro-Noroeste, as maiores taxas de detecção dos dois últimos triênios (2016-2018 e 2019-2021) ocorreram nos dois maiores municípios em termos populacionais: Tangará da Serra, da região médio-norte (125,3 e 114,5 por 100 mil hab., respectivamente) e Juína, da região Noroeste (87,4 e 65,7 por 100 mil hab., respectivamente), ambos municípios-sede de regiões de saúde. Na macrorregião Centro-Norte, a cidade de Cuiabá foi a que apresentou as maiores taxas de detecção nos dois últimos triênios (94,2 e 110,1 por 100 mil hab., respectivamente), seguida por Várzea Grande, que apresentou taxas de 66 e 89 por 100 mil hab. Já na macrorregião Norte, Sinop, a maior cidade em termos populacionais e sede da região de saúde do Teles Pires, foi a que apresentou as maiores taxas de detecção da sífilis adquirida nos dois últimos triênios (140,3 e 122,8 por 100 mil hab., respectivamente), enquanto Nova Mutum, o quinto maior município dessa macrorregião e pertencente à mesma região de saúde, apresentou as segundas maiores taxas nos últimos triênios: 125,6 e 177,3 por 100 mil hab., respectivamente.

Na macrorregião Leste, Confresa, o segundo maior município da região Baixo Araguaia, apresentou as taxas de detecção mais altas nos dois últimos triênios (132,2 e 141,8 por 100 mil hab., respectivamente), seguido por Barra do Garças (80,1 e 79,9), o maior município dessa macrorregião e sede da região de saúde Garças Araguaia.

O mesmo foi observado para a macrorregião Oeste, cuja segunda maior cidade, Pontes e Lacerda, na região Sudoeste, apresentou as maiores taxas de detecção nos dois últimos triênios (83,4 e 125,3, respectivamente); no entanto, a maior cidade nessa macrorregião, Cáceres (região Oeste), apresentou taxas de detecção da sífilis adquirida bem inferiores (48,9 e 51,7, respectivamente). Ambas são sede de região.

Na macrorregião Sul, os municípios com as maiores taxas de detecção foram Campo Verde (106,7 e 147,4), a terceira maior cidade da macrorregião, e Primavera do Leste, com taxas de detecção de 60,5 e 98, segundo maior município, mesmo nenhum sendo sede de região.

A análise joinpoint mostrou que, nas macrorregiões Oeste, Norte e Leste, houve forte tendência de aumento das taxas até o meio do período de estudo (2018-2019), quando ocorreu inflexão das curvas, que passaram a apresentar tendência de redução (Tabela 1).

Tabela 1 Tendência temporal das taxas de detecção da sífilis adquirida segundo macrorregiões de saúde, Mato Grosso, 2010-2021 

Indicadores Período Tendências Período total
Macrorregiões APCa (%) IC95% AAPCb (%) IC95%
Sul 2010-2015 0,1 -15,5;18,6 3,4 -6,0;13,9
2015-2019 25,9* 7,9;47,0
2019-2021 -24,3 -55,6;29,3
Oeste 2010-2019 27,3* 24,6;30,1 16,4* 11,4;21,7
2019-2021 -22,1 -40,8;2,6
Norte 2010-2018 30,9* 23,0;39,3 17,8* 8,6;29,2
2018-2021 -11,1 -23,1;2,8
Leste 2010-2018 27,7* 14,1;42,8 18,5* 8,6;29,2
2018-2021 -3,0 -24,0;23,8
Centro-Norte 2010-2013 -14,4 -56,6;68,5 11,1 -3,5;27,9
2013-2018 48,2* 29,3;69,8
2018-2021 -10,9 -23,8;4,2
Centro-Nordeste 2010-2013 -10,3 -42,8;40,4 13,8* 2,1;26,8
2013-2018 50,2* 26,3;78,6
2018-2021 -9,0 -23,6;8,1
Mato Grosso 2010-2014 12,3 -15,2;48,6 14,5* 5,5;24,2
2014-2018 39,2* 23,6;56,9
2018-2021 -9,5 -19,7;1,9

a) APC: Variação percentual anual; b) AAPC: Média de variação percentual anual. *p<0,05

As macrorregiões Sul, Centro-Norte e Centro-Noroeste, e o estado de Mato Grosso apresentaram dois pontos de inflexão na tendência das taxas de detecção da sífilis adquirida (sendo o primeiro positivo e o segundo negativo) dividindo a série em três períodos, sendo o segundo período significativo para as quatro macrorregiões, com destaque para a Centro-Noroeste e a Centro-Norte.

A Figura 3 apresenta a distribuição espacial das taxas bayesianas empíricas locais de sífilis adquirida nos municípios por triênios. Observa-se maior aumento nos dois últimos triênios na maioria dos municípios.

Figura 3 Distribuição espacial da taxa bayesiana de sífilis por 100 mil habitantes, por triênios, Mato Grosso, 2010-2021 

A Figura 4 apresenta o indicador LISA do teste de Moran univariado local. A análise de autocorrelação espacial pelo método Moran local evidenciou a existência dos maiores clusters nas macrorregiões Centro-Noroeste e Norte de Mato Grosso, de municípios no Q2, no primeiro triênio. Ao contrário, os municípios localizados nas macrorregiões Leste e Centro-Norte apresentaram os maiores clusters no Q1. No segundo triênio, houve aumento do número de municípios do cluster na macrorregião Centro-Noroeste no Q2. O terceiro triênio apresentou aumento do número de municípios do cluster da macrorregião Norte no Q1 e aumento de municípios no cluster na macrorregião Leste no Q2. No último triênio não foi evidenciado aumento de municípios em nenhum quadrante. Foi analisado também o período total, e apenas a macrorregião Norte apresentou grandes clusters no Q1 (Figura 4).

Figura 4 Grau de autocorrelação espacial local (Moran) da taxa bayesiana de sífilis por 100 mil habitantes, Mato Grosso, 2010-2012, 2013-2015, 2016-2018, 2019-2021 e 2010-2021 

DISCUSSÃO

O presente estudo mostrou tendência crescente da sífilis adquirida no estado de Mato Grosso, no período entre 2010 e 2021, destacadamente nos dois últimos triênios da série (2016-2018 e 2019-2021), apesar das iniciativas de enfrentamento da doença promovidas pelo Ministério da Saúde, a partir de 2016.1),(5),(19

A análise das taxas de detecção no período de estudo mostrou que a macrorregião Sul foi a que apresentou as taxas mais baixas, enquanto a macrorregião Centro-Norte foi a que apresentou as maiores taxas ao longo da série histórica.

As análises do indicador LISA da avaliação de autocorrelação espacial por Moran local evidenciaram aumento de municípios do cluster no Q1 e Q2 apenas no terceiro triênio (2016-2018). Outros estudos mostraram o aumento da taxa de sífilis adquirida no Brasil12) e em outros estados a partir de 2010. Em São Paulo, a taxa de incremento da sífilis adquirida de 2011 a 2017 foi de 225,13 e no Paraná a taxa saiu de 0,7 caso por 100 mil hab., em 2010, para 87,5 em 2018.11

Em 2010, o MS incluiu a sífilis na lista de agravos de notificação compulsória,18 considerando o aumento dos casos a partir desse mesmo ano, com evolução positiva na taxa de detecção ao longo dos anos desde então, o que evidencia a epidemia da doença no país, que teve seu pico em 2019 (51,5 casos por 100 mil hab.),1 tendência reforçada por este estudo em Mato Grosso.

O incremento positivo ao longo dos dez primeiros anos da série histórica do estudo pode ser atribuído a fatores como a ampliação da testagem, em especial, dos testes rápidos, a redução do uso de preservativo pela população, a resistência de profissionais de saúde na administração da penicilina na APS, além do desabastecimento mundial de penicilina, sobretudo entre 2014 e 2016, e o aprimoramento da notificação por parte do sistema de vigilância.4 Apesar do aprimoramento da notificação, seu registro ainda é insuficiente para detectar todos os casos da doença, conforme estudo que apontou três causas básicas da subnotificação: falha nas ações de notificação e de prevenção, desconhecimento da doença por parte dos profissionais de saúde e da população,6),(11 bem como falha no preenchimento das fichas de notificação, com muitos dados em branco e ignorados, além de dados importantes faltantes nas fichas.7),(11

Cabe ressaltar que no Brasil a definição de casos de sífilis contempla apenas os casos ativos da doença, excluídos os casos de cicatriz sorológica e falsos positivos, o que dificulta comparar os dados de notificação com outros países, uma vez que a definição de casos é diferente.13),(14 Outra questão preocupante refere-se à não discriminação das fases primária, secundária, latente recente e das demais (fases essas que correspondem à fase aguda da doença) nas fichas de notificação do Sinan.13

Com o objetivo de evitar a transmissão da doença nos diversos grupos populacionais, é necessário conhecer o perfil epidemiológico da sífilis, bem como desenvolver estratégias de prevenção, que incluem o diagnóstico oportuno e o tratamento adequado da sífilis, tanto da pessoa com sífilis quanto do(a) parceiro(a), bem como o uso correto de preservativos, a fim de assegurar a cura da doença.8),(21) Esses requisitos dependem, em parte, da qualidade da assistência e demandam a articulação entre os diferentes níveis de atenção, que contribuem para o aprimoramento das linhas de cuidado de promoção da saúde sexual reprodutiva, prevenção das IST, diagnóstico precoce, tratamento e vinculação ao seguimento da sífilis, para alcance do seu controle e cura.8

No Sistema Único de Saúde, há um conjunto extensivo de serviços de atenção primária à saúde (APS) e ambulatoriais especializados de qualidade heterogênea e articulação insuficiente.21),(22 Em Mato Grosso, a vulnerabilidade programática da prevenção em IST foi avaliada nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Cuiabá, conforme Maison (2014),23 e nos Serviços Ambulatoriais Especializados (SAE) de Mato Grosso.24),(25

As limitações deste estudo são inerentes à utilização de dados secundários, haja vista que as informações são de casos notificados no Sinan, podendo, assim, haver subnotificação principalmente durante a pandemia de covid-19. Ainda assim, os achados do presente estudo são fundamentais para identificar municípios prioritários para o controle da doença, por meio do planejamento de ações. A distribuição espacial também se faz importante para o monitoramento dos casos pelas vigilâncias municipais, visando diminuir a transmissão e controlar a doença.

Apesar das limitações apontadas, os resultados obtidos podem subsidiar estratégias de prevenção e controle da sífilis adquirida no estado de Mato Grosso. A metodologia desenvolvida no presente estudo pode ser aplicada a outros locais a fim de se analisar a taxa de detecção da sífilis adquirida.

A implantação de programas amplos de prevenção aliados à assistência e ao acesso a tratamento são ações importantes para evitar novas infecções, a partir do monitoramento das ações prestadas, desde a promoção da saúde sexual e reprodutiva até o desfecho. A articulação em linhas de atenção também é essencial para o efetivo enfrentamento da doença.

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TRABALHO ACADÊMICO ASSOCIADO Artigo derivado de projeto de tese de doutorado intitulado Automonitoramento e avaliação do seguimento da sífilis adquirida no município de Várzea Grande, Mato Grosso, apresentada por Susi Astolfo no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso em 2021.

Recebido: 12 de Maio de 2023; Aceito: 20 de Outubro de 2023

Correspondência: Susi Astolfo. E-mail: susiastolfo@yahoo.com.br

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Astolfo S contribuiu na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Andrade AMS contribuiu na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Kehrig RT contribuiu na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

Editora associada:

Paola Barbosa Marchesini - http://orcid.org/0000-0002-2051-5517

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