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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.1 n.3 Belém dez. 2006

 

Análise de composição florística e estrutura de um fragmento de bosque de terra firme e de um manguezal vizinhos na península de Ajuruteua, Bragança, Pará1

 

Analysis of floristic composition and structure of a tract of terra firme forest and of an adjacent mangrove stand on the Ajuruteua peninsula in Bragança, Pará

 

 

Maria Milena de Oliveira AbreuI; Ulf MehligII; Raquel do Espírito Santo Aguiar do NascimentoI; Moirah Paula Machado de MenezesI

IUniversidade Federal do Pará. Campus de Bragança. Instituto de Estudos Costeiros. Laboratório de Biologia Vegetal. Bragança, Pará, Brasil (raquelufpa@yahoo.com.br) (moirah@ufpa.br)
IIZentrum für Marine Tropenökologie (Centro de Ecologia Marinha Tropical) (ulf.mehlig@gmx.net)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho apresenta dados sobre a composição florística e a estrutura de um fragmento de floresta de terra firme e de um manguezal na península de Ajuruteua, Bragança, Pará. O fragmento encontra-se ao lado do manguezal, sem ser exposto à inundação da maré. Comparando os dois ecossistemas, os valores de densidade (2320,0±736,1 e 417,7±349,6 indiv.ha-1, respectivamente) e área basal (25,2±11,0 e 9,1±5,3 m2.ha-1) são mais altos na terra firme do que no manguezal. Três espécies de árvores compõem o manguezal, sendo a espécie dominante Rhizophora mangle. Entre as 40 famílias (71 espécies) que foram encontradas na terra firme, Arecaceae, Burseraceae (representadas exclusivamente por Protium heptaphyllum) e Simaroubaceae (representadas por Simarouba amara) alcançaram altos valores de importância. Os fragmentos de terra firme diferenciaram-se em composição de espécies e complexidade das restingas encontradas em outras partes da península. A grande importância de palmeiras na terra firme poderia indicar uma influência humana no passado.

Palavras-chaves: Florística. Estrutura florestal. Terra firme. Manguezal. Bragança.


ABSTRACT

The current article provides data about floristic composition and forest structure of a terra firme forest fragment and a mangrove stand on Ajuruteua Peninsula, Bragança, Pará. The fragment is situated next to mangrove forest, without being exposed to tidal inundation. Compared to the mangrove, density and basal area are distinctly higher in terra firme forest (2320.0±736.1/417.7±349.6 indiv..ha-1; 25.2±11.0/9.1±5.3 m2.ha-1 for terra firme and mangrove forest, respectively). Three tree species form the mangrove forest, Rhizophora mangle, being the dominant species. Among the 40 families (71 species) found in terra firme, Arecaceae, Burseraceae (represented exclusively by Protium heptaphyllum) and Simaroubaceae (represented by Simarouba amara reach high importance values. Terra firme forest differs in species composition and complexity from restinga dune forest found in other parts of the peninsula. The high importance of palms in the terra firme forest could indicate influence of man in the past.

Keywords: Floristics. Forest structure. Terra firme. Mangrove. Bragança.


 

 

INTRODUÇÃO

A formação predominante da vegetação da costa paraense é o manguezal, constituído por poucas espécies arbóreas altamente especializadas ao ambiente entremarés e caracterizado pela freqüente inundação com água salina (TOMLINSON, 1986). Além do manguezal e outros tipos de vegetação característicos para a zona costeira, como restingas e campos, podem ser encontrados fragmentos de floresta de terra firme em áreas acima do nível das inundações da maré. Este estudo refere-se aos fragmentos de florestas da península de Ajuruteua no município de Bragança e ao manguezal na sua vizinhança. Behling, Cohen e Lara. (2001) caracterizam estes fragmentos como "bosques com elementos de floresta de terra firme amazônica e de restinga", pois a composição florística destes fragmentos ainda não foi descrita. Tampouco existem informações sobre possíveis interações entre manguezal e estes bosques de terra firme, nem comparações das estratégias ecológicas destes dois ecossistemas que co­existem lado a lado.

Até recentemente, os fragmentos de terra firme estiveram protegidos pela dificuldade de acesso em virtude dos campos inundados e dos manguezais que os rodeiam. Porém, atualmente, estes ecossistemas estão expostos a uma pressão humana crescente devido à construção da rodovia PA-458, permitindo o fácil alcance da crescente população da cidade de Bragança e das comunidades de entorno. Com o intuito de gerar informações que possam contribuir para o melhor conhecimento do status e do funcionamento destes dois ecossistemas vizinhos, foi realizado um inventário preliminar das espécies de plantas vasculares e um levantamento da estrutura florestal em um destes fragmentos e no manguezal adjacente.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo está situada na península de Ajuruteua, margeando o estuário do rio Caeté, Bragança, Pará (Figura 1a). O clima da região é úmido e quente, com média da precipitação anual de 2508,4 mm, temperatura média do ar de 25,6oC (dados de 24 anos da estação meteorológica de Tracuateua, 30 km a sudoeste da área de estudo), constatando-se um período seco entre setembro e novembro.

 

 

Nove fragmentos de bosque de terra firme com extensão entre 1 e 33 ha encontram-se no centro da península, circundados por manguezal e campos abertos (Figura 1b). Os bosques representam restos de uma ilha barreira de areia fina, formada há mais de 5.000 anos A.P (SOUZA FILHO et al.,2006). O maior destes bosques de terra firme está situado ao lado de um manguezal. A transição entre terra firme e manguezal é abrupta e caracterizada por uma queda do nível de elevação do solo de aproximadamente 1m. Devido a esta diferença de elevação, o bosque de terra firme encontra-se fora do alcance das marés.

Ortogonalmente à divisa entre manguezal e terra firme, foi estabelecida uma transecção que se estende por 270 m no manguezal e 270 m na terra firme (0o55'39,9"S, 46o40'19,8"W) (Figura 1c). Ao longo da transecção foram estabelecidas em cada um dos dois ecossistemas 10 parcelas (10x10 m na terra firme e 15x15 m no manguezal devido à baixa densidade de árvores). Em cada parcela, foram registrados o diâmetro à altura do peito (DAP) e a altura de todas as árvores com DAP≥2,5 cm. Amostras férteis e estéreis destas árvores e de outras plantas encontradas nas parcelas foram depositadas no herbário didático do Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará (UFPA). O material foi identificado com base no uso das chaves taxonômicas de Gentry (1996) e Ribeiro et al. (1999) e na comparação com material do acervo do herbário João Murça Pires do Museu Paraense Emílio Goeldi (MG), em Belém.

Parâmetros descritivos (densidade, área basal/dominância, freqüência relativa e valor de importância para cada espécie e para cada família) foram calculados de acordo com Cintrón e Schaeffer-Novelli (1984) e Salomão, Silva e Rosa (1988).

 

RESULTADOS

No manguezal, três espécies foram encontradas: Rhizophora mangle L. (Rhizophoraceae), Avicennia germinans (L.) Stearn (Avicenniaceae) e Laguncularia racemosa (L.) Gaertn. f. (Combretaceae). R. mangle apresentou o maior valor de importância (Tabela 1). O bosque alcançou alturas de até 23 m e DAP de até 48 cm; as médias correspondentes foram 8,9±4,6 m (altura) e 13±10 cm (DAP). Cerca de 21% das árvores registradas exibiram um DAP entre 2,5 e 5 cm. Em 5 parcelas, a quantidade de árvores desta classe de DAP foi equivalente a zero. A Figura 2b mostra o histograma com a distribuição das árvores em classes de DAP.

 

 

 

 

Nas parcelas de terra firme, 71 espécies de 40 famílias foram registradas, entre elas 36 espécies (20 famílias) de plantas lenhosas com DAP =2,5 cm (Tabela 2). O DAP médio na terra firme foi 9,5±9,8 cm e a altura média de 7,9±4,5 m; os máximos de DAP e altura foram registrados com 53,8 cm e 23 m, respectivamente. Cerca de 42% das árvores tiveram DAP entre 2,5 e 5 cm; árvores desta classe de DAP foram encontradas em todas as parcelas. As famílias com valor de importância maior foram Arecaceae, Simaroubaceae e Burseraceae. Na avaliação da estimativa da dominância, deve-se considerar que o método aplicado não inclui a área basal de palmeiras com troncos subterrâneos. Burseraceae e Simaroubaceae estão representadas por somente uma espécie cada. Protium heptaphyllum (Aubl.) Marchand (Burseraceae) alcançou alto valor de importância por estar presente na maioria das parcelas, com freqüência alta, enquanto Simarouba amara Aubl. (Simaroubaceae) contribuiu com árvores de grande porte. Além das palmeiras (5 espécies), Chrysobalanaceae e Myrtaceae (6 espécies cada) apresentaram a maior diversidade. Notável também a presença de 6 espécies lenhosas de Fabaceae s. l., porém, nas parcelas, esta família foi representada somente por plantas jovens com DAP inferior a 2,5 cm. Uma lista completa das espécies encontradas nas parcelas de terra firme consta na Tabela 3.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O presente trabalho documenta a diferença não somente na diversidade florística, mas também nas características estruturais entre os bosques de mangue e o bosque de terra firme. Devido à pobreza florística dos manguezais ocidentais (TOMLINSON, 1986) e à exclusão de espécies sem adaptações específicas ao ambiente salino, a maior diversidade do bosque de terra firme não surpreende. Porém, as grandes diferenças em densidade (valores 5 vezes maiores na terra firme) e área basal (quase 3 vezes maior na terra firme) são notáveis. Em comparação aos outros manguezais da península de Ajuruteua, os valores de densidade e área basal obtidos neste estudo não são excepcionalmente baixos (MENEZES; BERGER; WORBES, 2003). Na comparação entre manguezal e bosque de terra firme, especificamente a quantidade e distribuição das árvores com DAP entre 2,5 e 5 cm diferem. Nesta classe de tamanho, encontram-se na terra firme árvores jovens e também espécies de porte menor que formam o sub-bosque. A ocorrência de sub-bosques em áreas de manguezais não é comum, pelo menos nas Américas (JANZEN, 1985; CORLETT, 1986; LUGO, 1986). Entre as possíveis causas da ausência de sub-bosques no manguezal, são discutidos os altos custos energéticos que acompanham a adaptação à vida ao ambiente salino, que podem ser compensados somente sob altas intensidades de luz (LUGO, 1986). A distribuição desigual de árvores jovens no manguezal pode ser causada pela mesma intolerância à sombra (agregação em clareiras), mas outras razões como uma distribuição heterogênea de propágulos devem também ser consideradas.

O inventário de espécies na terra firme tem caráter preliminar, porém, é possível constatar que palmeiras têm um papel importante neste fragmento de floresta. Esse fato é interessante na comparação com os poucos trabalhos disponíveis sobre bosques da região costeira, os quais também relatam uma contribuição significativa de palmeiras (ALMEIDA et al., 2002; SANTOS et al., 2004). Entre as palmeiras encontradas na península de Bragança, estão espécies amplamente distribuídas (Attalea maripa, A. speciosa), indicando possivelmente influências humanas na área no passado. Não é conhecida a razão da ausência de árvores adultas de Fabaceae s.l.,uma das famílias mais importantes nas florestas da Amazônia (CAMPBELL et al., 1986; SILVA; ROSA, 1989; SALOMÃO, 1991). Entretanto, plantas jovens desta família foram registradas e uma amostragem maior poderia expor uma contribuição mais alta desta família.

O bosque de terra firme aqui descrito tem espécies em comum com a vegetação de restinga encontrada na península de Ajuruteua, como, Astrocaryum vulgare, Protium heptaphyllum e Neea macrophylla; e fora das parcelas, caso de Anacardium occidentale (R.M. Silva, com. pessoal). Porém, o bosque de terra firme diferencia-se claramente das restingas, principalmente, pela associação mais complexa de espécies arbóreas e o caráter fechado e denso do bosque de terra firme.

 

AGRADECIMENTOS

A Carlos da Silva Rosário (Museu Paraense Emílio Goeldi) pelo auxílio na identificação das espécies vegetais e Lucinéa Brabo pelos comentários e sugestões ao manuscrito. Ao projeto PROINT/UFPA-2003 pela concessão de uma bolsa de estudos no período de junho de 2003 a fevereiro de 2004 a Raquel Nascimento. Este estudo faz parte do projeto de cooperação entre Brasil e Alemanha, Projeto Mangrove Dynamics and Management (Madam), financiado pelo CNPq e o Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha (BMBF), projeto número 03F0154A.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, S. S. et al. 2002. Flora e vegetação na microregião do Salgado Paraense: o caso da folha Salinópolis, Estado do Pará. In: WORKSHOP ECOLAB, 6., Belém. Resumos expandidos... Belém, Pará. 1 CD-ROM.

BEHLING, H.; COHEN, M. C. L.; LARA, R. J. 2001. Studies on Holocene mangrove ecosystem dynamics of the Bragança Peninsula in north-eastern Pará, Brazil. PALEO, Palaeogeography Palaeoclimatology, Palaeoecology, v. 167, p. 225-242.

CAMPBELL, D. G. et al. 1986. Quantitative ecological inventory of terra firme and varzea tropical forest on the Rio Xingu, Brazilian Amazon. Brittonia, v. 38, p. 369-393.

CINTRÓN, G.; SCHAEFFER-NOVELLI, Y. 1984. Methods for studying mangrove structure. In: SNEDAKER, S. C.; SNEDAKER, J. G. (Ed.). The mangrove ecosystem: research methods. Paris: Unesco. p. 91-113.

CORLETT, R. T. 1986. The mangrove understorey: some additional remarks. Journal of Tropical Ecology, v. 2, p. 93-94.

GENTRY, A. H. 1996. A field guide to the families and genera of woody plants of Northwest South America: with supplementary notes on herbaceous taxa. Chicago: University of Chicago Press. 920 p.

JANZEN, D. H. 1985. Mangroves: where's the understorey? Journal of Tropical Ecology, v. 1, p. 89-92.

LUGO, A. E. 1986. Mangrove understorey: an expensive luxury? Journal of Tropical Ecology, v. 2, p. 287-288.

MEHLIG, U. 2001. Aspects of tree primary production in an equatorial mangrove forest in Brazil. Bremen: Center for Tropical Marine Ecology (ZMT). 155 p. (ZMT Contributions, 14).

MENEZES, M. P. M.; BERGER, U.; WORBES, M. 2003. Annual growth rings and long-term 9 growth patterns of mangrove trees from the Bragança peninsula, North Brazil. Wetlands Ecology and Management, v. 11, p. 233-242.

RIBEIRO, J. E. L. S. et al. 1999. Flora da Reserva Ducke: guia de identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra-firme na Amazônia Central. Manaus: INPA. 816 p.

SALOMÃO, R. P. 1991. Uso de parcelas permanentes para estudos da vegetação da floresta tropical úmida: município de Marabá, Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, sér. Botânica, v. 7, n. 1, p. 543-604.

SALOMÃO, R. P.; SILVA, M. F. F.; ROSA, N. A. 1988. Inventário ecológico em floresta pluvial tropical de terra firme, Serra Norte, Carajás, Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, sér. Botânica, v. 1, p. 1-46.

SANTOS, J. U. M. et al. 2004. Vegetação da área de proteção ambiental Jabotituia-Jatium, município de Viseu, Pará, Brasil. Acta Amazonica, v. 33, p. 431-444.

SILVA, M. F. F.; ROSA, N. A. 1989. Análise do estrato arbóreo da vegetação sobre jazidas de cobre na Serra do Carajás-PA. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, sér. Botânica, v. 2, p. 175-206.

SOUZA FILHO, P. W. M. et al. 2006. Holocene coastal evolution and facies model of the Bragança macrotidal flat on the Amazon Mangrove Coast, Northern Brazil. Journal of Coastal Research.

TOMLINSON, P. B. 1986. The Botany of Mangroves. Cambridge: Cambridge University Press. 419 p.

 

 

Endereço para correspondência:
Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi
Av. Magalhães Barata, 376
São Braz – CEP 66040-170
Caixa Postal 399
Telefone/fax: 55-91-3219-3317
E-mail: boletim@museu-goeldi.br

Recebido: 10/03/2005
Aprovado: 27/03/2006

 

 

1Publicado inicialmente em forma de relatório pelo Projeto MADAM no 98.