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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.1 n.3 Belém dez. 2006

 

Produção de serapilheira em um fragmento de bosque de terra firme e um manguezal vizinhos na península de Ajuruteua, Bragança, Pará1

 

Litterfall yield in a tract of terra firme forest adjacent to a mangrove stand on the Ajuruteua peninsula, Bragança, Pará

 

 

Raquel do Espírito Santo Aguiar do NascimentoI; Ulf MehligII; Maria Milena de Oliveira AbreuI; Moirah Paula Machado de MenezesI

Universidade Federal do Pará. Campus de Bragança. Instituto de Estudos Costeiros. Laboratório de Biologia Vegetal. Bragança, Pará, Brasil (raquelufpa@yahoo.com.br) (fcmmoabreu17@yahoo.com.br) (moirah@ufpa.br)
Zentrum für Marine Tropenökologie (Centro de Ecologia Marinha Tropical) (ulf.mehlig@gmx.net)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo analisou a diferença na produção de serapilheira entre um fragmento de floresta de terra firme e um manguezal vizinhos que ocorrem na costa da região bragantina. A queda de serapilheira foi quantificada através de 10 cestas coletoras (0,5 m2) em manguezal e 10 cestas em bosque de terra firme instaladas ao longo de uma transecção ortogonal à divisa entre os dois ecossistemas. A coleta de material foi efetuada quinzenalmente. A produção de serapilheira no manguezal foi de 11,8 t.ha-1a-1, um terço mais alta do que no bosque de terra firme (8,7 t.ha-1a-1). O componente mais importante na serapilheira dos dois ecossistemas são as folhas (68 e 63% para manguezal e terra firme, respectivamente). No manguezal, Rhizophora mangle contribuiu com a maior parte do material. Na terra firme, cerca de 54% das folhas não foram taxonomicamente identificadas. Porém, dentre as identificadas, folhas de espécies das famílias Simaroubaceae, Burseraceae e Arecaceae contribuíram com 13, 12 e 11% do total de folhas. No manguezal, componentes reprodutivos na serapilheira mostraram sazonalidade. Não foi possível identificar um padrão sazonal claro na queda de folhas de R. mangle. Porém, em manguezal e terra firme, a produção total de serapilheira foi mais elevada na estação seca.

Palavras-chaves: Arecaceae. Burseraceae. Simaroubaceae. Rhizophora mangle. Fenologia. Conteúdo de cinza.


ABSTRACT

The present study focusses on differences in litter production of a terra firme forest fragment and an adjacent mangrove stand on the coast of the Bragança region. Litterfall was quantified by means of 10 litter traps (0.5 m2) in the mangrove and 10 in terra firme forest, installed along a transect orthogonal to the division between the two ecosystems. Material was collected fortnightly. Litter production in the mangrove forest (11.8 t.ha-1yr-1) was by a third higher than in terra firme forest (8.7 t.ha-1yr-1). Leaves were the most important litter component in both ecosystems (68 e 63% for mangrove and terra firme, respectively). In the mangrove, Rhizophora mangle contributed the major part of litter material. In terra firme, leaves of species of the families Simaroubaceae, Burseraceae e Arecaceae contributed 13, 12 e 11% of the leaf total; 54% of leaves were not identified taxonomically. In the mangrove, reproductive litter components showed seasonal patterns. It was not possible to identify a clear seasonal pattern in R. mangle leaf litter fall. However in mangrove and terra firme, total litter production was higher in dry season.

Keywords: Arecaceae. Burseraceae. Simaroubaceae. Rhizophora mangle. Phenology. Ash content.


 

 

INTRODUÇÃO

O manguezal é considerado um ecossistema extremamente produtivo. Um parâmetro usado, freqüentemente, para a avaliação da produtividade de ecossistemas é a produção de serapilheira, que pode ser determinada através de uma metodologia simples e barata, havendo ampla informação disponível para a comparação (BRAY; GORHAM, 1964). Analisando a produção anual de serapilheira em manguezais, Saenger e Snedaker (1993) constataram que a produção atinge valores máximos na zona equatorial. Baseando-se em Proctor (1984), esses autores concluem que a produtividade dos manguezais na zona equatorial é superior àquela das florestas terrestres nas mesmas latitudes. Porém, não há análises comparativas entre a produtividade de manguezais e florestas de terra firme ocorrendo sob condições climáticas idênticas. Na parte central da península de Ajuruteua, município de Bragança, Pará, ocorrem terrenos mais elevados, não expostos à inundação das marés, parte deles cobertos por bosques de terra firme lado a lado de florestas de manguezal (ABREU et al., 2006).

Devido à proximidade entre estes bosques de terra firme e o manguezal, não existem diferenças climáticas entre os dois ecossistemas. Portanto, possíveis divergências de produtividade deveriam ser causadas por fatores relacionados à presença ou ausência de regime das marés. Este trabalho visou à comparação das taxas de produção de serapilheira anual em um manguezal e um bosque de terra firme vizinhos na península de Ajuruteua.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo está situada na península de Ajuruteua (Figura 1), margeando o estuário do rio Caeté. O clima da região é quente e úmido, com média da precipitação anual de 2.508,4 mm e temperatura média do ar de 25,6°C (valores de 24 anos de medições da estação meteorológica de Tracuateua, 30 km SO da área de estudo). No período seco, entre setembro e início de dezembro, a precipitação na península de Ajuruteua é próxima a zero (MEHLIG, 2001).

 

 

A área de manguezal e o bosque de terra firme sob investigação encontram-se lado a lado no centro da península (Figura 1b). Uma descrição detalhada da área de estudo e da sua vegetação é dada por Abreu et al (2006). O bosque de terra firme está situado em terreno mais elevado, não exposto à inundação da maré. Ortogonalmente à divisa entre manguezal e terra firme, foi estabelecida uma transecção que se estende 270 m, tanto no manguezal como na terra firme (0°55'39,9"S, 46°40'19,8"W; Figura 1c). Ao longo dessa transecção foram instaladas 10 cestas coletoras no manguezal e o mesmo número na terra firme. Cada coletor teve uma abertura de 0,5 m2 com uma bolsa suspensa de tela plástica com malha de 1 mm. No manguezal, os coletores foram colocados acima do nível máximo da maré e na terra firme próximo ao chão. A coleta de serapilheira foi efetuada quinzenalmente entre dezembro de 2002 e maio de 2004. A serapilheira de cada coletor foi separada por tipo de material, depois seca em estufa à 70°C até alcançar o peso constante. Os tipos diferenciados incluíram as categorias de folhas, flores, frutos, propágulos e uma fração miscelânea. Quando possível, foi identificada a espécie que produziu o material.

Em sub-amostras dos tipos de serapilheira mais comuns (incluindo tanto amostras da estação seca quanto da estação chuvosa), o conteúdo de cinza foi o determinado depois da ignição em 550°C até o alcance do peso constante.

Testes estatísticos foram feitos através do programa GNU R (IHAKA; GENTLEMAN, 1996), versão 1.9.1. Foi aplicada análise de variâncias (ANOVA) 2-fatorial para diferenciar o efeito dos fatores estação (chuvosa: >10, seca=10 mm.mês-1) e 'sítio' (manguezal/terra firme) e da interação entre eles. Para garantir as pré-condições da anova, foi necessário aplicar uma transformação Box-Cox. Análises estatísticas e médias anuais sempre se referem ao ciclo anual de janeiro de 2003 a janeiro de 2004.

 

RESULTADOS

A média anual da produção de serapilheira no manguezal foi significativamente mais alta do que na terra firme (3,2/2,4 g.m-2d-1, respectivamente; p<0,001). Com exceção do mês de outubro de 2003, a produção de serapilheira do manguezal foi sempre superior àquela da terra firme (Figura 2). Em ambos os ecossistemas, a quantidade de serapilheira coletada na estação seca foi maior que na da estação chuvosa (p<0,001). A interação significativa (p = 0,02) entre 'sítio' e 'estação' foi causada pela diferença mais pronunciada entre as estações na terra firme. Considerando somente a fração folhas, o mesmo padrão foi detectado (Tabela 1). Em ambos ecossistemas, as folhas contribuíram com a maior parte da serapilheira (68 e 63% para manguezal e terra firme, respectivamente). A maior parte do material do manguezal foi produzido por Rhizophora mangle. Material das outras duas espécies, Avicennia germinans e Laguncularia racemosa, contribuiu com mais de 5% da serapilheira total no manguezal. Na terra firme, somente parte do material foi identificado taxonomicamente, principalmente folhas. Folhas de espécies das famílias Simaroubaceae (13% da total de folhas), Burseraceae (12%) e Arecaceae (11%) foram mais freqüentemente registradas. Chrysobalanaceae, Lecythidaceae e Clusiaceae juntas contribuíram com 10%.

 

 

 

 

No manguezal, componentes reprodutivos mostraram sazonalidade. O período de floração de R. mangle foi extenso, com elevada produção entre abril e junho, e a produção de propágulos foi restrita à estação chuvosa, entre janeiro e junho. A. germinans floresceu na estação seca a partir de outubro. A sazonalidade na produção de folhas foi menos distinta no manguezal, somente em A. germinans um período com queda elevada de folhas foi registrado (junho a dezembro). Em R. mangle, nem na queda de folhas ou na produção de estípulas (indicadores de formação de folhas na família Rhizophoraceae) houve manifestação de uma sazonalidade distinta. A contribuição de L. racemosa não foi suficiente para uma interpretação detalhada. Na terra firme, a estação seca proporcionou o aumento na queda de folhas sem picos distintos.

As médias de conteúdo de cinza de folhas de R. mangle e de Simaroubaceae e Burseraceae são dados na Tabela 2. As folhas de R. mangle coletadas na estação seca tiveram um conteúdo de cinza maior que 10%; porém, o conteúdo na estação chuvosa não foi distintamente mais alto do que em folhas de Burseraceae.

 

 

DISCUSSÃO

São apresentados, pela primeira vez, dados de serapilheira de fragmentos de bosque de terra firme na península de Ajuruteua. Estas informações são escassas na região costeira do Pará. As taxas de produção de serapilheira obtidas por Dantas e Phillipson (1989) para uma floresta primária perto de Capitão Poço, Pará, estão na ordem de 8,04 t.ha-1a-1, similares àquelas encontradas na área estudada (8,66 t.ha-1a-1). Silva e Lobo (1982) encontraram em floresta de terra firme, próxima de Belém, valores pouco menores (7,30 t.ha-1a-1). Assim como neste estudo, a produção de serapilheira em Capitão Poço e Belém aumentou durante a estação seca. O importante papel das famílias Simaroubaceae, Burseraceae e Arecaceae na composição florística da área de estudo (ABREU et al., 2006) é também refletido na produção de serapilheira. A produção de serapilheira no manguezal (11,8 t.ha-1a-1) é similar aos valores registrados por Mehlig (2001) em dois outros sítios na península de Ajuruteua. A sazonalidade encontrada no manguezal foi observada na mesma forma por Mehlig (2006) e Carvalho (2002).

Somente o conteúdo mais alto de cinza na serapilheira do manguezal, que tem origem na acumulação do sal do ambiente marinho, não pode explicar o fato de a produção de serapilheira ter sido um terço mais elevada no manguezal. Porém, a dificuldade de amostrar as folhas da família Arecaceae (por exemplo, Attalea maripa e A. speciosa) pode levar a uma subestimativa da contribuição dessas plantas.

A falta de uma sazonalidade distinta na produção de folhas da espécie R. mangle, dominante no manguezal, sugere que não existe um período do ano em que o crescimento desta espécie é severamente limitado por fatores ambientais (por exemplo, a salinidade da água intersticial do solo). Por outro lado, é possível que, na terra firme, a falta de precipitação limite a produtividade das árvores durante a estação seca. Comparáveis efeitos da seca foram encontrados em florestas do interior da Amazônia (NEPSTADT et al., 2002; VIEIRA et al., 2004).

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem os comentários e sugestões de Lucinéa Brabo. Ao projeto PROINT/UFPA-2003 pela concessão de uma bolsa de estudos no período de junho de 2003 a fevereiro de 2004 à primeira autora. Este estudo faz parte do projeto de cooperação entre Brasil e Alemanha, Projeto Mangrove Dynamics and Management (MADAM), financiado pelo CNPq e o ministério de educação e pesquisa da Alemanha (BMBF), sob o código 03F0154A.

 

REFERÊNCIAS

ABREU, M. M. O. et al 2006. Análise de composição florística e estrutura florestal de um fragmento de bosque de terra firme e um manguezal adjacente na península de Ajuruteua, Bragança, Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi.

BRAY, J. R.; GORHAM, E. 1964. Litter production in forests of the world. Advances in Ecological Research, v. 2, p. 101-157.

CARVALHO, M. L. 2002. Aspectos da produtividade primária dos bosques de mangue do Furo Grande, Bragança - Pará. 55 f. Tese (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Campus de Bragança, Bragança-Pará.

DANTAS, M.; PHILLIPSON, J. 1989. Litterfall and litter nutrient content in primary and secondary Amazonian 'terra firme' rain forest. Journal of Tropical Ecology, v. 5, p. 27-36.

IHAKA, R.; GENTLEMAN. R. 1996. A language for data analysis and graphics. Journal of Computational and Graphical Statistics, v. 5, p. 299-314.

MEHLIG, U. 2001. Aspects of tree primary production in an equatorial mangrove forest in Brazil. Bremen: Center for Tropical Marine Ecology (ZMT). 155 p. (ZMT Contributions, 14).

MEHLIG, U. 2006. Phenology of the red mangrove, Rhizophora mangle L., in the Caeté Estuary, Pará, equatorial Brazil. Aquatic Botany, v. 84, p. 1 58-164.

NEPSTAD, D. C. et al. 2002. The effects of partial throughfall exclusion on canopy processes, aboveground production, and biogeochemistry of an Amazon forest. Journal of Geophysical Research, v. 107, D20, p. 8085, doi:10.1029/2001JD000360.

PROCTOR, J. 1984. Tropical forest litterfall II: the data set. In: CHADWICK, A. C.; SUTTON, S. L. (Ed.). Tropical rain forest: ecology and management. Oxford: Blackwell. p. 83-113.

SAENGER, P.; SNEDAKER, S. C. 1993. Pantropical trends in mangrove above ground biomass and annual litter fall. Oecologia, v. 96, p. 293-299.

SILVA, M. F. F.; LOBO, M. A. 1982. Nota sobre deposição de matéria orgânica em floresta de terra firme, várzea e igapó. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, sér. Botânica, v. 56, p. 1-13.

VIEIRA, S. et al. 2004. Forest structure and carbon dynamics in Amazonian tropical rain forests. Oecologia, v. 140, p. 468-479.

 

 

Endereço para correspondência:
Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi
Av. Magalhães Barata, 376
São Braz – CEP 66040-170
Caixa Postal 399
Telefone/fax: 55-91-3219-3317
E-mail: boletim@museu-goeldi.br

Recebido: 10/03/2005
Aprovado: 27/03/2006

 

 

1Publicado inicialmente em forma de relatório pelo Projeto MADAM n° 99