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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.2 n.3 Belém dez. 2007

 

Variação da composição granulométrica e orgânica do solo em uma toposseqüência da microrregião de Marabá-PA

 

 Variation of granulometric and organic composition of the toposequence of soil in the microregion of Marabá-PA

 

 

Magda da Silva ReisI; Antonio Rodrigues FernandesII; Catherine GrímaldiIII; Max SarrazinIV; Michel GrimaldiV

IAgência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará. Marabá, Pará, Brasil (magda_reis25@hotmail.com)
IIUniversidade Federal Rural da Amazônia. Belém, Pará, Brasil (antonio.fernandes@ufra.edu.br)
IIIInstitute National de la Recherche Agronomique. França (grimaldi@rennes.inra.fr)
IVInstitute de Recherche por le Développmente. França (max.sarrazin@ufra.edu.br)

VInstitute de Recherche por le Développmente. França (grimaldi@bondy.ird.fr)

 Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As transformações nos ecossistemas da Amazônia, que ocorrem desde o processo de colonização, têm sido bastante estudadas, entretanto, pouco se tem considerado as variações das características do solo na paisagem. Com o objetivo de avaliar a variação do solo de uma paisagem da microrregião de Marabá, Pará, foi realizado um estudo envolvendo a composição granulométrica e orgânica do solo. Tenta-se explicar, dessa forma, a variação dessas características em relação aos processos pedogenéticos. Amostras foram coletadas em perfis no topo (Latossolo), encosta (Cambissolo) e baixa vertente (Gleissolo), de uma toposseqüência com 300 m de extensão cultivada com Brachiaria brizantha. Os resultados monstraram o predomínio de argila no Latossolo e no Cambissolo e de areia no Gleissolo, além de um acúmulo de matéria orgânica em superfície. O aumento nos valores de silte em profundidade são decorrentes da presença da alterita, que aparece em profundidade variável, segundo a classe de solo. A intensidade pedogenética diferenciada em função da declividade e da forma da vertente provocou variações na constituição granulométrica e orgânica do solo, ao longo dos perfis e ao longo da toposseqüência, que contribuíram para a caracterização de um sistema pedológico, composto de Latossolo, Cambissolo e Gleissolo, de alta para baixa vertente, respectivamente.

Palavras-chave: Granulometria. Topossequência. Sistemas pedológicos. Agricultura familiar.


ABSTRACT

The transformations in the Amazonian ecosystems, that occur from colonization process, it have been enough studied, however little have been considering the variations of the characteristics of the soil in the landscape. With the objective of evaluating the variation of the soil of a landscape of the Marabá (PA) region, a study was carried through involving the granulometric and organic composition of the soil. It tries to explain the variation of those characteristics in relationship the pedogenetics processes. The samples were removed of vertical profiles, in the top (Latosols), hillside (Cambisols) and low slope (Gleysols), in a topossequence with 300 m of extension, cultivated with Brachiaria brizantha. The analyses demonstrated the clay prevalence in Latosols and in Cambisols, and of sand in Gleysols, besides an accumulation of organic matter in surface. The increase in the silte values in depth is current of the presence of the alterites, that appears in variable depth according to the soil class. Differentiat pedogenetic intensity in function of the declivity and the form of the source, provoked variations the granulometric and organic constitution of the soil, throughout the profiles the topossequence, that contributed for characterization of a pedologic, composed system of Latosols, Cambisos and Gleysols, of high the low one source, respectively.

Keywords: Particle Size Analysis. Topossequence. Pedologic Systems. Family Agriculture.


 

 

INTRODUÇÃO

O estudo das seqüências topográficas tem sido considerado uma importante e eficaz forma de avaliação do desenvolvimento das características e propriedades dos solos, influenciadas pelos diferentes fatores de formação destes (Vidal-Torrado; Lepsch, 1993; Alves; Ribeiro, 1995). Através dessa avaliação é possível ter o entendimento da pedogênese e do comportamento dos solos, sobretudo por possibilitarem o estabelecimento de correlações entre a profundidade e a superfície do solo.

O conhecimento dos fatores responsáveis pela formação e transformação dos solos vem sendo estudado em diversas condições da região Amazônica (Lucas et al., 1984; Dubroeucq; Volkoff 1998; Taitson Bueno, 2001). Mais recentemente, alguns trabalhos foram efetuados caracterizando detalhadamente, em condições geológicas e climáticas espacialmente uniformes, as variações do solo, desde o topo até a base da vertente, nas unidades de relevo (Teramoto et al., 2001).

Entretanto, apesar de ser sabido que ocorrem variações nas características do solo sobre as diversas rochas do escudo brasileiro ou das formações sedimentares da bacia amazônica (Sombroek, 1966; Vieira; Santos, 1987; Melfi et al., 1996), alguns estudos, como de Desjardins et al. (2000) e Markewitz et al. (2004), que avaliam as transformações que afetam os componentes e funcionamento dos ecossistemas decorrentes das atividades antrópicas, geralmente, não consideram a diversidade do solo em diversas escalas espaciais.

Segundo Drees et al. (1994), pesquisas que contemplem as características e informações sobre as modificações que ocorrem ao longo das vertentes e considerem a importância do relevo e suas organizações elementares são de grande valia para o estudo do solo, uma vez que todas estas características afetam todo o comportamento do sistema.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a variação do solo em uma toposseqüência representativa da paisagem da microrregião de Marabá, Pará, a partir da composição granulométrica e orgânica do solo, visando a caracterizar esta variação, relacionando-a aos processos pedogenéticos já evidenciados em outras regiões de meio físico semelhante.

Este trabalho foi desenvolvido dentro do programa CNPq/IRD 'Biodiversidade e funcionamento do solo no contexto da agricultura familiar na Amazônia' (Martins; Grimaldi, 2004). Neste programa, foi importante considerar a variação espacial do solo, e não somente a variação do solo ao longo do tempo, segundo a história cultural de cada parcela.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Localização da Área

O estudo foi desenvolvido no Projeto de Assentamento Benfica, pertencente ao município de Itupiranga, microrregião de Marabá, Pará, e localizado no Km 15 da vicinal do Rio da Esquerda e a 70 km da BR-230 (Rodovia Transamazônica). As coordenadas geográficas são: 5o16'00" S e 49o50'00" W Greenwich (Figura 1). Benfica está em uma frente pioneira onde a floresta ainda ocupa a metade do território. Menos de 150 famílias vivem da exploração de lotes de 50 hectares desde 1994.

 

 

Aspectos Fisiográficos

Segundo a classificação de Kõppen, o clima da região é do tipo Awi, que corresponde a climas tropicais úmidos. A precipitação média anual é inferior a 2000 mm e a temperatura média anual é de 26oC. Destacam-se duas estações: chuvosa, de 7 meses, que vai de novembro a maio; e seca, de 5 meses, de junho a outubro (Reynal, 1995).

A vegetação da área estudada corresponde a uma pastagem formada de capim braquiarão (Brachiaria brizantha), com idade de quatro anos, plantada após o desmatamento, broca e queima de uma parcela de floresta primária e um ano de cultivo de arroz (Simões, 2004).

A organização geomorfológica apresenta um relevo, essencialmente, de colina alongada com encosta caracterizada por uma parte alta de menor declínio até a média vertente, em que a declividade acentua-se em relação à alta vertente (Figura 2).

 

 

Descrição da Toposseqüência

A organização do solo de uma toposseqüência representativa da paisagem de Benfica, a partir de observações morfológicas, foi estudada por Simões (2004). Essa toposseqüência tem uma extensão de 310 m de comprimento e 45 m de desnível entre o topo e a base da colina (Figura 2). Os solos variam do topo para a base da vertente: de Latossolo Amarelo na alta vertente a Cambissolo no terço inferior da vertente, e Gleissolo na base da vertente, sendo assim denominados de acordo com a classificação da EMBRAPA (1999). De maneira geral, os Latossolos dominam a paisagem, ocupando em torno de dois terços superiores das colinas. Entretanto, ocorre uma diminuição progressiva da espessura do solo, em direção à baixa vertente, com a aproximação da superfície das alteritas, ou seja, dos materiais de intemperismo da rocha-mãe pouco permeáveis; nos baixios desenvolve-se também a hidromorfia, favorecida pelos fracos declives.

Coleta e Preparação das Amostras

As amostras de solo foram coletadas, numa toposseqüência próxima daquela estudada por Simões (2004), em três posições topográficas, indicadas na Figura 2, notadas AV MV e BV. Em cada posição, três perfis foram coletados em pontos alinhados sobre uma perpendicular à declividade, com uma distância de aproximadamente 10 m entre dois pontos vizinhos. As profundidades de coleta variaram de 0,1 em 0,1 m até 2,5 m para o solo mais profundo (Latossolo, AV) e 1,1 m para os mais rasos (Cambissolo, MV e o Gleissolo, BV), ou seja, ao atingir a rocha em processo de intemperização (alterita).

Características morfológicas dos horizontes:

A: (1) humífero bruno amarelado, argiloso (AV e MV) a areno-argiloso (BV); (8) humífero cinza a cinza muito escuro, com manchas bruno vivo, argilo-arenoso, compacto;

B: (2) idem; (1) menos compacto, friável; (3) bruno vivo, argiloso, friável; (4) idem; (3) rico em nódulos ferruginosos duros e vermelho escuro; (5) bruno vivo com nódulos ferruginosos, pretos e duros (superfície) ou vermelhos e quebradiços (base), argiloso, friável (superfície), compacto e firme (base); (9) bruno oliva claro com volumes vermelhos e vermelho amarelado, argiloso, friável e úmido; (10) bruno vivo com volumes amarelo brunado e vermelho amarelado, com raros nódulos ferruginosos, argiloso e friável;

C: (6) vermelho amarelado dominante, com nódulos vermelho escuro duros a quebradiços, mais siltosa e firme que os horizontes superiores, seco ao tato; (7) bruno amarelado dominante (superfície), a amarelo com volumes blancos (base), argiloso a argilo-siltoso, firme e úmido; (11) bruno oliva dominante (superfície), cinza claro com volumes vermelhos (base), argiloso a argilo-siltoso, firme e úmido.

Após secar ao ar, as amostras foram destorroadas, passadas em peneiras com malha de 2 mm e analisadas no Laboratório de Química de Solo do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).

Análises de Laboratório

A granulometria foi determinada pelo método da pipeta, na TFSA (terra fina seca ao ar), adicionando-se pirofosfato de sódio, como dispersante químico, e uma agitação de 6 horas; as frações de argila (< 0,002 mm), silte (entre 0,002 e 0,053 mm) e de areia (entre 0,053 e 2 mm), separadas por pipeta (argila e silte) e peneiras (areia), serviram para a determinação da textura do solo. Foram quantificadas, também, as frações superiores a 2 mm (elementos grosseiros). N-total foi determinado pelo método Kjeldahl e C-orgânico pelo método Walkley-Black (EMBRAPA, 1997).

 

RESULTADOS

O resumo dos critérios morfológicos que permitem a diferenciação dos horizontes dos perfis do solo nas três posições da toposseqüência pode ser observado na Tabela 1 e Figura 3.

 

 

 

 

A profundidade do solo nos perfis estudados varia de acordo com a sua posição no relevo, sendo, desse modo, os perfis da encosta e baixada os mais rasos e os do topo os mais profundos. A diferenciação entre as cores das áreas analisadas, assim como a profundidade dos solos, também reflete o condicionamento destes à posição do relevo, que limita a quantidade de água que infiltra no solo, onde os perfis da baixada, zona de acumulação, são ligeiramente mais escuros em superfície e um pouco mais claros em profundidade. Resultados semelhantes também foram observados por Luz, Santos e Mermut (1992) em uma toposseqüência do semi-árido de Pernambuco.

As Figuras 3 e 4 apresentam os resultados obtidos nos perfis das posições estudadas, onde é possível visualizar tanto as variações ao longo da toposseqüência quanto a variabilidade que ocorre em cada posição topográfica. Os resultados são assim mostrados para evitar que sejam mascaradas informações, como na posição intermediária (MV), em que cada perfil tem uma forma específica e também para evidenciar o comportamento das variáveis em estudo ao longo da vertente.

 

 

A análise granulométrica evidenciou teores de argila variando em profundidade entre, em média, 750 e 170 g.kg-1 de TFSA, sendo que, conforme Lepsch et al. (1991), valores superiores ao limite de 350 g.kg-1 refletem solos com textura argilosa. Ocorre uma variação lateral, ou seja, uma diminuição significativa do teor de argila entre as posições estudadas no sentido topo para base (considerando cada profundidade até 1,1 m e os três perfis em cada posição como repetições). O maior teor de argila nos horizontes superficiais evidencia um material mais evoluído do ponto de vista pedogenético, com maior presença de minerais secundários e a diminuição do teor de argila corresponde ao aumento do teor de areia, principalmente areia grossa (>0,2 mm).

As outras frações granulométricas da terra fina são menos abundantes e variam ao longo da vertente. Contudo, verifica-se, ainda, que a posição dos solos no relevo condiciona a diferenciação das cores apresentadas nos perfis (Tabela 1). A cor do solo revelou mudanças bastante acentuadas ao longo do transecto, sendo a brunada de ocorrência mais comum, o que, conforme Kämpf e Schwertmann (1983), indica a presença de goethita na fração argila com nuances acinzentadas-amareladas.

Na posição AV (Figuras 3 e 4), até o aparecimento do horizonte (4) rico em elementos grosseiros (nódulos ferruginosos), os três perfis são bem semelhantes, particularmente quanto aos teores de argila, silte e areia. A partir da presença dos elementos grosseiros, ocorre um aumento expressivo nos valores de silte fino, variando de menos 100 a mais de 200 g.kg-1 de TFSA no horizonte (6), e, correlativamente, uma redução no teor de argila até em torno de 300 g.kg-1 de TFSA.

Na posição MV para dois dos perfis, existe também uma evolução vertical das frações argila e silte fino, porém, esse comportamento aparece a partir de 0,7 a 0,8 m de profundidade, diferente da posição anterior (AV), onde a variação ocorre a partir de 1,4 m. No terceiro perfil, a argila aumenta progressivamente com a profundidade, sem, no entanto, atingir os valores observados em AV (cerca de 800 g.kg-1 de TFSA), mas também diminui a partir de 0,7 a 0,8 m, enquanto o teor de silte fino mantém-se quase inalterado.

Cada um dos perfis das três posições apresenta um gradiente do teor de argila ao mínimo nos primeiros 30 cm de profundidade. Este gradiente, em média, e sua variabilidade são mais elevados na posição MV.

As quantidades de elementos grosseiros na posição MV são equivalentes às verificadas na AV nas mesmas profundidades (<1,1 m), diferindo da BV que apresenta valores menores e pouco variáveis. Nesta posição (BV), a fração areia é dominante, especialmente na camada superficial, em torno de 600 g.kg-1 TFSA.

Com relação à matéria orgânica, os teores de carbono e nitrogênio vão decrescendo tanto em profundidade quanto no sentido topo para base da vertente, à exceção da posição BV, em superfície, onde os teores são maiores do que no Latossolo (Tabela 1, Figura 5a). O teor de carbono está relacionado com a argila nos solos das posições AV e MV: nos perfis a relação C/A é semelhante (Figura 5b). Ao contrário, essa relação não foi verificada na posição BV onde ocorre um excesso de carbono em relação aos baixos teores de argila.

 

 

DISCUSSÃO

Através dos resultados obtidos, verificou-se que ocorreu uma variação da composição granulométrica e orgânica do solo, onde a argila (A) diminuiu do topo para a baixa vertente, ou seja, AV>MV>BV (Tabela 1, Figuras 3 e 4), enquanto a matéria orgânica (MO) teve a seguinte ordem:

BV>AV>MV (Tabela 1, Figura 5). Tal variação pode estar relacionada à intensidade variável dos processos pedogenéticos e de acumulação de matéria orgânica, segundo a posição no relevo (Figura 2).

No topo da vertente, os Latossolos, ou seja, solos profundos, argilosos, bem drenados, têm origem no processo avançado de intemperismo, que produz minerais secundários de argila a partir dos minerais primários ou secundários de natureza e tamanhos variáveis (Melfi; Fedro, 1977, 1978; Alves; Ribeiro, 1995). As frações granulométricas siltosas e arenosas são, assim, mais abundantes em profundidade nas proximidades da alterita, do que no primeiro metro do solo. Segundo Tandy et al. (1990), estudando uma toposseqüência semelhante na Guiana Francesa, a transição entre o solo e a alterita caracteriza-se notadamente por uma diminuição da fração de argila e aumento da fração de silte fino, que corresponde a cristais de caulinita de maior tamanho.

Na posição intermediária da toposseqüência, o aumento de silte fino acontece a partir de 0,7 m de profundidade, para dois dos três perfis. Isto é um indício da presença da alterita a uma profundidade bem menor do que no Latossolo, tratando-se, portanto, de um solo menos espesso que começa a tender a Cambissolo, mais típico na porção de maior declividade da vertente. À medida que a alterita se aproxima da superfície do solo, ocorre uma mudança no funcionamento hídrico deste (Guehl, 1984; Grimaldi; Boulet, 1990; Molicova et al., 1997): as chuvas intensas saturam os horizontes do solo em água (acima da alterita) e a drenagem passa a ter um componente lateral de grande importância. Nessas condições de formação de um lençol suspenso, no topo da alterita, os processos de eluviação, transferência de partículas e de lixiviação, ou seja, a dissolução das partículas argilosas por ácidos húmicos e transferência dos elementos solúveis até a rede hidrográfica, estão muito ativos (Frascoli et al., 2000; Grimaldi et al., 2004) e pode explicar a diferenciação espacial e a evolução dos solos. Através do processo de eluviação intensa existem duas hipóteses de formação do Cambissolo: pela transformação de um Latossolo; ou quando não houver condições para desenvolver um Latossolo.

Na parte alta da vertente, os Latossolos são caracterizados também pela presença de nódulos ferruginosos, muito abundantes entre 1,4 m de profundidade e o aparecimento da alterita. Essa acumulação de ferro e outros metais em nódulos de vários tamanhos pode estar ligada a uma alternância de condições de oxidação e redução do ferro favorecida pela flutuação de um lençol freático no topo da alterita (Tardy, 1993).

Já na posição intermediária, a classificação do solo não ficou bem definida, uma vez que apenas dois dos três perfis (P1 e P3) (Figura 3) apresentam características ou, pelo menos, uma tendência de Cambissolo. O perfil P2 parece ser uma transição entre um Latossolo e um Cambissolo: na alterita mais siltosa e menos argilosa (horizonte (6)) apareceu a maior profundidade (> 1 m) do que nos demais.

Os menores valores de argila na camada superficial dos solos parecem ter como causa a perda iluviação. De acordo com vários autores (Ahn, 1970; Lal, 1976; Roose, 1977, citados por Jorge, 1985), a remoção preferencial da argila e silte pela erosão também explica esse resultado, tanto no Cambissolo quanto no Latossolo. Nota-se que a erosão é, provavelmente, mais acentuada nas pastagens do que nas florestas, enquanto a eluviação poderia ser menor, já que a acidez da camada superficial do solo diminui (Desjardins et al., 2000).

Houve sempre uma variação expressiva dos valores de argila em relação à profundidade, onde primeiramente ocorre um aumento e, normalmente, após o primeiro metro do solo ocorre uma queda desses teores (Tabela 1). No entanto, na alta vertente, esta variação não foi suficiente para constituir um gradiente textural, de forma a se adequar a outra classe de solo: os valores médios variaram entre 550 g.kg-1 de TSFA, no horizonte A, e 750 g kg-1 no B, com uma relação textural B/A de 1,4 insuficiente para enquadrá-lo como B textural (EMBRAPA, 1999). Ao contrário, na posição intermediária, o gradiente, em média, foi de 1,6. No Gleissolo, a variação dos teores de argila entre a superfície e os horizontes mais profundos é bem inferior às demais classes de solos.

Nota-se, ainda, que o acúmulo de areia, com relação ao relevo, deu-se no sentido alta vertente para baixa vertente, ou seja, no Gleissolo encontraram-se os maiores valores. Isto pode ser resultado da acumulação relativa da fração areia, em conseqüência de uma exportação intensa até a rede hidrográfica de materiais solúveis ou de partículas finas do solo, ocasionada pela permanência, na estação úmida, de água neste local. A estagnação da água, ou seja, as condições hidromórficas, provocariam a redução do ferro e, posteriormente, sua dissolução, que favoreceriam a desestabilização dos agregados, enquanto as condições ácidas permitiriam a dissolução das partículas de argila (Grimaldi et al., 1994). No Gleissolo, observou-se também um acúmulo relativo de material orgânico, em relação aos demais solos da vertente, constatando os maiores valores de C/A (Figura 5). Uma transferência ao longo da vertente é provavelmente a origem dessa acumulação, também favorecida pelas condições hidromórficas, que diminuem a intensidade da humificação, de acordo com os valores elevados da C/N na camada superficial.

Estas observações reforçam a importância de serem levados em conta os gradientes laterais, e não apenas os verticais (horizontes do perfil), como afirmam Boulet (1988) e Queiroz Neto (1988), complementando a idéia de que é rara a ocorrência de uma (suposta) homogeneidade em uma cobertura pedológica.

 

CONCLUSÕES

A intensidade pedogenética diferenciada em função da declividade e da forma da vertente provocou variações na constituição granulométrica e orgânica do solo, ao longo dos perfis e ao longo da toposseqüência, que contribuíram para a caracterização de um sistema pedológico, composto de Latossolo, Cambissolo e Gleissolo, da alta para baixa vertente, respectivamente.

Os processos mais importantes que ocorrem na topossequência foram a perda de material mineral (principalmente argila) e orgânico ao longo da vertente, especialmente no Cambissolo, localizado na encosta, com acúmulo de material orgânico no Gleissolo.

Os horizontes de superfície têm textura argilosa à franca arenosa, com presença considerável de um maior teor de silte fino em profundidade, marcando a aproximação da alterita à superfície do solo, principalmente nas áreas de Cambissolo e Gleissolo.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao grupo de pesquisadores do projeto 'Biodiversidade e funcionamento do solo no contexto da agricultura familiar na Amazônia' - IRD (Institut de Recherches pour le Développement) e, em especial, a Max Sarrazin, por toda contribuição para realização deste trabalho, que é parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor, no curso de Mestrado em Solos e Nutrição de Plantas da Universidade Federal Rural da Amazônia.

 

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Recebido: 22/12/2005
Aprovado: 14/08/2007