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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.3 n.1 Belém abr. 2008

 

Os peixes da Floresta Nacional de Caxiuanã (municípios de Melgaço e Portel, Pará - Brasil)

 

The fishes of National Forest of Caxiuanã (Melgaço and Portel municipality, Pará State - Brazil)

 

 

Luciano Fogaça de Assis MontagI; Tiago Magalhães da Silva FreitasII; Wolmar Benjamin WosiackiIII; Ronaldo Borges BarthemIV

IMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Zoologia. Belém, Pará, Brasil (luciano@museu-goeldi.br)
IIMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Zoologia. Belém, Pará, Brasil (tmsf86@yahoo.com.br)
IIIMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Zoologia. Belém, Pará, Brasil (wolmar@museu-goeldi.br)
IVMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Zoologia. Belém, Pará, Brasil (barthem@superig.com.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o objetivo de inventariar as espécies de peixes dos sistemas hídricos da Floresta Nacional (FLONA) de Caxiuanã (Melgaço/Portel, PA), foram realizadas coletas entre os anos de 1999 e 2004, abrangendo o maior número de ambientes distinguíveis com diversos métodos amostrais. Os métodos utilizados foram redes de tapagem, rede de cerco, rede de espera, mergulho livre e encontros ocasionais. Em um total de 208 espécies de peixes registradas, foi observada a dominância da ordem Characiformes (81 espécies), seguida por Siluriformes, Perciformes e Gymnotiformes. Estas espécies estão distribuídas em três principais ambientes: (i) pequenos igarapés, (ii) vegetação flutuante e (iii) áreas abertas dos rios e baías de Caxiuanã, mostrando que a heterogeneidade ambiental reflete-se na composição da ictiofauna na área do estudo. De acordo com o estimador Jackknife de 1a ordem e a curva de rarefação, o número estimado de espécies foi expressivamente maior do que o observado para os três tipos de ambientes analisados, sendo que para os igarapés a estimativa foi de 51 ± 6 espécies, bancos de macrófitas 70 ± 5 espécies e as margens dos rios e baías com 160 ± 11 espécies. Esses resultados demonstram a eficiência relativa das amostragens, indicando a necessidade de novas coletas nestes ambientes.

Palavras-chave: Amazônia. Inventário biológico. Ictiofauna. Riqueza de espécies.


ABSTRACT

In order to survey the poorly known fish fauna of the National Forest Caxiuanã, located in the municipalities of Melgaço and Portel, Pará State, Brazil, collections were made between 1999 and 2004, encompassing all distinguishable environments and employing different collecting methods. These methods included: blocking streams, enclosure nets for floating aquatic macrophytes, gill nets, snorkeling, and occasional collections. Among a total of 208 species collected, there was a predominance of Characiformes (81 species), followed by Siluriformes, Perciformes and Gymnotiformes with 46, 35 and 25 species, respectively. These species were distributed in three main environments, (i) small streams, (ii) floating vegetation, and (iii) open waters of rivers and bays in Caxiuanã, showing that environmental complexity contributes to the highly diversified ichthyofauna in the study area. According with to Jackknife estimator of 1st order and the rarefaction curves, the number of estimated species was much higher for theses three types of environment, than the species observed, which for streams was estimate of at 51 of ± 6 species, 70 ± 5 for macrophyte banks and 160 ± 11 for the edges of rivers and bays. These results demonstrate the relative efficiency of the sampling, appointing the necessity of new collects for these environments.

Keywords: Amazon. Biological inventory. Ichthyofauna. Species richness.


 

 

INTRODUÇÃO

A América do Sul contém a mais rica ictiofauna de água doce do mundo, porém, a avaliação e compreensão desta riqueza são negativamente afetadas pelo conhecimento incompleto de sua ecologia, biologia e sistemática (Menezes, 1996). Em termos de diversidade, Böhlke et al. (1978) estimaram o número de espécies de peixes de água doce Neotropical em cerca de 5.000, porém, Schaeffer (1998) estimou um número impressionante de 8.000 espécies. A bacia Amazônica contém parte expressiva deste total, com mais de 1.500 espécies já contabilizadas, o que a torna a bacia de maior riqueza de espécies de peixes do mundo (Lowe-McConnell, 1999; Goulding, 1989; Kullander & Nijssen, 1989; Schaeffer, 1998). No entanto, ainda é grande o desconhecimento taxonômico desta fauna, sendo estimado que 30 a 40% das espécies ainda não foram descritas (Malabarba & Reis, 1987).

Algumas regiões da Amazônia já foram investigadas, com coletas intensivas e utilizando diversos métodos de pesca, produzindo listas de espécies que dão uma idéia dessa alta riqueza local. A Floresta Nacional de Caxiuanã (FLONA de Caxiuanã), com uma área de 330.000 ha, é uma das poucas unidades de conservação da Amazônia Oriental, situada no estado do Pará, na região do baixo rio Anapu, nos municípios de Melgaço e Portel, a aproximadamente 400 km a oeste da capital Belém. Dentro dessa área, encontra-se a Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), vinculada diretamente ao Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Seu objetivo principal é a conservação biológica e a pesquisa da fauna e flora local, com a utilização e gerenciamento de seus recursos naturais de maneira sustentável (Lisboa, 1997). Os ambientes naturais bem conservados, a baixa densidade demográfica determinada pela criação da FLONA de Caxiuanã na década de 60 e os indícios de uma alta biodiversidade foram os fatores que mais influenciaram a escolha desta área para a implementação de uma base de pesquisa na Amazônia (Lisboa, 1997).

A ictiofauna dessa região ainda não foi adequadamente inventariada, existindo apenas uma lista preliminar baseada em coletas esporádicas, onde são citadas 41 espécies sem exemplares-testemunhos depositados em coleção científica (Lisboa, 1997). Até 1998 apenas 26 lotes de peixes encontravam-se depositados na coleção ictiológica do MPEG. Registros formais mais antigos de coletas para a região são desconhecidos.

O levantamento faunístico é um passo inicial e indispensável para obtenção de informações básicas para fomentar ações de manejo e preservação de uma área. Neste contexto, e considerando o desconhecimento da ictiofauna que habita os cursos d'água da FLONA de Caxiuanã, nosso objetivo foi realizar um inventário das espécies de peixes dessa unidade de conservação e seu entorno.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

A região de Caxiuanã está situada na porção inferior do rio Anapu, entre os rios Tocantins e Xingu, Amazônia Oriental, nos municípios de Melgaço e Portel (estado do Pará), onde se situa a FLONA de Caxiuanã, com limites norte de 1o37'S / 51o19'W e 1o54'S / 51o 58'W e limites sul de 2o15'S / 51o15'W e 2o15'S / 51o56'W (Figura 1). De acordo com dados da SUDAM (1973), o tipo climático para a região é Am (classificação de Köppen), com precipitação pluviométrica de 450 mm em alguns meses, principalmente fevereiro e março, e a ocorrência de um a dois meses (outubro e novembro) de pluviosidade inferior a 60 mm, segundo dados tomados pela estação meteorológica da Estação Científica Ferreira Penna. Apresenta uma variação fluviométrica de 70 cm, com pico de cheia no mês de março e o de seca nos meses de novembro e dezembro (Figura 2). A temperatura média anual é de 26oC, com mínima de 22oC e máxima de 32oC, e umidade relativa do ar em torno de 88%. A vegetação de terra firme é caracterizada como Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, com dossel emergente, em uma altitude de aproximadamente 0 m (Carta IBGE, 1971; Carta SUDAM/IBGE, 1989). Geologicamente, a região de Caxiuanã apresenta sedimentos da formação Alter do Chão, que foram posteriormente lateritizados (Kern & Costa, 1997).

 

 

 

 

A FLONA de Caxiuanã, banhada pelas baías de Caxiuanã e dos Botos (Figura 1) é uma "ria fluvial" (Costa et al., 1997), formada por fraturas que foram alargadas pela erosão das vertentes, aprofundadas pelas sucessivas regressões marinhas e "afogadas" pela subseqüente elevação do nível do mar (IBGE, 1977). A rede de drenagem é geralmente perpendicular às margens das baías (Costa et al., 2002).

A oeste da baía de Caxiuanã, o relevo caracteriza-se por interflúvios extensos e tabulares, que constituem o divisor dos sistemas de drenagem dos rios Anapu e Xingu. Ao norte estão terrenos baixos, alagados, com furos ou canais, retilíneos a sinuosos, que interligam corpos d'água bloqueados, cujos complexos contornos indicam drenagens fluviais anteriores afogadas por esses bloqueios (Costa et al., 2002).

Datações radiocarbônicas dos sedimentos dos fundos do rio Caxiuanã e do igarapé Curuá indicam que esta região foi formada recentemente, durante o Holoceno (a idade mais antiga obtida foi de 7.990 anos), e não no terciário, como se pensava anteriormente (IBGE, 1977). As datações obtidas confirmam a natureza lacustre da baía nos últimos 7.000 anos, principalmente ao norte, onde a correnteza do rio Anapu foi atenuada pela barragem natural formada pela deposição de sedimentos do Amazonas, que deu origem à baía. Essa alteração na paisagem fez com que tributários, como os rios Caxiuanã, Pracupi e Cariatuba, perdessem sua condição lótica ao serem represados pelas águas da baía. A menor velocidade de correnteza nesses locais resultou na deposição de grande quantidade de sedimentos em sua desembocadura, criando uma barragem natural subaquática e gerando ambientes quase lacustres (Costa et al., 2002).

Os rios da bacia de Caxiuanã dos como rios de águas negras (Sioli, 1984), devido à sua cor escura, pela pobreza de nutrientes e materiais em suspensão e por sua composição catiônica (Costa et al., 2002).

Coleta e preservação

As coletas foram realizadas entre os meses de novembro de 1999 e novembro de 2004, e incluíram o maior número de ambientes distinguíveis. Como forma de minimizar a seletividade dos métodos de pesca, foi utilizado no inventário: i) tapagem de igarapés, ii) rede de cerco em bancos de macrófitas flutuantes, iii) rede de espera (malhadeira), iv) mergulho livre e v) encontros ocasionais.

As coletas nos igarapés foram realizadas em 11 trechos de primeira e segunda ordem do extremo norte da FLONA de Caxiuanã. As amostras foram obtidas com uso de redes de mão em um trecho de aproximadamente 20 m, previamente bloqueado, com redes de tapagem de 0,2 cm entre nós opostos. O tempo de coleta em cada trecho do igarapé foi fixado, sendo as amostragens realizadas até que nenhum exemplar adicional fosse obtido após 20 minutos de esforço de pesca. A unidade de amostra estabelecida para os igarapés foi cada trecho bloqueado.

Uma rede de cerco com 4 m de comprimento por 4 m de altura, com malha de 0,5 cm entre nós opostos, foi utilizada para a captura da ictiofauna associada a bancos de macrófitas flutuantes, com dominância de Cyperacea, Eicchornia spp., entre outras. Foram amostrados 21 bancos de macrófitas distantes entre si pelo menos 50 metros e se estabeleceu que cada banco fosse uma unidade de amostra.

Redes de espera foram utilizadas no período de seca (outubro e novembro) de 2001 e 2004, e na cheia (fevereiro e março) de 2004. Em cada local foram utilizadas três baterias de oito redes de espera com malhas de três a 12 cm entre nós opostos, totalizando 80 m de comprimento, estendidas junto às margens dos rios e baías. As baterias de redes foram colocadas às 4 h e a despesca ocorreu às 8 h do dia seguinte. A unidade de amostra para rede de espera foi estabelecida como sendo uma bateria de oito redes, com o estabelecimento de 74 unidades de amostras. A eficiência destes três métodos no inventário da FLONA de Caxiuanã foi avaliada por métodos de acumulação de espécies (rarefação), pelo programa PAST® (Palaeontological Statistics, ver. 1,75) e estimativas de riqueza Jackknife de 1a ordem (Colwell & Coddington, 1994) pelo programa Estimates® 8.0. Este último, baseia-se na proporção de espécies raras (coletadas apenas uma única vez) para estimar a riqueza total de espécies e o desvio padrão.

Também foram realizadas coletas durante aproximadamente 170 horas de mergulho livre (apnéia), entre os anos de 2002 e 2003. Estas foram realizadas em águas com boa visibilidade, principalmente no igarapé Curuá, no período noturno, entre 19 h e 21 h. A captura dos indivíduos foi realizada utilizando-se rede de mão. Foram ainda consideradas as espécies registradas em encontros ocasionais, durante capturas realizadas sem controle de esforço de pesca ou por comunitários da região.

Os espécimes coletados foram fixados em formol 10% e preservados em álcool 70%. As identificações dos peixes foram baseadas em bibliografia especializada (Ellis, 1913; Géry, 1977; Isbrücker, 1981; Burgess, 1989; Buckup, 1993; Mago-Leccia, 1994; Reis, 1997) e por comparações com coleções e auxílio de especialistas. A confirmação do status taxonômico válido para as espécies foi baseada nos trabalhos de Reis et al. (2003) e Buckup et al. (2007). Após a identificação e confirmação, os espécimes foram depositados na coleção do MPEG (Pará, Brasil) (Apêndice).

 

RESULTADOS

A lista de espécies de peixes coletadas na FLONA de Caxiuanã e seus arredores ao longo de seis anos de pesquisa é apresentada na Tabela 1. Foram registradas, até o presente momento, 208 espécies distribuídas em 13 ordens. A ordem Characiformes foi a que apresentou a maior riqueza de espécies (81 ou 39% do total de espécies capturadas), seguida dos Siluriformes, Perciformes e Gymnotiformes com 46 (21%), 35 (17%) e 25 (12%) espécies, respectivamente. Dentre os Characiformes, as famílias mais representativas foram Characidae, com 39 espécies (19%), seguida por Anostomidae, com 11 espécies (5%), e Lebiasinidae, com oito espécies (4%). As famílias mais representativas dos Siluriformes foram Auchenipteridae, com 12 espécies (6%), e Loricariidae, com 11 espécies (5%). Entre os Percifomes, 85% das espécies foram representadas por Cichlidae (30 espécies). Dentre os Gymnotiformes, a família Hypopomidae foi a mais representativa, com 11 espécies capturadas. Com menor número de espécies, as ordens Rajiformes, Clupeiformes, Cyprinodontiformes, Osteoglossiformes, Beloniformes, Lepidosireniformes, Pleuronectiformes, Synbranchiformes e Tetraodontiformes representaram menos de 5% do total de espécies (Tabela 1).

 

 

Ictiofauna de igarapés

Os igarapés de Caxiuanã são margeados por extensas florestas, periodicamente alagadas tanto pela maré quanto pelo transbordamento sazonal do rio, denominadas localmente por 'igapós', que são também utilizados pela ictiofauna como locais de abrigo. A fauna de peixes desse hábitat foi composta por 35 espécies (17% do total), com 22 espécies (62%) ocorrendo exclusivamente neste ambiente. As ordens com as maiores riquezas encontradas foram Characiformes com 14 espécies, seguida de Gymnotiformes e Perciformes, com nove e seis espécies, respectivamente. As famílias mais representativas foram Lebiasinidae, com sete espécies, e Hypopomidae, com seis. A ordem Siluriformes foi representada nos igarapés pelas espécies Microglanis sp., Helogenes marmoratus, Physopyxis ananas e Trichomycterus hasemani; e as ordens Synbranchiformes e Tetraodontiformes pelas espécies Synbranchus marmoratus e Colomesus asellus, respectivamente.

Ictiofauna associada aos bancos de macrófitas flutuantes

Os bancos de macrófitas constituem um hábitat importante para diversos peixes nas áreas das baías da FLONA de Caxiuanã. Estes bancos são dominados por gramíneas, principalmente, Paspalum sp., Cyperaceae, Pontederiaceae [Eicchornia crassipes (Mart.)] e pteridófitas (Pistia spp e Salvinia spp.), que ocorrem, principalmente, em enseadas e na foz do rio Pracupi.

A fauna de peixes associada às ilhas de macrófitas foi composta por 51 espécies (24% do total), sendo 21 exclusivas deste hábitat. A ordem Characiformes foi a mais rica, com 17 espécies, sendo dez pertencentes à família Characidae. As ordens Perciformes e Gymnotiformes também apresentaram riqueza expressiva, com 12 e 11 espécies, respectivamente. Dentre os Perciformes, destaca-se a família Cichlidae (12 espécies, sendo seis exclusivas); e dentre os Gymnotiformes, Hypopomidae com seis espécies, sendo quatro exclusivos para este ambiente. Duas espécies de Rivulus (Cyprinodontiformes) ocorreram exclusivamente nos bancos de macrófitas.

Margens dos rios e baías

Das 208 espécies coletadas na FLONA de Caxiuanã, 123 foram capturadas com redes de espera nos rios e baías da região de Caxiuanã. Estas espécies são de maior porte e, em geral, são alvo da pesca comercial e de subsistência. A ordem Characiformes foi representada por 54 espécies, seguida das ordens Siluriformes (37 espécies) e Perciformes (16 espécies). Algumas espécies ocorreram exclusivamente para as áreas marginais dos rios e baías, como os Beloniformes Pseudotilusurus angusticeps e Potamorrhaphis guianensis; Clupeiformes Illisha amazonica, Pellona castelnaeana, Pellona flavipinnis, Anchovia surinamensis e Lycengraulis batesii; o Osteoglossiformes Osteoglossum bicirrhosum; e o Pleuronectiformes Hypoclinemus mentalis. A ordem Gymnotiformes foi representada por oito espécies.

Segundo o estimador Jackknife de 1a ordem e a curva de rarefação, o número de espécies estimadas foi expressivamente maior para os três tipos de ambientes analisados, sendo que para os igarapés a estimativa foi de 51 ± 6 espécies (Figura 3a), bancos de macrófitas 70 ± 5 espécies (Figura 3b) e as margens dos rios e baía com 160 ± 11 espécies (Figura 3c), segundo o estimador Jackknife de 1a ordem, demonstrando a eficiência relativa das amostragens e indicando a necessidade de implemento de novas coletas nestes ambientes. Assim, nenhuma das curvas está próxima a uma saturação e faltam muitas espécies a se descobrir na área de Caxiuanã.

 

 

 

 

 

 

Técnica de mergulho e encontros ocasionais

Como forma complementar às técnicas de amostragem, incluímos amostras de mergulho livre em apnéia e encontros ocasionais. Os mergulhos resultaram no registro exclusivo de onze espécies, destacando a ocorrência de Microphilypnus amazonicus (Eleotridae). Os encontros ocasionais foram responsáveis pelo registro exclusivo de 15 espécies, destacando-se a ocorrência das famílias Potamotrygonidae, Lepidosirenidae, Poeciliidae e Heptapteridae. Os encontros ocasionais resultaram de pescarias com uso de métodos de coleta tradicionais pelos comunitários, tais como zagaia, arpão e espinhel.

 

DISCUSSÃO

A conservação da biodiversidade em ecossistemas aquáticos é um dos desafios mais importantes e difíceis da atualidade (Chernoff et al., 1996). Essa biodiversidade é pobremente conhecida quando comparada com os ecossistemas terrestres tropicais. Esta carência inclui, além do conhecimento taxonômico e sistemático das espécies, as suas relações filogenéticas e biogeográficas (Böhlke et al., 1978; Machado-Allison & Fink, 1996; Mago-Leccia, 1978), sua ecologia e história natural (Vazzoler & Menezes, 1992).

A maioria das 208 espécies de peixes presentes na área da FLONA de Caxiuanã pertence ao grupo dos Ostariophysi e segue a composição geral da ictiofauna da bacia Amazônica, com predominância de Characiformes e Siluriformes (Lowe-McConnell, 1999).

Estas espécies estão distribuídas em três ambientes principais: associados a pequenos igarapés, à vegetação flutuante e a áreas abertas dos rios e baías de Caxiuanã. Espécies pequenas e crípticas caracterizaram a ictiofauna de pequenos igarapés, destacando-se Helogenes marmoratus, Monocirrhus polyacanthicus e Physopyxis ananas. As espécies de Hypopomidae estiveram principalmente associadas à vegetação flutuante. A baixa ocorrência deste grupo em outros ambientes deve-se ao fato de raramente saírem do abrigo da massa de raízes para a água aberta ou para a floresta adjacente (Crampton, 1998). Tais espécies são perfeitamente adaptadas à vida neste denso substrato de raízes. A associação da ictiocenose aos bancos de macrófitas flutuantes está relacionada à rica fauna de invertebrados autóctones (Junk et al., 1989; Pott & Pott, 2000), que serve de alimento para os peixes. Tais ambientes também são utilizados como áreas de 'berçário' por diversas espécies (Meschiatti et al., 2000).

Espécies de médio e grande porte foram capturadas nas margens dos rios e baías, mostrando que os diferentes nichos e a heterogeneidade ambiental das margens refletem-se na formação de uma ictiofauna diversificada para esses ambientes (Agostinho & Penkzak, 1995).

Acredita-se que a riqueza de espécies de peixes da FLONA de Caxiuanã registrada no presente estudo ainda representa uma subestimativa, tendo em vista que alguns hábitats não foram amostrados, como o fundo dos rios, que abriga um conjunto de espécies especializadas (Cox-Fernandes, 1995). Da mesma forma, maior esforço de amostragem, principalmente para os igarapés e bancos de macrófitas, deveria ser realizado, a julgar pelas curvas de saturação e rarefação de espécies registradas neste estudo. A possível causa da não estabilização das curvas é a grande freqüência de espécies raras ou não freqüentes, como destacado por Colwell (1997) e Santos (2003).

Alternativas para uma ação mais eficiente no conhecimento da biodiversidade amazônica e de Caxiuanã são o desenvolvimento de pesquisas de longa duração, que contemplem o conhecimento da biodiversidade, a formação de especialistas interessados em atuar na região e o estabelecimento de metodologias mais eficientes para acessar a fauna e flora local. Neste contexto, o Programa de Pesquisas em Biodiversidade (PPBio), que abrange um sítio na FLONA de Caxiuanã, tem como objetivo articular a competência regional e nacional de forma planejada e coordenada, com protocolos estruturados de inventários biológicos, para que se amplie e dissemine o conhecimento da biodiversidade brasileira. A expectativa é de que tal proposta virá a complementar de forma significativa o conhecimento sobre ictiofauna de Caxiuanã.

Considerando que o sistema aquático associado à Floresta Nacional de Caxiuanã está bem preservado, a fauna de peixes aqui registrada parece representar um quadro íntegro da ictiofauna de florestas alagadas do Baixo Amazonas. Porém, este quadro está ameaçado por alterações antrópicas no entorno da área. A deterioração da qualidade da água em função do mau uso da terra nas áreas marginais devido à explotação da madeira, como vem ocorrendo em municípios próximos à FLONA, pode vir a prejudicar a conservação dos ecossistemas aquáticos de Caxiuanã e reduzir a riqueza de espécies de peixes naquela unidade de conservação.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos o suporte recebido da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); a World Wildlife Found (WWF-BR); a USAID Programa Natureza e Sociedade (CSR 157-00); ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), pela concessão de bolsa e auxílio pesquisa; ao Dr. William L. Overal, pelas correções do manuscrito; e ao Dr. Jansen A. Sampaio Zuanon, pelo apoio na identificação das espécies.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 17/08/2005
Aprovado: 01/04/2008