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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.3 n.2 Belém ago. 2008

 

O uso da ecologia de paisagens na avaliação da representação das unidades de conservação e terras indígenas em relação às ecorregiões da costa norte do Brasil

 

The use of landscape ecology as tools to asses the representation of protected areas and indigenous lands in the ecoregion the north coast of Brazil

 

 

Leandro Valle FerreiraI; Denise de Andrade CunhaII; Darley Calderado LealIII

IMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia. Belém, Pará, Brasil (lvferreira@museu-goeldi.br)
IIUniversidade Federal Rural da Amazônia. Belém, Pará, Brasil (deni_bio@yahoo.com.br)
IIIUniversidade Federal Rural da Amazônia. Belém, Pará, Brasil (bionissin@yahoo.com.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta a aplicação da técnica de análise de lacunas usando o atual sistema de Unidades de Conservação de Proteção Integral, Uso Sustentável e Terras Indígenas na determinação da representatividade das ecorregiões da costa norte do Brasil, a fim de identificar lacunas neste sistema e propor a expansão das áreas protegidas.

Palavras-chave: Amazônia. Análise de Lacunas. Conservação. Costa. Ecorregião. Unidades de Conservação e Terras Indígenas.


ABSTRACT

This paper presents the application of the gap analysis using the actual mosaic of the strictly-use protected areas, sustainable-use proctected areas and indigenous lands in the study of the representation of the ecorregions along the North Coast of Brazil to identify gaps in this system and propose their expansion of protected areas.

Keywords: Amazonian. Gap analysis. Conservation. Coast. Ecoregion. Protected Areas and Indigenous Lands.


 

 

INTRODUÇÃO

A complexidade biológica dos ambientes naturais tem desafiado suas classificações biogeográficas, resultando em sérias dificuldades na definição das estratégias e metodologias para a identificação de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade.

O Brasil, com quase 1/3 das florestas tropicais remanescentes no mundo, é reconhecidamente um dos mais importantes países em diversidade biológica mundial (Prance, 1987). Apesar desta posição destacada, o Brasil apresenta pouco mais de 5% de seu território em Unidades de Conservação, uma média menor do que a de áreas protegidas em nível mundial (6%) (Sales, 1996).

Ferreira et al. (1999) demonstraram que a proporção de área no Brasil em Unidades de Conservação efetivas pode ser ainda menor, resultante de dois fatores: (1) as Unidades de Conservação brasileiras estão mal distribuídas entre os principais biomas e (2) a maioria das Unidades de Conservação brasileiras está mal implementada e/ou sujeita à ação antrópica, o que diminui sua efetividade na preservação e o uso racional dos recursos naturais.

Alguns autores têm enfatizado que uma das formas de tentar conter a perda de biodiversidade na Amazônia é dispor de um conjunto representativo de Unidades de Conservação de Proteção Integral e Uso Sustentável, que, associado a outras categorias de áreas institucionais, tais como Terras Indígenas e Áreas miliares, formaria um mosaico que poderia deter o processo de ocupação tradicional da Amazônia. Esse mosaico, além de preservar in situ a diversidade, contribui diretamente para a manutenção de um meio ambiente equilibrado e saudável, ao proporcionar uma ampla gama de serviços ambientais em benefício da sociedade. Contudo, para que este sistema alcance seus objetivos de conservação, este conjunto de áreas protegidas deve ter uma boa representatividade entre as diversas unidades biogeográficas, a fim de preservar amostras significativas e representativas da biodiversidade e de paisagens.

Desta forma, ações urgentes que resultem na ampliação e melhor implantação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) são necessárias. Por isso, torna-se fundamental a realização de estudos sobre o sistema de Unidades de Conservação no Brasil, a fim de identificar lacunas e, portanto, definir prioridades para a ampliação do sistema de áreas protegidas. Contudo, a maior limitação dos processos usados até agora para a priorização e seleção de áreas para a criação de Unidades de Conservação foi a falta de uma metodologia sistemática que permitisse quantificar a representatividade dos ambientes escolhidos.

Existem duas grandes metodologias usadas para a priorização de áreas para a conservação da biodiversidade, uma delas é aquela baseada na distribuição de espécies (endêmicas, raras ou ameaçadas de extinção). Contudo, a principal crítica a esta metodologia é que ela requer uma excelente base de dados sobre a sistemática e a distribuição das espécies, situação não aplicável aos principais ecossistemas tropicais, especialmente no Brasil, onde a falta de informações básicas sobre a distribuição da biodiversidade é extremamente crítica (Ferreira et al., 2001).

A outra metodologia empregada na escolha de áreas para a criação de Unidades de Conservação é baseada na distribuição de ecossistemas, sendo indicada por diversos autores como uma alternativa para selecionar áreas prioritárias para a conservação, onde o conhecimento sobre as distribuições das espécies é pouco conhecido. A premissa básica desta metodologia é que, conservando uma grande área geográfica, pode-se conservar a maioria das espécies (Ferreira et al., 2001).

Nesse sentido, este estudo vai usar como unidade biogeográfica de referência o conceito de ecorregião, que pode ser definido como "um conjunto de comunidades naturais, geograficamente distintas, que compartilham a maioria das suas espécies, dinâmicas e processos ecológicos, e condições ambientais similares nas quais as interações ecológicas são críticas para sua sobrevivência em longo prazo" (Dinerstein et al., 1995).

O objetivo deste estudo foi quantificar a representatividade das ecorregiões nas Unidades de Conservação (Proteção Integral e Uso Sustentável) e Terras Indígenas na costa norte do Brasil a fim de identificar lacunas neste sistema e propor bases para sua expansão.

 

MÉTODOS

O método aplicado neste estudo pode ser resumido em duas etapas:

1. Adoção de uma unidade biogeográfica de análise, a ecorregião e sua distribuição na região da costa norte do Brasil.

2. Análise de lacunas a fim de calcular a área das ecorregiões na costa norte do Brasil dentro do atual conjunto de Unidades de Conservação e Terras Indígenas.

3. Os planos de informação utilizados neste estudo foram: (1) Unidades de Conservação (IBAMA, 2008), (2) Terras Indígenas Federais (FUNAI, 2008) e (3) Ecorregiões do Brasil (IBAMA, 2008). As análises foram realizadas no programa de geoprocessamento ARCGIS.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

AS ECOREGIÕES DA COSTA NORTE BRASILEIRA

A costa norte brasileira é composta por seis ecorregiões, distribuídas entre os estados do Ceará e Amapá; a maior ecorregião é a Várzea do Marajó, representando cerca de 77% da área, enquanto a menor ecorregião é o Mangue das Guianas, com somente 0,1% da área (Figura 1).

 

 

Os principais critérios de separação das ecorregiões terrestres da costa norte brasileira são de origem geológica, influência das marés e composição de espécies (Olson et al., 2001).

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E TERRAS INDÍGENAS NA COSTA NORTE BRASILEIRA

A costa norte do Brasil tem atualmente nove Unidades de Conservação de Proteção Integral, nas categorias de Estação ecológica, Reserva biológica, Parques estaduais ou federais (Tabela 1 e Figura 2).

 

 

 

 

Das nove Unidades de Conservação de Proteção Integral, três possuem mais de 100 mil hectares de área: o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, o Parque Nacional do Cabo Orange e a Reserva Biológica do Lago Piratuba (Tabela 1).

Isto tem implicações importantes para a conservação da biodiversidade da costa norte brasileira, pois o objetivo básico das Unidades de Conservação de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais (Brasil, 2000).

Peres (2005) argumenta que representações geográficas abrangentes de assembléias biológicas distintas não serão obtidas na Amazônia sem que se disponha de grandes megareservas que possam proteger um sortimento completo de espécies e funcionar como Unidades evolutivas ecologicamente viáveis em longo prazo.

Existem atualmente 15 Unidades de Conservação de Uso Sustentável na costa norte brasileira, representadas por duas categorias: Áreas de Proteção Ambiental (APA) e Reservas Extrativistas (RESEX) (Tabela 1).

O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (Brasil, 2000).

A maior Unidade de Conservação de Uso Sustantável na costa norte do Brasil é a APA estadual da Ilha do Marajó, com cerca de 4,7 milhões de hectares, seguida da APA estadual Upaon-Açu/Mintiba/Alto Preguiças, no estado do Maranhão, com cerca de 2,6 milhões de hectares (Tabela 1).

As Reservas Extrativistas da costa norte do Brasil ocorrem exclusivamente em ambientes costeiros, predominantemente mangues e restingas. Estas Unidades apresentam áreas variando de 7,5 a 27 mil hectares, bastante pequenas quando comparadas às áreas das APAs desta região (Tabela 1).

As Reservas Extrativistas da costa norte do Brasil estão sob jurisdição federal, estas Unidades foram criadas a fim de compatibilizar a conservação da biodiversidade com o uso sustentável de seus recursos naturais, onde são permitidos a exploração e o aproveitamento econômico direto dos recursos, desde que de forma planejada e regulamentada (Brasil, 2000).

A área total ocupada por Unidades de Conservação de Uso Sustentável na costa norte do Brasil é cerca de 52,6% (Tabela 2 e Figura 2). Contudo, esta grande representação é devido à presença das APAs estaduais, uma categoria pouco eficiente para a conservação e manejo de recursos, pois esta categoria de Unidade de Conservação pode ser constituída por terras privadas, muitas vezes sem Plano de Manejo.

 

 

A análise de representatividade realizada sem a categoria de APAs na costa norte do Brasil reduz a proporção de área dentro de Unidades de Conservação de Uso Sustentável de 52,6% para 0,6%, uma redução bastante drástica e preocupante, pois mostra que o conjunto de Unidades de Conservação de Uso Sustentável na costa norte do Brasil é fundamentalmente baseado somente em um tipo de categoria (Tabela 2).

Ferreira et al. (2005) demostraram uma diferença significativa no desmatamento interno das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, sob jurisdição federal ou estadual, no estado do Pará, sendo este maior nas Unidades sob jurisdição estadual.

Isto leva a outra preocupação, pois a Unidade de Conservação Estadual tem maior fragilidade jurídica que as Unidades de Conservação Federais em relação à mudança de limites, uma vez que, enquanto no sistema federal a mudança de limites das Unidades só pode ocorrer por decreto do Congresso Nacional, o sistema estadual é apoiado pelas constituições dos estados com legislações ambientais menos restritivas que as federais.

Finalmente, existem três terras indígenas na costa norte brasileira, sendo que a Terra Indígena Uacá tem mais de 360 mil hectares de área, mostrando sua importância para a conservação e manejo da biodiversidade.

ANÁLISE DE LACUNAS DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E TERRAS INDÍGENAS NA COSTA NORTE BRASILEIRA EM RELAÇÃO ÀS ECORREGIÕES

Das seis ecorregiões que compõem a costa norte do Brasil, somente os Mangues do Amapá e os mangues das Guianas apresentam, respectivamente, 85% e 100% de suas áreas bem representadas no atual sistema de Unidades de Conservação de Proteção Integral (Tabela 2).

No sistema de Unidades de Uso Sustentável, incluindo as APAs, as ecorregiões das Várzeas do Marajó, Mangues do Maranhão e Restingas do Nordeste do Brasil, com 52,1%, 80,3% e 52,8%, respectivamente, encontram-se muito bem rerepresentadas no atual sistema de Unidades de Conservação de Uso Sustentável (Tabela 2).

Excluindo as APAs, a representatividade de área das ecorregiões das Várzeas do Marajó, dos Mangues do Maranhão e das Restingas do Nordeste do Brasil nas Unidades de Conservação de Uso Sustentável é reduzida para 0,2%, 2% e 0,4%, respectivamente (Tabela 2).

A ecorregião dos Mangues do Pará é a que se apresenta em pior situação de representatividade no atual sistema de Unidades de Conservação de Proteção Integral e Uso Sustentável (com ou sem APAs) (Tabela 2).

Concluindo, o atual sistema de Unidades de Conservação de Proteção Integral e Uso Sustentável na costa norte do Brasil é ainda insuficiente para garantir a conservação e o manejo racional dos recursos naturais.

A ampliação do atual sistema de Unidades de Conservação na costa norte do Brasil é necessária e urgente para aumentar a representatividade das ecorregiões, pois a pressão humana em larga escala sobre os recursos da Amazônia tem sido preocupante.

Este enfoque é importante porque as áreas e, conseqüentemente, as ações prioritárias para a conservação da biodiversidade na costa norte do Brasil devem ser estabelecidas em cada ecorregião individualmente, já que, conforme discutido anteriormente, cada ecorregião é uma unidade biogeográfica distinta, resultante de processos históricos, evolutivos e ecológicos próprios e apresentando, desta forma, componentes bióticos e abióticos únicos.

 

AGRADECIMENTOS

Este estudo não teria sido concluído sem a inestimável ajuda dos amigos Almicar Mendes e Thereza Prost, da Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia, do Museu Paraense Emílio Goeldi

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, 2000. Lei No 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, parágrafo 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Senado Federal, Brasília, DF, 19 de jul. 2000. 26 p.

DINERSTEIN, E., D. M. OLSON, D. J. GRAHAM, A. WEBSTER, S. PRIMM, M. BOOKBINDER, M. FORNET & G. LEDEC, 1995. A conservation assessment of the terrestrial ecoregions of Latin America and the Caribbean. World Wildlife Fund Report to the World Bank/LATEN, Washington.

FERREIRA, L. V., E. VENTICINQUE & S. ALMEIDA, 2005. O Desmatamento na Amazônia e a importância das áreas protegidas. Estudos Avançados 19(53): 157-166.

FERREIRA L. V., R. M. LEMOS, R. BUSCHBACHER, G. BATMANIAM, J. M. C. SILVA, M. B. ARRUDA, E. MORETTI, L. F. S. N. SÁ, J. FALCOMER & M. I. BAMPI, 2001. Identificação de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade por meio da representatividade das Unidades de Conservação e tipos de vegetação nas ecorregiões da Amazônia brasileira. In: J. P. R. CAPOBIANCO (Ed.): Biodiversidade na Amazônia brasileira: Avaliação e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios: 268-286. Instituto Socioambiental, São Paulo.

FERREIRA, L. V., R. M. LEMOS, N. R. BENSUNAN, R. BUSCHBACHER, G. BATMANIAM & K. LEMOS, 1999. Análise do grau de vulnerabilidade e implementação das Unidades de Conservação federais de uso indireto no Brasil: Uma proposta de criação do Ranking das Unidades brasileiras. Relatório técnico (Fundo Mudial para a Natureza – WWF), Brasília.

FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI), 2008. Limite das Terras Indígenas na Amazônia Legal. Disponível em: <http//www.funai.gov.br>. Acesso em: 10 janeiro 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA), 2008. Limite das Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Ecorregiões da Amazônia Legal. Disponível em: <http//www.ibama.gov.br>. Acesso em: 10 janeiro 2008.

OLSON, D. M., E. DINERSTEIN, E. D. WIKRAMANAYAKE, N. D. BURGESS, G. V. N. POWELL, E. C. UNDERWOOD, J. A. D'AMICO, I. ITOUA, H. E. STRAND, J. C. MORRISON, C. J. LOUCKS, T. F. ALLNUTT, T. H. RICKETTS, Y. KURA, J. F. LAMOREUX, W. W. WETTENGEL, P. HEDAO & K. R. KASSEM, 2001. Terrestrial ecoregions of the world: A new map of life on Earth. Bioscience 51: 933-938.

PERES, C. A., 2005. Porque precisamos de megareservas na Amazônia. Megadiversidade 1(1): 175-180.

PRANCE, G. T., 1987. Vegetation. In: T. C. WHITMORE & G. T. PRANCE (Eds.): Biogeography and Quaternary History in Tropical America: 28-45. Clarendon Press (Oxford Monographs on Biogeography, n. 3), Oxford.

SALES, G., 1996. O sistema nacional de Unidades de Conservação: O estado atual. Anais do Seminário Internacional sobre presença humana em Unidades de Conservação: 14-20.

 

 

Endereço para correspondência:
Museu Paraense Emílio Goeldi
Editor do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais
Av. Magalhães Barata, 376
São Braz – CEP 66040-170
Caixa Postal 399
Telefone/fax: 55-91- 3249 -1141
E-mail:boletim@museu-goeldi.br

Recebido: 19/08/2008
Aprovado: 20/10/2008