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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.4 n.3 Belém dez. 2009

 

Checklist da flora arbórea de remanescentes florestais da região metropolitana de Belém e valor histórico dos fragmentos, Pará, Brasil

 

Checklist of remnant forest fragments of the metropolitan area of Belém and historical value of the fragments, State of Pará, Brazil

 

 

Dário Dantas do AmaralI; Ima Célia Guimarães VieiraII; Samuel Soares de AlmeidaIII; Rafael de Paiva SalomãoIV; Antonio Sérgio Lima da SilvaV; Mário Augusto Gonçalves JardimVI

IMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Botânica. Belém, Pará, Brasil (dario@museu-goeldi.br)
IIMuseu Paraense Emílio Goeldi. Belém, Pará, Brasil (ima@museu-goeldi.br)
IIIMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Botânica. Belém, Pará, Brasil (samuel@museu-goeldi.br)
IVMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Botânica. Belém, Pará, Brasil (salomao@museu-goeldi.br)
VMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Botânica. Belém, Pará, Brasil (sergio@museu-goeldi.br)
VIMuseu Paraense Emílio Goeldi. Coordenação de Botânica. Belém, Pará, Brasil (jardim@museu-goeldi.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Na região metropolitana de Belém, onde vivem mais de dois milhões de habitantes (a maior população urbana da Amazônia), os remanescentes de florestas primárias ocupam menos de 400 km2, cerca de 30% da cobertura florestal original. Esses remanescentes são fragmentos situados nas ilhas e em áreas continentais restritas (terrenos militares, instituições públicas de ensino e pesquisa e Unidades de Conservação). Este estudo objetivou realizar o checklist da flora arbórea primária remanescente da região metropolitana de Belém, com base em levantamentos florísticos em seis fragmentos florestais da região, bem como identificar as espécies mais vulneráveis de desaparecimento nesta região. Os fragmentos foram: Amafrutas (15 ha), ilha Trambioca (2 ha), Bosque Rodrigues Alves (15 ha), ilha do Combu (10 ha), Gunma (10 ha) e Mocambo (5 ha). Todos os inventários, que variaram de 2 a 15 ha, foram realizados utilizando parcelas lineares de 250 m2 de tamanho, com inclusão de árvores iguais ou acima de 10 cm de Diâmetro à Altura do Peito (DAP) (diâmetro a 1,30 cm do solo). Registrou-se uma flora composta de 759 espécies em 69 famílias botânicas, das quais oito estão em listas oficiais de ameaçadas de extinção da Flora Nacional (Instrução Normativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, de setembro de 2008) e Flora do Pará (Decreto no. 802, de 20/02/2008). São elas: Aspidosperma desmanthum Benth. ex Müll. Arg. (Apocynaceae), Cedrela odorata L. (Meliaceae), Eschweilera piresii S.A. Mori (Lecythidaceae), Euxylophora paraensis Huber (Rutaceae), Hymenolobium excelsum Ducke (Leguminosae), Manilkara huberi(Ducke) Chevalier (Sapotaceae), Tabebuia impetiginosa (Mart. ex DC.) Standl. (Bignoniaceae), Mezilaurus itauba (Meisn.) Taub. ex Mez (Lauraceae) e Qualea caerulea Aubl. (Vochysiaceae).

Palavras-chave: Amazônia. Florística. Florestas urbanas.


ABSTRACT

In northern Brazil, the metropolitan area of Belém, Pará, harbors the largest urban population in the Amazon with more than "two million inhabitants, and retains remnant primary forests occupying less than 400 km2, about 30% of the original coverage. These forests are fragments located on river islands and on continental areas with restricted access such as military bases, public schools and research institutions, and official forest reserves. This study aimed to survey the trees in six major forest fragments, varying in size from 2 to 15 ha, as well as to identify the species most vulnerable of disappearing in the region. These fragments were Amafrutas (15 ha), Trambioca Island (2 ha), city park "Bosque Rodrigues Alves" (15 ha), Combu Island (10 ha), Gunma reserve (10 ha), and Mocambo reserve (5 ha). Forest fragments were surveyed using fixed quadrates of 250 m2 with the inclusion of all trees with Diameter at Breast Height (DBH) ≥ 10 cm at 1,30 m from the soil. The forest inventories registered 759 tree species in 69 families, of which 12 are officially listed as endangered based on the 1992 Brazilian national list (Instruction of the Brazilian Institute of Environment and Natural Resources - IBAMA, September 2008) and the 2008 Fará state list (Decree no. 802, de 20/02/2008). These species are: Aspidosperma desmanthum Benth. ex Müll. Arg. (Apocynaceae), Cedrela odorata L. (Meliaceae), Eschweilerapiresii S.A. Mori (Lecythidaceae), Euxylophoraparaensis Huber (Rutaceae), Hymenolobium excelsum Ducke (Leguminosae), Manilkara huberi (Ducke) Chevalier (Sapottaceae), Tabebuia impetiginosa (Mart. ex DC.) Sttandl. (Bignoniaceae), Mezilaurus itauba (Meisn.) Taub. ex Mez (Lauraceae) e Qualea caerulea Aubl. (Vochysiaceae).

Keywords: Amazon. Floristic. Urban forests.


 

 

INTRODUÇÃO

O estado do Pará é atualmente o recordista de desmatamento na Amazônia Legal. Considerando o período de agosto de 2008 a abril de 2009, os números registrados representam 43%, seguido pelo Mato Grosso (34%), Amazonas e Rondônia (7%), sendo estes quatro estados responsáveis por 92% do total do desmatamento no período (Souza Jr. et al., 2009).

Essa perda de cobertura vegetal, embora concentrada nas regiões sul e sudoeste do estado, tem apresentado efeitos igualmente na região metropolitana de Belém. Essa região (que inclui, além da capital, os municípios interligados de Ananindeua, Marituba, Santa Bárbara e Benevides) possui uma população de mais de dois milhões de habitantes, sendo a capital mais populosa da Amazônia (IBGE, 2008). Igualmente ao que ocorre com a grande maioria das capitais brasileiras, tem crescimento urbano desordenado, com eliminação contínua dos últimos remanescentes de florestas primárias que cercam a cidade, denominadas de florestas urbanas1.

Com a expansão urbana de Belém, a cobertura florestal original foi sendo continuamente dizimada. Segundo os dados de Leão et al. (2007), até 1986, foram desmatados 597,5 km2 de florestas da região metropolitana de Belém, que representavam 50% da área terrestre. No período de 1986 a 2006, ou seja, 20 anos, a região metropolitana de Belém perdeu 211,2 km2 de sua cobertura florestal. Esse desmatamento equivale a uma média anual de 21,13 km2. Atualmente, restam nesta região 369 km2 (31%) de florestas remanescentes (Leão et al., 2007).

Ainda segundo Leão et al. (2007), na porção continental de Belém, onde estão concentrados 97% da população, as áreas verdes, em 2006, correspondiam a 84,6 m2 por habitante. Em relação a 2001, a área por habitante era de 96,5 m2. Portanto, houve uma redução de 11,9 m2. O estudo observa que as áreas verdes de Belém estão situadas nas ilhas e em áreas continentais restritas (terrenos militares, instituições públicas de ensino e pesquisa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG, Universidade Federal do Pará – UFPA, Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA) e Unidades de Conservação.

O presente estudo tem o objetivo de apresentar um checklist da flora arbórea da região metropolitana de Belém, com base em levantamentos florísticos de seis importantes fragmentos florestais em remanescentes de floresta primária, bem como identificar as espécies mais vulneráveis de desaparecimento na região, segundo critérios ecológicos de tamanho de populações, grupo ecológico e tipo de dispersão. Outro objetivo foi discorrer sobre o valor histórico dos fragmentos investigados, visto que correspondem aos locais de coleta de vários exemplares tipos, que foram utilizados para a primeira descrição da espécie.

 

MATERIAL E MÉTODOS

LOCALIZAÇÃO DAS ÁREAS DE ESTUDO

A Figura 1 localiza os fragmentos estudados com as respectivas coordenadas geográficas (centrais). São eles, em ordem sequencial de área inventariada: ilha Trambioca – Barcarena (1o 27' 20" S / 48o 40' 25" W), Área de Pesquisas Ecológicas do Guamá – Reserva do Mocambo (1o 26' 20" S / 48o 25' 18" W), Parque Ecológico de Gunma (1o 12' 14" S / 48o 17' 39" W), Área de Proteção Ambiental – APA da ilha do Combu (1o 29' 40" S / 48o 27' 46" W), Bosque Rodrigues Alves/Jardim Botânico da Amazônia (1o 25' 50" S / 48o 27' 23" W) e Reserva Florestal da Amafrutas (1o 23' 18" S / 48o 17' 22" W).

 

 

CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS FRAGMENTOS

A Tabela 1 sintetiza as principais informações sobre os fragmentos estudados. Compreende três áreas particulares (Amafrutas, Gunma e Mocambo) e três públicas (ilha de Trambioca, Bosque Rodrigues Alves/Jardim Botânico da Amazônia e ilha do Combu), sendo esta última a única Unidade de Conservação (APA do Combu). O fragmento mais afastado refere-se ao Parque Ecológico de Gunma, que dista, em linha reta, 35 km. Todos os fragmentos encontram-se na região metropolitana de Belém (que inclui, além da capital, os municípios interligados de Ananindeua, Marituba, Santa Bárbara e Benevides), à exceção do fragmento da ilha Trambioca, que pertence ao município de Barcarena. A área total amostrada foi de 57 ha. O tamanho das áreas inventariadas variou de 2 ha (ilha de Trambioca) a 15 ha (Amafrutas e Bosque Rodrigues Alves/Jardim Botânico da Amazônia). A ilha de Trambioca, embora tenha sido pouco amostrada, corresponde ao maior fragmento (75 km2). O Bosque Rodrigues Alves/Jardim Botânico da Amazônia, por sua vez, corresponde ao menor fragmento (0,15 km2).

 

 

Em metade dos fragmentos (Amafrutas, Trambioca, Gunma), foram inventariados dois tipos de vegetação: floresta de terra firme e floresta de várzea. O Bosque Rodrigues Alves/Jardim Botânico da Amazônia e a ilha do Combu, em contrapartida, são cobertos por tipologias únicas, floresta de terra firme e floresta de várzea, respectivamente. No Mocambo, foram alvos do levantamento, além das florestas de terra firme, os igapós.

AMOSTRAGEM DA VEGETAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Os dados florísticos decorrem de inventários botânicos (utilizando parcelas fixas de 250 m2) nos diferentes fragmentos analisados, em que se consideraram como critérios de inclusão nas amostragens todas as árvores com circunferência igual ou superior a 30 cm a 1,30 m do solo (DAP ≥ 10 cm). As dimensões das áreas inventariadas nos fragmentos são diferentes, variando de 2 ha (ilha Trambioca) a 15 ha (Gunma).

Todos os inventários foram realizados por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, à exceção do fragmento do Bosque Rodrigues Alves/JardimBotânico da Amazônia, que foi cedido pela coordenação de flora do referido órgão.

A classificação botânica seguiu o sistema de Cronquist (1981), considerando, entretanto, Caesalpinaceae, Mimosaceae e Fabaceae. A nomenclatura botânica foi uniformizada mediante consulta ao herbário do Museu Paraense Emílio Goeldi (MG) e ao banco de dados do Missouri Botanical Garden (Tropicos, 2009). Foram consideradas apenas as identificações completas, com gêneros e epítetos específicos.

As áreas foram caracterizadas de acordo com os seguintes parâmetros: status do fragmento (área pública, área particular, Unidade de Conservação), município de vinculação, distância em linha reta de Belém (considerando como centro geográfico de Belém as instalações físicas do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi – 1o 27' 11" S / 48o 28' 35" W), tamanho da área inventariada (em ha), tamanho total do fragmento (em km2) e os tipos de vegetação ocorrentes. Para cada fragmento, são informados dados de riqueza (número de espécies), diversidade (Shannon-Wienner - H'), espécies raras (apenas uma árvore) e exclusivas (ocorrência restrita a um determinado fragmento).

Discorre-se sobre o valor histórico dos fragmentos estudados, visto que alguns correspondem aos locais de coleta de vários exemplares tipos, isto é, que foram utilizados para a primeira descrição botânica da espécie. São listadas espécies, cujo exemplar tipo foi encontrado na região metropolitana de Belém.

Por fim, foi elaborada uma listagem com todas as espécies registradas (checklist), com respectivas famílias, nome popular e fragmento onde a espécie foi registrada. Nessa listagem, foram indicadas as espécies mais vulneráveis quanto à ameaça de desaparecimento na região metropolitana de Belém, com base numa classificação inédita fundamentada nas seguintes informações ecológicas:

1) Grupo ecológico das espécies (Budowski, 1965), que podem ser: pioneiras, secundárias iniciais, secundárias tardias e clímax;

2) Tipo de dispersão (zoocórica – animais; anemocórica – vento; hidrocórica – água; barocórica – gravidade), segundo Roosmalen (1985) e Ferraz et al. (2004). Além desses estudos, foi considerada a experiência dos autores na indicação do tipo de dispersão para as espécies não presentes nas referidas obras;

3) Tamanho das populações (número de exemplares nos fragmentos). Foram consideradas vulneráveis as espécies que apresentam três características simultaneamente: a) populações não ultrapassam cinco indivíduos; b) sucessão secundária tardia ou clímax; c) dispersão zoocórica e anemocórica ou barocórica.

 

RESULTADOS E DISCUSSãO

RIQUEZA E DIVERSIDADE

Foi registrada, nos seis fragmentos investigados, uma flora composta de 759 espécies, representantes de 69 famílias, que estão listadas no Apêndice. A lista das espécies segue a ordem alfabética de família, com informações associadas de nome popular, tipo de dispersão, grupo ecológico, vegetação de ocorrência, indicação do fragmento onde a espécie foi registrada e tamanho das populações. Esses dados decorrem de um universo de 31.425 árvores inventariadas (DAP ≥ 10 cm). A Tabela 2 agrupa as principais informações sobre riqueza, diversidade, raridade específica e ocorrência entre os fragmentos investigados.

 

 

Dessas espécies, a grande maioria (361) é de florestas de terra firme, outras 282 são de áreas inundáveis (florestas de várzea e igapó) e 130 são comuns a estes ambientes.

As famílias de maior riqueza específica foram: Sapotaceae (58 spp.), Mimosaceae (56), Fabaceae (46), Lauraceae (35), Chrysobalanaceae (35), Burseraceae (30), Lecythidaceae (30), Caesalpinaceae (29), Myrtaceae (27) e Annonaceae (24). Estas dez famílias congregam 48,56% das espécies registradas, as outras 59 famílias agrupam as restantes (Figura 2).

 

 

Conforme evidenciado na Figura 3, mais da metade (51,31%) da flora remanescente ocorre isoladamente num dos fragmentos investigados, e num grupo menor (48,69%) estão espécies comuns em mais de um fragmento, sendo que apenas oito (1%) foram comuns nas seis áreas estudadas, sendo elas: Euterpe oleracea Mart. (açaí), Symphonia globulifera L.f. (anani), Hevea brasiliensis (Willd. ex A. Juss.) Müll. Arg. (seringueira), Swartzia racemosa Benth. (pitaíca), Eschweilera coriacea (DC.) S.A. Mori (matamatá-preto), Gustavia augusta L. (geniparana), Carapa guianensis Aubl. (andiroba) e Simarouba amara Aubl. (marupá).

 

 

Essa flora de ocorrência isolada (391 espécies) está representada entre os fragmentos, na seguinte ordem de concentração: Gunma (108), Amafrutas (74), Trambioca (67), Bosque (62), Mocambo (56) e ilha do Combu (24). O fragmento de Trambioca, embora o de menor área inventariada (2 ha), surpreende em número de espécies restritas, superado apenas em relação ao fragmento do Gunma e Amafrutas, ambas significativamente maiores em área amostrada (Figura 4).

 

 

Desse plantel, mais da metade (66%) apresenta populações raras, isto é, com apenas uma árvore registrada (Figura 4). Entre essas espécies, estão várias de valor madeireiro, como Couratari pulchra Sandwith (tauari), Diplotropis racemosa (Hoehne) Amshoff (sucupira), Zygia inaequalis (Humb. & Bonpl. ex Willd.) Pittier (angelim), Lecythis serrata S.A. Mori (jatereua), Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F. Macbr (amarelão), Cordia sylvestris Fresenius (freijó), Copaifera duckei Dwyer (copaíba) (Apêndice).

Dentre a flora registrada nos fragmentos (759 espécies), foram identificadas 128 espécies (16,84% do total) consideradas vulneráveis de desaparecimento na região metropolitana de Belém, conforme a classificação de ameaça adotada neste estudo. Apresentam pequenas populações (até cinco indivíduos), de sucessão secundária tardia ou clímax e são dispersas por animais, vento ou gravidade. A grande maioria (60%) é espécie de valor madeireiro, alvo da exploração desordenada, portanto, em maior risco de desaparecimento nos últimos remanescentes florestais da região metropolitana de Belém.

Algumas espécies possuem populações isoladas em determinados fragmentos, como registrado no fragmento da Amafrutas em relação à Aspidosperma eteanum Markgr. (araracanga), Trattinnickia glaziovii Swart (breu-sucuruba), Lecythis holcogyne (Sandwith) S.A. Mori (matamatá-jarani) e Ocotea fasciculata (Nees) Mez (louro-preto), igualmente ao que ocorre no Gunma quanto a Tabebuia impetiginosa (Mart. ex DC.) Standl. (ipê-roxo), Peltogyne venosa (Vahl) Benth. (pau-roxo), Couepia robusta Huber (pajurá), Aniba riparia (Nees) Mez (louro) e Manilkara paraensis (Huber) Sandl. (maparajuba). A vulnerabilidade destas espécies isoladas é agravada em função das ameaças de conservação sobre estes fragmentos, principalmente o fragmento da Amafrutas, que sofre um processo intenso de perda de cobertura vegetal. Localizado em uma área de expansão urbana (BR-316) da região metropolitana de Belém, o fragmento vem sendo invadido nos últimos anos para fins de loteamento e moradia.

Grande parte (66%) dessa flora é própria das florestas de terra firme, como é o caso de Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F. Macbr. (amarelão), Alexa grandiflora Ducke (melancieira), Bowdichia nitida Spruce ex Benth. (sucupira-amarela), Hymenolobium pulcherrimum Ducke (angelim-aroeira), Parkia igneiflora Ducke (visgueiro). Outras (26%) habitam exclusivamente ambientes inundados de várzea e igapó, a exemplo de Hevea camargoana Pires (seringueira), Ormosia excelsa Benth. (buiuçú), Macrolobium microcalyx Ducke (ipé), Swartzia acuminata Willd. ex Vogel (pitaíca), Vantanea macrocarpa Ducke (paruru). Existem, ainda, as espécies que coabitam estes ambientes, como Protium poeppigianum Swart (breu-grande), Licania incana Aubl. (caripé), Swartzia macrocarpa Spruce ex Benth. (pitaíca), Ocotea petalanthera (Meisn.) Mez (louro-preto), Eschweilera paniculata (O. Berg) Miers (matamatá) e várias outras.

Foram identificadas nos fragmentos oito espécies ameaçadas de extinção (Lista Nacional – Instrução Normativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA de setembro de 2008 e Lista do Pará – Decreto nos. 802, de 20/02/2008). São elas: Aspidosperma desmanthum (araracanga), Cedrela odorata (cedro), Eschweilera piresii (matamatá-jarani), Euxylophora paraensis (pau-amarelo), Hymenolobium excelsum (angelim), Manilkara huberi (maçaranduba), Tabebuia impetiginosa (ipê-roxo), Mezilaurus itauba (itaúba) e Qualea caerulea (mandioqueira) (Apêndice). Das 31 espécies arbóreas que constam como ameaçadas no estado do Pará, pouco mais de 1/4 (26%) ocorreu neste estudo.

Em relação à região metropolitana de Belém, a área total dos fragmentos amostrados (com exceção do fragmento da ilha Trambioca, que não faz parte da região metropolitana de Belém) é de 55,15 km2, que representa 15% das florestas remanescentes, considerando que elas cobrem, nesta região, uma área de 369 km2 (Leão et al., 2007). Esses fragmentos representam os mais significativos remanescentes de floresta primária da região metropolitana de Belém (Leão et al., 2007; Almeida, 2007; Pires & Salomão, 2007).

Os fragmentos apresentaram, de maneira geral, alta diversidade vegetal, com índices que variaram de 4,24 (Gunma) a 4,74 (Gunma), visto que, para as florestas tropicais, índices entre 3,83 e 5,85 são considerados altos (Knight, 1975). A exceção foi o fragmento da ilha do Combu (2,58), em função de ser um ambiente estritamente de floresta de várzea, com diversidade inferior se comparado às florestas de terra firme da Amazônia (Almeida et al., 2004; Salomão et al., 2002).

Como esperado para as florestas tropicais da Amazônia, um grupo restrito de famílias abriga uma grande concentração de espécies, com destaque para Sapotaceae (58), Mimosaceae (56), Fabaceae (46), Lauraceae (35), Chrysobalanaceae (35), Burseraceae (30), Lecythidaceae (30), Caesalpinaceae (29), Myrtaceae (27) e Annonaceae (24) (Pires, 1973).

Os poucos exemplares das espécies ameaçadas de extinção, ou mesmo outras de algum valor madeireiro, estão restritos em áreas privativas, sob algum tipo de proteção (Bosque, Mocambo, Gunma, Amafrutas). É bastante provável que nos demais remanescentes florestais que cercam a cidade estas espécies não mais habitem ou se encontrem em populações tão reduzidas, não sendo mais possível sua disseminação natural, visto o comprometimento dos agentes reprodutivos (Scariot, 1999; Bierregaard et al., 1992).

A fragmentação constitui-se na principal ameaça para as áreas estudadas. Paisagens florestais fragmentadas estão sujeitas à redução nas populações das espécies, alteração em seus padrões de migração e dispersão e, consequentemente, deterioração da diversidade biológica numa escala temporal (Tilman et al., 1994). Em fragmentos pequenos, as espécies que apresentam, naturalmente, baixas densidades podem sofrer considerável redução no tamanho populacional, tornando-se mais vulneráveis à extinção local devido a eventos estocásticos demográficos, catastróficos e genéticos (Shafer, 1981). Isso pode estar ocorrendo particularmente, neste estudo, em relação a determinadas espécies com no máximo dois indivíduos e que foram registradas nos menores fragmentos (Bosque – 0,15 km2; Amafrutas – 5 km2). É o caso, por exemplo, de Guarea macrophylla Vahl (andirobarana), Albizia niopoides (Spruce ex Benth.) Burkart (paricarana), Ecclinusa abbreviata Ducke (abiu-balata), Pouteria campanulata Baehni (abiu), no Bosque, além de Couratari tenuicarpa A.C. Sm. (tauari), Ecclinusa guianensis Eyma (abiu-batatinha), Manilkara bidentata (A. DC.) A. Chev. (maparajuba), Pouteria elegans (A. DC.) Baehni (abiu), entre outras, no Gunma.

Aliada à questão populacional, outra preocupação está relacionada às espécies de sucessão secundária tardia ou clímax (Budowski, 1965), geralmente dispersas por animais (Roosmalen, 1985), visto que naturalmente estão em condições mais críticas em relação ao grau de ameaça, se comparado às espécies com grandes populações, pouco exigentes em condições ambientais (sucessionais do tipo pioneira e com dispersão hidrocórica), portanto, sem riscos eminentes. Nestas condições mais críticas estão espécies como Copaifera duckei (copaíba), Hymenaea courbaril L. (jatobá), Peltogyne venosa (pau-roxo), Bowdichia nitida (sucupira-amarela), Hymenolobium excelsum (angelim-damata), Mezilaurus itauba (itaúba), Brosimum potabile Ducke (amapá-doce), entre várias outras.

VALOR HISTÓRICO DOS FRAGMENTOS

Alguns fragmentos florestais analisados neste estudo possuem um valor histórico inestimável, pois correspondem aos locais de coleta de vários exemplares tipos, isto é, o exemplar que foi utilizado para a primeira descrição da espécie (Tabela 3). No herbário do Museu Paraense Emílio Goeldi, o mais antigo da Amazônia, foram identificados 26 exemplares tipos de árvores descritos das áreas em estudo.

 

 

As coletas datam, em sua maioria, do início até o final do século XX, e são de autoria de ilustres botânicos da flora amazônica, como Adolpho Ducke e Jacques Huber. Tais coletas são provenientes, geralmente, das incursões que empreendiam em locais como o chamado Marco da Légua (atual Bosque Rodrigues Alves/Jardim Botânico da Amazônia) e na floresta do Utinga (atual Mocambo/Área de Pesquisa Ecológica do Guamá – APEG), além de outros locais. Acredita-se que algumas das árvores de onde foram colhidas as amostras botânicas (folhas, flores e frutos) para este fim ainda sobrevivam no local, principalmente no Bosque (em função da proteção), embora não exista, lamentavelmente, comprovação oficial.

É o caso, por exemplo, de Aspidosperma marcgravianum Woodson (= Aspidosperma excelsum Benth.), uma Apocynaceae conhecida popularmente como carapanaúba, coletada no Bosque por Adolpho Ducke, no dia 23 de junho de 1943. Neste mesmo local, esse botânico coletaria mais tarde (4 de abril de 1946) Tapura singularis Ducke, da família Dichapetalaceae, conhecida como pau-de-bicho. Portanto, ambas, com no máximo 64 anos de registro, idade bastante razoável para a vida útil de uma árvore na Amazônia. Outras sete espécies também constam com o tipo proveniente do Bosque Rodrigues Alves, porém, coletadas numa época bem anterior, pouco provável de ainda existirem no local, como é o caso de Qualea paraensis Ducke (mandioqueira-escamosa) e Couepia divaricata Huber (macucú), 1898 e 1901, respectivamente.

Em contrapartida, outras coletas foram realizadas em locais de Belém que, hoje, são estritamente concreto e asfalto, não existindo nenhum vestígio da vegetação primária da época, como é o caso de Acrodiclidium aureum Huber (louro), coletada em 1908, na rua 22 de junho (atual avenida Alcindo Cacela); Iryanthera paraensis Huber (ucuubarana), na travessa Barão de Mamoré, em 1903; e Parkia paraensis Ducke (visgueiro), encontrada no Entroncamento (hoje, um complexo viário na saída de Belém), em 1918.

Estas espécies com localidade typus de Belém aqui mencionadas possuem distribuição relativamente ampla na Amazônia, à exceção de quatro: Schefflera paraensis Huber ex Ducke (morototó-branco), Parkia paraensis Ducke (visgueiro), Zschokkea aculeata Ducke (= Lacmellea aculeata (Ducke) Monach. e Eschweilera piresii S.A. Mori (matamatá-jarani).

Schefflera paraensis (morototó-branco) foi coletada primeiramente em 1915 por Adolpho Ducke na floresta do Utinga. Posteriormente, em 1941, foi coletada por este mesmo botânico no Entroncamento, numa vegetação pantanosa ao longo de um riacho que ali existia. Além desses dois registros nos arredores de Belém, existe apenas uma outra coleta para a Serra do Navio, no Amapá, em 1976, conforme pesquisa ao Herbário MG (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2009).

Parkia paraensis (visgueiro) é uma espécie que foi coletada primeiramente por Adolpho Ducke, em 1916, no município de Gurupá. Logo depois (1918), o botânico fez outra coleta, agora nos arredores de Belém, nas florestas do Una. Outro registro para a espécie é de 1981 para a região de Jacundá, local, hoje, submerso pelo lago de Tucuruí (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2009).

Zschokkea aculeata (= Lacmellea aculeata), conhecida popularmente por pau-de-colher, apresenta o primeiro registro em 1896 através de uma coleta de Jacques Huber nas matas do Utinga (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2009).

Eschweilera piresii (matamatá-jarani) merece especial destaque. Além de o tipo pertencer aos arredores de Belém, trata-se de uma espécie ameaçada de extinção (lista do Pará – Decreto no. 802, de 20/02/2008) e com ocorrência restrita ao centro de endemismo Belém. Foi descrito por Scott Mori, através de uma coleta de 1977 na Granja Maratá, no município de Benevides (30 km de Belém) (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2009).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ações emergenciais de proteção ambiental devem ser tomadas conjuntamente pelos órgãos ambientais competentes (municipal, estadual e federal) como implementação dos Planos de Manejo das Unidades de Conservação (UCs) já existentes (instrumento que disciplina o uso do espaço com vistas à sustentabilidade dos recursos naturais), criação de novas UCs (preferencialmente em áreas de fragmentos de florestas primárias – como é o caso da área da Amafrutas) e o fortalecimento dos serviços de vigilância e fiscalização, de modo a assegurar que esta flora não seja definitivamente extinta da região metropolitana de Belém.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Bosque Rodrigues Alves (atual Jardim Botânico da Amazônia) na pessoa da colega Gracialda Ferreira, então responsável pelo setor de flora, por ter disponibilizado os dados de ocorrência das espécies. Aos colegas Ricardo Secco e Jorge Oliveira, pela revisão das famílias Euphorbiaceae e Annonaceae, respectivamente. Ao Marcelo Thales, pela elaboração do mapa das áreas de estudo. Ainda, ao Carlos Rosário (Carlito), pelas informações sobre a ecologia de algumas espécies.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 24/09/2008
Aprovado: 18/12/2009
Responsabilidade editorial: Anna Luiza Ilkiu Borges