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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versión impresa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.5 n.2 Belém ago. 2010

 

Distribuição espacial de vermetídeos (Mollusca: Gastropoda) no Atol das Rocas, Atlântico Sul equatorial

 

Spatial distribution of vermetids (Mollusca: Gastropoda) in the Rocas Atoll, equatorial South Atlantic

 

 

Marcelo de Oliveira SoaresI; Carlos Augusto Oliveira de MeirellesII; Valesca Brasil LemosIII

IUniversidade Federal do Ceará. Instituto de Ciências do Mar. Fortaleza, Ceará, Brasil (marcelosoares@ufc.br)
IIUniversidade Federal do Ceará. Centro de Ciências. Departamento de Biologia. Laboratório de Invertebrados Marinhos. Fortaleza, Ceará, Brasil (cameirelles@gmail.com)
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Departamento de Paleontologia e Estratigrafia. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil (valesca.lemos@ufrgs.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Atol das Rocas é um recife biogênico localizado a 266 km do litoral do nordeste brasileiro. Sua estrutura carbonática é constituída por corais, algas calcárias, vermetídeos e foraminíferos. As espécies de vermetídeos analisadas são indicadoras do nível do mar e de paleoambiente intermaré ou imediamente submaré, o que as torna aptas a auxiliar na elucidação da história geológica do único atol do Atlântico Sul. Apesar da sua importância como bioconstrutores, existem poucos estudos enfocando a sistemática e a distribuição destes moluscos neste recife oceânico. Foram obtidos dados sobre as espécies, além da densidade e distribuição da tafocenose incrustante nos setores a barlavento e sotavento. As espécies Dendropoma irreguläre (d'Orbigny, 1842) e Petaloconchus varans (d'Orbigny, 1841) foram reconhecidas em diferentes setores do sistema recifal, principalmente no setor a barlavento (0,26 ± 0,04 ind/cm2). Nos sistemas deposicionais com forte impacto de ondas, existe menor densidade de bioacumulação das conchas fossilizadas desses organismos (0,11 ± 0,02 ind/cm2).

Palavras-chave: Atol das Rocas. Bioconstrução marinha. Vermetídeos. Conchas. Hidrodinâmica.


ABSTRACT

The Rocas Atoll is a biogenic reef located 266 km from the brazilian northeast coast. Its carbonate structure is formed by corals, calcareous algae, foraminifers and vermetids. Such studied vermetid species are indicators of the sea level and of intertidal or immediately subtidal paleoenvironments, being able to contribute to elucidate the geological history of the only atoll of the South Atlantic. Despite its importance as bioconstructors, there are few studies on the systematics and distribution of these mollusks in this oceanic reef system. Data was obtained on the species, density and distribution leeward and windward from the encrusting taphocoenosis. The species Dendropoma irregulare (d'Orbigny, 1842) and Petaloconchus varians (d'Orbigny, 1841) were recognized in different sectors of the reef system, mainly in the windward sector (0,26 ± 0,04 ind/cm2). In the wave-dominated side of the depositional system occur a lower bioaccumulation of the fossilized shells (0,11 ± 0,02 ind/cm2).

Keywords: Rocas Atoll. Marine Bioconstruction. Vermetids. Shells. Hydrodynamics.


 

 

INTRODUÇÃO

Os vermetídeos constituem densas assembleias, comuns nas séries sedimentares, nas quais é possível distinguir bioacumulações de conchas não cimentadas de verdadeiras bioconstruções. Outro aspecto de interesse paleontológico mostra que os moluscos bioconstrutores podem constituir acumulações tridimensionais, como outros construtores de recifes, e acumulações bidimensionais incrustadas nas superfícies das rochas sedimentares. Acumulações mistas de bivalves e gastrópodes são bastante comuns em bacias sedimentares cenozóicas (Danelian et al., 2007).

Dentre os diversos grupos de gastrópodes, as espécies de vermetídeos apresentam um modo de vida gregário, além de se caracterizarem por um crescimento extremamente irregular das conchas (Gould, 1994). A aglomeração das conchas desses moluscos, os quais crescem agregados ao substrato, pode constituir uma estrutura recifal carbonática densa. Essas estruturas são conhecidas em todos os mares, entre 44o de latitude Norte e 44o de latitude Sul (Saint-Martin et al., 2007).

Bioconstruções de vermetídeos são geralmente reconhecidas como bons indicadores de antigos níveis do mar e utilizadas para reconstrução de mudanças eustáticas e instabilidade tectónica (Laborel & Laborel-Deguen, 1994; Vescogni et al., 2008), inclusive na zona costeira do sudeste (Dias et al., 2009), sul (Souza et al., 2001) e nordeste (Milne et al., 2005; Angulo et al., 2006) do Brasil.

Bioconstruções e bioacumulações são frequentemente consideradas sob uma perspectiva sedimentológica ou paleoambiental (plataformas temperadas contra tropicais). Aspectos paleobiológicos da bioconstrução nos recifes são raramente estudados (Heckel, 1974), apesar de constituírem uma parte significante dos recifes, inclusive do Atol das Rocas. Neste recife, os principais organismos bioconstrutores são algas calcárias, corais escleractíneos, vermetídeos e, com menor contribuição, foraminíferos (Kikuchi & Leão, 1997). Não obstante a isso, existem poucos estudos (Kikuchi & Leão, 1997; Gherardi & Bosence, 2001) sobre certos aspectos da bioconstrução e bioacumulação (principalmente dos foraminíferos e dos moluscos) neste recife oceânico. Nesses trabalhos, apenas é citada a participação significativa dos vermetídeos na construção carbonática, observando-se ausência de dados taxonómicos e de distribuição espacial dos vermetídeos no Atol das Rocas. Assim, este trabalho tem por objetivos: 1) analisar as tafocenoses de vermetídeos incrustantes e 2) verificar a distribuição espacial neste recife, para correlacionar com fatores ecológicos e hidrodinâmicos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

ÁREA DE ESTUDO

O Atol das Rocas está localizado no topo de uma cadeia de montanhas submarinas no Oceano Atlântico Sul, cuja base encontra-se a 4.000 metros de profundidade no leito oceânico, a 3o 51' S Latitude e 33o 49' W Longitude (Echeverría et al., 1997), sendo o único atol dessa região. Este recife apresenta forma elipsóide, possuindo uma pequena laguna a nordeste e um depósito arenoso entremarés cobrindo a parte central da ilha (Kikuchi & Leão, 1997). O substrato consolidado é composto, principalmente, por algas calcárias incrustantes e moluscos vermetídeos (Gherardi & Bosence, 1999).

O clima é tropical e úmido: a temperatura mínima do ar é 26o C e a média da precipitação pluviométrica é 109 mm (Höflich, 1984). Ventos sudeste (SE) e leste (E) são predominantes, nos quais se observa uma velocidade superior a 15 m.s-1. As marés na área têm um regime semidiurno, com amplitude máxima de 3,8 m (Kikuchi & Leão, 1997).

ATIVIDADES DE CAMPO

O trabalho de campo requereu diferentes etapas, como interpretação de imagens, de mapas geológicos da área, visualização das características da bioconstrução e obtenção de amostras geológicas e paleontológicas.

Na expedição de janeiro a fevereiro de 2008, foram realizadas amostragens com quadrats de 100 cm2 para análise da densidade dos vermetídeos nas zonas a barlavento e sotavento do recife oceânico (Figura 1), totalizando 20 quadrats.

 

 

ANÁLISE DOS DADOS PALEONTOLÓGICOS

Para identificação do material fossilífero, utilizou-se a bibliografia de Gould (1994), Rios (1994) e Vescogni et al. (2008). As variações da abundância das conchas de vermetídeos foram tabuladas em planilhas eletrônicas. Os dados utilizados foram a densidade relativa destes organismos nos lados a barlavento e sotavento do Atol das Rocas. Tal procedimento visou revelar em qual das zonas recifais, se a barlavento ou a sotavento, ocorre maior densidade dos vermetídeos. O teste estatístico adotado foi o t de Student, para comparação das médias com nível de significância (α) de 5%, depois de verificada a normalidade dos dados paleontológicos. O software utilizado para tais análises estatísticas foi o PAST (Paleontological Data Analysis) version 1.89.

Na hipótese nula (Ho), admite-se que não houve variação significativa na abundância de vermetídeos na bioconstrução recifal, considerando as diferentes zonas recifais (barlavento e sotavento), enquanto que na hipótese alternativa (Ha) haveria variação significativa nos valores de densidade destes moluscos.

 

RESULTADOS

A comunidade de conchas de vermetídeos analisada é composta por duas espécies: Dendropoma irregulare (d'Orbigny, 1842) e Petaloconchus varians (d'Orbigny, 1841) (Tabela 1). Dendropoma irregulare é bastante comum, vivendo em colônias, formando recifes de vermetídeos, sendo, desse modo, o principal organismo amostrado nos quadrats realizados. Petaloconchus varians foi encontrado ocasionalmente, sendo amostrado apenas uma vez.

 

 

As bioacumulações de conchas desses moluscos foram encontradas nos setores a barlavento e sotavento, principalmente distribuídos na massa carbonática do anel e na margem recifal, além do platô recifal do Atol das Rocas (Figura 2). Na área onde as ondas têm menor incidência encontrou-se conchas incrustadas na frente recifal.

 

 

A densidade de D. irregulare no setor a barlavento foi de 0,216 ± 0,04 indivíduos por cm2. Na área a sotavento, sobretudo na frente recifal, obteve-se valores absolutos de 0,11 ± 0,02 ind/cm2. A diferença entre os valores de densidade dos vermetídeos foi significativa (P = 0,0009, α = 5%), o que corrobora a presença de maior densidade de vermetídeos incrustantes no lado de barlavento do Atol das Rocas (Figura 3).

 

 

A distribuição dos vermetídeos P. varians e D. irregulare registrados no Atol das Rocas representa um sistema de bioconstrução que combina aspectos paleobiológicos, paleoceanográficos e sedimentológicos. Tais construções carbonáticas são resultado de um conjunto incomum de eventos ou condições paleoambientais, por exemplo, o substrato favorável, a água rica em disponibilidade de alimento que suporta o gregarismo, a capacidade dos vermetídeos de otimizarem os recursos alimentares, a instalação em uma zona que pode ser submetida ao fenômeno da ressurgência e/ou à influência de correntes superficiais do Atlântico, fatores ambientais (ondas, correntes, tempestades) que distribuem as larvas, além das oscilações do nível do mar, permitindo a progradação/agradação do sistema carbonático do Atol das Rocas.

 

DISCUSSÃO

Os subfósseis de vermetídeos bioconstrutores do Atol das Rocas são do Período Neógeno (época Holoceno), com menos de 5.000 anos, segundo datações pretéritas (Kikuchi & Leão, 1997; Gherardi & Bosence, 2001), sendo Dendropoma irregulare o mais abundante na tafocenose considerada. Gherardi & Bosence (2001), após análise de testemunhos, constataram a presença do gênero Dendropoma Mörch, 1861 como um construtor carbonático secundário do recife oceânico.

Recifes de vermetídeos são conhecidos desde o Badeniano (Mioceno médio) até os dias atuais, sendo sua principal importância o fato de serem utilizados como indicadores de variações do nível do mar, intrinsecamente associados à zona entremarés ou imediatamente submarés (Dias et al., 2009). A distribuição dos vermetídeos analisados em Rocas, como no caso do platô recifal que é uma área entremarés, demonstra a sua utilidade como indicadores paleobatimétricos. Durante sua evolução, dois gêneros diferentes de vermetídeos desenvolveram-se como construtores recifais: Petaloconchus Lea, 1843, que foi o principal componente dos recifes de vermetídeos até o início do Holoceno, quando, por razões desconhecidas, foi quase que totalmente substituído por Dendropoma (Gould, 1994; Vescogni et al., 2008), como se observa na Tabela 1. Este gênero é encontrado comumente tanto no Atol das Rocas quanto no litoral brasileiro (Angulo et al., 2006; Dias et al., 2009).

No Mediterrâneo, bioconstruções formadas pelas espécies Dendropoma (Novastoa) petraeum Monterosato, 1884 e Vermetus (Vermetus) triqueter Bivona, 1832 aparecem localmente nas costas da Espanha, Argélia, Sicília, Malta e Grécia. Tais bioconstruções são localizadas no limite da zona entremarés e infralitoral, e constituem franjas paralelas à costa, muitas vezes estendendo-se por vários quilômetros (Safriel, 1975). Atualmente, bioconstruções com Petaloconchus não estão presentes no Mediterrâneo (Saint-Martin et al., 2007). Em outras áreas marinhas, o gênero Petaloconchus é conhecido por residir em águas calmas (baixa energia) (Laborel, 1977), tais como as do litoral brasileiro (Angulo et al., 2006).

Nos recifes em que os vermetídeos são construtores (como no caso do Atol das Rocas), tais organismos, junto com os táxons bioerosivos, possuem a característica de serem comedores de suspensão (Scoffin & Garrett, 1974; Bromley, 1978). Isso significa que eles precisam manter seu acesso à água do mar, vivendo na superfície do recife ou em cavidades. Portanto, altas taxas de sedimentação podem destruir ou reduzir sua capacidade de coleta de alimento.

Isso explica porque os fósseis de vermetídeos são mais abundantes no anel recifal a barlavento e adaptados a certas zonas de alta energia hidrodinâmica do Atol das Rocas (Atlântico Sul equatorial). Tais organismos são mais concentrados no setor a barlavento e menos abundantes na frente recifal a sotavento. Esse fato pode ser explicado devido à principal fonte de alimento ser composta por partículas capturadas pela rede mucosa secretada pela grande glândula pediosa do organismo (Hughes, 1979), e o impacto direto das ondas, na frente recifal, pode possivelmente destruir esta rede mucosa (Gherardi & Bosence, 2001).

Dendropoma encontra as condições ótimas ambientais na zona entremarés ou imediatamente submarés, onde a exposição adequada à ação das ondas e marés permite o acesso ao suprimento alimentar, retira os resíduos metabólicos e reduz o número dos competidores (Vescogni et al., 2008).

 

CONCLUSÕES

Foi constatada a presença de duas espécies de vermetídeos (Dendropoma irregulare e Petaloconchus varians) na tafocenose incrustante do Atol das Rocas. O intenso hidrodinamismo recifal em certos setores e as adaptações das espécies (em níveis distintos, nos setores a barlavento e sotavento, de energia hidrodinâmica e sedimentação) foram os principais fatores na distribuição espacial dos vermetídeos estudados. Estudos futuros podem avaliar estes moluscos como indicadores eustáticos, para auxiliar na compreensão do nível do mar ao longo do Holoceno, no único Atol do Atlântico Sul equatorial.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Museu Paraense Emílio Goeldi
Editor do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais
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E-mail:boletim.naturais@museu-goeldi.br

Recebido: 18/01/2010
Aprovado: 10/08/2010