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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.6 n.2 Belém ago. 2011

 

CARTA DO EDITOR

 

Hilton Tulio Costi

Editor Científico

 

 

Neste número do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais os leitores encontrarão na seção "Memória" o texto "Reflexões sobre ciência e ética", de autoria da Dra. Maria Thereza Prost, pesquisadora emérita do Museu Paraense Emílio Goeldi. A publicação do referido trabalho, originalmente uma palestra concedida aos beneficiados do Programa institucional de Bolsa de iniciação Científica, contribui para a importante reflexão sobre Ética que queremos fazer.

A comunidade científica, tanto nacional quanto internacional, vem sendo agitada por notícias reveladoras a respeito do comportamento pouco ético de alguns pesquisadores, que tiveram publicações glosadas (retracted), em virtude de terem sido detectadas evidências de fraudes seja no momento da concepção da pesquisa, seja durante sua edição. Na maior parte dos casos, estas fraudes estão relacionadas ao plágio, evidenciado na apropriação de partes de textos e/ou de ilustrações sem o devido crédito ou permissão dos autores originais. Outros tipos de fraudes também ocorrem amiúde e a variedade delas denuncia o grau de inventividade dos envolvidos, sendo um indicador do nível de sanidade ética que envolve o ambiente da produção científica.

No meio científico, muitos debates têm sido efetivados com o intuito de compreender e sanar o fenômeno da patente depreciação verificada no universo da academia. As Editorias dos periódicos do Museu Paraense Emílio Goeldi, tanto de Ciências Humanas quanto de Ciências Naturais, também se posicionam no que concerne a esta questão e compartilham o mesmo preceito.

[...]

O comportamento ético tem sido uma preocupação constante nos fóruns de editores científicos. Cursos, seminários e encontros são organizados sob a égide desse tema, e certamente motivos existem para que assim seja. Quando os laços do rigor afrouxam, abrem caminho para o desrespeito e a fraude, conduta que pode ser facilmente justificável sob muitos argumentos, como de fato o tem sido, incluindo o atribuir-se ao 'erro'. Erro não se confunde com falta de ética. A favor daquele existem as possibilidades do engano, da ignorância, da reparação e da falta de dolo. Contra esta, enfileiram-se a intenção, a arrogância, a vaidade, o oportunismo, a ambição desmedida e a presunção da impunidade.

Editores de muitas paragens têm chamado a atenção para a necessidade de preservação de uma das mais poderosas invenções da humanidade, a Ciência (nesse caso, com C maiúsculo). Também tentam erguer barreiras que protejam seu principal baluarte, a comunicação, isto é, os mecanismos de justificação, validação e divulgação do conhecimento. Quando um cientista burla esses mecanismos, prejudica a própria instituição que deveria defender por ser seu beneficiário. A falta de ética é um corroer as estruturas internas desses mecanismos, é um desacreditar em sua eficiência e nos seus efeitos benéficos e multiplicadores. É condená-los ao fracasso.

Devemos combater, com todas as nossas forças, as ameaças que pairam sobre a Ciência. Devemos estar atentos aos seguintes pontos:

Conduta de editores, que, por terem acesso a informações sigilosas e privilegiadas, têm responsabilidade dobrada na preservação dos princípios éticos;

Tráfico de influência entre editores de uma mesma revista; entre um mesmo editor de duas ou mais revistas; entre editores, pareceristas e autores;

Estratégias para ampliar a visibilidade de uma revista ou de um autor, como a manipulação do Fator de impacto e a citação (ou autocitação) desnecessária;

Plágio, desde suas formas mais simples, mas não menos danosas, como a omissão de uma referência bibliográfica ou o 'esquecimento' das aspas, até os casos mais graves, como a apropriação indevida de ideias, dados, do esforço de pesquisa ou texto de outrem;

Omissão de fontes e de créditos, como instituições depositárias ou proprietárias de espécimes, objetos, imagens, documentos, etc.;

Submissão de trabalhos inacabados ou mal acabados, falhos na estrutura e na argumentação, ou fora das normas da revista, geralmente feitos com falta de atenção, com pressa ou inabilidade, transferindo para editores, revisores e pareceristas a tarefa da aperfeiçoa-los (o que, por si só, já seria prova da coautoria destes);

Coautoria, entendida como participação efetiva, real, comprovável, na pesquisa, na redação ou na revisão do trabalho (existem normas claras que definem coautoria, mas não é possível enumerá-las nesse espaço);

Fabricação de dados e reciclagem de textos (outros péssimos sinais dos tempos);

Submissão de um mesmo texto, ainda que com pequenas mudanças, para mais de uma revista;

Fragmentação de textos e de dados, prática que, infelizmente, vem sendo estimulada sem o menor pudor por muitos orientadores de dissertações e teses (um bom artigo tem mais mérito e chances de ser citado do que dez artigos medíocres);

Falta de compromisso com o processo editorial, por exemplo, quando o autor, por discordar ou desgostar de um parecer, retira seu trabalho da revista, mas incorpora as mudanças e sugestões feitas por pareceristas e editores, publicando-o em outra revista; ou quando o autor afirma que o trabalho foi revisado, sem tê-lo feito, de fato; ou quando o parecerista se compromete com uma avaliação, mas não a faz ou a faz sem a atenção devida; ou quando o editor publica de maneira antecipada um trabalho que sabe ter sido submetido também a outra revista;

Falsificação de curriculum, como a inserção de artigos jamais publicados e atribuições inexistentes, repetição de dados, mudança na ordem de autoria de um texto, etc.

O amadurecimento e a expansão da academia no Brasil têm como condição sine qua non o consenso sobre a ética na pesquisa científica. É necessário discutir quais os sentidos, os motivos e as consequências de um malfadado comportamento. Ou tornamos críveis a ciência que fazemos e as instituições que pagam os nossos salários, ou vamos contribuir para sua desvalorização social e para que sejam reforçados os estereótipos e preconceitos que desmerecem o nosso trabalho.

[...]

Esta declaração de princípios, comungada entre os editores dos Boletins do Museu Paraense Emílio Goeldi, acompanha os acontecimentos que têm vindo à tona, deflagrando casos de má conduta em pesquisas científicas, e busca também contribuir para a discussão que será tema do próximo Encontro Nacional de Editores Científicos, a ocorrer em novembro deste ano.

Neste número do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais estão publicados cinco artigos: o primeiro artigo, de autoria de Marinus Steven Hoogmoed e colaboradores, relata o processo de autotomia voluntária da cauda da serpente Colubridae Dendrophidion dendrophis, processo já conhecido para a espécie, mas descrito pela primeira vez em detalhes. Em seguida, Marcelo Ferreira de Vasconcelos e colaboradores apresentam o levantamento da avifauna das savanas e habitats adjacentes da região de Monte Alegre, estado do Pará, onde foram registradas 300 espécies de aves. Nesta mesma linha de pesquisa, Luiz Augusto Macedo Mestre e colaboradores descrevem a avifauna registrada na região da Fazenda São Luiz, localizada no setor norte do estado do Mato Grosso, onde os autores relacionaram 194 espécies de aves, inseridas em 18 ordens e 46 famílias. Os autores concluem que a maioria das espécies da região são as tipicamente associadas com florestas da Amazônia meridional, sugerindo que florestas de 'transição' dessa localidade, em se tratando de seu status legal, devam ser qualificadas como 'amazônicas'. Emanuel Duarte Almada e Geraldo Wilson Afonso Fernandes escrevem sobre a ocorrência e riqueza de insetos galhadores e suas plantas hospedeiras em florestas de terra firme na Amazônia Oriental, em Porto Trombetas, estado do Pará, onde foram descritos 309 morfotipos de galhas em 255 espécies de plantas, pertencentes a 45 famílias botânicas. O quinto e último trabalho, de autoria de Renato Pirani Ghilardi e colaboradores, trata da tafonomia de moluscos fósseis do Grupo Bauru, região do município de Monte Alto, São Paulo.

Na seção memória, além do texto de Maria Thereza Prost, mencionado no início, apresentamos também o obituário do saudoso pesquisador Samuel Almeida, falecido em abril deste ano, escrito por Ima Célia Guimarães Vieira, Ulisses Galatti e Dário Amaral.

Antes de encerrar, gostaria de deixar registrado o meu reconhecimento, e tenho certeza de que também em nome dos demais editores, à brava equipe que mantém os Boletins do Museu Paraense Emílio Goeldi em marcha, pequena em número, mas dona de uma enorme capacidade e dedicação ao trabalho.

Desejo a todos boa leitura.