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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais

versão impressa ISSN 1981-8114

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Nat. v.7 n.2 Belém ago. 2012

 

Abundância relativa e riqueza de espécies de aranhas (Arachnida, Araneae) em clareiras originadas da exploração de petróleo na bacia do rio Urucu (Coari, Amazonas, Brasil)

 

Relative abundance and species richness of spiders (Arachnida, Araneae) in forest gaps originated from oil and gas explotation at Urucu River Basin (Coari, Amazonas, Brazil)

 

 

Sidclay Calaça DiasI; Alexandre Bragio BonaldoII

IInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Manaus, Amazonas, Brasil
IIMuseu Paraense Emílio Goeldi/MCTI. Belém, Pará, Brasil

Autor para correspondência

 

 


RESUMO

São investigadas diferenças na abundância relativa e na riqueza de espécies de aranhas em clareiras artificiais com variados níveis de regeneração em Porto Urucu, Coari, Amazonas, Brasil. Foram empregadas três metodologias de coleta complementares, que resultaram na captura de 3.786 indivíduos adultos, identificados em 623 espécies, pertencentes a 39 famílias. O presente trabalho foi o que mais acumulou espécies entre todos os artigos publicados com inventários da fauna de aranhas na região neotropical, apesar de 55% da amostragem terem sido compostos por organismos raros. O algoritmo mais acurado para a presente base de dados, ACE, estimou uma riqueza de 924 espécies. A rarefação feita para cada uma das 33 clareiras amostradas destacou um grupo com poucas espécies acumuladas (40 a 43) e um grupo com riqueza de espécies significativamente maior (98 a 100) do que as clareiras restantes, apesar das diferenças de número de exemplares e número de espécies entre clareiras não terem sido estatisticamente significativas, indicando que o número de espécies registrado é uma função direta do número de exemplares obtido em cada ponto. Isto sugere que o uso efetivo de dados sobre número de espécies e exemplares de aranhas na avaliação da regeneração de florestas tropicais depende de um esforço amostral muito maior do que o que foi até agora empregado em inventários estruturados destes animais na Amazônia brasileira.

Palavras-chave: Diversidade ambiental. Inventário estruturado. Curvas de riqueza. Rarefação. Amazônia.


ABSTRACT

Differences in relative abundance and species richness of spiders in artificial forest gaps with different levels of regeneration at Porto Urucu, Amazonas, Brazil, were investigated. Three complementary collecting methodologies were employed, resulting in the capture of 3.786 adult individuals, belonging to 623 species of 39 spider families. The present study accumulates the highest species number among all other published papers on spider inventories in the Neotropical Region, despite that 55% of the entire collection was composed of rare organisms. The most accurate algorithm for the present dataset, ACE, estimated a richness of 924 species. Rarefaction curves for each one of the 33 forest gaps sampled highlighted a group of forest gaps which exhibited significantly lower levels of species richness (40 to 43) and another group that exhibited significantly higher levels of species richness (98 to 100). Despite the non-significant differences in abundance and species richness among forest gaps, suggesting that the recorded species number is a direct function of the sampling intensity realized in each site. This suggests that the effective use of data on abundance and species richness of spiders in the evaluation of the regeneration levels of tropical forests depends on a much higher sampling effort than those which have been realized in structured inventories of these animals in Brazilian Amazonia.

Keywords: Environmental diversity. Structured inventory. Richness curves. Rarefaction. Amazon.


 

 

INTRODUÇÃO

Vários artigos reportam inventários de aranhas como ferramentas usadas para formular e solucionar questões ecológicas relacionadas à dinâmica da fauna no tempo e no espaço, bem como para reconhecer relações diretas entre a fauna e o meio onde elas estão inseridas (Abbott et al., 2003; Azevedo-Ramos et al., 2006; Lo-Man-Hung et al., 2008; Coddington et al., 2009). Mesmo as coletas massivas de aranhas feitas por taxonomistas apresentam informações ecológicas de muita relevância, visto que, após o artigo de Coddington et al. (1991), quase todas as amostragens aracnológicas passaram a ser protocoladas em unidades amostrais. Segundo Coddington et al. (1991) e Gardner et al. (2008), a maximização da informação, obtida por meio do controle do esforço de amostragem com a aplicação de protocolos padronizados, otimiza tempo e dinheiro em expedições ao campo, uma vez que as amostras servem também a propósitos ecológicos.

Diferenças na abundância relativa e na riqueza de espécies de aranhas entre áreas com variadas condições de preservação ambiental foram bem discutidas na literatura (Coyle, 1981; Mciver et al., 1992; Buddle et al., 2000; Willett, 2001; Abbott et al., 2003; Cattin et al., 2003; Baldissera et al., 2004; Larrivée et al., 2005; Azevedo-Ramos et al., 2006; Lo-Man-Hung et al., 2008; Bonaldo & Dias, 2010). Para a Amazônia, somente três estudos foram conduzidos nesse sentido: Azevedo-Ramos et al. (2006), que compararam áreas de floresta submetidas a diferentes situações de retirada de madeira no oeste do Pará; Lo-Man-Hung et al. (2008), que compararam assembleias de aranhas em floresta primárias, secundárias e em áreas de plantação de eucalipto no norte do Pará; e Bonaldo & Dias (2010), que compararam a fauna de aranhas entre clareiras naturais e artificiais em Porto Urucu, mesmo local onde foi realizado o presente estudo.

Porto Urucu está localizado na Amazônia Central, em uma região com florestas contínuas e bem preservadas, e abriga um campo de exploração de óleo e gás natural desde a década de 1980. Entre os impactos ambientais causados na floresta pela atividade de prospecção e exploração de óleo e gás está a formação de clareiras na matriz florestal. Estas clareiras são abundantes na área de estudo e formam manchas isoladas de desflorestamento, com níveis de regeneração distintos, em meio à matriz de floresta original. Esta situação representa uma boa oportunidade para o estudo da dinâmica das assembleias de aranhas associadas às clareiras. A comparação da riqueza de espécies de aranhas observada entre duas ou mais situações de regeneração ambiental é assunto relativamente comum na literatura (Willett, 2001; Abbott et al., 2003; Azevedo-Ramos et al., 2006; Lo-Man-Hung et al., 2008). Abbott et al. (2003) encontraram mais indivíduos e espécies de aranhas em ambientes mais impactados do que em locais mais prístinos, comentando que esse resultado pode ser um forte indício da alta resiliência ambiental desses artrópodes. De acordo com esses autores, a abundância relativa e a riqueza de espécies devem cair numericamente após o imediato estabelecimento do impacto antrópico, mas esses parâmetros rapidamente crescem em ordem quantitativa como resultado da disponibilidade de novos microambientes e podem, eventualmente, suplantar números observados em ambientes não impactados.

Apresentam-se os resultados de um inventário estruturado de aranhas coligidas em Porto Urucu, investigando as diferenças na estrutura das assembleias de aranhas, representada pela abundância relativa e riqueza de espécies, em clareiras artificiais, com diferentes idades e tamanhos, e submetidas a intervenções distintas. Buscou-se responder se existem diferenças numéricas consistentes na abundância relativa e na riqueza observada de espécies de aranhas em cada clareira amostrada.

 

MÉTODOS

METODOLOGIA DE CAMPO E LABORATÓRIO

O presente estudo foi conduzido no município de Coari, estado do Amazonas, Brasil. Porto Urucu é uma área pertencente à Petrobras S.A., que lá mantém instalada uma estrutura para extração de óleo e gás natural. Localizada na margem direita do rio Urucu, afluente do rio Solimões, Porto Urucu está a 650 km a oeste de Manaus (4o 30' S, 64o 30' W). É uma região coberta principalmente por uma densa floresta ombrófila de terra firme com dossel uniforme, apresentando baixa diversidade de lianas e epífitas (Lima Filho et al., 2001). A fitofisionomia é caracterizada por uniformidade, com poucas áreas inundáveis (igapós e várzeas) ocorrendo nas margens do rio Urucu e seus tributários. As mudanças mais notáveis na estrutura da vegetação ocorrem somente nas áreas com má drenagem do solo ou em clareiras artificiais, abertas com exposição do solo para exploração de óleo e gás natural.

As amostras foram obtidas entre julho e novembro de 2006. Foram feitas coletas em 33 clareiras em estágios de regeneração distintos (Tabela 1). As amostras foram feitas em toda a extensão da clareira, do centro da abertura até 100 m de floresta adentro, a partir da borda da clareira. Didham (1997), Baldissera et al. (2004) e Rego et al. (2007), que trabalharam com efeito de borda em sistemas florestais sobre fauna de artrópodes, estabeleceram que, em até 100 m a partir da borda, o efeito é bem pronunciado e reflete melhor os padrões de abundância e riqueza de invertebrados nas clareiras propriamente ditas. Os métodos de captura de aranhas utilizados nesse estudo foram guarda-chuva entomológico, coleta manual noturna e extrator de Winkler (Davies, 1986; Coddington et al., 1991; Brescovit et al., 2004). A coleta manual noturna representa uma fusão dos métodos looking-up e looking-down, propostos originalmente por Coddington et al. (1991). Esta técnica é realizada em um transecto de 30 m, marcado com uma linha, no qual todas as aranhas visualizadas são coletadas durante uma hora, sendo essa unidade de tempo representada como unidade amostral. O guarda-chuva entomológico é uma estrutura de madeira, composta por dois cabos com 1 m, fixados em figuras de X, que sustentam um quadrado de tecido branco de algodão. Esta estrutura é colocada sob pequenos arbustos ou ramos que são agitados com um bastão, de forma a provocar a queda das aranhas sobre o tecido (Davies, 1986). O resultado de uma hora de coleta contínua por coletor foi considerado uma amostra. O extrator de Winkler é usado para amostragem de animais ocorrentes na serapilheira. Definiram-se parcelas de 1 m2 no solo da floresta e a serapilheira de cada uma dessas parcelas foi peneirada em um concentrador. O material particulado mais os organismos presentes nesse concentrado são segregados com a utilização de extratores de Winkler. Cada amostra de extrator de Winkler correspondeu a 1 m2 de serapilheira peneirada e extraída por 48 horas (Brescovit et al., 2004).

 

 

As amostras foram triadas no laboratório de aracnologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e todos os espécimes adultos foram depositados na coleção aracnológica desta instituição. Os adultos foram identificados até o nível taxonómico mais exato possível e todos os jovens foram descartados das análises, por não poderem ser identificados com precisão. Nem todos os adultos puderam ser determinados em nível de gênero ou de espécie, mas, por comparação das suas genitálias, pode-se morfotipá-los (separar diferentes espécies por comparação sem que se saiba qual o nome genérico e/ou específico destes indivíduos), garantindo, com precisão, o número de espécies (morfoespécies) deste trabalho. Dezesseis famílias não tiveram nenhum indivíduo identificado até o nível específico.

 

ANÁLISES ESTATÍSTICAS

Para comparar eventuais diferenças estatísticas na abundância relativa e na riqueza observada de espécies entre as clareiras, foi usada a análise de variância de um critério (one-way ANOVA), adotando os dados de abundância e riqueza por amostra por clareira (Zar, 1999; Ayres et al., 2007). A transformação dos dados foi feita utilizando o logaritmo na base 10 de cada dado obtido, através do Bioestat 5.0 (Ayres et al., 2007).

Heltshe & Forrester (1983) desenvolveram um procedimento estatístico para estimar a riqueza de espécies, baseado na presença de espécies únicas nas unidades amostrais. Este procedimento é utilizado para reduzir subestimativas dos valores reais de uma dada espécie em uma assembleia, com base no número de organismos raros (Colwell & Coddington, 1994). Os estimadores produzidos podem ser ajustados e visualizados em uma curva plotada no mesmo tipo de gráfico de esforço amostral (riqueza de espécies na abscissa e amostras na ordenada). Por meio do programa EstimateS 8.0.0 (Colwell, 2005), foram calculados todos os estimadores não paramétricos disponíveis para a totalidade das espécies observadas no inventário. Gotelli & Colwell (2001) estabeleceram que os dados sobre a riqueza de espécies plotados contra o número de indivíduos (densidade de espécies) é o meio mais acurado para se produzir curvas de rarefação, usando-se intervalos de confiança dos dados da riqueza observada. Utilizou-se o programa EcoSim 7.72 (Gotelli & Entsminger, 2005) para se calcular a rarefação para cada uma das 33 clareiras, adotando-se os dados primários de abundância com base no número de indivíduos. O algoritmo de randomização usado foi a própria curva de rarefação e a unidade de esforço foi o indivíduo (Gotelli & Colwell, 2001; Gotelli & Entsminger, 2005). Segundo Gotelli & Colwell (2001), nos resultados das rarefações, os valores do número de amostras são diluídos estatisticamente, o que permite a comparação de áreas amostradas com esforços diferentes. Outra vantagem óbvia das curvas de rarefação é a possibilidade do cálculo dos seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Estes intervalos foram plotados para dois grupos de curvas que representam os menores e os maiores valores de riqueza observada, o que permitiu discernir padrões significativamente diferentes de riqueza de espécies em algumas clareiras. A intensidade amostral (IA) foi definida como a proporção de adultos por espécies (Coddington et al., 1996).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De 626 amostras válidas para as análises, um total de 3.786 adultos foi coletado em 33 clareiras com diferentes estágios de regeneração, representando 623 espécies em 39 famílias. Drymusidae e Hersiilidae foram, cada uma, representadas somente por um único indivíduo adulto. Como em outros inventários Neotropicais (Borges & Brescovit, 1996; Silva & Coddington, 1996; Ricetti & Bonaldo, 2008), as famílias mais abundantes e ricas nesse estudo foram Theridiidae (880 indivíduos; 117 morfoespécies), Araneidae (841 indivíduos; 103 morfoespécies) e Salticidae (433 indivíduos; 81 morfoespécies). Do total de espécies coletadas, 248 foram singletons e 98 foram doubletons. A Tabela 2 mostra os resultados da análise de variância de um fator, evidenciando os respectivos resultados para abundância e riqueza de aranhas amostradas em 33 clareiras. A Tabela 3 mostra o número de indivíduos e espécies por família coligida em Porto Urucu em todas as clareiras, com as abundâncias por metodologia de coleta e o Apêndice traz a lista completa de espécies e morfoespécies registradas nas amostras, com a abundância total de cada uma.

 

 

 

 

O presente trabalho foi o que mais acumulou espécies entre os artigos publicados com inventários rápidos da fauna de aranhas na região neotropical (Borges & Brescovit, 1996 - 102 espécies observadas; Silva & Coddington, 1996 - 498; Dias et al., 2006 - 166; Bonaldo et al., 2007 - 212; Ricetti & Bonaldo, 2008 - 427; Bonaldo & Dias, 2010 - 393). As diferenças encontradas entre a riqueza observada de espécies em inventários feitos em locais diferentes podem ser reflexo de diferenças na complexidade ambiental entre os habitat amostrados e/ou de diferenças de esforço amostral em termos de quantidades de amostras produzidas ou metodologias empregadas. Uma consequência dessas diferenças pode ser o acréscimo de espécies ao elenco já estabelecido de uma dada área de estudo. Comparando-se a lista de espécies determinadas ao nível específico, fornecida por Bonaldo & Dias (2010), com a produzida neste trabalho, ambas advindas de Porto Urucu, observa-se um incremento de 31% de espécies identificadas. Este acréscimo é devido, em parte, ao maior refinamento taxonómico obtido no presente trabalho, mas também é principalmente um reflexo da maior quantidade de amostras produzidas. A resolução taxonômica em táxons megadiversos é um fator limitante nas análises faunísticas em regiões tropicais, pois a maioria dos organismos coletados pertence a grupos carentes de revisões taxonômicas (Bonaldo et al., 2009). Cerca de 23% das espécies coletadas neste estudo foram determinadas até o nível específico (144 das 623 espécies coligidas). As demais espécies foram determinadas em nível de morfoespécie (ou unidade taxonômica operacional - UTO, de acordo com Oliver & Beattie, 1996). As famílias mais abundantes neste estudo, Araneidae e Theridiidae, foram as que tiveram melhor resolução taxonômica (55 e 32 espécies identificadas, respectivamente).

A Tabela 4 indica a intensidade amostral por clareira, os valores observados de singletons e percentagem de singletons. A intensidade amostral (IA) total observada neste trabalho foi de 6,1. Esse valor é baixo se comparado aos inventários estruturados realizados na América do Norte (e.g. Coddington et al., 1996, Appalachian Mountains, iA = 18,3) e na Europa (e.g. Scharff et al., 2003, Dinamarca, IA =132). Entretanto, valores baixos de intensidade amostral são comuns em inventários conduzidos em áreas tropicais, como observado em Coddington et al. (1991) (três localidades na Bolívia, IA < 5), Bonaldo et al. (2007) (Rio Grande do Sul, Brasil; IA = 8,8), Ricetti & Bonaldo (2008) (Serra do Cachimbo, Pará; IA = 6,44) e Bonaldo & Dias (2010) (Porto Urucu, Amazonas; IA = 4,1). A baixa intensidade amostral é indicativa de que o inventário não está completo e de que há necessidade de mais esforço para que se diminua a quantidade de singletons (Coddington et al., 2009). A intensidade amostral por clareira é ainda mais baixa, razão pela qual não foram produzidas curvas de acúmulo e de estimativas de riqueza de espécies para cada uma das 33 clareiras amostradas. A Figura 1 mostra que, apesar de as diferenças de abundância e riqueza entre clareiras não terem sido estatisticamente significativas, existe uma relação detectável entre abundância e riqueza em cada clareira, ou seja, quanto maior o esforço e, em menor medida, a intensidade amostral obtida em uma dada clareira, maior será o número registrado de espécies. Para melhor visualização, foram retiradas da Figura 2 as curvas que estavam sobrepostas umas às outras, uma vez que os respectivos valores são muito semelhantes (uniques está sobreposta com a curva de singletons, duplicates está sobreposta com a curva de doubletons, e as curvas de 'Chao 1', 'Chao 2' e 'ICE' estão sobrepostas com a curva de ACE'). A amplitude da variação da intensidade amostral entre as 33 clareiras foi pequena e esta variação explica apenas parcialmente as variações de riqueza e abundância observadas. isto se deve, provavelmente, à eficiência diferencial dos métodos de coleta empregados, cujo número de amostras válidas diferiu de clareira para clareira.

 

 

 

 

 

 

As análises de estimativas de espécies feitas para toda a fauna coletada nas clareiras artificiais em Porto Urucu mostraram que, apesar do número de espécies observadas (Sobs = 623) não ter atingido sua assíntota, o estimador não paramétrico que tendeu mais fortemente à estabilização foi ACE, com 924 espécies acumuladas (Figura 2). Este estimador indica que, para completar o inventário de aranhas em Porto Urucu, necessita-se acrescentar à Tabela 3 no mínimo mais 301 espécies de aranhas que não sejam raras. As estimativas de riqueza permitem acessar a completitude de um inventário (Coddington et al., 1996). Contudo, em ecossistemas tropicais, onde ocorre grande número de singletons e as intensidades amostrais são baixas, as estimativas de riqueza total, obtidas por meio de curvas de acumulação baseadas na incidência e abundância de espécies raras, devem ser avaliadas com cuidado, pois a confidência dos resultados é uma função do sucesso na obtenção de taxas altas de representatividade amostral (Coddington et al., 2009). Ainda assim, o uso de curvas de acúmulo de espécies baseadas em organismos raros ou pouco incidentes é uma ferramenta válida para auxiliar a execução de inventários de táxons megadiversos nos trópicos, uma vez que fornecem estimativas quantitativas cuja precisão pode ser aprimorada com o aumento de esforço e a consequente diminuição da incidência de singletons, em situações de inventários de longo prazo. Neste estudo, a quantidade de singletons supera a expectativa de Coddington et al. (2009), que é de cerca de 32% do número de espécies representadas por um único indivíduo adulto em inventários de comunidades tropicais. Segundo estes autores, a provável causa para a grande percentagem de espécies raras em ecossistemas tropicais é a subamostragem, que determina uma tendência positiva nas estimativas de riqueza real de espécies. Coddington et al. (2009) propõem reduzir o efeito da subamostragem pela simples ampliação do esforço, de forma a acrescentar mais indivíduos por espécies no inventário. Assim, o uso de dados de inventários faunísticos de grupos megadiversos na caracterização de processos ecológicos em ecossistemas tropicais, onde estes inventários nunca são exaustivos, depende de um esforço amostral muito maior do que o que foi até agora empregado em inventários estruturados na Amazônia brasileira.

Os resultados da rarefação mostraram que 27 das clareiras amostradas não formam grupos claros, significativamente diferentes entre si, em relação à riqueza de espécies (Figura 3). Estas clareiras apresentaram riquezas de espécies intermediárias e os intervalos de confiança de suas curvas de rarefação estão sobrepostos sequencialmente. Entretanto, as clareiras restantes formam dois grupos, com riqueza de espécies extremas, significativamente diferentes: um grupo de quatro clareiras (CL21, J60, J61 e J70) com riquezas de espécies estatisticamente iguais entre si, mas significativamente menores do que a apresentada por todas as outras clareiras; e um grupo formado por duas clareiras (CL3 e J2), com riquezas de espécies estatisticamente iguais entre si, mas significativamente maiores do que a apresentada por todas as outras clareiras. A clareira CL16 apresentou valores de riqueza de espécies apenas um pouco menor do que os apresentados pela clareira CL3, que pertence ao grupo com maior riqueza. Entretanto, o intervalo de confiança da curva de rarefação daquela clareira (não mostrado no gráfico da Figura 2) não se sobrepõe ao intervalo da curva da clareira CL3 ao final da adição de indivíduos. O esforço amostral despendido em algumas clareiras não foi suficiente para refletir diferenças estatísticas entre a abundância e a riqueza das aranhas. Os dois grupos de clareiras com riquezas de espécies extremas não são artefatos, pois foram definidos estatisticamente por meio de intervalos de confiança de curvas de rarefação.

 

 

Vários estudos, em diferentes regiões, apontam que a tendência geral para a fauna de aranhas é que a abundância relativa e a riqueza de espécies sejam diferentes em áreas com diferentes níveis ou graus de regeneração (Coyle, 1981; McIver et al., 1992; Buddle et al., 2000; Willett, 2001; Larrivée et al., 2005; Azevedo-Ramos et al.,006; Lo-Man-Hung et al., 2008). Azevedo-Ramos et al. (2006) e Lo-Man-Hung et al. (2008) apontaram diferenças nas abundancias relativas das aranhas coletadas em variadas situações de reflorestamento, indicando que a abundância relativa de exemplares em áreas impactadas é maior que em lugares que não sofreram impactos. Abbott et al. (2003) citam alguns motivos de não terem sido registradas diferenças entre a abundância de exemplares e a riqueza de espécies, observadas entre áreas com distintas condições de regeneração. Segundo esses autores, a principal razão para a ausência dessa diferença seria a alta resiliência das aranhas, que faz com que a fauna seja similar, independente do estado do ambiente onde se realize a coleta. É possível que, dada a sua alta plasticidade ambiental, a fauna de aranhas possa se recompor rapidamente em clareiras que sofreram intervenções recentes, tornando-se equiparável às clareiras mais antigas em termos de abundância relativa e riqueza de espécies. A falta de distinção da abundância e riqueza de aranhas entre os locais de amostragem pode ser decorrente da falta de características que diferenciem as clareiras amostradas para refletir uma diferença real na abundância e na riqueza das aranhas na área de estudo. Recomenda-se que medidas fitossociológicas, por exemplo, diâmetro na altura do peito, altura das árvores, abertura do dossel e complexidade estrutural da vegetação (Brokaw, 1985; Schnitzer & Carson, 2001), sejam tomadas em futuros estudos como forma de se estabelecer níveis precisos de regeneração que possam vir a explicar eventuais mudanças na comunidade de aranhas. O uso de grupamentos ecológicos especializados de aranhas (guildas) e/ou táxons ecologicamente mais distintos que outros pode também ser uma alternativa para estudos futuros, no sentido de estabelecer gradientes de regeneração das clareiras originadas pela exploração petrolífera.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela bolsa de estudos concedida a SCD e de produtividade em pesquisa (#303591/2006-3 - ABB); à Rede CTPetro Amazônia - Fundo Setorial do Petróleo (Financiadora de Estudos e Projetos/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/PETROBRAS), pelo financiamento das expedições ao campo e pela disponibilização de equipamentos e material de consumo necessários à execução deste trabalho. Parte do equipamento de laboratório utilizado foi proporcionada pelo Programa de Pesquisa em Biodiversidade - Amazônia Oriental (PPBio).

 

REFERÊNCIAS

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Autor para correspondência:
Sidclay Calaça Dias.
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
Coordenação de Biodiversidade.
Av. André Araújo, 2936, Aleixo.
Manaus, AM, Brasil.
CEP 69011-970
sidclaydias@gmail.com).

Recebido em 26/10/2011
Aprovado em 27/07/2012

responsabilidade editorial: Marinus Hoogmoed