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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas

Print version ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Hum. vol.1 no.1 Belém Apr. 2006

 

Relativização em Xipaya (Tupí)

 

Relativization in Xipaya (Tupian)

 

 

Carmen Lúcia Reis Rodrigues

Universidade Federal do Pará. Professora. Belém, Pará, Brasil (reis@ufpa.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar as construções relativas em Xipaya e as estratégias utilizadas para formar essas construções. Verificar-se-á que a relativização é marcada pelo morfema jahã, embora, com baixa produtividade, existam relativas formadas por justaposição. As relativas marcadas gramaticalmente podem se apresentar com núcleo ou sem núcleo e, nos dois casos, pode haver encaixamento ou não da subordinada na oração principal.

Palavras-chave: Língua Xipaya. Orações relativas. Relativização. Morfema.


ABSTRACT

This work presents relative constructions in Xipaya and the strategies used in building such constructions. It is observed that relativization is marked by the morpheme jahã, and, with much lower productivity, by juxtaposition. The relative constructions that are grammatically marked may occur with or without a modified head, and in both cases it is possible for the construction to occur embedded or not in the matrix clause.

Key words: Xipaya Language. Relative constructions. Relativization. Morpheme.


 

 

CONSTRUÇÕES RELATIVAS EM XIPAYA

Em Xipaya (família Juruna, Tupí) tem-se, em geral, uma construção relativa quando um nome (N) do sintagma nominal (SN) é modificado por um verbo estativo, com função de adjetivo, ou por uma oração. O verbo estativo ocorre no sintagma nominal para expressar a noção de adjetivo, já que não há uma classe de adjetivos na língua; essa noção é expressa, com freqüência, através de um verbo estativo acompanhado do morfema jahã, conforme (1) e (2).

Em (1), urahu é o modificador de ba 'mão' (termo possuído) e, em (2), ao contrário, é o modificador de senapy 'homem' (termo possuidor). Nos dois exemplos, urahu ocorre imediatamente após o elemento que modifica, visto que, nesse tipo de construção, a relativização é realizada pelo N seguido de seu modificador, o que a caracteriza como pós-nominal (ver Relativas com Núcleo).

O mesmo procedimento de relativização ocorre quando o N modificado é argumento do verbo:

Nos exemplos de (3) a (5), também há um verbo estativo modificando o N núcleo do SN argumento do verbo. Em (3), o SN relativizado ocorre em posição de sujeito e, em (4) e (5), ocorre em posição de objeto. Convém observar, no entanto, que a estratégia de relativização usada para expressar a noção de adjetivo nem sempre se faz obrigatória, o que se confirma pelo menos nas construções em que o nome, determinado por um verbo estativo, encontra-se com função de complemento circunstancial, como pode ser visto nos exemplos (6a) e (6b).

A noção de adjetivo expressa pelo procedimento de relativização pode ser melhor ilustrada ao se comparar construções em que um verbo estativo ocorre ora com função atributiva (7a) e (8a) ora com função predicativa (7b) e (8b).

Note-se que é possível ter o N relativizado por mais de um elemento, como em (9):

 

TIPOS DE ORAÇÕES RELATIVAS

Conforme os exemplos acima, a relativização ocorre em construções em que o N do SN é modificado por um verbo estativo com função de adjetivo, entretanto, também pode ocorrer quando esse nome é modificado por uma oração, como já foi mencionado no início deste trabalho. Nesse caso, o morfema jahã posiciona-se no final do sintagma nominal que modifica o núcleo da relativa, do mesmo modo como acontece para as construções relativas em que o modificador do N é um verbo estativo.

Desse modo, nas orações (10) a (12), o núcleo da relativa é modificado por uma oração e, nas três construções, o SN da oração principal é co-referencial com o sujeito da relativa. O núcleo da relativa corresponde ao sujeito de uma oração locativa em (10); de uma oração intransitiva em (11); e de uma oração transitiva em (12). E nessas construções têm-se os constituintes organizados de acordo com a ordem canônica da língua (SOV), que se observa em orações independentes, como as que parafraseiam a oração (12):

Conforme se verifica em (12), a oração relativa usada para modificar o SN da oração principal apresenta a estrutura: SN + verbo + jahã. O morfema jahã, usado nas relativas com função de relativizador, caracteriza-se também como uma marca de subordinação, tendo em vista sua ocorrência em outras orações subordinadas (RODRIGUES, 1995): causais, finais e consecutivas. Os tipos de relativas marcadas por jahã podem ocorrer com núcleo ou sem núcleo, como será visto a seguir.

 

Relativas com núcleo

As orações relativas que apresentam núcleo externo podem apresentar a relativa encaixada na oração principal seguindo o seu núcleo, caracterizando-se, assim, como pós-nominal, como exposto nos exemplos (13) e (14). No entanto, também podem ocorrer com a relativa separada de seu núcleo, posposta à oração principal, como nas orações (15) e (16).

Em (13), o sujeito da oração principal é co-referencial com o sujeito da oração relativa; em (14), o objeto da principal é co-referencial com o sujeito da relativa; e, em (15) e (16), o objeto da principal é co-referencial com o objeto da relativa. Ou seja, em (13) e (14), o elemento relativizado corresponde ao sujeito da oração relativa e, em (15) e (16), esse elemento corresponde ao objeto da relativa. Nas quatro construções, a estrutura da oração relativa permanece a mesma (SN + verbo + jahã). No entanto, o que permite desfazer a ambigüidade em relação à função gramatical, na oração subordinada, do elemento relativizado é a posição da oração subordinada. Como se observa em (13) e (14), em que o termo antecedente é o sujeito da subordinada, a oração relativa apresenta-se seguindo o seu núcleo, o que caracteriza as relativas do tipo pos-nominal (ou pós-nuclear). Porém, quando o termo antecedente é o objeto da subordinada, como nos exemplos (15) e (16), a relativa ocorre separada de seu núcleo.

Em relação à função gramatical do SN relativizado, algumas línguas marcam morfologicamente a função gramatical que o SN modificado assume na relativa (KEENAN, 1985), outras o fazem pela ordem de palavras da oração relativa (GIVÓN, 1990). Em Xipaya, entretanto, de acordo com o que já foi mencionado acima, tal função é marcada pela posição da relativa na oração.

A distinção quanto à posição da relativa, em relação ao seu núcleo, pode ser observada ainda nos exemplos de (17) a (19):

Observe-se que, nas construções (17) e (18), em que o termo modificado é o sujeito da relativa, a oração subordinada segue o seu núcleo, mas está separada da principal, ou seja, não se encontra encaixada nesta. Quando isso ocorre, a relativa pode vir antes, como em (17), ou depois da principal, como em (18). Segundo Givón (1990), o não encaixamento da relativa é uma estratégia de relativização encontrada em várias línguas, como em Bambara, por exemplo.

Na construção (19), a relativa apresenta-se extraposta a seu núcleo por tratar-se de uma construção em que o núcleo relativizado é o objeto da subordinada.

Conforme estudos realizados por Fargetti (2001), em Juruna, outra língua da família Juruna, a relativização é marcada pelos sufixos – e –jãhã, que considera como nominalizadores: "O primeiro, –, ocorre geralmente quando se relativiza o sujeito da oração (transitiva ou intransitiva). O segundo, –jãhã, ocorre quando se relativiza o objeto, o oblíquo e o sujeito de verbo estativo/descritivo":

No entanto, Fargetti ressalta que a distinção entre esses dois marcadores não é clara, sendo necessária a realização de estudos posteriores acerca desse assunto, pois o sufixo – ocorre também quando o verbo sofre reduplicação. Como visto neste trabalho, – não ocorre nas relativas em Xipaya.

De acordo com o que foi observado por Fargetti (2001), em relação à relativização em Juruna, os sufixos – e –jãhã estariam marcando a função gramatical que o núcleo modificado ocupa na oração principal, diferente do que acontece em Xipaya, em que, pelos dados recolhidos até então, o que é marcado é a função (sujeito ou objeto) daquele elemento na oração subordinada.

 

Relativas sem núcleo

A estrutura das relativas sem núcleo é a mesma das relativas com núcleo (SN + verbo + jãhã), conforme (22a) e (22b):

Nas relativas sem núcleo, assim como nas relativas com núcleo, o SN argumento do verbo da subordinada pode ser interpretado como sujeito ou como objeto do verbo, mas, diferentemente do que ocorre nas relativas com núcleo, nestas há ambigüidade em relação à função gramatical da posição relativizada (sujeito ou objeto), como exposto nos exemplos (23), (24) e (25).

Em Xipaya, nas relativas sem núcleo externo, a subordinada pode aparecer encaixada na principal ou separada desta, independente do papel gramatical da posição relativizada; ou seja, a posição relativizada pode ser interpretada como sujeito ou como objeto da subordinada, conforme o contexto de comunicação. Por exemplo, de (23) a (25), a posição relativizada é objeto da subordinada – que poderia ser o sujeito desta, em outra tradução – sendo que, em (23) e (24), a relativa encontra-se encaixada na principal e, em (25), encontra-se extraposta. O mesmo ocorre quando se trata do sujeito da subordinada:

Observe-se que as construções sem núcleo podem ocorrer também, internamente, no complemento circunstancial indicando instrumento (28) ou locativo (29), (30):

Conforme visto até aqui, as orações relativas são marcadas por -jãhã no final do SN que modifica o núcleo da relativa. No entanto, embora essa seja a estratégia de relativização mais produtiva, a língua Xipaya utiliza-se de um outro recurso, usado raramente, para expressar essa noção: trata-se da justaposição de orações.

 

CONCLUSÃO

Apresentaram-se, neste trabalho, as estratégias usadas para marcar a relativização em Xipaya. A oração relativa é marcada pelo mesmo morfema que acompanha o verbo estativo com função atributiva, ocorrendo após o núcleo relativizado. Quando essas orações apresentam-se seguidas de seu antecedente, a função gramatical da posição relativizada é codificada pela posição da relativa em relação ao seu núcleo. Desse modo, quando a posição relativizada é o sujeito da relativa, esta ocorre seguindo o seu núcleo, e quando é o objeto, a oração subordinada apresenta-se deslocada do núcleo. Entretanto, conforme os dados disponíveis até o momento, nas relativas sem núcleo, o status gramatical da posição relativizada não é marcado, sendo determinado pelo contexto lingüístico.

É importante mencionar que, embora a análise sobre os mecanismos de relativização em Xipaya leve em consideração a existência de orações relativas – diferente do que se tem para o Juruna em que tal fenômeno é visto como nominalização –, é necessária uma investigação mais detalhada sobre as relativas nessa língua, a fim de se esclarecer se de fato, em Xipaya, trata-se de orações relativas ou de formas verbais nominalizadas.

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço todos os comentários e sugestões feitos pelos pareceristas deste artigo, contudo, o conteúdo deste trabalho é de minha inteira responsabilidade.

 

ABREVIATURAS

 

REFERÊNCIAS

FARGETTI, C. M. 2001. Estudo Fonológico e Morfossintático da Língua Juruna. Tese (Doutorado) – UNICAMP, Campinas, SP.

GIVÓN, T. 1990. Syntax: a functional typological introduction. Amsterdam: John Benjamins.

KEENAN, E. L. 1985. Relative clauses. In: SHOPEN, T. (Ed.). Language typology and syntactic description: complex constructions. Cambridge: Cambridge University Press. p. 140-170. v. 2.

RODRIGUES, C. L. R. 1995. Etude Morphosyntaxique de la langue Xipaya (Bresil). Tese (Doutorado) – Universidade Paris VII, França.

 

 

Endereço para correspondência:
Editora do Museu Paraense Emílio Goeldi
Av. Magalhães Barata, 376 São Braz
CEP 66040-170
Caixa Postal 399
Telefone/fax: 55-91-3219-3317
E-mail:boletim@museu-goeldi.br

Recebido: 15/11/2003
Aprovado: 30/11/2005

 

 

1 Forma reduplicada para o verbo 'bater'.