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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas

Print version ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Hum. vol.3 no.3 Belém Dec. 2008

 

CARTA DO EDITOR

 

Nelson Sanjad

Editor Científico

 

 

O ano de 2008 marca muitas mudanças no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Um novo corpo editorial começou a trabalhar no periódico, incluindo um editor científico, três editores associados e uma editora executiva. Atualmente, essa equipe é responsável pela qualidade científica, editorial e gráfica da revista. Foram definidas responsabilidades para cada um dos membros, principalmente para o editor científico, sobre quem recai o maior encargo pela condução de qualquer periódico.

Cabe ao editor científico zelar pela qualidade dos trabalhos publicados, o que deve fazer por meio da leitura atenta de cada texto e da interlocução com os autores. Nessa tarefa, ele conta com o apoio dos editores associados e dos pareceristas, embora as intervenções em cada texto fiquem, em última instância, a seu critério. O editor também deve planejar cada número da revista, compor os sumários de maneira coerente e acompanhar todo o processo editorial, desde a submissão dos trabalhos até a editoração e revisão. Deve preocupar-se com a indexação da revista em bases de dados, com a distribuição e divulgação, no que conta, também, com a ajuda de profissionais específicos.

A atuação dos editores é fundamental para o controle de qualidade e para a normalização do periódico. Ela está, por princípio, a serviço dos outros e da revista a qual se dedicam. Essa tarefa pode ser caracterizada pela distinção entre duas palavras da língua inglesa: publisher e editor. As atribuições do primeiro limitam-se aos procedimentos necessários à publicação de textos. As do segundo expandem-se para o interior dos próprios textos: a construção dos argumentos, o desenvolvimento das idéias, o rigor e a precisão das informações, o apuro técnico, o bom uso da língua. Infelizmente, essa distinção não existe na língua portuguesa e muitos editores acabam comportando-se como publishers.

Além de maior cuidado editorial, o Boletim conta agora com um sítio específico na internet (www.museugoeldi.br/editora/boletim_ch.html), onde foram disponibilizados a política editorial, as instruções aos autores (em português e em inglês), o corpo editorial, o conselho científico, as informações para compra e permuta, além de todos os números publicados a partir de 2006, com acesso gratuito e texto completo. Essa iniciativa ampliou a visibilidade nacional e internacional do Boletim, que já começou a receber propostas de indexação em bases de dados estrangeiras. Também recebeu, por parte da Editora da Universidade de Cambridge, UK, um pedido de autorização para a tradução de um texto publicado no segundo número do atual volume, "A agricultura de corte e queima: um sistema em transformação", de autoria de Nelson Novaes Pedroso Junior, Rui Sérgio Sereni Murrieta e Cristina Adams. Esse texto será republicado, no ano de 2009, em uma coletânea editada pela universidade inglesa, com os devidos créditos ao Boletim.

Durante o processo de reformulação editorial, foram criadas seis seções na revista: Artigos Científicos, Artigos de Revisão, Notas de Pesquisa, Memória, Resenhas Bibliográficas e Monografias e Teses. Os textos recebidos estão sendo criteriosamente distribuídos em cada seção, com a intenção de destacar do conteúdo geral os artigos científicos, que são o foco dos indexadores. Papel relevante está sendo destinado à seção Memória, que inauguramos nesse número. Ela se destina à publicação de fontes históricas, transcritas parcial ou integralmente, incluindo comentários e descrições de acervos ou seus componentes que tenham relevância para a pesquisa científica; de traduções; de republicações de textos clássicos e/ou de difícil acesso; e de ensaios biográficos, incluindo obituários e memórias pessoais.

Os trabalhos publicados em 2008 mantêm a principal característica científica do Boletim: a multidisciplinaridade dentro das Humanidades. Esse aspecto, cuja origem remonta aos primórdios da revista, deve se perpetuar, pois é saudável, promissor e indispensável para a reflexão sobre processos e transformações sociais, tanto do ponto de vista histórico quanto do contemporâneo. Os artigos publicados no atual volume são bons exemplos dessa multidisciplinaridade, transitando entre história, antropologia, lingüística e ecologia. Foram organizados em três números, que abordaram temas relevantes na investigação social: a tradução cultural, enquanto ferramenta de análise e objeto de pesquisa; a agricultura de corte e queima, enquanto sistema agrícola tradicional em transformação; e o uso e manejo dos recursos naturais (ver apresentação abaixo). Ao todo, foram aprovados 17 artigos. O tempo médio entre submissão e publicação tem variado entre seis e doze meses. Entre os textos publicados, três possuem autores vinculados a instituições estrangeiras e três foram publicados em língua estrangeira, sendo dois em inglês e um em castelhano. Os focos principais desses artigos foram os seguintes: antropologia (6), história (3), etnologia (2), ecologia (2), estudos literários (2), lingüística (1) e um ensaio teórico.

A vinculação institucional dos autores, incluindo da nota de pesquisa, das resenhas e do estudo sobre fontes históricas, demonstra uma boa distribuição geográfica, abrangendo as regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte: Museu Paraense Emílio Goeldi (4), Universidade de São Paulo (4), Universidade de Brasília (3) e, com um autor cada, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (AM), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (PA), Museu de Astronomia e Ciências Afins (RJ), Museu Nacional/UFRJ, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Rio Claro, SP), Universidade Federal do Mato Grosso, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal do Pará. As instituições estrangeiras são o Institut de Recherche pour le Development (França), a Universidade de Buenos Aires (Argentina) e a Universidade de Sussex (Reino Unido).

Em 2009, o principal desafio do Boletim será a indexação em bases de dados com amplo reconhecimento por parte das agências de fomento. Essa iniciativa tem como metas ampliar a visibilidade do periódico, garantir sua qualidade por meio da avaliação regular e oferecer à comunidade acadêmica mais uma alternativa para a publicação de trabalhos originais, unindo a credibilidade de um periódico centenário – que ajudou a consolidar o próprio campo científico no Brasil – com um padrão editorial internacional. Nesse processo, o Boletim conta com o apoio da Biblioteca Virtual em Saúde do Instituto Evandro Chagas/Ministério da Saúde (PA).

Para finalizar, cabe uma breve apresentação do atual número. Ele reúne cinco artigos que, coincidentemente, se ocupam de uma mesma questão – e que, pelo visto, permanece como uma forte tendência de pesquisas para várias disciplinas científicas: o uso e o manejo dos recursos naturais. O primeiro deles aborda a criação do sistema brasileiro de florestas nacionais, com destaque para a primeira dessas florestas, criada na Amazônia para suprir a demanda do mercado por madeira extraída com base no manejo científico. A autora, Edviges Ioris (UnB), demonstra que, apesar da intenção, o governo brasileiro não procedeu aos investimentos necessários para implantar, efetivamente, um sistema florestal capaz de regularizar o mercado madeireiro no país.

O segundo artigo, de autoria de Karl Henkel (UFPA) e Idemê Gomes Amaral (MPEG), apresenta o resultado de uma pesquisa realizada entre colonos assentados pelo INCRA no Pará, demonstrando suas preferências por sistemas produtivos com retorno alimentar e financeiro imediato, como a pecuária, independentemente de questões econômicas e ambientais de médio e longo prazo. Por diversos motivos, entre os quais o desconhecimento e a falta de assistência técnica, a maioria dos agricultores familiares desse assentamento não optou por sistemas agroflorestais, nos quais poderiam consorciar espécies frutíferas, madeireiras e outras com mercado garantido. Pelo contrário, eles tendem a manter a agricultura de corte e queima, a monocultura e as culturas perenes.

Cleomara Amaral e Germano Guarim Neto (UFMT) estudam, por sua vez, a composição dos quintais em uma pequena cidade do Mato Grosso, enquanto espaços destinados ao cultivo de alimentos. Os autores demonstram que esses quintais conservam alta diversidade de plantas, garantindo a variabilidade genética de muitas espécies; e alertam para o fato de que, enquanto sistemas agrícolas tradicionais, voltados para a subsistência, os quintais estão se desarticulando e perdendo espaço para a agroindústria e para outras atividades comerciais que ganham, cada vez mais, impulso no campo.

Preocupação semelhante demonstrou Andréa Leme da Silva (UNESP Rio Claro), que inventariou e descreveu os usos de dezenas de espécies animais utilizadas pelos ribeirinhos do rio Negro (AM) no tratamento de doenças físicas e 'espirituais'. A riqueza e a complexidade desse conhecimento, associado à determinada visão cosmológica do processo de cura, estão ameaçadas, segundo a autora, pelo êxodo rural e pelo acesso facilitado à medicina ocidental.

O último artigo apresenta os dados coletados por Adna Albuquerque e Ronaldo Barthem (MPEG) na ilha de Marajó (PA), onde estudaram a pesca do tamoatá (Hoplosternum littorale), importante e tradicional recurso alimentar encontrado nos campos alagados da foz do rio Amazonas. Os autores descrevem os instrumentos e as técnicas de pesca, as áreas preferidas pelos pescadores, o número de pessoas envolvidas, a dimensão e a procedência das embarcações e a forma de comercialização. Por meio dos dados de desembarque do pescado em Belém, da capacidade da frota pesqueira e da estimativa anual de comercialização, coletados sistematicamente durante dez anos, os autores comprovam a redução na produção e a sobrepesca da espécie, isto é, a exploração realizada em velocidade e em quantidade superiores à capacidade dos estoques pesqueiros se recuperarem. Portanto, a sobrevivência do tamoatá na foz do Amazonas dependerá tanto do controle sobre a pesca comercial quanto da implementação de áreas de conservação que preservem os ambientes aquáticos da região.

Ainda dentro do tema, o Boletim publica uma nota de pesquisa de autoria de Rodrigo Peixoto (MPEG), na qual é apresentada a Rede Paraense de Agricultura Familiar e Biodiesel, composta por órgãos governamentais, instituições de pesquisa e movimentos sociais. A Rede nasceu em 2006 com o objetivo de criar alternativas econômicas aos produtores rurais, unindo recursos, capacidades e competências institucionais para implementar um projeto piloto nos municípios localizados na bacia do rio Araguaia (PA).

Na seção Memória, Antônio Porro (USP) faz a análise crítica de um manuscrito do início do século XVIII, o relato da viagem do frei Francisco de São Manços aos rios Trombetas-Mapuera, no Pará. Esse texto permaneceu pouco lido desde que foi publicado pela primeira vez, por Joaquim Nabuco, em 1903, não obstante o ineditismo das informações geográficas e etnográficas registradas por São Manços, tido como o primeiro europeu a explorar ambos os rios. Porro demonstra que o missionário capuchinho viajou, sobretudo, pelo Mapuera, e chama a atenção para os conflitos e para o comércio inter-tribal mantido pelos índios da região (inclusive de escravos), que contava com a participação dos holandeses estabelecidos nas Guianas.

Nesse número estão publicadas duas resenhas, de Rubens da Silva Ferreira (IPHAN) sobre o livro organizado por Cláudia Kahwage e Sandro Ruggeri, "Imagem e pesquisa na Amazônia: ferramentas de compreensão da realidade" NAEA/UFPA; Alves, 2007); e de Célia Trindade Amorim sobre o livro de Lúcio Flávio Pinto, "Contra o poder - 20 anos do Jornal Pessoal: uma paixão amazônica" (edição do autor, 2007). Ambos são fontes importantes para pesquisadores e leitores em geral, que devem chegar a uma audiência mais ampla. Prosseguindo na divulgação da produção acadêmica nas áreas fins do Boletim, também foi publicado o resumo de duas teses defendidas no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, ambas problematizando a participação da sociedade civil na formulação e na aplicação de políticas públicas.

Findo mais um volume do Boletim, devo agradecer, primeiramente, a todos os autores que contribuíram para a consolidação dessa nova fase do periódico. A atual direção do Museu Paraense Emílio Goeldi não tem poupado esforços e recursos para completar essa tarefa em tempo hábil, no que merece ser reconhecida com todos os méritos. Também agradeço aos editores associados e convidados, principalmente Priscila Faulhaber, Rui Murrieta e Cristina Adams, pela aposta e parceria; ao conselho científico e aos pareceristas, listados no final desse número, pela prestimosa colaboração na condução dos processos editoriais; e, last but not least, à atual equipe do Boletim, pelo excelente trabalho.

No número inaugural desse volume, o primeiro sob minha responsabilidade, publicado em abril, afirmei que o Boletim seria concebido dentro de propósitos claros, objetivos e coerentes, capazes de contribuir efetivamente, com originalidade e qualidade, para o desenvolvimento científico. Em 2009, esse continuará sendo nosso compromisso.