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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas

Print version ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Hum. vol.3 no.3 Belém Dec. 2008

 

Análise agrossocial da percepção de agricultores familiares sobre sistemas agroflorestais no nordeste do estado do Pará, Brasil

 

Agrosocial analysis of the family farmers' perception on agroforestry systems in northeastern Pará state, Brazil

 

 

Karl HenkelI, Idemê Gomes AmaralII

IUniversidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil (henkel00@yahoo.de)
IIMuseu Paraense Emílio Goeldi. Belém, Pará, Brasil (ideme@museu-goeldi.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Em 2005, foi conduzida uma pesquisa sobre sistemas agroflorestais (SAF), tendo como estudo de caso os agricultores familiares do Projeto de Assentamento Arapuã-Simeira, no município de Garrafão do Norte, estado do Pará, Brasil. O propósito foi descrever e sistematizar as características agrossociais dos agricultores familiares e suas experiências e percepções sobre SAF. A metodologia constou de visitas a campo, aplicação de questionários padronizados, observação e discussão em grupo. Os agricultores privilegiam algumas espécies perenes e florestais para o plantio consorciado. A principal explicação para a introdução de espécies no sistema foi os motivos econômicos e o comportamento social. Percebe-se uma complexidade na escolha de produtos e no manejo agrícola em cada propriedade, resultando numa combinação de diferentes sistemas agrícolas apropriados às condições locais. Os agricultores demonstraram capacidade de decisão sobre a combinação ideal para cada sistema agrícola. A pesquisa mostra a trajetória agrossocial e sociocultural dos agricultores e faz especulações sobre os possíveis desafios que implicariam a adoção de SAF na agricultura familiar. Uma abordagem sistêmica poderá ser muito útil no entendimento das relações e dos processos sociais, os quais são importantes aspectos na questão rural e agrária.

Palavras-chave: Sistema agroflorestal. Agricultura familiar. Análise agrossocial. Pará. Amazônia.


ABSTRACT

In 2005 a case study was undertaken in agroforestry systems as practiced by family farmers in the Arapuã-Simeira colonization project, municipality of Garrafão do Norte, Pará state, in northern Brazil, with the purpose of describing and systematizing the agrosocial characteristics of the family farmers and their experiences and perceptions of agroforestry systems. The methodology consisted of field research, application of standard questionnaires, observation and discussion in group. Farmers gave preference to some perennial cultures and forest species for intercropping, and the main explication for the introduction of species in their fields was economic gain and social behavior. Multifaceted thinking is seen in the choice of agriculture products and management options, resulting in each property having a combination of different agricultural systems that are adapted to local conditions. The farmer knows better than anyone else how to determine the ideal combination for his agricultural system. The study shows the agrosocial and socialcultural trajectory of the farmers and hypothesis are advanced on what would imply the adoption of agroforestry systems in family agriculture. A systemic approach can be very useful in understanding the relationships and social processes that are important aspects of the rural and agrarian question.

Keywords: Agroforestry system. Family agriculture. Agrosocial analysis. Pará. Amazon.


 

 

INTRODUÇÃO

Os modelos agrícolas implantados na Amazônia nas últimas décadas incentivaram o desmatamento e outras atividades antrópicas extremamente danosas à sustentação e à conservação dos agroecossistemas. As florestas nativas são exploradas para a produção de carvão, lenha e madeira, devido à pressão pelo uso desses recursos (Young, 1997), e, em se tratando da agricultura, as áreas são utilizadas de forma extensiva para a pecuária ou para a agricultura itinerante, causando diversos problemas ambientais e econômicos, entre os quais a perda de biodiversidade têm sido as tentativas na busca de alternativas, principalmente em relação ao sistema itinerante, e mais recentemente aos sistemas agroflorestais (SAF). Homma et al. (1994, p. 37) supõem que a produção de espécies florestais em SAF impede a contínua migração para novas áreas de florestas naturais, o que reduz o desmatamento (Santos et al., 2004).

O sistema agroflorestal é um termo coletivo para caracterizar sistemas de uso policultivo da terra ou formas de cultivo múltiplo (Sommariba, 1992), no qual culturas arborescentes perenes domesticadas são integradas com culturas temporárias e/ou com a criação de animais na mesma unidade de manejo (Pereira, 2002, p. 56), seja espacial ou numa seqüência temporal (Leakey; Isac, 2006), para obter melhor aproveitamento do uso dos recursos naturais envolvidos no sistema de produção (Yared et al., 1998, p. 9). SAF também significa a incorporação de culturas já domesticadas no enriquecimento de ambientes naturais, como capoeiras ou florestas nativas. Além disso, conforme Gordon (2005), SAF significa, ainda, corredores de árvores para fins de proteção e o manejo de florestas naturais e plantadas para uso econômico de produtos madeireiros e não-madeireiros. Entretanto, essa definição é muito ampla, já que não considera o componente agrário.

No âmbito biótico, a prática agroflorestal tem como principais finalidades a proteção do solo pelo sombreamento e o aumento da fertilidade do solo pela decomposição contínua de resíduos de espécies com ciclo vegetativo diferente e pela melhor ciclagem de nutrientes (Young, 1989, 1997). Do ponto de vista agroeconômico, com o plantio de mais de um produto, se reduz o risco de perda total e aumentam-se os benefícios econômicos com a venda sazonal diferenciada dos produtos (Pereira, 2005; Leakey; Isac, 2006).

Há, contudo, aspectos que dificultam a aplicabilidade de SAF. Embora Gama (2003, p. 54) considere o risco de inviabilidade dos SAF como inexistente, deve-se diferenciar a rentabilidade de curto, médio e longo prazos, e considerar o tempo de crescimento dos componentes arborescentes perenes num SAF, que, em alguns casos, como no da fruticultura de abricó (Mammea americana), pode chegar até 6-8 anos (Cavalcante, 1988, p. 24). No caso da castanha-do-pará (Bertholletia excelsa), na forma de enxertia, o tempo médio é de seis anos (Cavalcante, 1988, p. 85), assim como no da espécie paricá (Schizolobium amazonicum), em manejo florestal1. Isso significa uma ausência de fonte de renda por um longo período e despesas contínuas em forma de tratamento, como a capina das áreas plantadas.

Para atender uma crescente demanda por alimentos e produtos madeireiros, do ponto de vista agropolítico, a prática de SAF como forma intensiva é apenas uma alternativa para aumentar a produção na agricultura, embora implique mais recursos financeiros do que a forma extensiva, como a pecuária ou a colonização. Em Java, por exemplo, com 918 habitantes/km2, a ilha mais populosa da Indonésia, apesar de sediar o Center for International Forestry Research (CIFOR), o governo alcançou o aumento da produção de alimentos, especificamente de arroz (Oryza sativa), e a intensificação da agricultura basicamente com pacotes da revolução verde, como fertilizantes, inseticidas e - em especial - projetos de irrigação (Barbier, 1989, p. 886), e não com a prática de SAF. Além disso, do ponto de vista sociopolítico, uma estrutura agrícola caracterizada por propriedades com uma área média de menos de 0,5 hectare (Löffler, 1996) não permite uma reforma agrária visando o aumento da produção.

A origem do sistema agroflorestal

O expressivo crescimento populacional, em combinação com a falta de disponibilidade de terras, induziu à prática de novos modelos de uso de terra pelas sociedades tradicionais e indígenas, como SAF (Gordon, 2006). Essas sociedades dependem tanto do uso do solo para a agricultura como da extração de produtos florestais para a sua segurança alimentar, para a saúde, no que se refere às plantas medicinais, ou para a construção civil, no caso da madeira. No passado, houve uma relação entre as culturas indígenas e as florestas nativas, que Wiersum (1997) chama de interação evolucionária, durante a qual ocorreu o processo de domesticação de produtos florestais, como árvores frutíferas e espécies arbóreas (Homma, 1994), tendo como conseqüência a transformação gradual do sistema natural em agroecossistemas. Do ponto de vista da etnobiologia e da etnoecologia, Posey (1985) considera esse modo de uso das florestas pelos grupos indígenas como ecomanagement ou etnoconservação, enquanto Alcorn (1990) fala em estratégias indígenas para sistemas agroflorestais e Anderson e Posey (1987), em reflorestamento.

Para a região nordeste paraense, essa hipótese da relação evolucionária e domesticação de produtos florestais pelas etnias indígenas – que são representadas, principalmente, pelos Tembé e Urubu-Kaápor – deve ser revista. Embora o uso da língua tupi para a denominação da maioria das frutas silvestres na região, como cupuaçu (Theobroma grandiflorum), muruci (Byrsonima crassifolia), bacuri (Platonia insignis), açaí (Euterpe oleracea) ou pupunha (Guilielma speciosa), indique essa domesticação pelas etnias, hoje, elas cultivam apenas urucum (Bixa orellana) e, ainda assim, esporadicamente, para fins culturais e não comerciais.

Talvez por isso, e sob o ponto de vista da etnobotânica, Balée (1994, p. 117) não tenha detectado aspectos de preservação no manejo florestal pelos Urubu-Kaápor e Tembé, e um crescimento populacional tenha induzido tanto as etnias indígenas como os colonos a se adequarem à produção extensiva, e não à intensificação da agricultura (Henkel, 2002, p. 80), não existindo entre ambos – índios e colonos – grande diferença nas práticas agrícolas (Henkel, 1994, p. 251).

Todavia, Wiersum (2005) relaciona que a prática de SAF é estritamente ligada com o sistema cultural de uma nação ou etnia. Antes da imigração dos colonos e do início da colonização no nordeste do estado do Pará, no século XIX, ao longo da estrada de ferro entre Belém e Bragança, Bates (1979, p. 56) observou nos arredores de Belém somente o cultivo regular de mandioca (Manihot utilissima) e de café (Coffea arabica). Por sua vez, Alden (1976, p. 115) se refere a uma plantação experimental de cacau (Theobroma cacao) dentro da floresta primária, sempre em monocultura. No momento do primeiro contato entre etnias indígenas e colonos não havia, na região nordeste paraense, nenhuma cultura agrícola nativa importante, cuja prática pudesse ser transferida culturalmente para os colonos, exceto a mandioca, ressaltando-se que o café e nem o cacau são culturas endêmicas da região.

Sistema agroflorestal como elemento do sistema sociocultural

Os SAF representam, ainda, muitos obstáculos e limitações. Embora as dúvidas econômicas sejam freqüentemente contestadas (Perz; Walker, 2002, p. 1023), é necessário fazer uma diferenciação entre agricultores das etnias indígenas e colonos (Walker, 1999, p. 389) na introdução de novas culturas ou sistemas. O processo de difusão da inovação, definida por Schumpeter (1985) como novos produtos, tecnologias e práticas dentro de um sistema socioeconômico, no qual os SAF estão incluídos, ocorre, segundo as idéias de Rogers (1995), em cinco etapas: conhecimento, convicção, decisão, implementação e confirmação, isto é, concordância com os próprios valores do produtor. Buttel et al. (1991) citam alguns fatores que influenciam na adaptação ou rejeição, como a complexidade da inovação, a incompatibilidade com os objetivos do produtor, os custos de implantação, a perda da flexibilidade e o pensamento racional. Esse pode ser caracterizado por um pensamento econômico de maximização – em especial do lucro e da rentabilidade – que facilita a sua adaptação, ou por um pensamento econômico de minimização – em especial dos gastos e dos riscos, isto é, dos possíveis danos como conseqüência da própria decisão – que dificulta a sua adaptação (Abramovay, 1992).

O primeiro pensamento caracteriza um proprietário agindo com estratégias não diferenciadas das empresas modernas, enquanto o segundo caracteriza um agricultor a quem Schultz (1964) não submete a focalização de lucro, mas de um certo output que ele pretende alcançar com um mínimo de insumos, como mão-de-obra, terra ou investimentos, indicando que a introdução de SAF como medida de modernização e inovação requer um pensamento econômico de maximização e ações racionais para enfrentar obstáculos (Martins, 2000, p. 156). Essa racionalidade depende das estruturas sociais e culturais e caracteriza o pensamento humano na sua atividade econômica (Weber, 1976, p. 44).

A atuação do homem no seu ambiente social ocorre não somente para obter benefícios materiais com uma grande ou diversificada produção, mas – como afirma a antropologia econômica – também para obter status social e alcançar objetivos sociais (Polanyi, 1978). Esses conceitos foram transferidos para o estudo da agricultura. Dalton (1967), por exemplo, estabeleceu o termo peasant economies, que caracteriza propriedades agrícolas sem o uso de máquinas, com produção independente do mercado e com criação de arranjos sociais com outros agricultores que têm acesso à terra porque pertencem a um determinado grupo social2. Nesse ambiente social, de acordo com Guivant (1997), os agricultores definem estratégias, escolhem soluções para os problemas, privilegiam objetivos e estruturam suas propriedades em um mosaico de práticas e interesses econômicos, sociais e culturais.

Entretanto, as experiências com SAF em ambientes de agricultura familiar com disponibilidade de recursos naturais, como produtos madeireiros, ainda são poucas, especialmente quando se incorporam aspectos agronômicos, ecológicos, sociais e culturais. Por essa razão, partiu-se para uma idéia sistêmica e para a hierarquização de elementos singulares numa teoria geral dos sistemas (Bertalanffy, 1975). Mais tarde, Boulding (1956) hierarquizou sistemas bióticos e sociais, e Graves (2006) criou a teoria sobre estufas de comportamento humano e social. Cabe a Maslow (1943) a criação de uma hierarquia das necessidades humanas. Lowrance et al. (1986) vincularam essas idéias ao sistema agrícola e identificaram três tipos de hierarquia: sustentabilidade como segurança alimentar, sustentabilidade do ambiente biofísico e sustentabilidade social, esta última entendida como construção de valores sociais.

Em geral, a hierarquia começa com o manejo agronômico da menor unidade operacional na agricultura, ou seja, da roça, para alcançar a sustentabilidade alimentar ou imediata. Obtido esse resultado, o agricultor pode partir para a sustentabilidade de médio prazo, que já permite a incorporação de produtos não agrícolas na propriedade, como espécies arborescentes perenes. Já na sustentabilidade de longo prazo, o agricultor pode planejar, atuar mais independente desses fatores e incorporar elementos experimentais ou produtos de risco econômico, o que representa um SAF para a maioria dos agricultores, mas necessita alcançar também uma sustentabilidade ecológica que permita o manejo desses elementos complexos.

Nesse ambiente, as instituições pretendem realizar a incorporação de SAF, cujo maior desafio é a complexidade sistêmica e a compreensão da propriedade como um sistema produtivo e social, administrado segundo a percepção do agricultor, componente principal e que conhece todas as interações do sistema (Lima et al., 2003) e do qual depende a adoção de qualquer inovação.

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada em agosto de 2005, no Projeto de Assentamento (PA) Arapuã-Simeira, comunidade Santo Antônio do Guamá, município de Garrafão do Norte, Microrregião do Guamá, Mesorregião Nordeste Paraense. O PA compreende uma área de 67.269,52 hectares e limita-se com os municípios de Garrafão do Norte, Capitão Poço, Nova Esperança do Piriá e Ipixuna do Pará. No PA Arapuã-Simeira existem 28 comunidades, dentre as quais Santo Antônio do Guamá, que se localiza na antiga sede da fazenda desapropriada (Figura 1).

 

 

Por meio de uma amostra intencional, foram selecionados 34 chefes de família de um universo de 71 famílias, utilizando-se um questionário contendo perguntas abertas e fechadas. As informações foram analisadas estatisticamente por meio do programa SPSS 8. As questões abordadas nas entrevistas se referem, basicamente, aos aspectos relacionados à propriedade, às culturas agrícolas, à avaliação dos sistemas agrícolas, às percepções sobre espécies introduzidas, às informações sobre crédito, à difusão de tecnologia, à renda e ao risco. Foi utilizada, ainda, a técnica da observação, seja no âmbito social, familiar ou comunitário, ou durante o acompanhamento dos colonos na propriedade ou no lote agrícola. Além disso, foram organizadas reuniões durante a permanência no assentamento com os membros da comunidade e com representantes das entidades sociais regionais. Pela abordagem, a pesquisa possui caráter exploratório.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A sustentabilidade alimentar do sistema produtivo

Por meio do envolvimento na luta sindical, os assentados obtiveram acesso ao crédito proveniente do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), que foi repassado aos mesmos através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), para o fornecimento de suplementos iniciais, como sementes, corretivos, mudas de culturas perenes, compra de gado e assistência técnica para conseguir a sustentabilidade alimentar.

Em virtude da extensa área da fazenda utilizada anteriormente para a pecuária extensiva, os assentados ocuparam lotes com diferentes ecossistemas e grandes variações entre si no que se refere à cobertura vegetal - cobertura total com mata primária até áreas totalmente transformadas em pastos sem cobertura primária ou secundária -, o que implica, ao mesmo tempo, vantagens e desvantagens para determinado uso agrícola.

Os assentados praticam a agricultura itinerante em pequenas áreas, por um período de dois a três anos, e posteriormente abandonam as lavouras para pousio, como forma natural de recompor a fertilidade do solo ou para a transformação em áreas de pastagem. Realizam todas as tarefas manualmente e têm nos membros da família a principal fonte de mão-de-obra.

O pensamento do produtor sobre o plantio, sobre a importância das culturas agrícolas ou sobre certo uso agrícola é influenciado pela estrutura familiar, que disponibiliza a mão-de-obra; pela preferência alimentar; pelo planejamento de futuros investimentos domiciliares; pela situação biofísica da propriedade, como acesso à água ou tipo de solo; por fatores socioculturais, como costume, tradição ou comodismo; e por fatores externos, como preço, relação com o comprador ou distância do mercado. Para os agricultores, os fatores socioculturais, os fatores espaciais, como distância dos mercados, e os fatores do mercado, como preços agrícolas, são aspectos onipresentes e não causam grandes diferenças na decisão dos agricultores sobre a escolha das culturas para um futuro plantio.

É interessante observar que os agricultores incorporam aspectos econômicos-mercadológicos na hierarquia das culturas, porque além dos produtos alimentares, como arroz, milho (Zea mays), mandioca (Manihot utilissima) e feijão (Vigna unguiculata), que colocam a família na situação auto-sustentável, os colonos preferem culturas comerciais, como malva (Urena lobata) – cultura anual e matéria-prima –, ou culturas perenes com retorno financeiro em curto prazo, como caju (Anacardium occidentale) e pimenta-do-reino (Piper nigrum). Essas culturas são caracterizadas por serem produzidas pelos próprios agricultores, sem necessidade da compra de mudas ou sementes, ou por crescerem naturalmente em capoeiras, como no caso da malva, o que significa que a sustentabilidade agronômica-alimentar também é uma sustentabilidade financeira. Vale ressaltar que o açaí é o único produto de extrativismo (Figura 2).

 

 

Embora as culturas de arroz, milho e feijão garantam a sustentabilidade no curto prazo, não são comercializadas em grande escala devido à cultivação em roças com cobertura anterior de capoeira. Os solos desses sistemas ecológicos ainda se encontram, em muitas propriedades, em estágio de pousio, não sendo um ambiente favorável para essas culturas. Por seu fácil manejo e sua adaptação em qualquer tipo de ambiente, a mandioca é a principal cultura na agricultura familiar. Na forma derivada de farinha, representa tanto uma cultura alimentar como comerciável, sendo a única cultura sem sazonalidade na produção.

Entre as culturas restantes, excetuando o algodão (Gossypium herbaceum) e o urucum, se encontram fruticulturas e culturas perenes que possuem um certo valor alimentar, mas que têm baixo valor mercadológico e desvantagens comparativas em relação às mesmas culturas agrícolas importadas de outras regiões, em razão da qualidade (Almeida et al., 2008). É compreensível que essas culturas perenes – na fase de sustentabilidade alimentar – não possuam grande importância.

Ainda na fase de sustentabilidade alimentar, o colono pode optar pela implementação de um SAF, mas, para essa prática, deve diferenciar plantas de sombra e plantas de sol (Kluge, 2006). As culturas alimentares, na sua maioria, não são umbrófilas e não se adaptam bem à baixa luminosidade causada pelo sombreamento das espécies arborescentes perenes. Quanto ao milho, arroz e feijão– culturas alimentares anuais preferidas pelos colonos– recomenda-se um eventual consórcio num SAF somente no início. Esse também é o caso da melancia (Citrullus vulgaris); do abacaxi (Ananas comosus), até o terceiro ano; da mandioca, a partir do segundo ano; e da banana, até o segundo ano (May et al., 1999).

Por causa dessa recomendação agrotécnica, os agricultores podem perder sua sustentabilidade alimentar numa fase posterior, ou podem cultivar as culturas alimentares numa nova roça, significando que sistemas agroflorestais não impedem, necessariamente, o desmatamento. As plantas de sol, como café, laranja (Citrus sinensis) ou limão (Citrus limon), necessitam de um espaçamento maior entre linhas. Contudo, um maior espaçamento significa maior área e implica maior input de trabalho para capinar, o que é incompatível com os objetivos do agricultor.

No caso de uma roça média em Arapuã-Simeira, de 1,9 hectares, o que corresponde a 6,3 tarefas3, um colono necessita de cerca de 121 dias de mão-de-obra para a capina quando planta em áreas de capoeira, enquanto uma roça plantada numa clareira em áreas de floresta nativa não necessita desse trabalho nos primeiros anos. Para a maioria dos agricultores, sem a capina de ervas daninhas, o manejo do cultivo e da área em geral fica inviável. Esse maior input de mão-de-obra, em áreas com predominância de capoeira, como as do PA Arapuã-Simeira, limita as possibilidades de criar sistemas intensivos de mão-de-obra. Por esse motivo, a maioria dos colonos destina a roça, depois da safra, ao pousio ou à criação de pastagem. Embora se comprove a viabilidade econômica da capina química em relação à capina manual (Ribeiro; Oliveira, 1987, p. 119), técnicas como a alternância de épocas de capina em áreas de reflorestamento (Neves, 2007, p. 17), ou roçar ao invés de capinar em SAF (Cardoso et al., 2004), devem ser excluídas no início em sistemas com produção de culturas anuais e perenes em consórcio, pois necessitam de uma pré-capitalização e da compra desses insumos ou são impraticáveis em áreas de culturas anuais.

O manejo da sustentabilidade ecológica da propriedade é mantido porque a roça representa somente 4,5 % da área total.

A sustentabilidade de médio prazo do sistema agronômico

Com a sustentabilidade alimentar alcançada, o agricultor pode realizar a sustentabilidade de médio prazo, o que permite a incorporação do SAF no sistema produtivo, do ponto de vista econômico. Entretanto, os assentados se mostraram a favor de programas de mecanização e da não introdução de novas culturas perenes ou florestais (Figura 3).

 

 

Há vários programas que apóiam a incorporação de espécies perenes ou florestais na propriedade para fins comerciais ou para recuperar áreas degradadas por meio de reflorestamento junto à agricultura familiar, como o FNO-Floresta ou o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), administrado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) no âmbito dos projetos demonstrativos do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Enquanto o primeiro programa – baseado em créditos repagáveis – não teve ressonância por parte da agricultura familiar estadual, o segundo – baseado em fundos não repagáveis – apresentou certo sucesso. Alguns projetos incorporaram SAF como estratégia principal (Brasil, 2004).

Pesquisas em regiões com recursos madeireiros disponíveis, como o oeste do Pará, ao longo da BR-230, demonstram resultados semelhantes de rejeição de reflorestamento como estratégia (Souza, 2006), mas há resultados positivos em Rondônia (Sá et al., 1998). Embora os moradores da comunidade de Santo Antônio do Guamá tenham recebido treinamento e visitas de técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e de estudantes da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), eles rejeitam o reflorestamento, inclusive os líderes comunitários que foram convidados para conhecer as instituições de pesquisa agropecuária em Belém.

Contudo, do ponto de vista da psicologia, a aceitação ou a rejeição de um fato gera o status de um indivíduo e de um grupo (Morais et al., 2001, p. 119). A aceitação de uma inovação, seja uma nova cultura agrícola ou um sistema como SAF, significa, muitas vezes, ter racionalidade moderna ou ser ecologicamente correto; e, conseqüentemente, abandonar aspectos e práticas socioculturais historicamente construídas, o que causa problemas, especificamente num assentamento, que é um produto da ação social dos colonos motivados por certos fatores dessas inovações no passado, como a capitalização da agricultura, os projetos agropecuários ou a concentração da terra4. Por sua vez, a rejeição ao reflorestamento pode significar que o colono não tem essa prática entre os seus objetivos, que os valores culturais da comunidade construídos socialmente não combinam com reflorestamento e esses projetos significam a não inclusão do homem. A rejeição é tão importante quanto a aceitação, pois a decisão sobre o que praticar e o que eliminar garante a segurança alimentar, a reprodução ou a criação de uma identidade social dos assentados e a prosperidade pela redução de riscos, não significando uma falta da idéia de racionalidade. Ao contrário de convencer esses agricultores de praticar um sistema que não querem, deve-se apoiá-los na realização de suas próprias propostas5. Por exemplo, no PA Paragonorte, município de Paragominas, foi implantado um projeto de mecanização por meio de um convênio entre a associação dos assentados, a Prefeitura e o Governo do Estado (Henkel; Almeida, 2001).

Na percepção dos colonos, os SAF são sistemas que necessitam ser implantados em áreas extensas, exigem solos apropriados e o plantio preferencialmente em monocultura, mas não sistêmico (Figura 4).

 

 

A maioria, quando imagina um SAF, pensa em culturas arborescentes perenes e em plantar – segundo a hierarquia das culturas preferidas – caju, pois isso atende a todos os fatores que um SAF não pode atender: as primeiras receitas em três ou quatro anos pela venda da castanha, produtos armazenáveis, mercado próximo, conhecimento da cultura pela vivência agrossocial desde a infância e plantio na área da antiga roça em monocultura ou em áreas dentro da pastagem. Há agricultores que conseguem plantar 4.000 árvores de caju, o que mostra pensamento econômico racional.

Entretanto, por causa da vivência em um ambiente natural desde a infância e, em especial, na Área Indígena Alto Rio Guamá, seria fácil incorporar espécies arborescentes florestais na propriedade, seja na forma sistêmica em SAF ou separadamente, em áreas como reflorestamento, porque a maioria dos colonos tem conhecimento para a identificação das sementes e mudas de espécies florestais nativas, como jatobá (Hymenaea coubaril), andiroba (Carapa guianensis), acapu (Vouacapoua americana), sucupira (Bowdichia nítida) ou jenipapo (Genipa americana). Para essa última espécie, Rodrigues (1989, p. 114) enfatiza uma cultivação perfeita e sem maiores cuidados. Ademais, a técnica aplicada para plantar arroz, feijão, mandioca e milho de maneira consorciada mostra a existência de noção sobre plantio em sistemas, embora praticado somente com culturas anuais.

De qualquer modo, os colonos poderiam implantar um SAF com os próprios recursos, mesmo que não apliquem amplamente o conhecimento sobre a identificação de sementes na produção de mudas – apenas 24% as criavam. Exemplos do uso desse conhecimento são os quintais, onde os colonos cultivam culturas perenes, como jaca (Artocarpus heterophyllus), laranja, limão, manga (Mangifera indica) e urucum, além de plantas ornamentais – vale lembrar que são produtos sem valor monetário, mas cultural –, como bougainvillea (Bougainvillea spectabilis), cróton (Codiacum variegatum) e papoula (Papaver rhoeas), entre outras. As culturas plantadas são tanto endêmicas da região amazônica ou do norte da América do Sul como não endêmicas, portanto, o conhecimento botânico e de adaptabilidade não deve influenciar a decisão de plantar essas culturas. Os melhores exemplos disso são o cupuaçu, que se encontra ainda na forma silvestre nas florestas nativas, e o açaí, ambos endêmicos, que, até o início de um programa de difusão executado pelo INCRA no PA Arapuã-Simeira, raramente eram cultivados. Os colonos que adotaram o cupuaçu no ano 2000 já tinham quase abandonado essa produção em 2005.

Os PA não contam com muito apoio in loco das instituições governamentais, no sentido de comunicarem novos conhecimentos e práticas para os colonos. Para a sociologia do conhecimento, a comunicação fundamentase num pensamento racional-positivista e intuitivo-inspirativo- poético (Bachelard, 1974, p. 46) na expressão de idéias que são socioculturalmente determinadas e que necessitam de consciência por parte do receptor para seu entendimento (Luhmann, 1987). Portanto, a comunicação realiza-se somente entre sistemas ou modos de vida iguais (Schütz; Luckmann, 1991). Informações são transmitidas na própria comunidade por meio da comunicação oral entre amigos, líderes comunitários ou da associação dos assentados. Por falta de interesse ou pela incompatibilidade com os objetivos dos colonos, informações sobre SAF não são transmitidas na própria comunidade (Figura 5).

 

 

A comunicação com feirantes, na cidade, ou com atravessadores, intermediários entre o colono e o mercado, também ocorre em mundos socioculturais semelhantes, nos quais o SAF não é assunto. A abrangência da comunicação oral se restringe às sedes municipais mais próximas e explica porque nenhum agricultor em Santo Antônio do Guamá conhece rambutã (Nephelium lappaceum) ou mangostão (Garcinia mangostana), fruticulturas plantadas nos municípios de Santa Izabel do Pará, Castanhal e Tomé-Açu por grupos socioculturais iguais – colonos, mas que moram fora da área de abrangência da comunicação oral dos colonos do PA.

Hoje, a televisão é um importante emissor de informações sobre práticas, técnicas e culturas agrícolas, mas persistem bloqueios socioculturais historicamente construídos por parte do receptor, baseados na tradição de cada colono, que interferem no entendimento dos fatos, o que deve ser interpretado como interferência entre classes sociais diferentes. Isso leva o colono a julgar inferior seu conhecimento empiricamente adquirido em relação às informações obtidas pela televisão. Consequentemente, a geração de conhecimento ocorre por meio dos erros e acertos de experiências realizadas pelos próprios produtores.

Essa avaliação depreciativa do próprio saber se percebe no conhecimento sobre os meios para aumentar a fertilidade do solo, que eles declaram não possuir, embora muitos já tenham usado adubo químico fornecido pelo INCRA. O colono associa um aumento da fertilidade do solo com a queima da roça, com a mecanização ou com a incorporação de fatores externos na plantação, como esterco, o que são aspectos tecnológicos do manejo agronômico tradicional, mas não de SAF, que tem como características a prática de sombreamento e de reciclagem, e não de queima.

Os critérios de avaliação dos colonos a respeito de uma inovação mostram que os SAF podem ser implantados por pequenos agricultores, pois não rejeitam novos sistemas ou culturas com difícil aplicação ou com demorado tempo de crescimento – elementos que caracterizam SAF, embora não respondam idealmente ao aspecto da sustentação alimentar. O colono ainda não considera como produtos comercializáveis as espécies florestais arborescentes (Figura 6).

 

 

Provavelmente por causa da ajuda financeira do FNO, com intermediação do INCRA, e não por causa da própria decisão, os colonos entraram no nível da sustentabilidade de médio prazo pela introdução de culturas perenes ou iniciaram a pecuária. O abandono de muitas culturas, como graviola, cupuaçu ou maracujá, depois de alguns anos, significa que estas não possuem um caráter mercadológico (Figura 7), pois a maioria das frutas vendidas nas feiras ou no comércio das cidades mais próximas, como Nova Esperança do Piriá ou Mãe do Rio, são importadas da Central de Abastecimento do Pará (CEASA), em Belém.

 

 

A incorporação de culturas perenes em áreas de pastagens ou em áreas que, posteriormente, serão destinadas para a pastagem, para formar sistemas silvipastoris, enfrenta certos problemas, pois os agricultores não suspendem a queima dessas áreas, durante a qual as árvores podem queimar. Também as folhas de mudas novas ou de árvores baixas são arrancadas pelo rebanho. Por esses motivos, o agricultor planta culturas perenes separadamente das pastagens, e não de forma sistêmica.

A sustentabilidade de longo Prazo

O determinado uso agrícola na sustentabilidade de longo prazo pode ser caracterizado por aspectos múltiplos, como o investimento em sistemas de risco, a influência da moda na prática de manejos, a obtenção de um status social, maior autonomia e um certo individualismo, que o colono não pratica na sustentabilidade alimentar, pela necessidade de cumprir a segurança alimentar, e nem na sustentabilidade de médio prazo, pela falta de estabilidade financeira. Também na fase da sustentabilidade de longo prazo, o agricultor pode recorrer à sua experiência e criar as mudas por iniciativa própria, porém, não o faz em função de seu objetivo econômico e do ambiente social, nos quais os SAF novamente não têm prioridade na preferência entre os sistemas produtivos (Figura 8).

 

 

É interessante observar que os agricultores avaliam melhor os sistemas silvipastoris do que os SAF, porque podem associar aqueles com o sistema preferido – a pecuária. Além disso, tanto SAF como culturas perenes têm menos preferência do que a aqüicultura. Ao contrário da produção de espécies florestais ou frutíferas, o consumo de peixe é culturalmente determinado (Murrieta, 2001) e a criação de viveiros naturais pode ser realizada pelo próprio colono, assim como o peixe pode ser vendido na comunidade, proporcionando, com isso, uma renda adicional e demonstrando aspectos positivos que o SAF não pode alcançar.

O problema que impede o início da sustentabilidade em longo prazo é a falta de capital, como no caso do cultivo da pimenta-do-reino, cujos altos custos de implantação em forma de compra de mudas ou matrizes, adubo e estacas dificultam sua introdução na pequena agricultura. Embora a maioria dos assentados já tivesse experiência com créditos na fase inicial do PA, eles não tinham livre decisão sobre a aplicação dos mesmos. Como resultado, eles quiseram aplicar na produção de pimenta-do-reino, mas o banco controlador do FNO avaliou a produção regional saturada e um aumento da produção como risco. Numa livre decisão, a aplicação de créditos implicaria investimentos em sistemas de criação de animais, preferencialmente gado, e não nas culturas de sustentabilidade alimentar ou na produção vegetal, inclusive SAF (Figura 9). Vale lembrar que a obtenção de crédito coloca o colono na situação de responsabilidade financeira, e as atitudes, como preferência, costume ou moda, passam para o segundo plano.

 

 

Ademais, no nível mais elevado da hierarquia dos sistemas, o colono não opta mais por sistemas agrícolas, mas sim por sistemas comerciais e de transporte. Nesse sentido, alguns assentados conseguiram se desvincular parcialmente da agricultura e mantêm atividades econômicas não agrícolas, como o mercadinho e os bares, e se tornam compradores da produção local. Ao contrário de investir em novos sistemas ou na ampliação da produção, muitos compram motocicletas para facilitar a comunicação e o transporte, o que é um objetivo social, mas não econômico, do morador.

As áreas de cultivos permanentes, em geral, são as anteriormente usadas para o cultivo de culturas anuais. Em nenhum caso, o colono planta as culturas sistêmicas, isto é, respeitando o efeito do sombreamento ou a concorrência das raízes pelos nutrientes. A escolha das novas áreas de plantio ocorre com base no estado da formação das capoeiras e no futuro uso como pastagens ou como áreas de culturas permanentes (Figura 10).

 

 

A avaliação técnica dos sistemas

Para iniciar ou manter uma produção, o produtor avalia vários fatores, como o risco, as despesas e a mão-de-obra necessária, considerados fatores negativos. A facilidade de trabalhar com o sistema e a renda esperada são considerados fatores positivos. A avaliação do risco e a facilidade de trabalhar são aspectos não monetários e, portanto, qualitativos de percepção. Segundo a percepção e avaliação dessas variáveis pelos colonos, na agricultura familiar de Santo Antônio do Guamá, somente as culturas temporárias e a pecuária são vistas como sistemas positivos (Tabela 1). O primeiro sistema significa para o agricultor, principalmente, a perspectiva de uma alimentação e de renda. Deve-se considerar, porém, o aspecto da sazonalidade. De todas as culturas agrícolas, somente a produção de farinha se constitui em receita e alimentação contínua. A pecuária é o sistema com as menores despesas, apesar dos investimentos iniciais em compra de arame para a construção de cercas, sementes de capim e de novilhas.

 

 

Pela avaliação técnica dos agricultores, não se explica a ausência de SAF ou de sistemas silvipastoris no assentamento, pois ambos são bem avaliados. Aspectos culturais, como costume e tradição, ou aspectos alimentares devem influenciar o pensamento do agricultor. Isso pode explicar o fato da apicultura e da aqüicultura serem sistemas preferidos ao SAF e ao sistema silvipastoril, embora possuam coeficientes inferiores, já que o ambiente natural fornece a matéria-prima para essas atividades ou geram produtos para a segurança alimentar e com valor mercadológico.

Por causa desses aspectos, é pequeno o grupo de produtores de SAF em Santo Antônio do Guamá, composto apenas por sete famílias. A maioria planta como espécie arborescente florestal o paricá; um colono planta mogno (Swietenia macrophylla) e um produtor planta andiroba. Vale ressaltar que os agricultores não adquiriram as mudas por iniciativa própria, mas de instituições voltadas à pesquisa. É comum o produtor plantar essas espécies arborescentes florestais na roça, junto com mandioca. Mais tarde, formarão áreas de monocultura, depois da retirada da mandioca. Espécies arborescentes perenes, como graviola ou cupuaçu, não são plantadas sistematicamente, mas em qualquer área onde ainda haja espaço, como se tudo fosse planejado sem objetivos concretos.

Os resultados dos testes 'qui quadrado' e 'T' mostram que, entre os produtores tradicionais e de SAF, não existem diferenças significativas no que se refere às características sociais, econômicas e agronômicas, incluindo os objetivos de cada grupo agricultor. A área agrícola disponível não possui importância na decisão de praticar SAF ou não, sendo que o conhecimento sobre práticas agrícolas, como adubação orgânica e técnicas de melhoramento da fertilidade do solo, é uma variável independente. Porém, observa-se que a escolaridade dos produtores de SAF é mais elevada que a dos produtores tradicionais. Entretanto, não é o estudo que pode levar um produtor a praticar SAF, mas os aspectos associados com este fator, como maior capacidade de se comunicar, de analisar o risco e de avaliar o mercado, entre outros.

Na hierarquia dos sistemas, a inovação com SAF deve ser relacionada mais com o sistema social do que com o sistema agronômico, pois o colono pode introduzir a inovação por iniciativa própria, mas não a realiza. O status social que um produtor pode ganhar com a introdução de SAF parece um fator importante, porque mostra modernidade, capacidade de inovação, liderança, rompimento com a tradição, entre outros (Figura 11).

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As observações quanto ao desempenho dos produtores da comunidade Santo Antônio do Guamá indicam que a introdução de inovações tecnológicas, como SAF ou somente espécies florestais, não foi aceita por parte dos produtores, pois, para eles, não se trata de produtos mercadológicos de retorno em curto ou médio prazo. É evidente que a introdução de SAF não se coaduna com os objetivos econômicos da maioria dos produtores entrevistados. A introdução de SAF, por si só, não induz os produtores a uma melhoria no processo produtivo. Embora estes conheçam o ambiente biofísico, o plantio isolado de algumas dessas culturas não lhes propicia conhecimento suficiente para o manejo em áreas de cultivo mais extensas.

Além disso, o aumento considerável da complexidade administrativa do manejo dificulta a sua incorporação. Assim, para cada propriedade, há uma combinação de espécies apropriadas às condições locais, e ninguém melhor do que o agricultor pode decidir a combinação ideal para o seu sistema. Ressalta-se, portanto, a importância da valorização do conhecimento do agricultor e de suas idéias de sustentabilidade em qualquer intervenção institucional no meio rural, de modo a adequá-la à realidade local.

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço à M. Sc. Jimnah Henkel pela colaboração durante as fases de elaboração do projeto e de revisão do texto, bem como aos alunos do Doutorado em Ciências Agrárias, da Universidade Federal Rural da Amazônia, pela colaboração.

 

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Endereço para correspondência:
Museu Paraense Emílio Goeldi
Editor do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas
Av. Magalhães Barata, 376
São Braz - CEP 66040-170
Caixa Postal 399
Telefone/fax:55-91-3249-1141
E-mail:boletim@museu-goeldi.br

Recebido: 24/05/2008
Aprovado: 20/11/2008

 

 

1Comunicação pessoal com o Sr. Eder, da Empresa Eidai do Brasil Madeira S/A, em Garrafão do Norte, Pará, e da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (AIMEX), Benevides, Pará.

2 Os agricultores de Santo Antônio do Guamá, no Pará, foram assentados porque formaram anteriormente um grupo social homogêneo – posseiros na Aldeia Indígena (AI) Alto Rio Guamá.

3 Tarefa é uma unidade de área. Uma tarefa equivale a 0,3 hectares.

4 Antes da migração para o estado do Pará, muitos dos maranhenses, hoje assentados, foram expulsos das suas terras pela implementação de projetos agropecuários baseados na filosofia da modernização da agricultura. O fato de 17 % dos produtores não saberem escrever o nome e a média de escolaridade do chefe familiar ser de dois anos e cinco meses indica que nunca participaram de processos da modernidade.

5 Em outros assentamentos, por exemplo, os colonos rejeitaram a instalação de banheiros nas casas construídas. Comunicação pessoal da Sra. Oliveira, Assistente Social, INCRA.