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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas

Print version ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Hum. vol.4 no.1 Belém Apr. 2009

 

Arqueologia e história nas construções de continuidade na Amazônia

 

Archaeology and history on the constructions of continuity in Amazonia

 

 

Juliana Salles Machado

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Museu Nacional. Departamento de Antropologia. Rio de Janeiro, Brasil (julianasallesmachado@gmail.com)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Desde o início das discussões acadêmicas sobre a ocupação humana na Amazônia, vimos um constante embate acerca da continuidade ou não do cenário atual dos povos indígenas e seus antepassados pré-coloniais. Seja de um lado, seja de outro, a colonização, seu impacto entre as populações indígenas e seu efeito impulsionador para a criação e transformação de novos atores sociais, foi - e ainda é - um ponto chave na interpretação dessa transição entre o passado amazônico pré-colonial e o presente. Neste artigo, faço uma reflexão sobre o que seriam os indicadores de continuidade ou não dos grupos indígenas do passado nas atividades humanas do presente. A partir de exemplos da arqueologia amazônica, da antropologia e, mais especificamente, de uma pesquisa etnoarqueológica atualmente em andamento entre comunidades ribeirinhas da ilha de Caviana, no Pará, abordo as concepções e pré-concepções imbuídas na raiz das formulações sobre continuidade entre o passado e o presente amazônico.

Palavras-chave: História. Arqueologia. Antropologia. Continuidade. Amazônia. Ilha Caviana.


ABSTRACT

Since the beginning of academic discussions on human occupation in Amazonia there has been a constant disagreement about the continuity of the actual scenario of indigenous populations and their pre-colonial ancestors. From one side or the other, the colonization, its impact among indigenous populations and its impelling effect for the creation and transformation of new social actors was - and still is - a key point for the interpretation of this transition between the pre-colonial Amazonian past and the present. In this paper I attempt to approach what these indicators of continuity would be. Through examples from Amazonian archaeology, anthropology and, more specifically, from an ongoing ethnoarchaeological research among riverine communities of Caviana Island, in the Pará state, Brazil, I approach the conceptions and preconceptions embodied in formulations about continuity between Amazonian past and present.

Keywords: History. Archaeology. Anthropology. Continuity. Amazon. Caviana Island.


 

 

INTRODUÇÃO

Desde o início das discussões acadêmicas sobre a ocupação humana na Amazônia, há um constante embate acerca da continuidade ou não do cenário atual dos povos indígenas e seus antepassados pré-coloniais (Machado, 2005; Neves, 1998, 1999). Pendendo ora para um lado ora para outro, alguns pesquisadores defendem grandes rupturas com o cenário indígena atual, cujas populações, ditas escassas e simples, como inúmeras vezes foram descritas, seriam um reflexo distorcido de um passado glorioso de populações numerosas e politicamente hierarquizadas (Roosevelt, 1991; Neves, 1998). Há, também, olhares menos generosos com o passado pré-colonial, apontando para uma continuidade desse cenário ao longo do tempo, ou seja, o que vemos hoje seria próximo do que tínhamos antes (Meggers, 1996, 1995). Seja de um lado, seja de outro, a colonização, seu impacto entre as populações indígenas e seu efeito impulsionador para a criação e transformação de novos atores sociais, foi - e ainda é - um ponto chave na interpretação da transição entre o passado amazônico pré-colonial e o presente (Heckenberger, 2001). Proponho, neste artigo, analisar quais elementos têm sido utilizados na literatura como indicadores de continuidade ou não dos grupos indígenas do passado nas atividades humanas do presente. Ao levantar seus usos mais recorrentes, pretendo apontar algumas armadilhas epistemológicas e realçar suas implicações.

Antes de avançar, no entanto, é importante refletir sobre o que é continuidade. Sua definição normativa, segundo o dicionário (Larousse Cultural, 1999), é "caráter que é contínuo", sendo contínuo:

1) não dividido na extensão;
2) não interrompido na duração.
1) o que não tem intervalo; 2) caráter de duas coisas em contato, das quais se pode dizer que elas são contíguas, segundo Aristóteles
(Larousse Cultural, 1999).

O uso do termo é comum na arqueologia, no entanto, é importante atentar para seu significado quando o utilizamos para nos referir às unidades sociais e humanas numa escala de longa duração. A que continuidade nos referimos?

Ao tratar de continuidade em arqueologia, normalmente nos remetemos a quatro esferas: à genética, à organização sociopolítica, à demografia e à economia. Tratamos, assim, de inferir uma não interrupção de determinada esfera de ação humana em um dado período. Mas como essa continuidade é atestada? A arqueologia utiliza-se de três fontes de dados principais: etnográficos, históricos e arqueológicos. É, justamente, a escolha das fontes e de como são usadas na interpretação das diversas formas de continuidade que pretendo analisar neste artigo.

 

INTERPRETAÇÕES SOBRE O PASSADO NA CONSTRUÇÃO DA ARQUEOLOGIA AMAZÔNICA

A arqueologia na Amazônia, desde muito cedo, chamou a atenção de pesquisadores, amadores e curiosos pela exuberância estética dos artefatos, associados ao sempre misterioso e, por vezes, romântico olhar sobre a imponente natureza encontrada na região. Florestas secas e alagadas, grandiosas e belas, de onde emerge, mergulhados na terra e na água, uma infinidade de fragmentos e de potes modelados e pintados com motivos que, apesar do estranhamento, remetem diretamente a formas reconhecíveis no mundo animal, natural, e, o que sempre chamou mais atenção, a figuras humanas. Alguns trabalhos se dedicaram a um histórico da arqueologia amazônica e não pretendo refazê-lo. No entanto, para que possa prosseguir com meu argumento, pretendo esboçar apenas alguns comentários sobre três momentos dessa história: o início da arqueologia amazônica no Brasil, por meio dos trabalhos de Curt Nimuendaju (2004); a sua fase de consolidação teórica e metodológica, com os trabalhos de Betty Meggers e Clifford Evans (Meggers, 1996, 1995; Meggers e Evans, 1957); e a fase que poderíamos chamar de amadurecimento crítico, não mais centrada em um ou dois pesquisadores (Guapindaia, 2001; Gomes, 2001; Heckenberger, 2001; Neves, 1999; Oliver, 2001; Pereira, 2001; Petersen et al., 2001; Politis, 1995; Roosevelt, 1991; Schaan, 2004).

Os trabalhos iniciais de Curt Nimuendaju na Amazônia, se, por um lado, podem ser criticados pela a-sistematicidade das escavações e pela formação de coleções para museus europeus, por outro forneceram um arcabouço riquíssimo de materiais para o desenvolvimento de pesquisas posteriores. Mais do que formar coleções, o antropólogo alemão marcou o início da arqueologia amazônica a partir de uma chave analítica ainda em voga atualmente: a interdisciplinaridade. Nimuendaju (2004, 2000) utilizou-se de documentos históricos do período colonial para produzir dados sobre as populações indígenas pré-coloniais, ao mesmo tempo em que realizava uma das primeiras etnografias das populações indígenas e ribeirinhas na região. Conjugava, assim, diversas fontes de análise - etnográfica, histórica e arqueológica - para dar conta de uma trajetória de longa duração. Apesar de seu nome estar sempre presente nos históricos da arqueologia amazônica, apesar de suas memórias terem sido recuperadas recentemente e de seus cadernos de campo terem sido publicados (Nimuendaju, 2004), Nimuendaju é reconhecido mais pelas suas coleções etnográficas e pelo famoso 'mapa histórico' da dispersão dos grupos indígenas (IBGE, 1987), do que como precursor de uma prática interdisciplinar importante teórica e metodologicamente para a arqueologia atual. Possivelmente, um dos motivos desse 'esquecimento' é a ampla difusão do modelo de arqueologia praticado por Meggers e Evans (Meggers, 1995, 1996; Meggers e Evans, 1957) no Brasil entre as décadas de 1950 e 1970. A recusa desses autores em utilizar fontes históricas, por não as considerarem confiáveis, foi reforçada pela ampla utilização de etnografias para traçar paralelos genéricos entre os 'índios da Amazônia' do presente e do passado pré-colonial. Não se tratava de uma analogia de continuidade histórica direta, mas sim da atribuição genérica de permanência de uma 'unidade amazônica' mais geral. Apesar de criticada, como veremos mais adiante, tal visão foi amplamente incorporada e persiste até hoje, arraigada no senso comum, mais como uma atribuição de 'simplicidade' ao passado pré-colonial e também ao presente etnográfico, e como evidência de um tratamento a-histórico das populações indígenas.

Trabalhos como os de Roosevelt (1991) inauguram uma fase posterior, que aqui chamei de amadurecimento crítico da arqueologia amazônica (Guapindaia, 2001; Gomes, 2001; Heckenberger, 2001; Neves, 1999; Oliver, 2001; Pereira, 2001; Petersen et al., 2001; Politis, 1995; Roosevelt, 1991; Schaan, 2004). Seu trabalho abre as portas para uma nova forma de pesquisa na região, que, ao se opor aos modelos deterministas praticados anteriormente, dá espaço para a diversificação e a pluralidade de trabalhos na região. De maneira geral, há uma busca de referenciais históricos, anteriormente deixados de lado, para ilustrar a alta densidade e as formas de hierarquização atribuídas às populações indígenas pré-coloniais a partir de dados e modelos arqueológicos. Exemplos de utilização das fontes históricas podem ser encontrados no uso de dados demográficos para ilustrar dados cronológicos, de profundidade e de extensão de sítios arqueológicos (Gomes, 2001; Guapindaia, 2001; Pereira, 2001; Petersen et al., 2001; Schaan, 2004); na discussão sobre complexidade social, formações sociopolíticas e redes de poder a partir de práticas de manejo ambiental, tais como a construção de aterros (Roosevelt, 1991; Schaan, 2004), de valas (Heckenberger, 2001; Neves, 1999; Petersen et al., 2001) e o manejo dos recursos aquáticos para pesca (Schaan, 2004); de possíveis restrições de acesso a recursos (Neves, 1999; Petersen et al., 2001; Schaan, 2004); da distribuição funerária diferencial como indicador de hierarquia (Guapindaia, 2001; Roosevelt, 1991; Schaan, 2004); ou, ainda, da interpretação de um repertório formal sofisticado e complexo como indicador de prestígio e de diferenciação social (Gomes, 2001; Roosevelt, 1991). Em todos os exemplos citados, os relatos de cronistas e de missionários não foram objeto de análise sistemática ou aprofundada, mas foram usados como exemplos históricos que, de certa maneira, corroboravam as hipóteses apresentadas pelos autores em termos demográficos e sociopolíticos para o período pré-colonial. Sendo utilizados mais como atestados de concordância com relação ao cenário pré-colonial hipotético construído a partir de dados arqueológicos exaustivos, do que como objeto próprio de análise.

Há uma diversificação dos usos da história nesse momento da arqueologia brasileira, no que se refere à problemática amazônica. Por meio desses estudos, podem-se levantar quais fatores tem sido utilizados para apontar ou não uma continuidade entre o passado e o presente: a) formas de organização sociopolítica: não de maneira específica, mas genérica, relacionada às formas de diferenciação social (hierárquica e centralizada) ou às estruturas sociais igualitárias, baseadas em redes de parentesco, idade e gênero; b) padrão de assentamento; c) demografia; e d) antiguidade ou não da ocupação no mesmo local.

Mais recentemente, pode-se perceber algum refinamento na variabilidade de formas possíveis de organizações sociopolíticas nos cenários arqueológicos hipotéticos (Roosevelt, 1991; Schaan, 2004), com sutis diferenças de centralização ou não na política das sociedades estudadas. O que vemos é uma generalização tanto do que seria uma sociedade complexa quanto uma sociedade simples, no passado ou no presente (Machado, 2006). Não há um investimento em especificar as particularidades do funcionamento de cada um dos contextos estudados, mesmo levando em conta a dificuldade de acesso a essa informação em registros arqueológicos. Não se trata de uma crítica, mas sim de ressaltar quais as questões que têm sido colocadas nos trabalhos produzidos atualmente e como podem ser inseridas em um contexto mais amplo de discussão.

Ainda no que chamei de fase de amadurecimento crítico da arqueologia amazônica, trabalhos de etnoarqueologia na região, como os de Heckenberger (2001), Silva (2000), Oliver (2001) e Politis (1995), fazem uso do contexto etnográfico atual para entender, respectivamente, questões como: continuidade sociopolítica 'direta'; modelos interpretativos da relação humanos-objetos por meio da análise de comportamento; e modelos interpretativos da relação humana com o espaço. Não obstante as especificidades, esses trabalhos se voltaram, de uma maneira ou de outra, para a relação particular estabelecida entre o ser humano e a natureza. Por exemplo, através do mapeamento e do estudo da construção de estradas, de valas defensivas e do planejamento do complexo de aldeias em relação aos recursos naturais, como nos trabalhos de Heckenberger (2001) entre os Kuikuro do Alto Xingu; dos significados atribuídos aos processos de transformação da matéria prima em artefatos, seja na forma de potes e cestos, seja na formação da terra preta nas áreas periféricas da aldeia, como nos trabalhos de Silva (2000, 2003) entre os Asurini e os Xikrin do Xingu; ou, ainda, do manejo da floresta por meio do uso diferencial do território, seja entre grupos caçadores coletores, como propõe Politis (1995) entre os Nukak, ou por meio de um processo de mimese da diversidade florestal estudado por Oliver (2001).

Está implícito, aqui, que, apesar das variações regionais e particularidades locais - que se mostram não tanto como formas distintas de organização sociopolítica, mas, de maneira menos problematizada e mais latente nas pesquisas, como diferenciações de fases e de tradições cerâmicas -, há um pressuposto de 'unidade amazônica'. Apesar de pouco explicitado, tal pressuposto une todas as pesquisas macrorregionais sob a categoria de 'arqueologia amazônica', tanto para quem a realiza quanto, e principalmente, como parâmetro para pesquisas realizadas fora da Amazônia. Mas, o que as une: a localização geográfica e o bioma específico ou uma cosmologia compartilhada (Viveiros de Castro, 2002)? Não é o intuito desse trabalho esgotar a questão, que exige um fôlego comparativo e empírico considerável, mas sim averiguar como aquele pressuposto é realizado na prática. Minha hipótese assume que, apesar de genérico e não explicitado, é ele que conduz a noção comum de continuidade entre passado e presente, de uma 'indiandade' amazônica genérica.

 

HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA: "O PASSADO FEITO PRESENTE"

Não tenho grandes pretensões. Acredito ter compreendido os principais valores dos Nuer e sou capaz de apresentar um esboço verdadeiro de sua estrutura social, mas considero, e planejei, este volume, como uma contribuição para a etnologia de uma área determinada, mais do que um estudo sociológico detalhado, e ficarei satisfeito se for aceito nessa qualidade. Existe muito que deixei de ver ou investigar e há, portanto, muitas oportunidades para que outros façam investigações no mesmo campo e entre povos vizinhos. Espero que o façam e que um dia possamos ter registro bastante completo dos sistemas sociais nilotas (Evans-Pritchard, 2005, p. 21).

O trecho extraído da parte final da Introdução da clássica obra de Evans-Pritchard (2005), "Os Nuer", pode nos parecer um convite ao entendimento cumulativo do conhecimento, combustível essencial da ciência. Realmente o é. No entanto, por meio de olhares mais atentos pode-se perceber duas noções subentendidas nesse convite: a noção de estrutura social em 'equilíbrio' e seu estatuto de estabilidade, ou, como diria Leach (1996), em "equilíbrio estável". Ao incitar novos estudos antropológicos entre os sistemas sociais nilotas, Evans- Pritchard não está propondo que se conheça como esses sistemas sociais "irão se comportar" em 'outro' momento em um tempo distinto daquele por ele estudado. E sim, afirmando que tais contribuições seriam úteis para preencher lacunas de conhecimento de um mesmo plano de estrutura social; o que implica dizer que isso poderia ser feito hoje, como sessenta anos depois. O tempo não tece, aqui, os fios da estrutura social. Mas essa noção de estrutura social sem mudanças não é exclusividade de Evans-Pritchard. A história e a antropologia tem muito poucas histórias para contar. É apenas a partir do século XX que vemos a inserção da história nas discussões antropológicas, sendo apenas a partir da década de 1980 que vamos ter, de fato, massa crítica para problematizar o "eterno presente" da antropologia (Sahlins, 1981, 1985; Thomas, 1989; Bensa, 1998; Rosaldo, 1980). Porém, antes de ir além, cabe aqui definir as noções de tempo e de história, conforme utilizado no senso comum ocidental:

Tempo: 1. Noção fundamental concebida como um meio infinito no qual os acontecimentos se sucedem; 2. Medida de duração dos fenômenos; 3. Duração limitada.

História: 1. Conhecimento do passado da humanidade e das sociedades humanas; disciplina que estuda esse passado e procura reconstituí-lo; 2. Em oposição à pré-história, período conhecido principalmente por meio de documentos escritos; 3. O passado da humanidade, a seqüência dos acontecimentos que o constitui, considerados particularmente em seu encadeamento, em sua evolução; 4. Memória de fatos e personagens do passado que a posteridade conserva, espécie de julgamento que parece decorrer de tal seleção (Larousse Cultural, 1999).

 

A partir de tais definições, ressalto algumas diferenças entre elas. Enquanto o tempo não articula ações, apenas as circunscreve como medida de duração, a história carrega uma valoração e agência humana efetiva na seleção e articulação dessas ações. Poderia ir além, trazendo inúmeras questões pertinentes sobre que história está sendo construída e por quem; alguns temas serão abordados mais adiante, outros deixarei para os colegas historiadores. Cabe, aqui, apenas chamar atenção para a diferença entre tais noções para que se possa refletir um pouco sobre a proposta inovadora de Leach (1996), no que se refere ao uso do 'tempo' e da 'história' nas pesquisas antropológicas.

Leach (1996) utilizou fontes históricas e documentais não como suportes para um ensaio comparativo de distintas províncias etnográficas, mas como forma de incorporar a dimensão temporal como necessariamente constituinte da realidade empírica observada no presente. Segundo o autor, "as sociedades reais só existem no tempo e no espaço (...) toda sociedade real é um processo no tempo" (Leach, 1996, p. 69). Se retomarmos a definição esboçada anteriormente de tempo (em oposição à de história), podemos entender tal afirmação como uma proposição acerca do aspecto de transformação inerente a toda e qualquer ação ou fato. Assim, falar de realidade é falar de processo, que é falar de mudança. Chega-se ao cerne da questão levantada por Leach, o caráter intrínseco da mudança nos sistemas sociais.

Distinguindo-se da idéia anteriormente aceita pela comunidade científica, as unidades políticas na região das colinas Kachin apresentavam-se, para Leach, intrinsecamente instáveis, o que o autor pode perceber por meio do uso de registros históricos (dos últimos 130 anos, desde o começo do século XIX). Era, portanto, para o autor, metodologicamente errôneo tratar como tipos independentes as diferentes variedades de sistemas políticos encontrados naquela região. O processo de fragmentação e agregação de pequenas e grandes unidades "não é simples parte do processo de continuidade estrutural; não é apenas um processo que envolve mudança estrutural" (Leach, 1996, p. 70), mas deveria ser considerado como parte de um sistema total mais amplo em contínua mudança.

Pautada nos conceitos básicos de Durkheim (1989), como a predisposição a favor de uma "integração funcional", uma "solidariedade social", uma "uniformidade cultural" ou um "equilíbrio estrutural", a antropologia social inglesa então realizada se centrava em estudos da população em um local particular, sendo as sociedades dissociadas do tempo (Leach, 1996). Não há noção de repetição (que leve em conta, por exemplo, outros estudos da mesma população), o equilíbrio seria sempre e necessariamente estável. A idéia corrente de que "os (...) são agora e para todo sempre" aponta para a existência de uma confusão entre conceitos de equilíbrio e de estabilidade. A descrição de sistema social ("o modo como o sistema social opera") é feita por meio de diferentes partes desse sistema, como formando (necessariamente) um todo coerente. No entanto, "ao contrário, a situação real é, na maioria dos casos, cheia de incongruências; e são precisamente essas incongruências que nos podem propiciar uma compreensão dos processos de mudança social" (Leach, 1996, p. 71).

Partindo, portanto, da premissa de que as sociedades nunca são estáveis e nem estão em equilíbrio constante, Leach dá inteligibilidade ao sistema social Kachin justamente por meio de relação dialética entre formas de poder contraditórias, entre a constante convivência entre modelos teóricos ideais e comportamento empírico, e entre instabilidade e estabilidade. O conceito estático e fechado de estrutura social é implodido para dar vazão às relações mais complexas entre a teoria e a prática nas relações sociais.

"Qualquer teoria sobre a mudança social é uma teoria sobre o processo histórico" (Sigaud, 1996, p. 38). A frase de Sigaud, presente no prefácio da edição brasileira da obra-prima de Leach (1996), abre caminho para a reflexão sobre as consequências da proposta leachiana de estrutura social como processo. O autor retira, ao mesmo tempo, os dois pilares de referência dos estudos antropológicos clássicos: o 'equilíbrio', que permitia uma articulação coerente da estrutura social enquanto forma cultural distinta e 'autônoma', e a 'estabilidade', fator que respaldava a pesquisa etnográfica necessariamente sincrônica com valor de verdade. Em seus lugares instala um campo de incertezas: as incoerências internas e as mudanças temporais. Um quadro imensamente mais complexo e talvez menos 'belo' para alguns olhares. No entanto, ao articular escalas de análise e práxis e de presente e passado, Leach faz uso não só da noção de temporalidade, isto é, circunscreve e limita as ações sociais no tempo, mas também carrega consigo a noção de história. Para Leach, "toda história real é um processo no tempo". Como na passagem de Sigaud, temos aqui uma teoria sobre o 'processo histórico'. Chega-se à história por meio de processos de valoração dos atos no tempo, da manutenção de valores ideais de referência e da inserção de incongruências na práxis, elementos complementares na costura histórica. Construção de uma história é, assim, necessariamente um framework que contém em si negações e afirmações, incongruências entre idéias e práticas.

 

CONTINUIDADE E TRANSFORMAÇÃO: O PASSADO E O PRESENTE ENTRE OS RIBEIRINHOS DE CAVIANA

Uma vez problematizados o uso da história e da mudança na literatura, abro caminho para novamente refletir sobre como lidar com a continuidade. Um dos fatores que me levou a estudar as comunidades ribeirinhas (Machado, 2009a), após uma trajetória de pesquisa arqueológica sobre os processos de formação de montículos artificiais na Amazônia Central (Machado, 2005), foi a vontade de entender o porquê essas populações, muitas vezes, ocupavam as mesmas áreas de sítios arqueológicos. No mesmo sentido, sempre me chamou atenção como as formas de utilização do espaço doméstico apresentavam semelhanças com o que se pode ver no registro arqueológico, apesar de muitas vezes essas formas terem, de maneira geral, padrões de assentamento relativamente urbanizados (no caso das periferias das cidades). Tinha uma constante inquietação sobre uma 'unidade amazônica' associada genericamente ao seu modo de vida como um todo. No entanto, era difícil verbalizar no que consistia essa impressão sem cair na fácil atribuição de uma forte presença indígena na população amazônica em relação aos parâmetros das cidades, onde os traços europeus e africanos são mais comumente visíveis. Ao realizar a primeira etapa de campo etnográfico na foz do Amazonas, essa atribuição 'fácil' de continuidade ruiu aos poucos, frente à necessidade de destrinchar em que, de fato, consistia essa continuidade com os grupos indígenas.

A pesquisa etnoarqueológica atualmente em andamento em Caviana teve início em 2006 com um levantamento etnográfico e arqueológico de toda face sul da ilha (novembro) por meio da coleta de informações orais, censos demográficos locais, entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, prospecção arqueológica oportunística de superfície e observação de sub-superfície exposta (Machado, 2008). A partir dos resultados dessa primeira etapa, selecionei uma comunidade ribeirinha implantada na porção oeste da ilha para realizar o estudo etnográfico.

Tal escolha se deve à relativa concentração de famílias ribeirinhas na área. Os dados que mencionarei em seguida se referem à etnografia realizada entre agosto e setembro de 2008 e podem ser encontrados em maior detalhe em outras publicações (Machado, 2008, 2009a, 2009b).

A ilha Caviana está localizada entre a costa continental do Amapá e a face norte da extensa ilha de Marajó. Banhada, de um lado, pelas águas doces do rio Amazonas e, de outro, pelo oceano Atlântico, essa ilha é intensamente marcada pelo dramático encontro desses dois corpos d´água. Não apenas a presença da chamada pororoca apavora seus moradores, também a rapidez dos processos de sedimentação e de erosão nas margens e no interior dos igarapés transforma a vida dos ribeirinhos diariamente. A construção e manutenção da paisagem são partes indissociáveis da vida ribeirinha. Mas não é apenas esse intenso turbilhão de transformações, que se poderia chamar de 'naturais', que quero discutir. A ilha é dividida entre as grandes fazendas de búfalo na porção leste, onde se encontra a maior parte dos campos naturais parcialmente alagados no inverno, e as habitações dos ribeirinhos sobre os tesos e nas palafitas às margens dos rios na porção oeste, onde se localiza a comunidade sobre a qual tratarei aqui.

Como descrito por diversos autores, a economia ribeirinha é bastante diversificada, baseada em pesca, caça, coleta e no plantio de roças (Adams et al., 2006; Harris, 1998, 2005; Nugent, 1993). Os moradores de Caviana apresentam, no entanto, um diferencial importante: a escassez de roças. Terra preta, mandioca e milho, comuns em quase toda a Amazônia (Oliver, 2001; Petersen et al., 2001), em Caviana tem pouca importância, local onde a extração de produtos da floresta e um intenso manejo das espécies vegetais presentes no entorno de suas casas (Figura 1) assumem o papel principal na subsistência (Machado, 2009a, 2009b). Chamada de 'terreiro', essa área é diariamente trabalhada no verão, por meio da seleção de árvores que devem permanecer e de outras que devem ser cortadas ou podadas. Uma imensa variedade de espécies vegetais é encontrada, todas reconhecidas como úteis pelos moradores. Elas variam de palmeiras como o açaí, o murumuru, o babaçu, o miriti e a pupunha, até uma diversidade de árvores de médio a grande porte, como as cuieiras, castanheiras, urucum e seringueiras. Algumas são árvores frutíferas, outras fornecem madeira e palha para a manutenção de casas, barcos e ferramentas, já outras atraem caça ou simplesmente fornecem boa sombra para a pequena criação.

 

 

De acordo com as entrevistas realizadas em 2008, grande parte dessas plantas já estava presente nos locais quando os atuais moradores chegaram. Eles apenas as mantêm por meio das podas e as protegem de outras plantas. Mas, no terreiro, também são encontradas outras espécies introduzidas pelos moradores. Os canteiros suspensos, estudados anteriormente por Murrieta e WinklerPrins (2003) em outros contextos da Amazônia, aqui assumem um papel importante na seleção das espécies que irão 'povoar' os terreiros, além de sua importância como fontes de remédios, temperos e ornamentos (Figura 2). As mudas de árvores grandes dividem espaço com temperos, remédios e enfeites, que são constantemente alvo de preocupações de suas donas. Após um período de 'experiência' nesses canteiros suspensos feitos pelas mulheres, algumas espécies que efetivamente se desenvolveram vão para o chão do entorno da casa, compondo com as 'plantas antigas' a principal fonte de recursos da família. A introdução de tais espécies no universo doméstico pode ocorrer tanto por meio de presentes de familiares e amigos, como pela coleta na floresta. Se forem aprovadas após os cuidados no canteiro, podem ir para o terreiro e servir de presentes durante as visitas.

 

 

Esse constante manejo modifica intensamente a paisagem do entorno das casas, como os conhecidos homegardens (Murrieta e WinklerPrins, 2003; Murrieta et al., 1999). Esse processo é ainda mais acentuado se levarmos em conta o dinamismo do padrão de assentamento daquelas famílias, decorrentes tanto da transformação intensa e rápida do ecossistema, como as sedimentações e erosões, quanto da construção das casas, as quais, por serem construídas de madeira e palha, tem um tempo de vida curto, de no máximo dez anos. O repetido abandono e a construção de novas áreas criam um mosaico de ilhas manejadas, que são repetidamente usadas como ilhas de recursos, para onde os moradores retornam para retirar frutos, madeira ou outros materiais para sua nova habitação.

O levantamento arqueológico realizado em 2006 (Machado, 2008) e a coleta de informações orais realizada em 2008 indicaram que boa parte dos assentamentos ribeirinhos atuais foi construída sobre ou ao lado de sítios arqueológicos pré-coloniais e históricos (Figura 3). Apesar de não terem sido escavados desde as poucas intervenções de Meggers e Evans, e apesar da depredação de um saqueador, os sítios são passíveis de identificação, pois além de possuírem fragmentos cerâmicos em superfície, a vegetação do entorno apresenta uma concentração de espécies vegetais semelhante àquela encontrada nos terreiros atuais, como, por exemplo, o açaí, a cuieira, a pupunha, o urucum e as castanheiras. Nesse sentido, os sítios arqueológicos também representam ilhas de recursos para a população ribeirinha atual, que frequentemente reocupa os mesmos locais anteriormente ocupados pelos grupos indígenas. Isso pode ser visto na Figura 4, que exemplifica um cemitério histórico, atualmente utilizado pelos ribeirinhos, sobre um sítio arqueológico datado, provavelmente, da época do contato.

 

 

 

 

Há uma continuidade direta no uso desses espaços e na forma de manejo do ecossistema em Caviana? Se estivesse trabalhando com grupos indígenas, essa atribuição de continuidade histórica seria imediata. No entanto, tratando-se de comunidades ribeirinhas, mais comumente conhecidas como caboclas, isto é, um híbrido de populações indígenas, africanas e européias, a atribuição de continuidade não é tão simples.

Retomo minha questão inicial. De que continuidade estamos falando, afinal? Apesar de todas as suas especificidades, não acredito que haja uma diferenciação radical entre os ribeirinhos estudados na ilha de Caviana e aqueles que habitam as margens de outros rios próximos à calha do Amazonas, segundo descrito por diversos autores (Adams et al., 2006; Wagley, 1957; Harris, 1998, 2005), no que se refere à forma de organização social e política, ao padrão de assentamento, à cosmologia etc. Apesar da escassez de roças, a subsistência e a economia permanecem diversificadas e flexíveis (Machado, 2009a, 2009b), característica essencial da economia ribeirinha amazônica.

Não se trata de uma continuidade étnica ou genética entre grupos indígenas. Trata-se de um modo particular de relação com o ambiente. Não me refiro a um determinismo ambiental, e sim a uma profunda forma de interação entre humanos e ambiente (Ingold, 2000), culturalmente transformada (Balée, 1989; Harris, 1998, 2005; Neves, 1999; Oliver, 2001; Politis, 1995; Schaan, 2004), constantemente re-significada (Heckenberger, 2001) e, talvez, amplamente compartilhada entre grupos amazônicos. A continuidade em Caviana está na memória dos ribeirinhos, que não apenas reproduzem formas tecnológicas indígenas e ocidentais enquanto inovam com suas próprias criações (Wagley, 1957; Harris, 1998, 2005), mas criam formas de continuidade por meio de uma relação possivelmente indireta com espaços indígenas anteriores. O que esse exemplo nos ensina é que os fios que tecem essa grande rede amazônica não são sempre os mesmos, mas se entrecruzam continuamente para formar um todo. Reconhecer uma 'indiandade' amazônica genérica pode esconder uma diversidade de processos históricos específicos que a compuseram, também no período pré-colonial.

 

ANTROPOLOGIA, HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

O que se pretende, ao final desse artigo, é problematizar o modelo dicotômico do presente etnográfico indígena com o passado pré-colonial, recuando o olhar para repensar a própria formulação do problema de análise, isto é, em quê está pautado. Não retomo a discussão sobre a veracidade ou não das fontes e nem sobre as formas de utilizá-las nas pesquisas arqueológicas, já que a historiografia responde questões suficientes, se não todas, para suprimir quaisquer dúvidas quanto ao potencial desse acervo documental riquíssimo, mas proponho uma reflexão sobre as concepções e pré-concepções imbuídas na raiz dessas formulações, principalmente no que se refere a dois eixos: qual presente é usado como parâmetro de análise e em que termos pode-se atribuir ou não continuidades, isto é, que continuidade é essa?

O primeiro questionamento faz parte de uma dimensão da teoria antropológica por muito tempo negligenciada, a relação entre sociedades com e sem história, que aqui se apresenta com uma nova face. Enquanto os antropólogos se depararam com essa discussão em trabalhos como os de Leach (1996), Lévi-Strauss (1989), Sahlins (1985), Mintz (1986) e outros, para os arqueólogos, assim como para os historiadores em menor intensidade, a questão da ahistoricidade de algumas sociedades não entrava no foco das discussões, pois, ao lidarem inevitavelmente com uma análise diacrônica do fenômeno social, tal questão não se apresentava como um tema consistente para análise.

Apesar dessa premissa diacrônica de análise estar subjacente a qualquer estudo arqueológico, esse plano de fundo, ou senso comum arqueológico, pode acobertar uma práxis bastante distinta na arqueologia, que foi e vem sendo realizada. Se nos detivermos na leitura dos trabalhos produzidos na arqueologia brasileira como um todo, salvo algumas exceções, podem-se perceber mais elucidações de formas de organização sociopolítica de um dado grupo em um dado momento do que modelos diacrônicos de relações de continuidade ou de transformações inter ou intraculturais. Apesar daquele 'momento', por vezes, refletir-se em um espectro cronológico relativamente estendido, se for mantida a visão etnográfica em mente (uma etapa de campo) esse espectro se refere, por vezes, a variações pouco precisas nos sigmas das datações absolutas e, mesmo em situações distintas, poderia ser substituído por um intervalo de tempo curto, pois não estão sendo enfatizados os processos de transformação ou manutenção em jogo nessa variação temporal, e sim a concepção de um quadro único de realidade hipotética. Mas como isso importa para minha pergunta inicial? Importa para uma reflexão sobre dois aspectos da comparação presente-passado mencionada anteriormente. Se, por um lado, havia um modelo sincrônico de realidade como parâmetro comparativo (o presente etnográfico) para digressões diacrônicas de processos pré-coloniais, o que em si já colocava um problema de analogia, agora existe uma comparação de modelos etnográficos sincrônicos com recortes também sincrônicos não sequenciais de realidades sociais hipotéticas. Que sincronia é essa, também é uma pergunta incômoda, pois o achatamento de momentos em uma dada cena hipotética é inevitável na análise arqueológica. Tal divisão serve de pano de fundo para a questão que quis enfatizar, seja nos relatos etnográficos, seja nos recortes construídos pelos dados arqueológicos. Ao lidar com a analogia de continuidade ou não do passado-presente, deve-se ter clareza de qual tempo está sendo considerado. Que presente é esse de referência e que passado é esse projetado? Os parâmetros etnográficos ora oscilam entre as visões dos cronistas à era dos primeiros contatos, ora entre os viajantes com missões religiosas já estabelecidas, ora com os primeiros estudos etnográficos, ora com estudos etnográficos mais recentes, indistintamente. Não se pode, novamente, atribuir ahistoricidade a esses grupos antes e nem depois do contato. Ou seja, é importante refletir sobre o momento que se está falando na análise, seja por um lado, seja por outro.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao corroborar ou não certa 'continuidade', seja ela demográfica, sociopolítica ou econômica, perde-se a dimensão de 'contínua transformação' das ações no tempo; passamos a falar em 'continuidade' e não mais em pensar em 'continuidades'. Isto é, ao focar a manutenção temporal de um 'todo' (social, político e econômico), perdemos a sua 'trajetória de transformação'. Conforme mencionado, não se pode mais comparar momentos indefinidos, retomando a prática antropológica do 'eterno presente', e sim trazer à tona o tempo e a história, isto é, a incoerência e a transformação inerentes a qualquer estrutura social para o entendimento de nosso recorte de pesquisa. Nas análises diacrônicas, deve-se buscar entender, também, a historicidade inerente àquele dado presente, e não analisá-lo como momento discreto para depois corroborá-lo genericamente com dados históricos de realidades necessariamente distintas.

O exemplo etnoarqueológico exposto acima, mesmo que brevemente, indica uma trajetória humana na construção e transformação da paisagem. O presente etnográfico ali estudado mostra um cenário de reocupações de sítios arqueológicos, a busca de ilhas de recursos e a apropriação de espaços previamente antropizados. Não se trata de uma 'continuidade histórica' no sentido mais usado do termo, mas sim de re-significações do passado que compõem o presente.

Na arqueologia, pode-se buscar a utilização de dados etnográficos e históricos e também arqueológicos, não mais como atestados de concordância ou como formas de corroboração de modelos previamente projetados a partir de dados empíricos, mas sim para entender a historicidade de cada momento analisado. Nessa proposta, a noção de continuidade pode ser dinamizada e flexibilizada nas unidades de análise, que, como nos lembra Leach (1996), não precisam ser internamente coerentes e nem estáticas no seu próprio tempo.

 

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Recebido: 03/02/2009
Aprovado: 10/04/2009