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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas

versión impresa ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Hum. v.4 n.3 Belém dic. 2009

 

CARTA DO EDITOR

 

 

Nelson Sanjad

Editor Científico

 

 

Entre 23 e 27 de novembro de 2009, ocorreu em Águas de Lindóia, São Paulo, o XII Encontro Nacional de Editores Científicos, organizado pela Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC). Nesta edição do evento, o tema que mais mobilizou os editores foram as novas regras de avaliação de periódicos científicos (Qualis) estipuladas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Palestras, painéis e debates foram promovidos com a intenção de nivelar informações e implantar canais de diálogo entre editores e entre estes e representantes da CAPES. Ao longo daquela semana, o que se viu e ouviu foram contundentes críticas de editores à metodologia de avaliação, considerada equivocada e prejudicial às revistas brasileiras, e à falta de transparência da CAPES em decisões tão importantes e de tão grande impacto na comunidade científica quanto a pretensa avaliação de periódicos. Já tratei deste assunto neste mesmo espaço (ver v. 4, n. 1, 2009).

Uma novidade salutar no Encontro foi a organização de fóruns de discussão por área de conhecimento. A intenção dos organizadores foi coletar dados padronizados para elaborar um panorama sobre a situação das revistas brasileiras, sobretudo em suas características editoriais (escopo, missão, idioma, público etc.) e nos problemas que enfrentam no âmbito da infra-estrutura, do apoio financeiro e da indexação. O fórum de Ciências Humanas contou com a participação de 15 editores e de representantes de dezenas de revistas, principalmente gestores de portais de periódicos universitários. No documento final, disponível no sítio da ABEC (www.abecbrasil.org.br), os signatários fazem várias recomendações, algumas das quais reproduzo aqui pela importância para nossa revista: a) a necessidade das instituições mantenedoras de revistas garantirem a infra-estrutura e o financiamento das mesmas (o que se viu, nos últimos anos, foi uma proliferação de revistas sem garantias de financiamento de longo prazo); b) a necessidade das agências de fomento (CNPq, CAPES e FAPs) ampliarem os recursos destinados ao financiamento de revistas, tornarem transparentes os critérios de seleção de periódicos e de distribuição de recursos (por área e dentro de cada área), e estipularem categorias distintas de fomento para periódicos já consolidados e outros em processo de consolidação, evitando-se, assim, a concentração de recursos nas mesmas revistas; c) a necessidade da SciELO ampliar a representação da área de Ciências Humanas em sua coleção, evitando o efeito perverso da reserva de mercado e atuando positivamente e nacionalmente na divulgação de seus critérios de avaliação e seleção; d) a necessidade da CAPES rever seus critérios de avaliação de periódicos, sobretudo os do extrato A, uma vez que pouquíssimas revistas da área de Ciências Humanas figuram no "Journal Citation Reports" e na "Web of Science". Também foi criticada a "não transparência em relação à forma como são construídos os instrumentos avaliativos bem como a inexistência de capacitação, orientação e informação aos editores e equipes editoriais quando os periódicos recebem a avaliação situada no Extrato B, especificando-se em quais aspectos os mesmos não atenderam aos critérios, e quais destes foram alcançados".

Enquanto aguardamos pelo bom senso dos que podem interferir no conflituoso processo de avaliação de periódicos no Brasil, prosseguimos com a tarefa de estimular debates, agregar competências e ampliar o conhecimento em suas várias conexões e tangentes. Este número do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas reúne dez textos em torno do tema "Ciência e Política", sendo sete artigos, uma nota de pesquisa e duas memórias históricas. A maior parte deles foi apresentada no simpósio "O engajamento político dos cientistas na América Latina", coordenado por Heloisa Maria Bertol Domingues (Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCT) e por Antonio Augusto Passos Videira (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), dentro da programação do 11°. Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia (Niterói, RJ, 26 a 29 de outubro de 2008).

Nos artigos que seguem, autores com formação em antropologia, história, filosofia, educação, ciência da informação e física discutem as interações e os conflitos entre campo científico e campo político, mostrando que, ao longo do tempo, as múltiplas influências entre um campo e outro são fundamentais para a institucionalização e o desenvolvimento (ou não) da ciência em vários contextos nacionais; para o equilíbrio (ou não) das relações internacionais; para a elaboração de políticas públicas e marcos regulatórios no âmbito do conhecimento e do patrimônio cultural; para a definição de carreiras científicas e identidades sociais. Independentemente da formação dos autores, dos estudos de caso e da diversidade de abordagens, é evidente o potencial do tema para várias disciplinas e como as Ciências Humanas ganham com o diálogo multidisciplinar.

Na seção "Memória", dois textos abordam a trajetória científica e política de Jacques Huber (1867-1914), botânico suíço, ex-diretor do Museu Goeldi e uma das grandes autoridades nos aspectos taxonómicos, biogeográficos e econômicos da flora amazônica. O primeiro é um ensaio biográfico escrito por Osvaldo Rodrigues da Cunha (Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT), tentativa pioneira de compilar informações sobre a vida e a obra do cientista, publicado originalmente na década de 1980. O segundo, de Anna Raquel de Matos Castro, Nelson Sanjad e Doralice Romeiro (Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT), trata de um momento particular da vida de Huber, a viagem que fez ao Oriente nos anos de 1911 e 1912 para averiguar in loco as plantações de seringueiras financiadas pelos ingleses - e que dois anos depois iriam derrubar a economia amazônica ao inundar o mercado europeu e norte-americano com borracha bem mais barata que a comercializada pelo Brasil.

A iniciativa dos ingleses já foi saudada como exemplo de planejamento, racionalidade e competência, em oposição ao extrativismo amazônico, interpretado como arcaico nas suas estruturas econômicas e relações sociais. As fotografias que acompanham o texto de Castro, Sanjad e Romeiro, pertencentes ao acervo do Arquivo Guilherme de La Penha/Museu Paraense Emílio Goeldi e publicadas pela primeira vez, mostram uma realidade um pouco mais complexa do que a historiografia tem apresentado sobre o assunto. Se, por um lado, razões de ordem estrutural e ecológica impediram o aperfeiçoamento da chamada 'economia da borracha' na Amazônia, por outro, a expansão dessa mesma economia no Oriente, incentivada pelos capitais ingleses, teve como base a devastação das florestas tropicais para a monocultura de hevea, a exploração da mão-de-obra local e o conhecimento científico. O olhar de Huber - que se preocupou com os detalhes de todo o processo de construção e funcionamento de uma rubber tree plantation - foi preciso nos registros da paisagem, do aperfeiçoamento das técnicas de plantio, sangramento, irrigação e adubação, e das condições de trabalho das pessoas contratadas para o serviço, pouco diferentes das condições do seringueiro amazônico, talvez até mesmo piores se atentarmos para a subnutrição, a pobreza e o trabalho infantil registrados por Huber. Basta que o leitor volte à capa desta revista e atente para o pé direito do trabalhador malaio. Se o fizer, verá que o homem mal pisa o chão, pois um dos dedos está gangrenado.

A divulgação desse acervo tem como objetivo incentivar novos estudos sobre o assunto, que questionem, sobretudo, a 'racionalidade' da produção inglesa, e que também demonstrem como o conhecimento científico foi mobilizado pelo capital de maneira a possibilitar as notáveis plantações de seringueiras a milhares de quilômetros da pátria nativa da espécie.

Em sequência, publicamos quatro resenhas bibliográficas, a primeira das quais de autoria de José Augusto Drummond (Universidade de Brasília) sobre a biografia de Henry Alexander Wickham (1846-1928), conhecido por ter evado para a Inglaterra as primeiras sementes de seringueira, em meados do século XIX. Por sua vez, Ana Vilacy Galúcio (Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT) ressalta a importância da documentação das línguas e dos rituais indígenas a partir da divulgação dos registros fonográficos que Theodor Koch-Grünberg (1872-1924) fez no rio Negro, Amazonas. Renan Freitas Pinto (Universidade Federal do Amazonas) destaca as contribuições de recente lançamento sobre a obra e a atuação política de Edgard Roquette-Pinto (1884-1954). Por fim, Maria das Graças Ferraz Bezerra (Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT) resume os principais estudos publicados em obra coletiva sobre a Floresta Nacional de Caxiuanã, Pará.

Agradeço a Heloisa Maria Bertol Domingues pela organização do número, aos autores pelo interesse e empenho no aperfeiçoamento dos textos e à equipe editorial pelo primoroso trabalho que continua realizando. Este número é dedicado a Osvaldo Rodrigues da Cunha, pesquisador titular emérito do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT.

Boa leitura!