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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas

versão impressa ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Hum. v.4 n.3 Belém dez. 2009

 

Ação política e pensamento social em Josué de Castro

 

Political action and social thought in Josué de Castro

 

 

Maria Letícia Galluzzi Bizzo

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Nutrição Josué de Castro. Departamento de Nutrição Social Aplicada. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil (galluzzi@acd.ufrj.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo analisa elementos centrais do pensamento social e da ação política do médico Josué de Castro (1908-1973), entre os anos 1930 e 1950. Objetiva problematizar, na construção de sua ideia de 'fome', categorias cognitivo-sociais presentes, bem como convergências com outros ideários. Foram analisadas fontes primárias - quatro escritos de Castro - e fontes publicadas por autores coetâneos, complementado com levantamento historiográfico e exame de aspectos-chave de sua atuação como deputado e fundador de entidades contra a fome. A trajetória científico-político-intelectual de Castro centrou-se na concepção de 'fome' como fenômeno biológico-social identitário do brasileiro, origem dos males do país e entrave à nacionalidade, demandante de reformas econômico-sociais modernizantes. Na sua obra, há categorias também presentes no conjunto do pensamento social brasileiro, como as de monocultura latifundiária colonialista semifeudal, de Estado irracional e de defesa do público sobre o privado. Entre ideias convergentes com as da nutrição internacional, está a preocupação com a alimentação coletiva sob o aspecto biológico-social. A produção científico-intelectual de Castro tornou-se possível especialmente devido ao cenário de construção do Estado e é marcada por relações do cientista com instituições, poder público e organismos internacionais. Seu engajamento político e social manifesta-se por meio de suas convicções científicas, dando visibilidade à fome como objeto científico-político.

Palavras-chave: Josué de Castro. Pensamento social brasileiro. Fome. Saúde e sociedade. Nutrição. História da nutrição.


ABSTRACT

The paper analyses central points of the social thought and political action of physician Josué de Castro (1908-1973) between 1930 and 1950 decades. It aims to problematize social-cognitive categories present in the construction of his idea of 'hunger', as well as convergences with other thought sets. Analysis of four Castro's publications has been conducted, as well as an analysis of materials published by peer authors, which were supplemented by historiographical reviewing, and examination of key-elements of his career as a deputy and founder of hunger-fighting institutions. Castro's scientific-political-intellectual career has been centered in the idea of 'hunger' as a bio-social phenomenon that identifies the Brazilian condition, is the source of the Brazilian defects, hampers the nationality, and requires modernizing economic-social reforms. Categories detectable in the field of the Brazilian social thought are also present: semi-feudal colonialist latifundiary monoculture, irrational State, and supremacy of the public over the private. Among the ideas in common with international nutrition science, the bio-social concern with public feeding is present. Castro's scientific-intellectual production becomes possible particularly because of the Sate-construction scenery, and is characterized by his relationships with institutions, governing authorities and international organisms. His political and social commitment materializes itself through his scientific ideas, making hunger visible as a scientific-political issue.

Keywords: Josué de Castro. Brazilian social thought. Hunger. Health and society. Nutrition. History of nutrition.


 

 

INTRODUÇÃO

Josué de Castro (1908-1973), médico pernambucano, se constitui em um personagem que, ao longo de sua trajetória como cientista, intelectual e parlamentar, tomou por ponto de partida o saber de sua área de conhecimento específica para atuar, junto a grande parte da intelectualidade brasileira das décadas de 1930 a 1950, na formulação de propostas em torno de um projeto novo de Brasil. Sua obra alcançou repercussão tanto no cenário nacional quanto no internacional, contribuindo, ainda, para a institucionalização científica e política da nutrição no país. No presente trabalho, optou-se por associar ação política e pensamento social e científico na obra de Josué de Castro porque o próprio cientista privilegia essa conjugação ao eleger o problema da fome como um problema de ciência e de política. Sua mobilização intelectual em torno da fome como ação política está caracterizada na produção escrita e nas ações de sua trajetória como deputado federal e membro de entidades de combate à fome no mundo.

Nascido em Recife, em 1908, Josué Apolônio de Castro formou-se médico em 1929, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (Nascimento, 2009). Realizou estágios na Itália, na Argentina e nos Estados Unidos. Foi fundador e primeiro diretor de todos os órgãos públicos brasileiros voltados para a questão alimentar: Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS, criado em 1940), Serviço Técnico de Alimentação Nacional (1942), Instituto de Tecnologia Alimentar (1944) e Comissão Nacional de Alimentação (1945). Professor nas áreas de medicina, geografia humana, antropologia e nutrição, lecionou na Faculdade de Medicina e na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais do Recife, na Universidade do Distrito Federal e na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Em 1946, criou e dirigiu o Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil (INUB), entidade de ensino e pesquisa responsável pelos "Arquivos Brasileiros de Nutrição", primeiro periódico científico nacional da área. No período Vargas, foi vice-presidente da Comissão Nacional de Política Agrária. Entre 1954 e 1962, foi deputado federal por Pernambuco, pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Membro, a partir de 1947, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), exerceu, entre 1952 e 1956, a presidência do Conselho Executivo daquele órgão. Foi embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas, em Genebra, de 1962 a 1964. Publicou diversas obras, contribuiu para jornais científicos e de divulgação científica, manteve intensa interlocução com cientistas, intelectuais e políticos de diversas partes do mundo e recebeu vários prêmios de mérito literário, científico e humanitário. Cassado pelo regime militar em abril de 1964, passou a residir e lecionar em Paris, onde faleceu em 1973 (Nascimento, 2009).

Castro exerceu, ao longo de sua trajetória, uma ação política de mobilização intelectual pautada, em seus escritos e atuação pública, pela problematização da fome como objeto que explicitava a imbricação ciência-política através de sua interpretação como uma questão biológica de causas estruturais. Por meio de uma alentada produção escrita, de sua atuação como cientista e educador, de sua trajetória como fundador e dirigente de órgãos públicos de nutrição, bem como ao longo dos mandatos parlamentares que exerceu, Castro, a partir desse núcleo discursivo de politização da fome, defendeu uma posição de ação social pragmática por parte da Intelligentsia, tendo em vista uma reconstrução nacional que tirasse o Brasil da condição de sub-nação.

Exercendo o triplo papel de homem de ciência, intelectual e membro da burocracia estatal, Castro tipifica, em sua trajetória, como as relações entre o campo intelectual, a academia e as instâncias do poder configuram a posição que ocupa o cientista na sociedade, e a dinâmica das singularidades de sua época; é a partir desse lugar que o cientista produz uma obra que repercute, sendo considerada por alguns como o ponto inaugural do discurso sobre fome no Brasil (Coutinho e Lucatelli, 2006).

 

ESTUDOS SOBRE A OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

A posição reformista-progressista de Castro é analisada por alguns autores. Para Guerreiro Ramos (1983), ele é um reformista pragmático-crítico, em virtude de sua identificação com o elemento nacional e sensibilidade para com o contexto. Segundo Robert Levine (1978), Castro pertenceria a um grupo de médicos e intelectuais pernambucanos progressistas que se formara desde a década de 1920 no Recife. Levine, assim como André Vieira de Campos (2006), aponta a posição de Castro como partidário do sanitarismo desenvolvimentista, corrente fortemente marcada por um ideário nacionalista e que considerava que a saúde da população dependia do nível de desenvolvimento econômico, o que requereria transformações econômicas e sociais que solucionariam os problemas econômicos e propiciariam melhor distribuição das riquezas, como pré-requisito à saúde (Campos, 2006, p. 260). Essas características permeiam um momento científico no qual se redefinem ideias que se voltam para a relação homem/meio, reconfigurando objetos de análise e métodos, na direção da definição de um domínio de racionalidade para a nutrição, expresso na aproximação entre biologia e sociologia. Nesse sentido, a interlocução entre nutrição e reformas guardaria um paralelismo com tendências científicas e políticas a respeito, nacionais e internacionais, que a 'nova ciência da nutrição' faria inscrever, no plano interno, na história da saúde no Brasil, nelas incluídas as ideias de Castro, ao recomendar ações de promoção de uma alimentação racional para o povo como condição vinculada à construção da identidade e do Estado nacionais e da modernidade.

A obra de Castro já foi bastante estudada em trabalhos tanto de cunho mais memorialístico (Batista Filho, 2008) quanto científico. Dentre estes, há estudos na área de geografia (Carvalho, 2007), investigações relacionadas com a produção agrícola (Abramovay, 1996), pesquisas de caráter linguístico (Melo Filho, 2003) e estudos histórico-sociológicos do pensamento de Castro (Cardoso, 2008) - nos quais se incluem, por exemplo, pesquisas oferecendo uma visão panorâmica das ideias de Castro, ressaltando seu caráter de crítica social (Nascimento, 2006), e investigações apontando seu ideário como fundado na transformação da sociedade pela conjugação de valores moral-humanitários e dietéticos em prol do desenvolvimento econômico e social, mediante satisfação de condições alimentares e sociais (Lima, 2009).

Na obra de Castro, a fome constitui um recurso político e intelectual utilizado como ferramenta para compreender uma determinada realidade e intervir sobre ela. Eronides da Silva Lima (1997), em um estudo cujo objetivo principal consistiu na investigação da gênese e constituição do campo da educação alimentar no Brasil, considera que o "surgimento da ciência da nutrição" no país se dá no intervalo de 1934-1939, período no qual estaria se conformando e organizando o grupo intelectual responsável por sua configuração, no qual Castro já apresentava uma produção dentro do escopo do que seriam as bases de afirmação da individualidade dessa 'nova ciência'. Ela considera que as ideias desse médico afinavam-se com as do pensamento do movimento médico-sanitário1, e destaca como pioneira sua eleição da fome/sub-alimentação como problema social significativo e principal objeto dos estudos científicos na nutrição do período (Lima, 1997, p. 149). Segundo a autora, entre os motivos que teriam estimulado a produção inicial de conhecimento sobre alimentação no Brasil - nela incluída a de Castro - estaria a marcante influência do pensamento médico do argentino Pedro Escudero2; como esse médico tinha uma visão econômico-social da fome, esse tipo de influência teria sido comunicada para a incipiente nutrição brasileira. Embora a fisiologia tivesse consistido no ponto de partida para a configuração da 'ciência da nutrição', segundo a autora, nessa fase da produção científica as condições sociais teriam tido grande peso no conhecimento produzido (Lima, 1997, p. 155). No período de 1940 a 1946, segundo Lima, a produção dos autores brasileiros dedicados à nutrição teria ganhado maior sistematização, e Castro manteria as linhas argumentativas anteriormente eleitas.

Para Rosana Magalhães (1997), que se debruçou sobre o percurso das ideias de fome na obra de Josué de Castro, foi relevante o exercício do pensamento social por esse médico, salientando-se que, desde a década de 1930, seus trabalhos enfatizavam o tema da identidade nacional, ao mesmo tempo, defendendo a tese de que o mal do Brasil era o problema alimentar, e não as questões afeitas ao clima ou à raça. Os efeitos deletérios que Castro atribuía ao sistema de latifúndio monocultor, segundo a autora, igualmente achavam-se presentes desde então. Nas décadas de 1940-1950, a proximidade das inclinações intelectuais de Castro com o sanitarismo desenvolvimentista seria mais evidente. O aspecto ao qual a autora atribui maior destaque na trajetória das ideias de Castro, produzidas antes e ao longo de sua atuação à frente das primeiras instâncias oficiais de nutrição criadas no país, reside no enfoque biológico-social, multidisciplinar, usado por ele no processo de construção da ideia de fome. No entanto, diferentemente de Lima (1997), ela liga essa tendência não ao diálogo com a obra de Pedro Escudero, mas à formação de Castro (médico, geógrafo, sociólogo), a qual teria propiciado um entrecruzar de saberes e a superação de uma visão mecanicista.

Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos (2001a), ao estudar a formação do campo da nutrição em saúde pública em Pernambuco, aponta o papel que os médicos nutrólogos, entre eles Castro, tiveram nos estudos e debates sobre a fome, na formulação das primeiras intervenções governamentais no setor alimentar e na criação dos primeiros cursos de nutrição; além desse protagonismo institucional, salienta a importância da prática do pensamento social sobre alimentação como questão coletiva para a conformação do campo da nutrição no Brasil. Em outro trabalho, o mesmo autor defende a posição de que, ao finalizar sua primeira obra de peso, o inquérito de 1932 sobre as consequências da insuficiência energética da dieta da classe operária do Recife, Castro afirma a "tese do mal de fome e não de raça" como uma forma de interlocução com os cientistas de outros campos disciplinares que se deslocavam do biológico, alguns indo para o cultural, em relação às teses de 'meio' e de 'raça', sobre o povo brasileiro (Vasconcelos, 2001b).

Lúcia Lippi Oliveira (2007) ressalta o empenho de intelectuais brasileiros, na década de 1950, na construção de propostas para o Brasil, que buscavam uma dissociação em relação ao passado, e um futuro de superação de estruturas econômicas coloniais e dependentes, as quais dificultavam o desenvolvimento do país - entre elas, o latifúndio e o abandono do interior. Nesse escopo, confere papel de destaque ao livro de Josué de Castro, "Geografia da Fome" (1946), como marco dessa temática, ao denunciar nas esferas nacional e internacional o delicado e perigoso fenômeno da fome e os males dele decorrentes, e salienta também a importância de "Geopolítica da Fome", de 1951. Ao sublinhar a ideia de fome em Castro como uma expressão biológica de males sociológicos ligados a distorções econômicas - a estrutura agrária feudal, o regime de posse da terra, as iníquas relações de trabalho -, que teriam conduzido a um mal aproveitamento das potencialidades de riqueza de uso do solo, salienta que a ênfase em tais distorções contribui para a conformação de uma teoria explicativa da pobreza, da miséria e do subdesenvolvimento, que redundaria na defesa da reforma agrária. As considerações da autora no sentido de caracterizar os fundamentos básicos do pensamento social de Castro permitem melhor compreensão sobre como as ideias do médico vão incorporando uma profunda reflexão sobre o Brasil, sobre as causas do problema alimentar brasileiro, sobre seu futuro e sobre suas possibilidades de desenvolvimento, assim configurando um projeto para a nação.

Como se vê, decorridos mais de 30 anos do falecimento do cientista, o perfil e as ideias de Castro sob o eixo político-social vêm se mantendo como objeto de interesse, sendo ressaltada a relevância de sua contribuição não apenas para a área de conhecimento específico que integrava, mas para o acervo intelectual dos que se debruçaram sobre a tarefa de analisar o Brasil e propor caminhos para sua melhoria. A tônica principal desses estudos tem residido no caráter reformista das ideias e da atuação de Castro, as quais, em sintonia com correntes de pensamento que se sucedem no cenário científico-político, vão tecendo intercessões com as repercussões do movimento sanitarista brasileiro, com uma racionalidade nacionalista e com o desenvolvimentismo, pregando a transformação econômico-social a partir de uma interpretação biológico-social que fundamenta e dá visibilidade à politização da fome como meio de superação de permanências colonialistas e desigualdades que vitimizam o brasileiro. Ao trazerem ao debate tais ideias, esses estudos ensejam a oportunidade de se aprofundar determinadas facetas do pensamento de Castro - seja seu conteúdo em termos de representações dadas à fome como um processo que se explica em causas, consequências e soluções para o âmbito nacional -, seja sua conexão com as práticas de Castro enquanto homem público, sejam os pontos de contato desse ideário com outros.

 

PENSAMENTO SOCIAL DE CASTRO

A obra do médico pernambucano principia em 1932 com a publicação de "O Problema da Alimentação no Brasil: seu Estudo Fisiológico", derivado da tese de livre-docência em fisiologia que apresentara à Faculdade de Medicina do Recife. Livro no qual afirma que "o problema da alimentação é, sob qualquer aspecto, um problema de fisiologia aplicada", sendo "o conhecimento de seu mecanismo fisiológico (...) a base indispensável ao médico, ao higienista e ao sociólogo, para que procedam com segurança e critério científico ao aconselhar, prescrever ou criticar as várias formas de alimentação humana" (Castro, 1939, p. 145), caracteriza-se por uma ênfase fisiológica que será sucedida por um debate sociológico muito mais acentuado nas obras seguintes. Quanto à inclinação humanística e para o ensaísmo, estava, de certa forma, sinalizada desde seu interesse de recém-formado pela psiquiatria, considerada por ele uma via pela qual poderia reunir medicina e literatura, interesse logo desviado em virtude da aquisição de um aparelho de mensuração calorimétrica que permitia o estudo do metabolismo basal e que, assim, aproximá-lo-ia da nutrição3.

Tendo em vista a extensa produção científico-intelectual de Castro e sua trajetória de homem público, para fins da presente análise, fez-se necessário estabelecer um recorte que evidenciasse, de forma representativa, ideias-chave e características principais dessa atuação pública. Assim, em termos de publicações, são abordadas ideias de duas obras da década de 1930 - "Condições de Vida das Classes Operárias do Recife" e 'Alimentação e Raça", ambas de 1935 - e uma publicação da década de 1940 - o texto "O problema da alimentação no Brasil de após-guerra", de 1945 -, que caracterizam sua definitiva incursão no pensamento social e político, até a publicação, em 1946, do clássico "Geografia da Fome", também incluído na análise. Se livros escritos pelo autor na década de 1930 exibem marcos conceituais e teóricos que estariam presentes em toda a sua obra de pensamento social e político, é preciso ressaltar que diversos dos escritos de Castro não enfocados aqui, em linhas gerais, apresentam as mesmas principais ideias-força ora evidenciadas4. Além dessa caracterização de ideias, alguns aspectos significativos de sua atuação parlamentar e de suas ações em iniciativas próprias de combate à fome são sublinhadas, tendo em vista a caracterização da ponte estabelecida entre seu ideário e suas ações em torno do tema da fome como via de compreensão e de proposições de intervenção no Brasil.

Em "As condições de vida das classes operárias no Recife" (Castro, 1935a), publicação que traz os resultados de inquérito que realizou junto a 500 famílias de trabalhadores, em 1932, estão presentes, em grau diverso, distintas ideias-força que mais tarde seriam tomadas para tipificar o pensamento do autor. Nesse livro, Castro realiza um esforço interpretativo do Brasil para além das fronteiras do tema da alimentação, estendendo-se a análises sociológicas não adstritas à questão alimentar, as quais procuram consubstanciar um diagnóstico da sociedade e do Estado (p. 10), inclusive estabelecendo alguns pontos de diálogo com a tradição do pensamento social e político brasileiro. O médico pernambucano expressa o entendimento de que bases biológicas podem servir como racionalidade de cálculo acerca das potencialidades nacionais - particularmente, caracteres biológicos gerais e índices antropométricos e biométricos -, os quais resultariam do estado de nutrição do organismo. A partir desses dados, poder-se-iam estimar fatores como as possibilidades econômicas e de evolução social do país (p. 9). Nesse escopo, entende que a alimentação insuficiente do brasileiro é determinada por causas sociais e econômicas (p. 21), e que a fome no país é uma permanência histórica ligada a fatores que exibem uma continuidade temporal (p. 8). Com uma visão apocalíptica do problema, considera que a persistência da má alimentação do brasileiro pode se precipitar na aniquilação do povo ou do país (p. 9). Para ele, a fome é um fenômeno coletivo, o que redundaria nas seguintes implicações: as causas da fome não são de ordem pontual, mas geral e de raízes estruturais, sendo a pobreza a principal; por ser a fome coletiva, as consequências que acarreta também o são -por exemplo, a baixa produtividade do faminto ocasiona baixa produtividade do país; a esfera de enfrentamento da questão não deve situar-se no nível individual, mas em prevenção e soluções políticas que abranjam a coletividade (p. 8). Nesse sentido, as fragilidades do país e a baixa vitalidade do povo seriam explicadas não mais por defeitos raciais e determinismos climáticos, mas pela má alimentação (p. 7). Garantir alimentação condigna a todos os brasileiros seria uma premissa não apenas biológica, como moral (p. 9). Nessa linha, além de valorizar o homem, Castro valoriza os alimentos regionais particularmente nutritivos, especialmente para o combate a carências nutricionais, tanto da região quanto do país (p. 8). A situação de fome na qual o Brasil sempre esteve mergulhado teria forte conexão com uma contumaz omissão ou incúria do Estado no trato da questão, fosse pela inação no estabelecimento de políticas públicas, fosse pela condução de soluções apenas parciais ou emergenciais, ou pela proteção a interesses privados que prejudicariam o interesse da alimentação da coletividade (p. 21), elementos que conduziriam Castro a preconizar mudanças e pragmatismo nas ações de Estado, visando a acelerar e otimizar a solução do problema (p. 5).

O outro livro do autor, do mesmo ano de 1935, "Alimentação e Raça", além de reproduzir não apenas os resultados do aludido inquérito entre famílias operárias da cidade do Recife, como diversas das conclusões derivadas do estudo, aprofunda aspectos da questão da fome como condição biológico-social. Está presente a explicação dos problemas de saúde do país pela fome (Castro, 1935b, p. 90), como também a afirmação das causas sociais e econômicas da má alimentação, localizadas, por exemplo, nos salários miseráveis dos trabalhadores, insuficientes para o consumo alimentar adequado de suas famílias (p. 18). Outra ideia exibida é a de irracionalidade e falta de impessoalidade do Estado (p. 23). Um aspecto estrutural abordado, e que se conformaria como uma ideia constante no discurso do autor, é o do latifúndio monocultor semifeudal de origem colonial, que, historicamente, dificultaria a produção e disponibilidade de alimentos a amplas camadas da população. Assim, ele explica, por exemplo, a ingestão de terra observada na época da escravatura: "E, no entanto, esses pobres moleques caluniados, e os anêmicos senhorzinhos brancos, quando comiam seus bolãozinhos de barro, estavam apenas a corrigir instintivamente a alimentação incompleta que a monocultura da cana-de-açúcar impunha às populações dos engenhos" (p. 43). Também está presente a noção de que a fome é o problema número um, o mais terrível dos males a flagelar a população brasileira (p. 104). O brasileiro é interpretado como abandonado pelo Estado e pelos estamentos economicamente superiores. Mencionando as classes operárias que estudara em 1932, Castro utiliza-se da imagem de que comer tão pouco era o mesmo que morrer de fome (p. 102), e acrescenta que esta seria uma forma de assassinato "legal" do proletário (p. 91). Nessa mesma linha, está ainda presente a visão de aniquilação do povo, de que a subalimentação permanente da população a estaria destruindo (p. 104). A ideia de aniquilação conecta­se à de entrave à formação da nacionalidade, interpretação aprofundada pelo autor anos após, na linha da ausência de povo, em sentido político, na formação histórica brasileira e na participação nos destinos da nação (Castro, 1965, p. 46).

Em 1945, em conferência que profere junto ao "Congresso Brasileiro dos Problemas Médico-Sociais de Após-Guerra", intitulada "O problema da alimentação no Brasil de após-guerra", seu discurso continua claramente conectado a ideias de diagnóstico e construção nacional e de prescrições ao Estado. Em sua fala, Castro procura explicitar a premissa de missão intelectual. Define a época em questão como um momento de desafogo, no qual a intelectualidade, após longo período, estaria livre de amarras que antes oprimiam sua ação social. Estaria nas mãos das elites intelectuais a tarefa de interpretar o país em termos de sua formação, evolução, potencialidades e defeitos, nos diferentes setores da vida nacional. Os médicos ali presentes, entendidos como membros dessa intelectualidade, deveriam contribuir para a reconstrução nacional, que Castro vislumbrava, em função da experiência de homens de ciência e de ação social (Castro, 1945, p. 776).

Há, ainda, alguns trechos de redação idênticos aos das conclusões de "Geografia da Fome", livro por ser lançado, e Castro apresenta um resumo descritivo do mapa da fome que constaria no livro. O pernambucano sublinha a importância de se melhorar a alimentação coletiva, para se melhorar a nacionalidade e o país (p. 807). Em anos posteriores, essa ideia estaria associada, em sua obra, à do desenvolvimentismo, sob o signo de ciclo vicioso entre subnutrição e subdesenvolvimento (Castro, 1958). A melhoria das condições alimentares - e, portanto, do país - só poderia ocorrer satisfatoriamente, contudo, sob bases racionais, guiadas pela ciência (Castro, 1945, p. 801-802). Quanto a isso, Castro situa a ideia de uma tensão ciência-política na resolução dos problemas do país, segundo a qual a aplicação da ciência em prol do interesse coletivo sofreria antagonismo por parte de interesses econômicos de minorias dominantes (p. 781). A partir desse pressuposto, explica como condições conjunturais determinadas - no caso, a necessidade de correta alimentação de tropas e de civis durante a guerra - haviam oferecido um meio no qual se tornou possível um espaço para manobras de institucionalização científica para a nutrição (p. 783). De fato, é a partir do encontro daquelas condições com a modernização do Estado brasileiro que a criação de distintos órgãos brasileiros de nutrição tem lugar, todos eles inicialmente dirigidos por Castro.

No interior do discurso de Castro está a defesa do ensino e da pesquisa como elementos de institucionalização científica. O INUB, que pretendia ver criado, só seria fundado no ano seguinte. Assim, Castro pleiteia que, como requisito para que sejam implementadas políticas, são necessários recursos para pesquisa prévia (p. 803); e defende a criação, nas faculdades de medicina, química e engenharia, de cadeiras de nutrição, de tecnologia alimentar e de indústrias de alimentação (p. 808). Ainda em sua fala naquele congresso, ele assinala alguns problemas enfrentados em sua trajetória de responsável por órgãos de nutrição ligados ao governo, iniciada em 1940. Referindo-se ao Serviço Técnico da Alimentação Nacional, criado em 1942, menciona que diversos obstáculos prejudicaram o cumprimento dos objetivos do órgão em termos de mobilização econômica no setor de alimentação, destacando a falta de integração entre outros órgãos administrativos; pretendia-se, durante a guerra, segundo ele, a redução da exportação de certos alimentos, o que não se logrou, e Castro avalia que faltou ao serviço que dirigia uma autoridade administrativa muito maior. Acrescenta que havia problemas de alta premência a serem solucionados, dificultando a efetivação de programas de mais largo alcance - justamente aqueles em que ele acreditava restar a solução definitiva. Para o médico pernambucano, não havia clima propício à implantação das medidas mais radicais que solucionariam definitivamente o problema alimentar (p. 800-801). Na mesma linha, lamenta o rumo tomado por outra instituição por ele idealizada e inicialmente dirigida, o SAPS, agora afastado da ênfase que para ele almejara em termos de ensino/pesquisa e educação popular, passando a ser, segundo ele, objeto de exploração demagógica por parte de políticos (p. 799).

Nas soluções que idealizava, Castro entendia caber um papel ao setor produtivo e à indústria ligada à produção de alimentos; imaginava incorporá-los, pela cooperação - ou, se preciso, pela coerção, em determinados aspectos que entendia de interesse público - aos planos de correção da alimentação pública, associando-os aos interesses ligados à saúde pública (p. 806). A produção agrícola deveria ser planejada visando, antes de tudo, às necessidades alimentares da população, e acima dos interesses particulares dos produtores (p. 808).

"Geografia da Fome", publicado em 1946, lança a ideia de que todo o Brasil está sob condição de fome, seja ela aberta (os casos de magreza, de nítida desnutrição) ou "frustra" (deficiências calóricas, vitamínicas e minerais, por vezes indetectáveis ao exame visual). Variavam, portanto, grau e tipo de fome, mas a incidência seria nacional. É reafirmada a identidade de Brasil como país faminto, tendo por consequência prejuízos à organização social e à qualidade do povo (Castro, 1946, p. 244). Essa inferiorização da população seria culpa exclusiva da estrutura econômico-social (p. 254). Na interpretação de Castro, a reação do povo à fome poderia se tipificar por dois tipos de comportamento: um deles, a apatia; o outro, a "explosão desordenada de rebeldias improdutivas, verdadeiras crises de nervos de populações neurastênicas e avitaminadas" (p. 250). O autor procura, ainda, salientar a fome como elemento de entrave à construção nacional, por dificultar a integração econômica (p. 249), e faz coro com a corrente que interpreta o brasileiro como solitário e desamparado na imensidão do território (p. 254).

Sublinhando uma vez mais a ideia de fome como expressão social (p. 245), chama à responsabilidade não apenas as classes dirigentes e produtivas, mas também os intelectuais, para que voltem suas atenções para a questão (p. 251). Conjugando a interpretação do meio físico com as condições histórico-sociais, elabora uma análise sociológica da fome no Brasil:

A fome no Brasil é consequência, antes de tudo, de seu passado histórico, com os seus grupos humanos sempre em luta e quase nunca em harmonia com os quadros naturais. Luta, em certos casos, provocada e por culpa, portanto, da agressividade do meio, que iniciou abertamente as hostilidades, mas quase sempre por inabilidade do elemento colonizador, indiferente a tudo que não significasse vantagem direta e imediata para os seus planos de aventura mercantil. Aventura desdobrada em ciclos sucessivos de economia destrutiva ou, pelo menos, desequilibrante da saúde econômica da nação: o do pau-brasil, o da cana-de-açúcar, o da caça ao índio, o da mineração, o da "lavoura nômade", do café, o da extração da borracha e, finalmente, o da industrialização artificial baseada no ficcionismo das barreiras alfandegárias e no regime de inflação. É sempre o mesmo espírito aventureiro se iniciando, impulsionando mas, logo a seguir, corrompendo os processos de criação de riqueza no país. É o "fique rico" tão agudamente estigmatizado por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, a impaciência nacional do lucro turvando a consciência dos empreendedores e levando-os a matar sempre todas as suas "galinhas de ovos de ouro". Todas as possibilidades de riqueza que a terra trazia em seu bojo (Castro, 1946, p. 245-246).

O Estado como inepto e a sobreposição de interesses privados aos públicos são ideias mostradas de forma conjugada. Castro situa o desajustamento econômico e social como fruto da incapacidade do Estado para servir de poder equilibrante entre interesses privados e públicos, desde a colonização, prejudicando por esse meio a organização social da nacionalidade. Denuncia o mau uso da força política por parte desse Estado, seja em sua fraqueza diante dos senhores de terras, que não se curvam a regulamentos oficiais, seja, por outro lado, em excessos do poder central na retirada abusiva de receitas e direitos das unidades regionais, sem contrapartida (p. 246-247).

Critica a República pela má condução do processo de urbanização, que teria acentuado o problema de produção de alimentos por meio da migração populacional e do desequilíbrio entre apoio à indústria e à agricultura. Acrescenta que, após quatro séculos de aposto de Brasil como país agrícola, somente 2% das terras estariam cultivadas de forma útil, e apenas a terça parte destas para produção de alimentos (p. 247). Avalia nos seguintes termos o país: "o Brasil, como país de tipo semi-colonial, à base de processos agrícolas arcaicos e de manifesta tendência à monocultura latifundiária, apresenta um coeficiente de produção alimentar muito abaixo das necessidades biológicas de suas populações" (p. 249). Com base nessas ideias, Castro defenderia, ao longo de toda a sua trajetória intelectual, o estabelecimento de políticas alimentares e de uma reforma agrária no país (p. 251).

 

ATUAÇÃO PARLAMENTAR

A partir da publicação de "Perfis Parlamentares - Josué de Castro" (Melo e Neves, 2007), editada por iniciativa da Câmara dos Deputados, a qual reúne não apenas conteúdo descritivo da atuação de Castro, como também transcrições de pronunciamentos do autor naquela instituição, é possível destacar algumas características de sua ação como parlamentar, bem como elementos adicionais sobre suas ideias. Josué da Castro via-se como um liberal progressista, parlamentarista, não marxista; e considerava a direita brasileira interessada na manutenção da estrutura, a esquerda desorganizada e o centro um amorfo que fazia concessões aos dois extremos (p. 60). A convite do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ele se candidata a deputado federal, pela primeira vez, em 1950 (Campos, 2004, p. 251). Apesar dos quase cinco mil votos, não consegue se eleger (Melo e Neves, 2007, p. 54). Em 1954, novamente se candidata, desta feita estabelecendo comitês descentralizados de campanha em Recife e no interior, e assumindo compromisso com as causas operárias. Com apoio unânime dos 51 sindicatos pernambucanos de trabalhadores, divide o palanque com Francisco Julião, advogado e deputado estadual, ativista pela reforma agrária que lideraria as Ligas Camponesas, associação de trabalhadores rurais nascida em 1955, em Pernambuco, que alçaria amplitude nacional na defesa da reforma agrária e da posse de terra ao pequeno proprietário (Melo e Neves, 2007, p. 57). Castro elege-se com 14 mil votos; no segundo mandato - eleições de 1958 -, sob apoio de uma frente que englobava de empresários a comunistas contra o Partido Social Democrático, contando, ainda, com o apoio de movimentos operários, Castro eleger-se-ia o deputado federal até então mais votado do Nordeste (p. 64). O cientista marcaria a atuação em seus mandatos pela aproximação aos interesses populares e dos sindicatos operários, apoiando políticos dessa mesma linha, como Pelópidas Silveira, que estava à frente da prefeitura de Recife. Quando, posteriormente, Cid Sampaio, tendo por vice Silveira, governava Pernambuco, concretizou-se, após desapropriação aprovada na Assembleia Legislativa com ativa participação de Castro, a concessão a camponeses da posse da terra do Engenho Galileia; em 1955, logo após Castro deixar seu cargo na FAO, esse organismo internacional patrocinaria o I Congresso de Camponeses de Pernambuco, durante o qual três mil delegados camponeses desfilariam em passeata pelas ruas de Recife (p. 61).

Nota-se que, ao longo de sua atuação política, Castro mantém uma linha de coerência com sua obra escrita, inclusive na denúncia de interesses pessoais contrários aos coletivos e nas propostas de políticas públicas e de reformas. Além da atuação na Câmara, participa de comícios e passeatas e realiza conferências (p. 63). Não obtém a aprovação de seus projetos de reforma agrária ampla, de indenização pelo valor histórico e não venal de terras desapropriadas, e de obrigatoriedade de terras para agricultura de subsistência, mas manifesta-se favoravelmente ao intervencionismo estatal em casos de interesse da alimentação nacional, vota a favor da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito de 1957 sobre o SAPS que ele próprio criara, e condena manobras contra a posse de João Goulart; participa da Frente Parlamentar Nacionalista e da Frente Parlamentar do Nordeste; em termos de institucionalização científica, apresenta, em 1957, projeto de regularização da profissão de nutricionista, não aprovado, e apoia a criação da Universidade de Brasília (p. 84-175). Em seus discursos, critica o tipo de desenvolvimento levado a cabo no governo de Juscelino Kubitschek - limitado ao Sul, ao setor industrial e em detrimento do agrícola, e que agravaria a fome; posiciona-se contra as armas atômicas; apoia a revolução cubana; e critica o "imperialismo norte-americano" e a Aliança para o Progresso (p. 176).

Em 1962, sua trajetória parlamentar é interrompida durante seu segundo mandato, em face da designação recebida para representar o Brasil junto à Organização das Nações Unidas. Anos mais tarde, avaliando o período em que estivera no parlamento, Castro externa sua decepção com a falta de espírito público que lá testemunhara (p. 82).

 

AÇÃO INTERNACIONAL CONTRA A FOME

O cientista viria a aplicar parte do Prêmio Internacional da Paz, que recebera em 1955 do Conselho Mundial da Paz (instituição internacional dita suprapartidária, criada em 1949 com a missão de lutar pela paz), para fundar, dois anos após, a Associação Mundial de Luta contra a Fome (ASCOFAM), objetivando incentivar, propor e/ou implementar pesquisas e ações contra a fome no mundo (Castro, 1960). A ASCOFAM contava com uma seção coordenada por Henri Antoine Groués - conhecido como abade Pierre, religioso que durante a II Guerra Mundial ajudara a transportar refugiados judeus para a Suíça e, em fins dos anos 1940, fundara a comunidade de Emaús, dedicada ao problema da moradia de desabrigados - e outra coordenada pelo padre Louis Joseph Lebret - que fundara, em 1941, o movimento "Economia e Humanidade", preconizando que a economia deveria estar a serviço do homem e que o desenvolvimento social deveria ser fomentado sob uma perspectiva humanística, o que, inclusive, inspiraria a encíclica papal "Populorum Progressio", de 1967 (Fundação..., 2009). A seção conduzida por Pierre tinha por finalidade criar um movimento por intervenções de base, sensibilizar para a causa e obter apoios. A coordenada por Lebret dedicava-se à disseminação de informação e à formação de pessoas, sob um ideário de bem-estar social e aceitação de diferenças culturais, aprendido por meio de formação humana em pesquisa aplicada e em ação; propunha-se ainda a orientar e selecionar técnicos para países carentes de recursos humanos e a efetuar pesquisas de métodos de promoção do desenvolvimento em diferentes contextos (Castro, 1960).

A ASCOFAM igualmente produzia publicações e documentários sobre fome e organizava cursos em parceria com universidades. Contava com comitês em diversos países. O Comitê Brasileiro, presidido pelo embaixador Oswaldo Aranha, realizou estudos sobre a estrutura agrária brasileira; organizou em Garanhuns o Seminário de Desnutrição e Endemias Rurais no Nordeste, em 1958; estudou processos de enriquecimento de farinha de mandioca no Nordeste; e elaborou uma proposta de plano nacional de complementação protéica para a população pobre, compreendendo estudos para o aproveitamento de fontes brasileiras de proteínas vegetais e animais, projetos para industrialização dessas fontes e fomento à produção de rações animais balanceadas (Castro, 1960). A sessão nordestina tinha por membros Ájax Pereira, Antônio Balbino, Walter Santos e Jamesson Ferreira Lima; por iniciativa deste último, a entidade mantinha um programa na "TV Jornal do Comércio de Recife" (Melo e Neves, 2007, p. 179). A ASCOFAM também tinha planos, em nível internacional, de produção agrícola em zonas desérticas (Castro, 1960).

A criação dessa entidade não foi a última iniciativa concreta de Castro no combate à fome. Entre outras atividades, pode-se citar que de 1964 (quando tem seus direitos políticos cassados e é destituído da representação diplomática junto às Nações Unidas, exilando-se em Paris) ao final de sua vida (em 1973, aos 65 anos), dirige o Centro Internacional para o Desenvolvimento (Melo e Neves, 2007, p. 241).

 

CASTRO, UMA NÃO-UNANIMIDADE

A reputação positiva das ideias de Castro e seu atribuído pioneirismo, comuns na literatura sobre esse cientista, podem dar a impressão de uma trajetória linear triunfante. Não só os esforços de institucionalização de uma área de conhecimento e de políticas públicas representaram dificuldades importantes, como, nos espaços por onde Castro transitou, angariou simpatizantes e opositores. A relação dos primeiros é vasta e inclui, por exemplo, diversos nomes de expressão na nutrição, entre os quais alguns que se uniram em torno de suas propostas, como os médicos Walter Santos (que viria a coordenar a Campanha de Alimentação Escolar, em 1955), Rubens de Siqueira (diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense), Pedro Borges e Joaquim José Barbosa (do INUB). Contudo, Castro recebeu oposição tanto no meio acadêmico quanto no cultural e no parlamentar. Isso foi também favorecido por sua condição na burocracia estatal, nela exercendo cargos de direção, inclusive do órgão máximo nacional formulador de políticas alimentares, a Comissão Nacional de Alimentação (CNA), que dirigiu de 1945 a 1954; durante sua atuação no parlamento, é acusado de apropriação indébita de verbas no período em que presidira a Comissão Nacional de Bem-Estar Social (Melo e Neves, 2007, p. 95), bem como de ter sido eleito com dinheiro da Merenda Escolar (p. 96), acusações que repulsa veementemente. Castro foi indicado por Kubitschek para ministro da Agricultura, mas não chegou a assumir o cargo por pressão política, inclusive de seu próprio partido (p. 283).

Sendo inviável tratar aqui da totalidade de contraposições às suas ideias, exemplifica-se com o caso de dois indivíduos cuja trajetória tem alguns pontos de convergência com a de Castro, por serem médicos, envolvi dos no ensino e na pesquisa de nutrição, reconhecidos entre seus pares, exercido uma função intelectual preocupada em interpretar e propor soluções para o Brasil, e que haviam interagido com Castro na condição de membros, por algum tempo, da CNA. São eles Francisco Pompeu do Amaral e Antônio da Silva Melo.

Pompeu do Amaral, médico paulista, comunista, dirigiu o primeiro curso de nutricionistas do Brasil, criado em 1939 no Instituto de Higiene; chefiou a Superintendência do Ensino Profissional de São Paulo e foi membro da Academia de Medicina paulista. Amaral (1963, p. 257) recriminava a alocação da CNA sob o Conselho Federal do Comércio Exterior, pois isso denotaria interesse no mercado estrangeiro, enquanto o órgão, em sua perspectiva, agiria demagogicamente quanto à alimentação popular. Contrário ao processamento de diversos alimentos - como a pasteurização do leite e o uso de aditivos -, refutava as recomendações de uso de alimentos que não considerava cultural e/ou biologicamente válidos para a realidade nacional. Para ele, Castro desejava tornar o Brasil um receptor dos excedentes de produção da soja e do leite em pó norte-americanos (p. 482, p. 553). Ele era contra as ideias de Castro de iodetação do sal (p. 445), disseminação do uso de certas proteínas vegetais, como as da folha de mandioca (p. 498), e a desidratação de alimentos (p. 438) - esta, porque favoreceria interesses dos industriais que haviam contribuído financeiramente para a criação do Instituto de Tecnologia Alimentar5, e porque a desidratação de excedentes alimentares para exportação prejudicaria o lavrador nacional (p. 523). Questionava os estudos de Castro sobre o metabolismo basal do brasileiro (p. 156, p. 159) e considerava que o consumo alimentar no sertão nordestino não tinha as características positivas referidas por Castro (p. 235). Contra a ideia de fome como assunto-tabu enunciada por Castro, afirmava que, sendo uma preocupação permanente do homem, jamais a fome fora tema proibido (p. 13). Segundo ele, o tipo de reforma agrária defendido por Castro visaria o fracionamento da propriedade rural para afastar o grande proprietário capaz de resistir às manobras da CNA (p. 524). O enriquecimento da farinha de mandioca e do açúcar com minerais, proposto pelo INUB, seria inútil (p. 559). As pesquisas do grupo de Castro sobre novos recursos alimentares levariam, segundo ele, a se dar ao povo alimentos tóxicos, como a mucunã (p. 563)6. Sua crítica era sempre explícita: 'Até quando, no Brasil e em toda a América Latina, se tolerarão sugestões como esta dos nutrólogos do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil?" (p. 553).

Já Antônio da Silva Melo, mineiro, chefe da 8a Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia e professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, fundador da "Revista Brasileira de Medicina", membro da Academia Brasileira de Letras, graduara-se em Berlim. Um dos distintos autores de nutrição citados em "Casa Grande & Senzala", Melo considerava como pontuais as propostas de Castro para combate à fome e criticava o enriquecimento de alimentos com vitaminas e minerais proposto pela CNA - órgão que lhe parecia um entrave ao governo por tomar medidas falhas e esdrúxulas que afastavam o poder público das soluções certas e consistia em uma instância de irracional veneração a Castro (Melo, 1961, p. 39). A difusão em ampla escala do uso da soja torna-se seu ponto de honra como uma solução para a questão alimentar, embora, combatendo a posição da CNA de que seria preciso eliminar o sabor amargo dessa leguminosa para se obter a disseminação de seu uso, contradiga suas próprias teorias sobre os efeitos positivos do instinto do gosto na determinação de hábitos alimentares adequados; o gosto do povo, nesse caso, poderia ser 'ensinado', não se justificando a pretensa afirmação de Castro de que, por ser "comida de chinês", a soja jamais seria aceita (p. 124).

Esses dois opositores no campo da nutrição exercem uma confrontação que é científica e também política. É notável o fato de que, nas ideias de ambos, subsistem relevantes pontos de concordância com outras ideias de Castro - como a de má alimentação como problema nacional de número um, a de causas sociais e econômicas como determinantes da fome, o diagnóstico de Brasil como portador de uma conformação colonial latifundiária-monocultora de terríveis repercussões em termos alimentares, a absolvição do homem brasileiro como vítima da fome, a ideia de um Estado não-protetor, a pregação de que políticas públicas deveriam pôr o interesse da alimentação do povo acima de quaisquer outros. As diferenças de opinião, embora não suficientemente aclarados seus motivos, situam-se em pontos que se distanciam desse núcleo principal de racionalidade sustentado pelos três, prendendo-se, em alguns casos, a diferenças de interpretação acerca das razões que levariam Castro a defender certas ideias.

O acentuado tom de crítica usado por Pompeu do Amaral e Melo leva a inferir sobre embates pessoais não-ditos. Como, em suas análises, os autores acabam por criticar tanto os órgãos presididos por Castro quanto as posições deste isoladamente, fica evidente que, em última instância, o alvo de ataque principal são as propostas de Castro. No caso da soja, curiosamente, tanto Castro quanto Melo, e também muitos outros nutrólogos e a própria CNA, defendiam e estudavam meios de se generalizar seu consumo, apesar de ser um alimento que não fazia parte do hábito alimentar popular e que apresentava algumas características químicas e organoléticas que prejudicavam seu uso culinário e aproveitamento metabólico. A própria FAO, onde Castro exercera função de direção, estudava meios para tal disseminação em países pobres. Não seria possível que a posição de Castro a respeito fosse ignorada, por exemplo, por Melo. Surpreende, portanto, a posição deste na aguda eleição e extensa defesa da soja como ponto de discórdia frontal com Castro, e, no caso de ambos os autores, há conotações de uma disputa política que vai além do explicitado em seus textos.

 

DISCUSSÃO

O engajamento político e social de Josué de Castro manifesta-se por meio de suas convicções científicas, dando lugar à visibilidade da fome como objeto privilegiado e, inclusive, interferindo decisivamente na agenda política do Estado. A produção científico-intelectual de Castro está marcada pelas relações com as instituições, com o poder público e com os organismos internacionais com os quais atuou e interagiu. Obra altamente informada, nela ideias modernas vão aparecendo, desde o tema da raça nos primórdios da trajetória dessa produção, até o tema do desenvolvimento nas etapas mais tardias. Esses elementos são acionados na conexão de ideias e ações ao conjunto da modernidade científico-política para colocar a fome/nutrição como objeto legítimo da ciência e da política.

De modo geral, na obra de Castro identifica-se forte participação de categorias já presentes de longa data no pensamento social e político brasileiro, em particular: colonialismo; agrarismo; monocultura exportadora; latifúndio; atraso técnico; irracionalidade do Estado; privatismo; intervencionismo econômico; abandono da população; indolência do trabalhador; exploração do homem pelo homem; necessidade de educação. Nesse sentido, na caracterização do pensamento social de Josué de Castro, pode-se dizer que sua obra perfila-se junto a ideias de determinadas correntes do ensaísmo brasileiro. Estas seriam especialmente as seguintes: a crítica aos erros do privatismo em detrimento da causa pública; o malefício da herança colonial; a espoliação imprevidente das riquezas do país; e a falta de nacionalidade em virtude do espírito aventureiro, do abandono do homem e da falta de cimento social em função do latifúndio e da ausência de Estado. Além dessas, de maior relevância, podem-se citar outras de relevância intermediária, como: o valor positivo dos elementos nacionais (homem e natureza); a ideia de que o Brasil é um país sem vida própria, sem autonomia e sem identidade positiva, que não se volta para si mesmo, mas que vive para o exterior; a condenação do Estado omisso; a defesa do reformismo econômico-social visando à modernidade e ao progresso, em uma proposta de se refazer o Brasil; a percepção dos problemas do Brasil como continuidades históricas; a compreensão de que falta o elemento organizador, protetor e modernizador que conduza as ações em prol da coletividade; a defesa de mudanças amplas e não pontuais/emergenciais; a ideia de que o passado nos condena; o não-edenismo.

Castro afirma que, entre 1930 e 1932, por ocasião da redação do que seria seu primeiro livro, teria se deparado com grande exiguidade de trabalhos que lhe oferecessem subsídios, conjuntura que, segundo ele, sofreria modificação dali em diante, com o surgimento de diversas obras que considerava relevantes, não apenas sobre alimentação, mas de cunho biológico-social ou afeitas à análise político-sociológica (Castro, 1939). Entre essas últimas, são indicadas "História Econômica do Brasil - 1500-1822" (1937), de Roberto Simonsen; "O outro Nordeste: Formação social do Nordeste" (1937), de Djacir Lima Menezes; "Clima e saúde: Introdução biogeográfica à civilização brasileira" (1938), de Afrânio Peixoto; 'Amazônia, a terra e o homem - com uma introdução à Antropogeografia" (1933), de José Francisco de Araújo Lima; "A criança é o melhor imigrante" (conferência proferida no Instituto de Estudos Brasileiros, em 1938), de Castro Barreto. A década de 1930, na qual se inscrevem essas publicações, representa um período de rica análise e proposição sobre o Brasil. Nas obras suprarreferidas estão presentes, em graus diversificados, distintas temáticas-chave, também identificadas na obra de Castro, entre as quais a conjugação entre ciências do espírito e ciências da natureza e o estudo do homem como unidade biológica em interdependência com os fatores sociais; a negação do determinismo racial e climático na causalidade das doenças; a alimentação deficiente como inferiorizante do homem, da produtividade e do país, e tendo por causa iniquidades econômico-sociais; o colonialismo, expresso principalmente no sistema de latifúndio monocultor de exportação, como causa de baixa disponibilidade de alimentos para a população; a falta de racionalidade do Estado; a ideia de que não há sub-raças, mas sim sub-alimentação; as implicações de uma alimentação e saúde deficientes para a evolução do Brasil em termos de civilização e da nacionalidade; a crença na intervenção científica na sociedade; os princípios da geografia médica. No ideário de Castro, nota-se, ainda, a afirmação de que a fome conforma a identidade do brasileiro e é o problema número um do país. Essa tendência se confunde com a observada em outras áreas do conhecimento, como, por exemplo, a eleição da doença, nesses mesmos termos, pelo movimento sanitarista dos anos 1910-1920, tipificada na afirmação de Miguel Pereira de que o Brasil era "um imenso hospital" (Pereira, 1922, p. 3).

O exercício do pensamento social de Castro situa-se, ainda, na chave entre tradição nacional e ciência internacional. A questão nacional, por exemplo, que estava na ordem do dia no cenário brasileiro, ligava-se não só ao momento de formação do Estado, como ao desejo de inclusão da ciência no interior desse Estado e à importância da higidez dos países para a paz e economia mundiais.

Nesse sentido, em termos internacionais, os elementos de maior conexão com a obra de Castro situaram-se na obra do médico argentino Pedro Escudero - também ele um cientista de nutrição voltado para a prática do pensamento social - e nas ideias desenvolvidas em organismos internacionais, nomeadamente a Organização de Saúde da Liga das Nações (décadas de 1920-1930) e a FAO (décadas de 1940-1950). No que tange a essas últimas, vale considerar que, segundo Martha Finnemore (1996), regras culturais internacionais criam normas sobre o progresso, influenciando Estados, organizações e indivíduos; é nesse sentido que André Vieira de Campos (2006) aponta, em estudo de caso sobre o Serviço Especial de Saúde Pública, que, já no pós-II Guerra, a saúde ganha a acepção de bem de valor econômico, de um investimento no homem em prol do desenvolvimento, do progresso das nações e da reconstrução do mundo, tendência que pode perfeitamente ser comparada com a vigente na nutrição. Assim, o abismo entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, distanciando sociedades "avançadas" e "seguidoras" (Bendix, 1996), seria mais fácil de ser transposto com a ajuda da ciência.

Com efeito, Arturo Escobar argumenta que, durante a vigência da cultura desenvolvimentista, a realidade social fora "colonizada" pelo discurso de ressignificação do mundo que a invenção do desenvolvimento socioeconômico viera trazer; em um clima de redescoberta da pobreza como um problema global a ser vencido, o desenvolvimento adquirira um status de certeza no imaginário social, pois seria alcançado com o apoio de uma orquestração cooperativa em torno da saúde internacional, especialmente por meio da ciência, da técnica e do planejamento, e sob a coordenação de especialistas no âmbito de organizações estatais ou internacionais (Escobar, 1995, p. 6, p. 10). Na nutrição dos anos 1950, os debates em torno das medidas mais indicadas para a correção dos males alimentares das populações enquadravam-se no que se pode denominar de um modelo de oscilação entre defesa de reformas amplas e de mudanças pontuais (Farley, 2004, p. 284-5) e, desde a década de 1940, o planejamento estrutural já se incorporara ao ethos dominante da comunidade internacional de nutrição (Hardy, 1995, p. 62), fato que, no Brasil, se confirmaria na participação de Josué de Castro na elaboração do Plano Saúde, Alimentação, Transporte e Energia (SALTE). Esses fatores estariam imbuídos do ideário desenvolvimentista presente, inclusive, na agenda da FAO (Ruxin, 1996), ajudando a intensificar o debate da fome como risco político e fator do subdesenvolvimento. Essa compreensão de fome como risco político, por sua vez, conduziria ao anseio de se fomentar uma política internacional de alimentação e de melhoria das condições de vida, das quais dependeria a paz mundial (Os problemas..., 1949, p. 74).

Se essa temática estava em ênfase no plano internacional, por outro lado, ela se refletia na necessidade, ou conveniência, de os países tomarem medidas internas que propiciassem uma alimentação adequada para seus povos, preocupação evidente na FAO (Prevenção..., 1953), mas já importante desde a Organização de Saúde da Liga das Nações (League of Nations, 1937). É nesse ponto que a agenda internacional de saúde e nutrição se cruza com os problemas e ideais de ordem nacional dos países. Um discurso de recomendação de distintas ações - adoção de políticas nacionais de alimentação, criação de órgãos para planejamento alimentar e para combate à fome, disseminação do ensino especializado de nutrição, políticas agrícolas visando à alimentação pública, meios para aumentar o acesso aos alimentos por parte do povo, educação popular em alimentação - representou uma tônica em ambos os organismos internacionais, aliado à preocupação técnico-científica desses próprios órgãos em conduzir, facilitar e estimular o desenvolvimento e a padronização de métodos de pesquisa e de referências de normalidade afeitos às ações recomendadas (Relatório... , 1956). Dessa forma, questões nacionais eram tratadas nesses organismos internacionais, sendo algumas recomendações adotadas pelos países e, como é comum na apropriação local de ações internacionais (Stern, 1998), sofrendo adaptações aos interesses locais. Não se pode olvidar, por outro lado, que a ideia de fome como risco à paz e à estabilidade social também esteve presente no cenário nacional desde décadas anteriores, como na análise do episódio de Canudos, por Euclides da Cunha (1950), em "Os Sertões", e na descrição das rebeliões populares e ondas de crimes no interior cearense feita por Rodolfo Teófilo (1922b), em "A Fome", - autores que Castro considera "sociólogos da fome no Brasil" e a quem dedica seu livro de maior repercussão, "Geografia da Fome" (Castro, 1946, p. 7). No plano de Castro, os escritos e a atuação pública contra a fome na chave da consecução da paz/dignidade/bem-estar social sempre congregaram pesquisa e ação social.

Parte da explicação adicional a respeito reside na ideia de ação social do intelectual. As principais ideias-força presentes na obra de Castro - fome como expressão biológica do social; subdesenvolvimento como fruto de um neocolonialismo capitalista; estrutura latifundiária como expressão semifeudal; Estado como agente modernizador em potencial; desapropriação de terras como instrumento revisor das relações jurídico-econômicas entre proprietários e trabalhadores; comércio internacional de alimentos como imperialista e apartado do enfoque de saúde pública -sintetizam uma interpretação de Brasil regida pela concepção de que há um papel social qualificado para o cientista. Esse ethos missionário se aproxima do praticado por muitos cientistas e intelectuais da época, e é explicitamente defendido por Castro (Castro, 1945, p. 776).

Em relação ao Estado, Castro tem com ele uma relação dialética, que vai tomando diferentes conformações ao longo da trajetória do cientista, as quais principiam com a incorporação deste ao aparelho de Estado e com a convergência de determinados objetivos, levando às condições de criação de órgãos e políticas alimentares em uma época em que o próprio Estado arregimentava esforços no sentido de seu fortalecimento; e culminam com a completa dissociação de ambos, quando o discurso crítico-reformista praticado pelo médico passa a ser considerado ameaçador para o Estado. A posição de Castro no período em que integrara a burocracia estatal, se por um lado o legitimava para o debate público das ideias que preconizava, por outro correspondia à de ator inserido como quadro do Estado que frequentemente criticava. Para além disso, encontrava-se Castro, como os demais cientistas de nutrição da época, na posição de ter de pedir mais a esse Estado, tendo em vista as necessidades materiais e simbólicas da área de conhecimento e prática que desejavam ver institucionalizada. O Estado, que é simultaneamente cortejado e condenado, acaba por se apropriar de parte dos instrumentais técnicos produzidos pela nutrição, criando algumas políticas, instituições e programas. Essa relativa permeabilidade se deve aos interesses de formação do Estado nacional, mais presente e mais racional.

Já as razões dos intelectuais, entre eles Castro, para se deixarem manter nesse aparente contrassenso, residem na compreensão de que há um papel para o intelectual, na confiança na eficácia de suas ideias e em suas inclinações progressistas. As modificações do Estado e a dinâmica da trajetória do cientista conduzem a transformações na relação específica Estado-cientista, que evoluem do estágio de colaboração para o de repressão. As políticas oficiais, por conseguinte, suscitaram impactos em vários níveis, tanto nas práticas quanto na vida do cientista, tanto favorecendo elementos de institucionalização de sua ciência quanto dificultando seu desejo de uma pragmática e premente aplicação do saber racional para expurgar o que considerava o problema número um brasileiro, como também encerraram as possibilidades de continuidade da atuação científico-política daquele cientista em solo brasileiro. Castro, que de 1940 até 1964 tivera uma carreira ininterrupta nessa burocracia, é por fim dela abruptamente expurgado; apesar dos incessantes pedidos de familiares, motivados pela profunda melancolia em que o médico mergulhara no exílio, o governo militar só autorizaria o retorno ao país quando do falecimento do cientista7.

Uma das características mais ressaltadas da obra de Castro é a multidisciplinaridade segundo a qual enfrenta o tema da fome (Nascimento, 2009). A reunião de biológico e social em sua obra reflete uma cosmovisão na qual a fome é proposta como uma nova episteme biológica de explicação da fragilidade da condição brasileira, e, assim, as posições assumidas publicamente por Castro caracterizaram-se pela interpretação biossocial dos processos de gênese da fome como resultados de imperfeições econômicas e morais históricas da conjuntura brasileira. Para Charles Rosenberg (1992), doenças não são realidades dadas na natureza, aguardando serem 'descobertas' por cientistas; são entidades histórica e socialmente construídas mediante um processo social de enquadramento, no qual adquirem significados sociais e cognitivo-epistemológicos que as traduzem como fenômenos biológicos qualificados. É assim que elas se tornam reais e específicas. No caso da ideia de fome como um problema nacional, foi sendo construída por Josué de Castro por meio de um enquadramento biológico, social, econômico e agrícola, o qual esteve mergulhado e também passou a integrar um repertório de ideias internacionais e nacionais, no qual os fatores desigualdade social, guerra, recessão econômica, desenvolvimentismo, saúde internacional e construção da identidade e do Estado nacional foram relevantes. Se nos anos 1930 a nutrição era afirmada por seus praticantes, tanto no Brasil como no exterior, como sendo uma ciência nova, em seu interior, tanto aqui quanto no estrangeiro, já existiam tendências que conjugavam o biológico e o social, em um período no qual a associação entre temas da natureza e da sociedade marcava presença em diversas áreas do conhecimento, como na geografia humana (Megale, 1984) e na antropologia (Castro Faria, 1942). É também nesse sentido que a ideia de raça, acionada na obra inicial de Castro, participa da conexão entre biológico e nacional, não pela via da biologização de fatores sociais, mas sim da melhoria das características nacionais, de uma forma em que valores biológicos, sociais e de dignidade humana estão conjuntamente presentes. Na obra de Castro, também a natureza aparece como cenário modificável pelo homem, e é nessa chave que a seca nordestina, a baixa produção de alimentos básicos e a indolência e doença do brasileiro não estão adstritos a mandamentos mesológicos e climáticos, mas podem ser superados pela concretização de medidas oficiais coletivas propostas pela ciência para solucionar um problema biológico de causa social. Para além disso tudo, é de se questionar a possibilidade de existência de um conhecimento biológico epistemologicamente 'puro', tendo em vista não apenas a dinâmica de interações e a circularidade de conhecimentos, como as próprias circunstâncias de construção social do conhecimento prevalentes no fazer do cientista.

É impossível dissociar institucionalização científica e institucionalização política no caso da nutrição. Ela é uma área onde as ideias e ações praticadas durante sua institucionalização, especialmente ao longo das décadas de 1930 a 1950, reuniram tipicamente ciência e política, não só devido à conjuntura que estimulou sua organização como área de conhecimento - guerras, recessão econômica, construção do Estado - como devido à necessidade de aplicação quase imediata das teorias e dos métodos que se iam organizando, aplicação essa localizada em sistemas voltados para a solução de problemas de fatores estimulantes, como organização da alimentação de tropas, suprimento alimentar da população, estudo da alimentação dos desnutridos pelas guerras ou pela crise econômica mundial, cálculo de rações nacionais, alimentação do trabalhador, fortalecimento das gerações futuras (centrando foco da gestante ao adolescente), cuidado dos hospitalizados, tendências na legislação social e trabalhista mundial. Nutrição como ciência e nutrição como política vão crescendo juntas. E se deparam com a oportunidade conjuntural para tentar espaço na academia, na burocracia e junto à opinião pública. É uma época em que inquéritos e fisiologia são instrumentos relevantes no cenário mundial, de aproximação dessa autodenominada 'nova ciência' de seu objeto, ajudando a destrinchar a dinâmica social nele embutida. É nesse sentido que também Castro operacionaliza a fisiologia e o inquérito para perscrutar o problema alimentar e, a partir de então, passar a percebê-lo como eminentemente social. Tudo isso se ligava ao fato de que, ao final dos anos 1920 e especialmente durante os anos 1930, uma "nova cultura da nutrição" (Barona, 2008, p. 87) emergia no cenário internacional, com a instituição de um papel científico e político circunstanciado para a nutrição, favorecido por uma nova interpretação da fome e da pobreza a partir dos anos 1850, como problemas sociais e de saúde pública moralmente inaceitáveis, alçando a fome à posição de "locus central de ação para a mudança social e a modernização"; regulações sociais mais expressivas por parte dos Estados, principalmente europeus, a partir da segunda metade do século XIX; a ideia de que a alimentação era essencial para a saúde e para a prevenção de doenças infecciosas, principal problema de saúde da época; a instalação de uma crise internacional entre guerras, no século XX (p. 90). Em função desses fatores, um conhecimento especializado foi mais demandado, sobretudo no intervalo entre as guerras, devido aos problemas alimentares oriundos da I Guerra, da Grande Depressão e de conflitos internacionais. Essa transformação social e científica gerou a instituição, por parte de alguns Estados, de programas alimentares, de políticas agrícolas e econômicas e de condições para a pesquisa científica, e acabou por configurar especialistas locais e internacionais que seriam importantes na proposição e implementação de políticas públicas (Barona, 2008, p. 103). Assim, eventos histórico-sociais importantes agem na produção da literatura especializada de nutrição e nas políticas alimentares das décadas de 1920 e 1930.

No tocante à obra de Castro, bem como à produzida em outros ambientes nos quais o médico transitava e se inseria, as duas guerras mundiais, a Grande Depressão Econômica de 1929, o ideário do desenvolvimentismo no pós-II Guerra, a preocupação com a saúde e cooperação internacional e o processo de construção da identidade e do Estado nacional brasileiros - aí incluída, com ênfase, a era Vargas - são eventos que também participam da formulação da ideia de fome como um mal nacional e das soluções políticas por ele apresentadas a respeito. Na obra e trajetória do pernambucano, a fome opera como problema a um só tempo de ciência e de política, e as ideias e ações de Castro contribuem de forma circunstanciada para a profissionalização e institucionalização científica e política da nutrição. É por esta via que, nesse caso específico, tanto a ciência se imbrica na construção do Estado quanto o Estado atua na construção desta. Em uma simbiose lógica, é quando o Estado brasileiro adiciona concretamente a suas atribuições básicas o papel de provedor, e é quando esse Estado passa a percorrer a trilha da publicização, da racionalização e da burocratização, que melhor acolhida encontra nele o ideário da nutrição. É a partir daí que se criam as primeiras (e várias) instituições voltadas para a ação pública em alimentação. Castro luta por elas e está nelas. Isso também ajuda a explicar a coerência entre as ideias e as ações parlamentares e contra a fome no percurso do cientista, pois essas ações se coadunam com o objeto, as explicações, os mecanismos e as saídas vislumbradas por Castro para a fome em sua produção escrita.

Se a oposição intelectual sofrida por Castro denota que sua trajetória contou com obstáculos e inflexões que representaram continuidades e descontinuidades, por outro lado, ela não foi suficiente para anular a expressiva repercussão de sua obra. Diversos de seus pares não apenas ganharam um espaço qualificado nos meios científicos, como também exercitaram o pensamento social e político. Qual era, então, exatamente, a posição diferenciada de Castro em relação a seus pares? A de um cientista que, com uma obra admirada pelo conteúdo e pelo estilo, se mostra plenamente informado, o que foi potencializado por seus estágios no exterior e pelo acesso à literatura estratégica; a sua sociabilidade na intelectualidade, na academia e no círculo dirigente; a legitimação conferida por sua participação em um organismo internacional do porte da FAO; a divulgação de suas ideias junto à opinião pública, por meio de artigos em jornal; a repercussão de instituições por ele criadas, como os refeitórios do SAPS para trabalhadores; e as suas origens e sensibilidade para com os pobres. Assim, sua obra se mostra expressiva do ponto de vista quantitativo e sofisticada em termos de teorização, e ganha visibilidade tanto no cenário nacional como no mundial - conforme atesta, por exemplo, a tradução de "Geografia da Fome" para mais de 25 idiomas. Cabe também refletir sobre a carga psicológica carreada pela fome como tema político. Naquela época, houve condições de possibilidade para se falar em 'drama' da fome. A especificidade científica e intelectual daquela conjuntura compartilhou, em todos os sentidos, a autoria da configuração política alçada pela fome na obra de Castro.

Reformista, mas não revolucionário, é na temporalidade de uma dissociação com o passado e da esperança de aceleração do futuro que o mundo de ideias de Castro constrói seus significados. As ideias de reformas mais profundas preconizadas pelo cientista -uma reforma agrária, o aumento do poder aquisitivo do trabalhador, condições condignas de vida e saúde para o brasileiro, uma educação transformadora, um país purificado pela moralidade pública - conservam-se como inteligibilidades de leitura historicamente situadas daquele Brasil. A serem revisitadas como elemento que se propunha inovador por seu saber, para tirar o Estado da irracionalidade, orientar as ações oficiais e modernizar o país, livrando-o da tradicional inferioridade pela conjugação de ciência e política.

 

AGRADECIMENTOS

À profa. Dra. Nísia Trindade Lima, do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz), pela orientação da tese de doutoramento da qual o presente trabalho se origina, bem como pelas inestimáveis sugestões ao texto. Ao prof. Dr. José Murilo de Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em História Social (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro), pela contribuição à formação da autora no âmbito da disciplina "Pensamento Social e Político Brasileiro", do aludido programa.

 

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Endereço para correspondência:
Museu Paraense Emílio Goeldi
Editor do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas
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E-mail: boletim@museu-goeldi.br

Recebido: 30/06/2009
Aprovado: 23/11/2009

 

 

1Para um aprofundamento sobre o movimento sanitário, vejam-se Castro Santos (1985); Lima e Hochman (1996).

2Criador dos primeiros cursos de nutrólogos e nutricionistas da América Latina, Escudero foi o responsável pela formação dos profissionais iniciais dessas especialidades em todo o continente; alguns autores sustentam que os formados em sua escola seriam os partidários da corrente 'social' da nutrição brasileira em seus primórdios, em contraposição com a corrente 'técnica' ou 'biológica' dos graduados nos Estados Unidos. Embora Castro não tenha se formado em nenhum dos dois lugares, os que ligam a obra dele a uma interlocução forte com a de Escudero situam o pernambucano também nessa perspectiva 'social' (L'Abbate, 1988; Vasconcelos, 2002).

3"Eu, na realidade queria ser psiquiatra, mas o Ulhoa Cintra (outro médico) tinha dois aparelhos de metabolismo. Me vendeu um e resolvi fazer nutrição" (Fundação..., 2007).

4Não apenas se nota que diversas das ideias-chave de "Geografia da Fome" são claramente identificáveis em obras anteriores do autor, como o próprio Castro informa que parte dos conteúdos ali constantes já fora publicada em 1934, na revista norte-americana "Nutrition Reviews", sob o título "The food in Brazil" (Castro, 1939).

5Fundado e dirigido por Castro, pela união de recursos públicos e da indústria alimentícia, seu patrimônio seria depois doado à Universidade do Brasil, originando o Instituto de Nutrição.

6A mucunã, leguminosa usada na fome extrema no sertão, era estudada por Castro para ser melhorada, visando adoção em escala. Castro sabia de sua toxicidade, reportada por Rodolfo Teófilo, que mencionava que os grãos deveriam ser "lavados em nove águas", mesmo assim ainda podendo oferecer risco: "a mucunã suja mata e a lavada aleija", dizia, segundo ele, o povo (Teófilo, 1922a, p. 91).

7Castro, Anna Maria. Entrevista concedida a Maria Letícia Galluzzi Bizzo em 09 de outubro de 2007