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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas

versión impresa ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi Cienc. Hum. v.4 n.3 Belém dic. 2009

 

Ciência e política durante o regime militar (1964-1984): a percepção dos físicos brasileiros

 

Science and politics during the military regime (1964-1984): perspectives from the Brazilian physicists

 

 

Olival Freire JuniorI;Antonio Augusto Passos VideiraII; Aurino Ribeiro FilhoIII

IUniversidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil (olival.freire@gmail.com)
IIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil (guto@cbpf.br)
IIIUniversidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil (ribfilho@ufba.br)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Essa nota de pesquisa apresenta resultados parciais da análise de uma fonte de história oral - a qual ainda encontra-se em processo de elaboração - com físicos brasileiros que tiveram atuação destacada no período do regime militar brasileiro (1964-1984). Quatorze físicos já foram entrevistados e o projeto prevê um total de vinte e cinco. O projeto de pesquisa - do qual essa nota resulta - visa construir uma narrativa unificada dos processos conflitantes (autoritarismo político e apoio ao desenvolvimento científico), capaz de descrever as transformações que eles causaram na comunidade de físicos.

Palavras-chave: História da física. Regime militar. Ciência. Política.


ABSTRACT

This research note presents preliminary results from the analysis of a source of oral history with Brazilian physicists who were protagonists in Brazilian physics during the military regime (1964-1984). This source is still a work in progress. Fourteen physicists were already interviewed and the total figure should arrive to twenty-five. The research project from which this note is a result aims to produce a unified account of the conflicting processes (political authoritarianism and support to the scientific development) dealing with the changes these processes caused in the community of Brazilian physicists.

Keywords: History of physics. Military regime. Science. Politics.


 

 

INTRODUÇÃO

Para os físicos brasileiros, muitas vezes, o engajamento político esteve associado à articulação entre ciência e desenvolvimento; outras vezes, à defesa das liberdades políticas. Exemplos paradigmáticos nesse sentido são a atividade política de José Leite Lopes (1918-2006) no âmbito da corrente desenvolvimentista e a atuação da, então recém criada, Sociedade Brasileira de Física contra as aposentadorias forçadas, em 1969, com base no Ato Institucional Número 5. No período do regime militar brasileiro (1964-1984), tal engajamento custou, em muitos casos, perdas significativas para suas carreiras profissionais e trouxe obstáculos para o desenvolvimento da própria ciência. Esse período, contudo, apresentou também outras formas de atuação política, por meio das quais muitos cientistas buscaram avançar uma agenda de desenvolvimento da física nas condições políticas adversas do regime autoritário1. A possibilidade de avanço dessa agenda decorreu essencialmente da política de apoio à ciência e tecnologia implementada pelos governos militares a partir do final da década de 1960, a qual levou à reforma universitária e à institucionalização da pós-graduação. O vigor financeiro dessa política foi permitido pelos índices de crescimento econômico do período que se convencionou denominar de 'milagre brasileiro'.

Essa nota apresenta resultados de pesquisa em andamento, na qual estamos construindo, por meio da história oral, uma fonte para o estudo do período. Trata-se de projeto apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em edital destinado às Ciências Humanas2. Quatorze físicos já foram entrevistados, enquanto o projeto prevê a realização de um total de vinte e cinco entrevistas. As entrevistas expressam a percepção desses atores sobre as circunstâncias políticas da época, a incidência dessas circunstâncias nas instituições científicas e em carreiras e vidas individuais, bem como sobre os obstáculos e as oportunidades existentes naquele contexto.

O projeto de pesquisa - do qual essa nota resulta - visa, então, construir uma narrativa unificada dos processos conflitantes (autoritarismo político e apoio ao desenvolvimento científico), capaz de descrever as transformações que eles causaram na comunidade de físicos. O foco da atenção estará localizado em duas questões, bem como em suas possíveis correlações. Queremos saber como ocorreram as transformações dessa comunidade, prestando especial atenção à diversificação de seus temas de pesquisa, a exemplo da emergência de uma subcomunidade atuante em física do estado sólido, e às transformações associadas à criação dos cursos de pós-graduação; e queremos saber como cientistas e agentes estatais atuaram politicamente no difícil contexto do regime ditatorial então vigente.

A fonte constituída a partir desse projeto será disponibilizada para historiadores e outros interessados por meio do depósito dessas entrevistas em instituição que assegurem o acesso do público a esse material, a exemplo da Sociedade Brasileira de Física.

 

A ESCOLHA DOS POSSÍVEIS ENTREVISTADOS

O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) é depositário de uma série de entrevistas realizadas entre 1975 e 1977 nos marcos do projeto "História da Ciência no Brasil", sob a coordenação de Simon Schwartzman. Dos 70 entrevistados, 23 eram físicos ou atuavam em áreas diretamente relacionadas à física (História..., 1984). Estas entrevistas foram um ponto de partida para o presente projeto, que pode ser considerado, em certo sentido, como uma complementação às fontes anteriormente construídas. O fato de terem sido realizadas no meio do período de nosso interesse limita naturalmente o seu uso para a presente pesquisa. Ademais, há casos de físicos que tiveram efetivamente uma liderança na área e no período, mas que não foram entrevistados. O exemplo mais notório é, talvez, o do físico Herch Moysés Nussenzveig, responsável pela formação de uma escola brasileira de óptica quântica3. Físicos que estavam sendo treinados no período em tela, no Brasil e no exterior, naturalmente, não foram entrevistados à época. O presente projeto entrevista alguns dos físicos entrevistados àquela época, inquirindo-os, de maneira complementar, especificamente sobre o processo e o período de nosso interesse e, por isso, serão entrevistas eminentemente temáticas. Já para os físicos que não haviam sido entrevistados à época, as entrevistas serão tanto de história de vida quanto temáticas.

Conforme enfatizado por Alberti (2004, p. 31), "é no contexto de formulação da pesquisa, durante a elaboração de seu projeto, portanto, que aparece a pergunta 'quem entrevistar?'". Temos trabalhado com uma lista de caráter tentativo, estimada inicialmente para um universo de vinte e cinco entrevistados. A boa escolha desse universo só poderá ser feita, paradoxalmente, depois de toda a pesquisa concluída, quando se atinge o que Verena Alberti denomina de "saturação". Por essa razão, a lista tem sofrido modificações, inclusões e exclusões no curso da própria execução das primeiras entrevistas, pois, ainda conforme Alberti (2004, p. 32), "tal listagem [inicial] deve ser tomada como uma relação dos entrevistados em potencial daquela pesquisa, já que está sujeita a circunstâncias que podem modificar os rumos do trabalho". Para essa listagem, nós consideramos aspectos como liderança científica, diversidades dos campos disciplinares, liderança institucional, diversidade institucional, protagonismo no período junto aos agentes do Estado e da iniciativa privada, e capacidade de formação de novos pesquisadores4.

 

OS FÍSICOS JÁ ENTREVISTADOS E AS ETAPAS DE PROCESSAMENTO DAS ENTREVISTAS

Os físicos já entrevistados até o momento, em ordem cronológica de realização das entrevistas, são apresentados abaixo com breve descrição profissional:

Sarah de Castro Barbosa - Professora aposentada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aposentada com base no Ato Institucional Número 5. Pesquisas na área de Física de Partículas e Campos.

Erasmo Madureira Ferreira - Professor aposentado da PUC-RJ e da UFRJ. Pesquisas na área de Física de Partículas e Campos. Diretor do Setor de Física do CNPq entre 1968 e 1973. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Carlos Alberto Dias - Professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Foi Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal do Pará (UFPA). Pesquisas na área de Geofísica.

Ricardo de Carvalho Ferreira - Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pesquisas na área de Biofísica Molecular. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Fernando de Souza Barros - Professor aposentado da UFRJ. Pesquisa em Física da Matéria Condensada (Propriedades de Materiais). Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Ernst Wolfgang Hamburger - Professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP). Pesquisa em Física Nuclear e Ensino de Ciências. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Amélia Império Hamburger - Professora aposentada da USP Pesquisa em Física Nuclear e Ensino de Ciências.

Alberto Passos Guimarães Filho - Pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Pesquisa em Física da Matéria Condensada. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Nicim Zagury - Professor aposentado da UFRJ e da PUC-RJ. Pesquisa em Física de Partículas, Física Atômica e Ótica Quântica. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Gerhard Jacob - Professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisa em Física Nuclear. Foi membro do Conselho Diretor do CNPq na transição das décadas de 1960 e 1970. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Antonio Luciano Videira - Foi professor da PUC-RJ e da USP Professor aposentado da Universidade de Évora, Portugal. Pesquisa em Gravitação e outras áreas.

Amir Caldeira - Professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisa em Física da Matéria Condensada. Autor de trabalhos junto com Anthony Leggett, seu orientador, extremamente influentes no campo das pesquisa em informação quântica. Membro da Academia Brasileira de Ciências.

Spero Penha Morato - Pesquisador e ex-superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Pesquisa em laser. Atuou em equipe com Sergio Porto, em projeto apoiado pela Aeronáutica e Marinha de uso do laser para enriquecimento isotópico do urânio.

As entrevistas já gravadas encontram-se em diferentes fases de processamento. A nossa opção tem sido a de prosseguir com a preparação e realização de novas entrevistas, enquanto prosseguimos com o trabalho de transcrição, revisão pelos entrevistadores, revisão e autorização pelos entrevistados, e indexação. As próximas entrevistas, que serão realizadas na segunda etapa desse projeto, devem incluir Sergio Rezende, Elisa Frota-Pessoa e Jayme Tiomno, Alfredo Marques, Alaor Chaves, Maurício Coutinho, Claudio Rodrigues, Luis Davidovich, José Ellis Ripper Filho, Herch Moysés Nussenzveig, Basílio Baseia, Carlos Escobar, Rogério Cerqueira Leite e Silvio Salinas.

 

RESULTADOS PRELIMINARES

As primeiras entrevistas, sobre as quais basearemos os comentários a seguir, permitem uma primeira aproximação às nossas questões. Duas conclusões parecem emergir dessas entrevistas. A primeira é relativa à diversificação ocorrida no panorama da física brasileira e a segunda é referente ao CNPq como espaço privilegiado para o exercício, limitado, da política científica, à época.

A diversificação parece ter ocorrido mais em função da própria internacionalização da formação dos físicos brasileiros, de decisões individuais e institucionais adotadas antes mesmo do golpe militar de abril de 1964, e de sensibilidades e projetos profissionais pessoais que de decisões adotadas de maneira centralizada por técnicos ou burocratas.

Alguns casos podem ilustrar nosso argumento. Carlos Alberto Dias cristalizou um projeto profissional de pesquisa em Geofísica no início da década de 1960, ainda no CBPF e desse projeto decorreu sua opção pelo doutoramento em Berkeley, na Universidade da Califórnia. Após o seu retorno, em 1968, sua liderança e dedicação na construção de programa de geofísica da UFBA podem ser vistas como desdobramentos naturais de seu projeto anterior.

Fernando de Souza Barros concluiu seu doutorado em Física Nuclear Experimental, em Manchester, no início da década de 1960, considerando, àquela altura, que as técnicas que havia usado até então estavam perdendo competitividade em uma área da física que estava dominada pelos grandes aceleradores e que o próprio campo a que estava dedicado apontava para um esgotamento em termos de inovação científica. Procurando redirecionar sua atividade de pesquisa, Barros começa a se interessar por uma técnica então emergente, o efeito Mossbauer. A passagem do físico Sérgio Benedetti pelo Rio de Janeiro e um convite para ir para Pittsburgh trabalhar com essa nova técnica levaram Barros a uma posição privilegiada no cenário internacional no uso dessa nova técnica em fenômenos que, hoje, são enquadrados no âmbito da Física da Matéria Condensada. Após uma passagem pela Universidade de Brasília, da qual sai em função da crise desencadeada pelas intervenções do regime militar naquela universidade, Barros retorna aos Estados Unidos. Em 1970, ele retorna um vez mais ao Brasil, dessa vez em base permanente, para liderar a renovação da física na UFRJ.

Nicim Zagury obteve o seu doutorado em 1965 na Universidade da Califórnia, San Diego, na área de Física de Partículas. Retorna ao Brasil para uma atuação na PUC do Rio de Janeiro, onde contribui decisivamente para a conformação de um dos melhores departamentos de física do país, empreendimento largamente financiado por agências públicas federais, como a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), o CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgãos executores da política de ciência e tecnologia do período considerado. Entre fins da década de 1970 e início da década de 1980, sem abandonar a pesquisa em Física de Partículas, Zagury passa a dedicar­se também ao campo de Ótica Quântica, no qual a física brasileira adquire reconhecimento internacional (Nussenzveig, 2005). Nessa transição, Zagury relata que foi motivado pela sua percepção de poucas possibilidades de desenvolvimentos com os modelos que trabalhava em partículas, pela possibilidade de uso dos recursos teóricos da teoria quântica de campos no estudo da Ótica e pelas possibilidades experimentais nascentes no campo da Ótica Quântica. Esse último atrativo foi amplificado pelas interações surgidas no âmbito de um convênio entre instituições brasileiras e francesas, no qual o lado francês, a equipe da Ecole Normale Supèrieure, liderada por Serge Haroche, tinha excelência e recursos na área experimental, o que facilitava suprir a debilidade brasileira nesse terreno.

Os dois primeiros casos evidenciam que carreiras de sucesso no cenário da física brasileira a partir de 1968-1970 foram pautadas tematicamente por decisões adotadas em contextos anteriores ao apoio à ciência e à tecnologia patrocinado pelo regime militar a partir de 1968. O terceiro caso é uma diversificação de interesses de pesquisa já no curso do período de apoio intensivo do governo federal ao desenvolvimento científico no país, mas sem nenhuma evidência de que tal diversificação tenha sido influenciada por aquele contexto. Tais decisões corresponderam, nos casos estudados, a sensibilidades e habilidades profissionais pessoais, facilitadas pela internacionalização presente na formação e atuação dos físicos brasileiros. Contudo, cabe assinalar que o sucesso dessas carreiras no cenário brasileiro e no período apontado não foi independente das políticas então vigentes de apoio à ciência e à tecnologia.

Dos casos já examinados, aparecem também inflexões quanto aos temas de pesquisa que parecem ter sido condicionados por fatores locais relacionados ao contexto brasileiro do período do regime militar, em especial, na sensível questão da Física Nuclear. Ernst Hamburger, por exemplo, relativizou sua atividade de pesquisa em Física Nuclear por uma decisão consciente de não contribuir para o fortalecimento dessa área em um cenário político marcado pelo domínio de militares que ambicionavam o uso da energia atômica para fins não pacíficos, e dedicou atenção crescente ao ensino da Física tendo em vista as mudanças no cenário educacional brasileiro associadas à reforma universitária e à ampliação das vagas no ensino superior. Em um sentido distinto, Spero Morato, que fez doutorado em Utah, trabalhando com centros de cor em cristais, passou a focalizar seu trabalho em espectroscopia com laser, motivado, em parte, pelo desafio sugerido por Sergio Porto, Claudio Rodrigues e José Alberto do Amarante do uso de laser para separação isotópica do urânio, um projeto de interesse militar à época (Freire Jr. e Santana, 2009).

Entre os físicos entrevistados, aparecem evidências de discriminações políticas nos auxílios das agências para viagens ou estadas no exterior (Nicim Zagury) ou nas próprias instituições de ensino universitário (Ernst Hamburger). Contudo, não aparecem evidências de discriminação em outras formas de apoio, especialmente nas agências com maior capacidade de financiamento, como a FINEP. Este dado é intrigante e, junto com as possibilidades de negociações no âmbito das agências estatais de fomento, será objeto de análise ulterior, vez que ele parece sinalizar uma convergência de interesses entre a política de ciência e tecnologia do regime militar e os interesses profissionais dos físicos. Que físicos, militares e técnicos tenham tido a atitude pragmática de operar essa tradução de interesses distintos e que os físicos tenham, desse modo, feito avançar uma agenda de interesses dessa comunidade científica são aspectos que merecem análises detalhadas, ainda não disponíveis na literatura da história da ciência no Brasil.

De todo modo, quanto aos espaços de interlocução político-acadêmica, limitados como ainda são os resultados dessas entrevistas, eles permitem identificar o CNPq como um espaço privilegiado dessa ação política, mesmo nos períodos mais autoritários do regime militar. Desse modo, Erasmo Ferreira, na condição de diretor do setor de Física, cumprindo funções análogas à de um coordenador de comitê de área, pôde influir efetivamente em decisões relativas à configuração da física brasileira. Exemplo disso foi o apoio ao Departamento de Física da UFPE, decisão que envolveu o físico Sergio Mascarenhas, de São Carlos, então membro do Conselho Deliberativo do CNPq; o engenheiro eletrônico Sergio Rezende, que tinha acabado de obter doutorado no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), EUA, era professor da PUC-RJ e assessorava Erasmo Ferreira no CNPq, além do próprio Ferreira. Tal deliberação teve como desdobramentos a transferência em definitivo de Sergio Rezende para a UFPE e a criação de um dos melhores Departamentos de Física do Brasil, fora do Sudeste, dedicado principalmente à área de matéria condensada.

Carlos Alberto Dias relata o apoio permanente que tem recebido ao longo de sua formação e de sua carreira científica e, em especial, quando de seu retorno de Berkeley, o apoio institucional e financeiro que viabilizou a sua implantação inicial na Universidade Federal da Bahia e a criação do programa de pós-graduação em Geofísica dessa universidade. Ainda conforme Dias, um interlocutor permanente a lhe apoiar no CNPq foi o diretor Manoel da Frota Moreira. A referência a Moreira é significativa, vez que esse pesquisador da área médica exerceu o cargo de Diretor Científico do CNPq do início da década de 1960 a meados da década de 1970, estabelecendo, assim, continuidade na avaliação do mérito científico que ultrapassou as clivagens políticas representadas pelo golpe militar de abril de 1964, e pela edição do Ato Institucional Número 5, em dezembro de 1968. O papel de Manoel da Frota Moreira no CNPq, aspecto ainda não analisado na literatura histórica, junto com o papel de Costa Ribeiro, na década de 1950, bem como o papel dos assessores, a exemplo de Erasmo Ferreira, e dos membros do Conselho Diretor parecem indicar prevalência de critérios de mérito científico antes mesmo da institucionalização dos Comitês Assessores na reforma do CNPq, ocorrida em meados da década de 1970. São questões que merecem maior análise.

 

CONSIDERAÇÃO FINAL

Os resultados, por serem parciais, sugerem cautela quanto a conclusões sobre o que dizem os nossos protagonistas a propósito das relações entre ciência e política no período do regime militar. Contudo, os resultados apontados, mesmo preliminares e provisórios, exibem as potencialidades do projeto de pesquisa em curso, bem como as potencialidades da história oral como recurso metodológico à disposição do historiador.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e os bolsistas de Iniciação Científica, estudantes da Universidade Federal da Bahia (História e Física), Caio Barbosa, Climério Paulo da Silva Neto e Caroline Mendonça Araújo Paixão.

 

REFERÊNCIAS

ABREU, A. A.; VELHO, G.; DAVIDOVICH, L. Herch Moysés Nussenzveig. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 60, n. espec. 1, 2008. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000500013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 03 set. 2008.

ALBERTI, V. Manual de história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

FREIRE JR., O. Sobre a relação entre regimes políticos e desenvolvimento científico: apontamentos para um estudo sobre a história da C&T durante o regime militar brasileiro. Fênix, v. 4, n. 3, p. 1-11, 2007.

FREIRE JR., O.; SANTANA, W. O interesse militar pelo laser: o caso Sergio Porto. In: DOMINGOS, Manuel (Org.). O militar e a ciência no Brasil. São Paulo: Annablume, 2009. No prelo.

FREIRE JR., O.; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos; RIBEIRO FILHO, Aurino; SILVA NETO, Climério Paulo da; PAIXÃO, C. M. A. Os físicos brasileiros e o regime militar: a visão de seus protagonistas. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL, 9., 2008, São Leopoldo. Anais... São Leopoldo: UNISINOS, 2008.

HISTÓRIA da Ciência no Brasil, acervo de depoimentos, Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV, 1984.NUSSENZVEIG, H. M. Reminiscências pessoais sobre a óptica no Brasil. In: DOMINGUES, H. M. B. (Org.). MAST Colloquia-Memória da Física. Rio de Janeiro: MAST, 2005. v. 2, p. 83-100.

 

 

Endereço para correspondência:
Museu Paraense Emílio Goeldi
Editor do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas
Av. Magalhães Barata, 376
São Braz - CEP 66040-170
Belém - PA - Brasil
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Telefone/fax: 55-91-3249-1141
E-mail:boletim@museu-goeldi.br

Recebido: 03/07/2009
Aprovado: 12/11/2009

 

 

1Para uma discussão do desenvolvimento em ciência e tecnologia em regimes autoritários, ver Freire Jr. (2007).

2Projetos 400628/2008-2 e 400387/2006-9.

3Essa lacuna, entretanto, tem sido preenchida por Abreu et al. (2008) e Nussenzveig (2005).

4Uma apresentação das opções metodológicas, da fundamentação teórica, bem como de certos resultados preliminares foi feita em Freire Jr. et al. (2008).