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Revista Brasileira de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 1982-3258

Rev. Bras. Pneumol. Sanit. v.15 n.1 Rio de Janeiro dez. 2007

 

EDITORIAL

 

XDR-TB - uma grave e emergente ameaça à saúde pública

 

XDR-TB - a serious and emerging public health threat

 

 

Gilmário M. Teixeira

Editor

 

 

A Agência Reuters,1 este ano, inundou a mídia mundial com a notícia de que os Estados Unidos haviam determinado o isolamento de um americano que poderia ter exposto os passageiros que o acompanharam em vôos de ida e volta à Europa, ao risco de infecção por uma estirpe de M. tuberculosis extensivamente resistente - XDR-TB, na sigla em inglês. O Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) dos Estados Unidos, atuando em consonância com as normas da OMS para risco de infecção em viagem aérea, notificou a ocorrência às autoridades de saúde internacionais, às companhias de aviação envolvidas, bem como aos passageiros e tripulantes daqueles vôos. Recomendou que se submetessem a exames para detecção de tuberculose (TB), inicialmente, prova tuberculínica ou teste de QuantiFERON®TB Gold.

Em março de 2006, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o CDC haviam apontado a XDR-TB como uma emergente e grave ameaça à Saúde Pública e ao controle da TB. Logo depois, em maio desse ano, o tema ocupava espaço destacado nos meios de comunicação internacionais, visto que, na reunião do projeto PARTNERS, em Atlanta, confirmou-se a existência de um grave surto de TB resistente a múltiplas drogas, na pequena cidade de Tugela Ferry, província de KwaZulu-Natal, África do Sul.2 Nessa oportunidade, concluiu-se que as características dos casos ultrapassavam os limites definidos para a TB multirresistente – TBMR – ou seja, TB resistente, pelo menos, à isoniazida (INH) e à rifampicina (RMP).

Em verdade, entre janeiro de 2005 e março de 2006, em uma área rural com alta prevalência de HIV, foram identificados 221 casos de TBMR, dos quais 53 (24%) eram também resistentes a duas - canamicina e ciprofloxacina - das quatro drogas de segunda linha testadas. Acrescente-se que, dos 53 casos, 52 morreram, com sobrevida média, a partir da coleta do escarro inicial, de 16 dias. Além disso, 44 dos pacientes testados para HIV resultaram positivos.3 Poder-se-ia dizer que se consolidava aqui o conceito de XDR-TB.

O impacto produzido por essa revelação mobilizou os organismos internacionais e nacionais de saúde e alertou as forças ativistas das comunidades para a ameaça que o surgimento de uma epidemia de TB de tamanha gravidade representava não só para o continente africano, como para o mundo. Assim, em setembro, uma Reunião de Emergência realizada em Johanesburgo pelo Conselho Sul-Africano de Pesquisas Médicas, CDC e OMS, estabelecia um plano de ação composto por medidas a serem desenvolvidas pelos países de forma a conter o impacto da TBMR e da XDR-TB.4

A essa reunião seguiu-se a da Força-Tarefa Mundial sobre XDR-TB,3,5 com a participação dos países mais afetados, organizada pelos departamentos de STOP-TB e HIV da OMS, que recomendou: prioridade para o imediato fortalecimento do controle da TB nos países, de acordo com a nova estratégia Stop TB, e o Plano Global para deter a TB, 2006-2015; atenção aos suspeitos de XDR-TB nos locais de alta e baixa prevalência de HIV; administração programática da XDR-TB e esquema de tratamento para os HIV positivos e negativos; definição de XDR-TB e fortalecimento dos laboratórios; controle da infecção e proteção dos trabalhadores de saúde, com ênfase para as áreas com alta prevalência de HIV; desenvolvimento de atividades imediatas de vigilância, sensibilização, comunicação, mobilização social, mobilização de recursos e de pesquisa e desenvolvimento.

A definição da nova entidade, impôs-se, entre outras razões, pela necessidade de uniformizar critérios, sistematizar a informação e padronizar ações de controle. Inicialmente, XDR-TB foi definida como doença causada pelo M. tuberculosis que apresenta resistência, pelo menos, à isoniazida e à rifampicina, entre as drogas de primeira linha e, pelo menos, a três ou mais das seis principais classes de drogas de segunda linha. Em outubro de 2006, durante a reunião da Força-Tarefa sobre XDR-TB, a definição foi revisada, passando a ter a seguinte redação: define-se XDR-TB como resistência, pelo menos, à rifampicina e à isoniazida, além de qualquer fluoroquinolona e, pelo menos, a uma das três seguintes drogas injetáveis usadas no tratamento da TB – capreomicina, canamicina e amicacina.3,6

Uma vez estabelecido o critério para classificar um caso como XDR-TB, o passo seguinte buscou conhecer a magnitude e a abrangência do problema, por meio de análise retrospectiva da informação disponível nas áreas onde a resistência à TB vinha sendo monitorada.

O Sistema Nacional de Vigilância da TB dos Estados Unidos, por exemplo, analisando os dados de 1993-2006, encontrou 49 casos - 3% dos casos de TBMR - que se enquadravam na nova definição de XDR-TB.7

O esforço para conhecer a extensão do problema no mundo, levou o CDC e a OMS a avaliarem a informação referente a 2000-2004, de 25 laboratórios distribuídos em seis continentes, da Rede Mundial Supranacional de Laboratórios de Referência em TB – OMS / International Union Against Tuberculosis and Lung Disease.8 Os dados foram tabulados por ano e região geográfica; no total, compreenderam uma amostra de 17.690 culturas positivas para M. tuberculosis, que foram submetidas às provas de sensibilidade para, pelo menos, três das seis classes de drogas de segunda linha. Os resultados mostraram 3.520 (20%) casos de TBMR e 347 de XDR-TB, esses últimos representando 2% sobre o total de investigados e 10% sobre o total de TBMR.8

Os dados referentes a cinco países do Leste Europeu e da Ásia Ocidental, registraram que, entre 406 casos de TBMR diagnosticados, 55 (14%) correspondiam a XDRTB, constituindo a taxa mais elevada entre as regiões estudadas.8

A informação relativa às Américas Central e do Sul (dados de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guiana Francesa, Guatemala, Guiana, México e Peru) mostrou que, entre 985 culturas testadas, 543 (55%) correspondiam a TBMR; destas, 32 (6%) correspondiam a XDR-TB.8

Os autores do relatório chamam a atenção para dois tipos de limitações a que os achados acima estão sujeitos: a falta de padronização internacional dos métodos para testes das drogas de segunda linha e o fato de tratar-se de uma amostra ocasional predisposta a viés.8

Dados mais qualificados - relativos à população - obtidos dos Estados Unidos (período 1993-2004), Letônia (2000-2002) e Coréia do Sul (2004) evidenciaram que 4%, 19% e 15% dos casos de TBMR, respectivamente, correspondiam a XDR-TB.8

No Brasil, o Ministério da Saúde exerce a vigilância da TBMR por meio de uma ação coordenada pelo Centro de Referência Prof. Hélio Fraga, que se estende a todos os Estados. A notificação dos casos é feita de forma sistemática, inclusive on-line, e a medicação é financiada pelo Ministério da Saúde. De 2.732 casos de TBMR notificados entre 1996-2007, quatro se enquadravam na classificação de XDR-TB, sendo que 198 (7,24%) eram HIV positivos, um índice baixo, considerando-se que, para o país, a prevalência estimada de HIV entre casos novos de TB de adultos de 15-49 anos é de 14%.9

Paralelamente, o Fundo Mundial de Luta Contra Aids, Tuberculose e Malária, subvenciona duas organizações brasileiras - a Fundação Ataulpho de Paiva e a Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde - para a execução de um projeto de melhoria da qualidade dos métodos de diagnóstico e controle do tratamento da tuberculose. Inclui, também, a implantação de unidades sentinela para a vigilância da TBMR e o aumento da oferta de meios para a descoberta da coinfecção TB/HIV, com ênfase na detecção de resistência nesse subgrupo; propõe-se, ainda, a desenvolver a participação da sociedade civil nas atividades de controle da TB.

A XDR-TB não é uma nova TB, como sugerido em muitas inserções da mídia, mas uma forma de TB. Resulta, sobretudo, de falhas humanas na observância dos meios de controle, de altíssima letalidade, de marcante presença nas áreas de alta prevalência de HIV e cujo tratamento é fortemente dificultado em função da resistência aos principais fármacos disponíveis. Além do mais, pressupõe um custo elevado, já que as drogas de segunda linha para tratar um caso de TBMR são, pelo menos, trezentas vezes mais caras do que as de primeira linha. Não é sem propósito que estudos preliminares realizados pela OMS estimaram em US$ 646 milhões - valor considerado subestimado - os recursos necessários no ano de 2007, para uma resposta global à emergência da XDR-TB.5

A preocupação dos organismos internacionais de saúde com a XDR-TB reflete-se no estado de alerta deflagrado – é emergência absoluta, está se expandindo rapidamente e pode prejudicar, seriamente, o controle mundial da TB10,8 - e na série de medidas aprovadas para aprofundar o conhecimento do problema e desenvolver meios para enfrentá-lo.

Da leitura das análises dos especialistas se infere que, não obstante a presença já comprovada da XDR-TB em todas as regiões do mundo, o surto da Província de KvaZulu-Natal deve ser visto como um fenômeno com características próprias dessa área, não só pela co-infecção TB/HIV ali confirmada em todos os casos testados, como também pelo fato de que a estirpe de bacilo identificado em 85% dos doentes - KZN prevalente na região desde 1995,10 – possa ter alguma influência no comportamento da doença, condição esta que merece ser investigada.

Por outro lado, há de se convir que o problema, para um determinado espaço, tem como agravante, além da alta prevalência de HIV, o nível elevado de resistência às drogas, que significa tratamento erradamente conduzido; e, logicamente, a existência simultânea desses dois grandes fatores de risco possibilita a emergência de um cenário epidemiológico crítico.

O Brasil, em meio a esse panorama, tem uma situação de escala intermediária. No que concerne à epidemia de HIV/Aids, em 2005, a taxa de adultos de 15-49 anos que viviam com HIV/Aids era de 0,5%, comparável à dos Estados Unidos (0,6%) e muito distante da registrada na África do Sul (18,8%);11 quanto à resistência, a taxa de TBMR – resistência à INH+RMP – era, em 1995-1996, de 1,1%, semelhante à da Inglaterra (1,2%) e bem inferior à da Índia (4,2%).12

Em 1994, a OMS,13 valendo-se das experiências desenvolvidas na África pelo dr. Karel Styblo, então Diretor Científico da União Internacional contra a TB, nas quais reuniu o conhecimento da epidemiologia aos princípios da administração dos meios de controle, formalizou a estratégia DOTS, centrada no tratamento supervisionado, mas incluindo outros aspectos fundamentais, como o compromisso político, o diagnóstico, a entrega de drogas, o monitoramento e a informação.

A Parceria Stop-TB, em 2005, reconhecendo que era necessário ampliar a DOTS, aprovou uma nova estratégia, aumentando, assim, o leque de componentes da anterior, de forma a abarcar problemas que já vinham sendo trabalhados. Dentre outros, destacam-se o da associação TB/HIV, da TBMR, do fortalecimento dos sistemas de saúde, do engajamento de todos os provedores de saúde, da participação dos próprios pacientes e das comunidades e do compromisso e apoio ao desenvolvimento e aplicação de novos meios de diagnóstico, de novas drogas e de novas vacinas.14

Diante de tamanho desafio - epidemia de HIV, agravamento da resistência às drogas - a resposta mais adequada está na intensificação e no aperfeiçoamento dos métodos e técnicas consolidados nos planos da Parceria Stop-TB, que encerram, com abrangência mundial, tanto os avanços tecnológicos quanto as experiências de campo na aplicação das medidas de controle da TB. A grande dificuldade está em executá-los em sua completude. Desse modo, a implementação plena e em âmbito global da Nova Estratégia da Parceria Stop TB parece ser o instrumento mais apropriado, já que comporta, à luz do conhecimento atual, a possibilidade de perseguir o declínio sustentado da TB e, inclusive, almejar sua eliminação como problema de saúde pública - menos de um caso por milhão de habitantes - por volta do ano 2050.

 

REFERÊNCIAS

1. Reuters Health Information 2007. U.S. isolates traveler infected with extensively drug-resistant TB c2007 - [cited 2007 Apr]. Available from: http://www.medscape.com/viewarticle/557454.

2. World Health Organization. The Global Task Force on XDR-TB. Update February 2007. Stop TB Department. Available from:http://www.who.int/tb/xdr_globaltaskforce_update_feb07.pdf.

3. World Health Organizations. Report of the meeting of the WHO Global Task Force on XDR-TB. Geneva, Switzerland, 9-10 October 2006 - [cited 2007 Jan]. Available from: http://www.who.int/tb/xdr/taskforcereport_oct06.pdf.

4. WHO/STOP TB. Addressing the threat of tuberculosis caused by extensive drug-resistant M. tuberculosis. Weekly Epidemiological Record. September 2006 [cited 2007 Fev]. Available from: http://www.who.int/wer.

5. World Health Organization. XDR-TB Extensively Drug-Resistant Tuberculosis – What, Where, How and Action Steps [cited 2007 Mar]. Available from: http://www.who.int/tb/xdrmap_20june_en.pdf.

6. STOP-TB. What is MDR-TB and XDR-TB? c2007 - [cited 2007 Apr]. Available from: http://www.healthdev.org/stop-tb.

7. Centers for Disease Control and Prevention. Extensively Drug-Resistant – United States – 1993-2006. MMWR 2007,56(11)250-253.

8. Centers for Disease Control and Prevention. Emergence of Mycobacterium tuberculosis with extensive resistance to secondline drugs – world wide, 2000-2004. MMWR. 2006;55(11):301-5.

9. Global Tuberculosis Control: surveillance, planning, financing. WHO report 2007. Geneva, World Health Organization, 2007.

10. Raviglione M. XDR-TB: Entering the post-antibiotic era? Int J Tuberc Lung Dis 2006;10(11):1185-7.

11. UNAIDS/WHO Global HIV/aids [database on the Internet] - [cited 2007 Fev] Available from: www.who.int/globalatlas/dataQuery/default.asp.

12. World Health Organizations. Anti-tuberculosis drug resistance in the world. The WHO/IUATLD Project on Anti-tuberculosis Drug Resistance Surveillance 1994-1997. Geneva.

13. World Health Organizacion. The Global Plan to Stop TB. Stop TB Partnership; Geneva: WHO 2002.

14. Raviglione M, Uplekar MW – WHO's new Stop TB Strategy. Lancet 2005;367:952-5.