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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.1 n.1 Ananindeua mar. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000100007 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Fauna flebotomínica da Serra dos Carajás, Estado do Pará, Brasil, e sua possível implicação na transmissão da leishmaniose tegumentar americana

 

Phlebotominae fauna in Serra dos Carajás, Pará State, Brazil, and its possible implications for the transmission of American tegumentar leishmaniasis

 

Flebótomos de la Serra dos Carajás (Estado de Pará, Brasil) y su posible implicación en la transmisión de la leishmaniasis cutánea americana

 

 

Adelson Alcimar Almeida de SouzaI; Fernando Tobias SilveiraII; Ralph LainsonI; Iorlando da Rocha BarataI; Maria das Graças Soares SilvaI; José Aprígio Nunes LimaI; Maria Sueli Barros PinheiroI; Fábio Márcio Medeiros da SilvaI; Lindomar de Souza VasconcelosI; Marliane Batista CamposI; Edna Aoba Yassui IshikawaIII

IInstituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil
IIInstituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil. Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIINúcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

A Serra dos Carajás, localizada no sudeste do Estado do Pará, Brasil, representa uma rica floresta tropical, onde são encontradas espécies de Leishmania sp. de interesse médico, como L. (V.) braziliensis, L. (V.) lainsoni, L. (V.) shawi e L. (L.) amazonensis, cuja transmissão é feita pelos flebotomíneos: Psychodopygus complexus ou Ps. wellcomei, Lutzomyia ubiquitalis, Lu. whitmani e Lu. flaviscutellata. Considerando o incremento de imigrantes na região do projeto Carajás, realizou-se estudo para avaliar a fauna de flebotomíneos e sua possível participação na transmissão da leishmaniose tegumentar americana (LTA). Os flebotomíneos foram capturados: i) Parque Zoobotânico de Parauapebas, ii) Área de proteção ambiental e, iii) Floresta Nacional de Tapirapé-Aquiri, de dezembro/2005 a setembro/2007, usando-se dez armadilhas luminosas tipo "CDC" (18 h às 6 h) e duas tipo Shannon (18 h às 20 h), durante 172 dias de coleta. Foram capturados 22.095 flebotomíneos, 6.789 (31%) machos e 15.306 (69%) fêmeas, pertencentes a 69 espécies e três gêneros: Psychodopygus, Lutzomyia e Brumptomyia. Foram detectadas 19 (0,16%) infecções naturais nas seguintes espécies: Ps. davisi (4), Ps. h. hirsutus (3), Lu. umbratilis (3), Lu. richardward (2), Lu. brachipyga (2), Lu. ubiquitalis (2), Lu. trinidadenses (1) e Lu. migonei (1). Embora não tenha sido encontrada infecção em Ps. wellcomei/complexus, principal vetor da L. (V.) braziliensis na região, esta espécie foi a mais prevalente (16%), seguida de Ps. davisi (15,4%), Ps. carrerai (4,2%), Lu. shawi (3,9%), Lu. brachipyga (2,5%) e Lu. richardward (1,2%). Estes resultados evidenciam a importância destes flebotomíneos como possíveis vetores da LTA na Serra dos Carajás.

Palavras-chave: Flebotomíneos; Serra dos Carajás; Estado do Pará; Brasil; Leishmaniose Cutânea.


ABSTRACT

Serra dos Carajás, located in the southeast of Pará State, Brazil, is a rich tropical forest where species of Leishmania sp. of medical interest are found, such as Leishmania (V.) braziliensis, L. (V.) lainsoni, L. (V.) shawi and L. (L.) amazonensis. They are transmitted by the following phlebotomi: Psychodopygus complexus or Ps. wellcomei, Lutzomyia ubiquitalis, Lu. whitmani and Lu. flaviscutellata. Considering the increase of immigrants in the region of the Carajás project, this study aimed to assess the Phlebotominae fauna and their possible participation in the transmission of American cutaneous leishmaniasis (ACL). The phlebotomi were captured from December 2005 to September 2007 at the following locations: i) Parauapebas Botanical Park; ii) an environmental protection area; and iii) Tapirapé-Aquiri National Forest. During the 172 days of collection, 10 CDC (18 h to 6 h) and 2 Shannon (18 h to 20 h) light traps were used. Of the 22,095 phlebotomi captured, 6,789 (31%) were male and 15,306 (69%) were female, and they belonged to 69 species and three genera, including Psychodopygus, Lutzomyia and Brumptomyia. A total of 19 (0.16%) natural infections of the following species were detected: Ps. davisi (4), Ps. h. hirsutus (3), Lu. umbratilis (3), Lu. richardward (2), Lu. brachipyga (2), Lu. ubiquitalis (2), Lu. trinidadensis (1) and Lu. migonei (1). Although no infection was found in Ps. wellcomei/complexus, the main vector of L. (V.) braziliensis in the region, this species was the most prevalent (16%), followed by Ps. davisi (15.4%), Ps. carrerai (4.2%), Lu. shawi (3.9%), Lu. brachipyga (2.5%) and Lu. richardward (1.2%). These results show the importance of these phlebotomi as possible vectors of ACL in Serra dos Carajás.

Keywords: Phlebotominae; Serra dos Carajás; Pará State; Brasil; Leishmaniasis, Cutaneous.


RESUMEN

La Serra dos Carajás, ubicada en la región sureste del Estado de Pará (Brasil), representa una rica floresta tropical, donde se encuentran especies de Leishmania sp. de interés para la medicina, como L. (V.) braziliensis, L. (V.) lainsoni, L. (V.) y L. shawi (L.) amazonensis, que se transmiten a través de especies de flebótomos; Psychodopygus complexus o Ps. wellcomei, Lutzomyia ubiquitalis, Lu. whitmani y Lu. flaviscutellata. Considerando el aumento de inmigrantes en la región del proyecto Carajás, se realizó un estudio para evaluar la fauna flebotomina en el área y su posible papel en la transmisión de agentes de la leishmaniasis cutánea americana (LTA). Las especies flebotominas fueron capturadas: i) en el Parque Botánico de Parauapebas; ii) en el área de protección ambiental; y iii) en el Bosque Nacional Tapirapé-Aquiri, de diciembre de 2005 hasta septiembre de 2007, utilizando diez trampas de luz "CDC" (18 h a 6 h), y dos de tipo Shannon (18 h a 20 h), durante 172 días de recogida. Fueron capturados 22.095 flebótomos, 6.789 (31%) machos y 15.306 (69%) hembras, pertenecientes a 69 especies y tres géneros: Psychodopygus, Lutzomyia y Brumptomya. Fueron detectados 19 (0,16%) infecciones naturales en las siguientes especies de flebótomos: Ps davisi (4), Ps. h. hirsutus (3), Lu. umbratilis (3), Lu. richardward (2), Lu. brachipyga (2), Lu. ubiquitalis (2), Lu. trinidadensis (1) y Lu. migonei (1). Sin embargo, aunque no se ha encontrado infección natural en Ps. wellcomei/complexus, principal vector de L. (V.) braziliensis en la región, esta especie fue la más frecuente (16%), seguida de la Ps. davisi (15,4%), Ps. carrerai (4,2%), Lu. shawi (3,9%), Lu. brachipyga (2,5%) y Lu. richardward (1,2%). Estos resultados demuestran la importancia de estas especies de flebótomos como vectores potenciales de la LTA en la Serra dos Carajás.

Palabras clave: Fauna Flebótominica; Serra dos Carajás; Pará; Brasil; Leishmaniasis Cutánea.


 

 

INTRODUÇÃO

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) representa um importante problema de saúde pública no Brasil, tanto pela incidência e distribuição geográfica, como também pelo risco de assumir formas clínicas graves. A doença é causada por diferentes espécies de protozoários do gênero Leishmania Ross 1903, das quais são reconhecidas, atualmente, pelo menos sete espécies de interesse médico na Amazônia brasileira15,17,2. A transmissão desses parasitos entre seus reservatórios primários e, acidentalmente, para o homem, é feita durante a hematofagia das espécies de flebotomíneos vetores (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae)8,7. O gênero tem sua maior diversidade na Amazônia, onde todas as espécies regionais que infectam o homem são enzoóticas em mamíferos silvestres de várias ordens9,4. O homem contrai essa zoonose quando entra em contato com os ciclos silvestres de transmissão, para caçar, nadar, garimpar, acampar ou desmatar a floresta. A fauna de flebotomíneos de uma determinada área florestal sofre a influência de algumas variáveis, entre as quais se destacam o índice pluviométrico e a relativa qualidade de alimentos que podem servir de atrativo para os reservatórios animais. Na Serra dos Carajás, Estado do Pará, Brasil, esse fato é observado nas principais estações climáticas da região, no inverno (período chuvoso de dezembro a junho) e, no verão (período quente de julho a novembro), sendo as capturas de flebotomíneos mais rendosas no período chuvoso e menos no período quente. Por essa razão, faz-se importante estudar a sazonalidade dos flebotomíneos suspeitos de participarem na transmissão da infecção para o homem14.

Nosso interesse em pesquisar a fauna de flebotomíneos na Serra dos Carajás nos remete aos anos 70, quando dezenas de casos de LTA ocorreram na força-tarefa que trabalhava no grande projeto de exploração de ferro na área, motivando as primeiras pesquisas sobre a ecoepidemiologia da doença. De forma breve, deve-se destacar, dentre os principais achados dessas pesquisas, a descrição de Psychodopygus wellcomei Fraiha, Shaw e Lainson 1971, uma espécie de flebotomíneo altamente antropofílica, que pica o homem diuturnamente no interior da floresta e, mais tarde, o seu envolvimento como o principal vetor da LTA causada por L. (V.) braziliensis na Serra dos Carajás e em outras áreas da Amazônia brasileira5,12. Além disso, deve-se destacar, também, que a altitude faz grande diferença nos habitats das espécies incriminadas, Psychodopigus complexus e Ps. wellcomei, o primeiro proliferando até 300 m na base da Serra18, e o segundo acima dessa altitude até 600-700 m11.

Atualmente, considerando o incremento de imigrantes nas vilas do entorno da área de abrangência do projeto mineral na Serra dos Carajás, assim como a abertura de áreas de floresta para a implantação de novas frentes de pesquisa mineral, foi estabelecido, recentemente, um novo estudo visando avaliar a fauna de flebotomíneos da área, e sua possível participação na transmissão de agentes da LTA, estudo cujos resultados constituem o objeto do presente relato.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO

Este estudo constituiu um subprojeto de um convênio de pesquisa celebrado entre a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e o Instituto Evandro Chagas (IEC/SVS/MS) intitulado: "Avaliação da situação saúde-doença nas áreas de influência do Projeto Salobo e Parque Zoobotânico de Carajás, Pará, Brasil, decorrente do ecossistema local e dos movimentos migratórios", no qual avaliamos, no período de dezembro de 2005 a setembro de 2007, a fauna de flebotomíneos na área e sua possível implicação na transmissão de agentes da LTA.

ÁREA DO ESTUDO

A Serra de Carajás (5o 35' 6o 00' Sul e 50o 24' 51o 06' Oeste) localiza-se na Região Sudeste do Estado do Pará, Brasil (Figura 1), e possui um relevo misto de montanhas e vales, apresentando uma vegetação variada com floresta primária, bem como áreas de cerrado; e solo e subsolo ricos em ferro e outros minerais. A temperatura média nessa região varia de 20o C a 26o C no inverno, com 90% de umidade relativa do ar e, de 26o C a 32o C, com 80% de umidade, no verão. Dentro da Serra dos Carajás foram selecionadas três áreas para realização das coletas de flebotomíneos:

 

 

1- Quarentena do Parque Zoobotânico: está localizada no Núcleo Urbano de Carajás e se caracteriza por conter uma pequena reserva de floresta, que faz fronteira com o zoológico, onde ainda é possível se fazer a captura de vetores flebotomíneos e mamíferos silvestres;

2- Área de Proteção Ambiental (APA): área totalmente degradada por muitos assentamentos, desmatamentos e por abrigar duas comunidades bastante povoadas, chamadas Vila Sansão e Paulo Fonteles;

3- Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri: é a única reserva florestal primária em que trabalhamos, mas que também será desmatada em parte, pois lá está a mina com jazidas de cobre. Essa área localiza-se próxima ao acampamento do Salobo, bem como do rio Itacaiúnas.

MÉTODOS DE COLETA DOS FLEBOTOMÍNEOS

Para coleta de flebotomíneos foram utilizados dois tipos de armadilhas luminosas: a "CDC" e a de Shannon. A do tipo "CDC" foi usada em número de dez, no total, sendo oito ao nível do solo (1 m de altura) e duas em copa de árvores (cerca de 15 m a 20 m do solo), no período de 18 h a 6 h, perfazendo 12 h de coleta (Figura 2). A do tipo Shannon foi usada em número de duas, no período de 18 h a 20 h (Figura 3). A diferença entre esses dois métodos de coleta é que, com as armadilhas do tipo "CDC" são capturados todos os tipos de insetos atraídos pela luz, enquanto que, com as armadilhas de Shannon, embora todos os insetos sejam também atraídos pela luz, somente os flebotomíneos são capturados pelo homem, usando o sugador.

 

 

 

 

MÉTODOS DE DISSECAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DE FLEBOTOMÍNEOS

A dissecação das fêmeas de flebotomíneos foi realizada para observação de flagelados presentes no tubo digestivo dos insetos, segundo a técnica de Ryan et al12. Em seguida, as fêmeas eram identificadas pelas características das espermatecas, e os machos eram montados em lâmina para identificação segundo Young e Duncan21.

MÉTODOS DE ISOLAMENTO E IDENTIFICAÇÃO DE FLAGELADOS (LEISHMANIA SPP)

Para o isolamento em laboratório de flagelados encontrados no tubo digestivo das fêmeas de flebotomíneos, principalmente flagelados do gênero Leishmania, o conteúdo infectante era inoculado em meio de cultura Difco B4519 e, intradermicamente, em animal de laboratório, o "hamster" (Mesocricetus auratus). Em seguida, após o isolamento definitivo do parasito em meio de cultura, a sua identificação era feita através da análise por anticorpos monoclonais específicos para Leishmania13.

 

RESULTADOS

Durante as sete excursões realizadas na Serra dos Carajás, foram capturados, nas três áreas trabalhadas (Quarentena do Parque Zoobotânico, Área de Proteção Ambiental e Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri), 22.095 exemplares de flebotomíneos, sendo 15.306 fêmeas (69%) (Tabela 1) e 6.789 machos (31%) (Tabela 2). Desse total, foram identificadas 69 espécies diferentes, pertencentes a três gêneros: Psychodopygus, Lutzomyia e Brumptomyia. Os períodos de maior densidade de flebotomíneos ocorreram nos meses de março e de junho, com 3.372 e 3.878 capturas, respectivamente, enquanto no mês de setembro houve menor atividade, com somente 660 exemplares capturados em 2006. Do total de fêmeas (15.306) capturadas, 11.259 (73,5%) foram dissecadas e examinadas para pesquisa de flagelados de Leishmania, sendo detectadas 19 (0,16%) infecções naturais nas seguintes espécies de flebotomíneos: Psychodopygus davisi (4), Ps. h. hirsutus (3), Lutzomyia umbratilis (3), Lu. richardward (2), Lu. brachipyga (2), Lu. ubiquitalis (2), Lu. trinidadenses (1) e Lu. migonei (1) (Tabela 3). Das 19 infecções naturais detectadas em flebotomíneos, foram obtidos oito isolamentos de flagelados em meio de cultura Difco B4519, cuja caracterização pela técnica de anticorpos monoclonais13 revelou a presença de L. (V.) braziliensis em dois exemplares de Ps. davisi. Não foi possível identificar os flagelados isolados de Ps. h. hirsutus, Lu. brachipyga, Lu. richardwardi, Lu. umbratilis e Lu. ubiquitalis (Tabela 4). Do restante não dissecado, 2.912 fêmeas foram acondicionadas no criobanco (N2 e -70o C) do Laboratório de Leishmanioses (IEC) para futura análise de infecção natural de Leishmania por método molecular, e 1.135 colocadas em álcool (70%) para montagem e posterior identificação.

 

 

 

 

 

 

 

 

Contudo, embora não tenha sido encontrada infecção natural em Ps. wellcomei/complexus, o principal vetor da L. (V.) braziliensis na Amazônia brasileira, esta espécie foi a mais prevalente (16%) entre os flebotomíneos capturados, seguida de Ps. davisi (15,4%), Ps. carrerai (4,2%), Lu. shawi (3,9%), Lu. brachipyga (2,5%) e Lu. richardward (1,2%).

 

DISCUSSÃO

No tocante à fauna de flebotomíneos da Serra dos Carajás, no Estado do Pará, Brasil, não se pode deixar de mencionar que estudos prévios já descreveram parte da fauna local, com a identificação de espécies já conhecidas e até de espécies novas de flebotomíneos, além dos seus hábitos alimentares em relação ao homem e reservatórios animais20. Desses achados, a descrição da espécie Psychodopygus wellcomei Fraiha, Shaw e Lainson (1971), um flebotomíneo altamente antropofílico, que pica o homem diuturnamente no interior da floresta, e o seu subsequente envolvimento como o principal vetor da LTA causada por L. (V.) braziliensis na Serra dos Carajás5, constituiu-se, sem dúvida, numa das mais importantes descobertas sobre a ecoepidemiologia da LTA na Serra dos Carajás. Por essa razão, foi tentada a colonização desse flebotomíneo em laboratório, com a finalidade de ser estudada a transmissão experimental da L. (V.) braziliensis via Ps. wellcomei. Porém, infelizmente, por motivos de ordem técnica, como alimentação adequada e condições de manejo desse flebotomíneo, esses experimentos não lograram êxito. Entretanto, como uma das prioridades dos estudos na Serra dos Carajás era identificar o vetor de L. (V.) braziliensis, o principal agente de LTA na região, grande número de fêmeas de flebotomíneos foram dissecadas e examinadas para detecção de promastigotas do parasito, fato que resultou no encontro de infecção natural não só em Ps. wellcomei, mas também, em Ps. paraensis e Ps. amazonensis5. Mais tarde, foi confirmada a participação de Ps. paraensis na transmissão de L. (V.) naiffi, uma espécie pouco frequente no homem6,16. Além destas, outra espécie de Leishmania patogênica para o homem, a L. (L.) amazonensis, também foi alvo de estudo na Serra dos Carajás, apesar da infecção humana ser relativamente rara, em virtude do seu vetor, o flebotomíneo Lutzomyia flaviscutellata, não ser muito antropofílico8.

Corroborando esses estudos prévios, os resultados do presente estudo vêm não só confirmar a importância epidemiológica de algumas espécies de flebotomíneos encontradas na fauna da Serra dos Carajás, tais como: Ps. wellcomei e Ps. complexus, vetores de L. (V.) braziliensis5,18, Ps. davisi, encontrado infectado com L. (V.) braziliensis, Lu.  umbratilis, vetor de L. (V.) guyanensis3, Lu. ubiquitalis, vetor  de L. (V.) lainsoni16; como, também, demonstrar a grande diversidade de espécies locais, num total de 69 identificadas, pertencentes a três gêneros: Psychodopygus, Lutzomyia e Brumptomyia. Desse modo, parece não haver dúvida quanto à importância da Serra dos Carajás como um dos maiores cenários mundiais de espécies primitivas de flebotomíneos.

Considerando o papel epidemiológico de algumas espécies de flebotomíneos na transmissão da LTA, parecem significativos os achados do presente trabalho, que detectou 19 (0,16%) infecções naturais nas seguintes espécies de flebotomíneos: Ps. davisi (4), Ps. h. hirsutus (3), Lu. umbratilis (3), Lu. richardward (2), Lu. brachipyga (2), Lu. ubiquitalis (2), Lu. trinidadenses (1) e Lu. migonei (1). Destes achados, sem dúvida chama a atenção o encontro de quatro exemplares de Ps. davisi com flagelados no tubo digestivo, já que em dois deles foi possível confirmar, através da identificação por anticorpos monoclonais, a infecção natural por L. (V.) braziliensis. Esta evidência, somada a outros achados da infecção natural de Ps. davisi por Leishmania spp. em outras localidades com ocorrência da LTA, tais como; Paragominas (Pará), Monte Dourado (Pará) e Serra do Navio (Amapá), vêm consubstanciar nossa suspeita de que esse flebotomíneo possa estar envolvido, também, na transmissão da LTA determinada por L. (V.) braziliensis na Amazônia brasileira. Além disto, apesar de não se ter conseguido isolar e identificar os parasitos nas outras espécies de flebotomíneos, não se pode deixar de valorizar a presença da infecção natural em Lu. umbratilis (3) e Lu. ubiquitalis (2), por exemplo, já que é reconhecida a importância destas espécies na transmissão da LTA causada por L. (V.) guyanensis e L. (V.) lainsoni,  respectivamente16,3 . Das outras cinco espécies encontradas com infecção natural por flagelados, cabe ainda salientar que Ps. h. hirsutus e Lu. migonei já foram também previamente encontradas com infecção natural por Leishmania (V.) spp em região de ocorrência da LTA nos  Estados de Minas Gerais e Ceará10,1, respectivamente, o que reforça a suspeita da possível participação desses flebotomíneos na transmissão da LTA na Serra dos Carajás.

Contudo, causou-nos surpresa o fato de não termos encontrado nenhum exemplar de Ps. wellcomei/complexus, o principal vetor da L. (V.) braziliensis na Amazônia brasileira, com infecção natural pelo parasito, apesar de terem sido dissecadas 1.409 fêmeas dessa espécie. Não obstante, esta espécie foi a mais prevalente (16%) entre os flebotomíneos capturados, seguida de Ps. davisi (15,4%), Ps. carrerai (4,2%), Lu. shawi (3,9%), Lu. brachipyga (2,5%) e Lu. richardward (1,2%), o que, de qualquer forma, sustenta a sua importância epidemiológica na área pesquisada.

Considerando os achados acima discutidos, não temos dúvida em afirmar que a fauna flebotomínica da Serra dos Carajás é das mais diversificadas do mundo, com várias espécies envolvidas na transmissão de enzootias por Leishmania spp em animais silvestres, algumas de reconhecido interesse médico e outras por serem, ainda, esclarecidas.

 

AGRADECIMENTOS

À Companhia Vale do Rio Doce, pelo suporte financeiro; à Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde e ao IEC, pelo apoio logístico; a dra. Gilberta Bensabath, pelo dinâmico trabalho como coordenadora deste projeto, superando todas as dificuldades e aglutinando todos os programas envolvidos. Sem sua participação, dificilmente conseguiríamos os resultados que obtivemos. Aos colegas do Programa de Leishmanioses do IEC, pela valiosa assistência técnica no laboratório e no campo, nas pessoas de Antônio Francisco Pires Martins, Antônio Júlio Monteiro, Domingas Ribeiro Ervedosa, Edna de Freitas Leão, Geraldo Mendes dos Santos, João Alves Brandão, João Batista Palheta da Luz, Leônidas Souza Elizeu, Luciene Aranha da Silva, Lucivaldo João Conceição Ferreira, Raimundo Negrão Coelho, Raimundo Sérgio Machado, Raimundo Nonato Barbosa Pires, Roberto Carlos Feitosa Brandão, Rosely Conceição dos Santos de Jesus. À secretária Vania do Socorro do Espírito Santo Monteiro, pelo excelente trabalho de digitação deste manuscrito.

 

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Correspondência/Correspondence/Correspondencia:
Adelson Alcimar Almeida de Souza
Instituto Evandro Chagas, Seção de Parasitologia
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CEP: 67030-000
Ananindeua-Pará-Brasil
E-mail:adelsonsouza@iec.pa.gov.br

Recebido em/Received/Recibido en: 30/6/2009
Aceito em/Accepted/Aceito en: 21/9/2009