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Revista Pan-Amazônica de Saúde

Print version ISSN 2176-6215On-line version ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.1 no.1 Ananindeua Mar. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000100008 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Morbimortalidade por gastroenterites no Estado do Pará

 

Morbidy and mortality for gastroenteritis in the State of Pará

 

Morbimortalidad por gastroenteritis en el Estado de Pará

 

 

Danusa Martins DiasI; Amiraldo Pinheiro da SilvaII; Ana Maria HelferIII; Ana Maria Teixeira Rico MacielII; Edvaldo Carlos Brito LoureiroIV; Cintya de Oliveira SouzaI

IUnidade de Referência Materno, Infantil e Adolescente, Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIDivisão de Vigilância em Saúde, Departamento de Epidemiologia, Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIICoordenação de Vigilância à Saúde, Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará, Belém, Pará, Brasil
IVLaboratório de Enteroinfecções Bacterianas, Seção de Bacteriologia e Micologia, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

No Brasil, as gastroenterites acometem principalmente as crianças menores de 5 anos de idade e são consideradas um importante problema de saúde pública. O declínio da morbimortalidade por enteroinfecções resulta na queda da mortalidade infantil e da mortalidade por doenças infecciosas nos países em desenvolvimento. O presente trabalho é um estudo descritivo, realizado em colaboração com o Departamento de Epidemiologia do Estado do Pará, desenvolvido com intuito de conhecer a importância das gastroenterites como causa de internações e óbitos no Estado do Pará. Realizou-se: o levantamento de dados sobre mortalidade e internação por meio dos Sistemas de Informação em Saúde e do Monitoramento das Doenças Diarreicas Agudas durante o período de 2000 a 2004; além dos cálculos dos indicadores de saúde. No cômputo geral, foram notificados 590.595 casos de diarreia. Foi observado um aumento no número de casos de diarreia notificados no Monitoramento das Doenças Diarreicas Agudas durante este período, sendo as maiores frequências encontradas na faixa etária de 1 a 4 anos de idade (média de 48.887 casos), seguido de 33.151 casos em menores de 1 ano de idade. A taxa de internação por diarreia em menores de 1 ano de idade foi de 35 por mil nascidos vivos em 2004. No período estudado, o coeficiente de mortalidade diminuiu, atingindo em 2004 o valor de 2,91 para cada 100 mil habitantes, seguindo a tendência de diminuição das taxas de mortalidade por diarreia no Brasil. Mesmo com este declínio, a diarreia ainda se apresenta como uma das principais causas de morbimortalidade no Estado do Pará, acometendo especialmente crianças menores de 1 ano de idade.

Palavras-chave: Gastroenterite; Diarreia; Indicadores de Morbi-Mortalidade; Sistemas de Informação; Mortalidade Infantil.


ABSTRACT

In Brazil, gastroenteritis mainly affects children aged 0 to 5 years and is considered a significant public health problem. The reduction of the morbidity and mortality rates caused by gastroenteritis is responsible for the decrease in the rates of overall infant mortality and infant mortality due to infectious diseases in developing countries. This work is a descriptive study developed in collaboration with the Epidemiology Department of Pará in order to determine the importance of gastroenteritis as a cause of hospitalizations and deaths in Pará State. Initially, data about morbidity and hospitalization were obtained from Information Systems on mortality, health and hospital admissions and from health indicators and the Monitoring of Acute Diarrheal Diseases (MADD) program in the period between 2000 and 2004. There were 590,595 recorded cases of diarrhea. There was an increase in the number of cases of diarrhea notified by MADD during this period, with the highest frequency rates found in children aged 1 to 4 years old (average of 48,887 cases), followed by 33,151 cases in children below one year of age. In 2004, the hospitalization rate due to diarrhea in children below one was of 35 per one thousand live births. The coefficient of mortality decreased during the period studied, reaching 2.91 per 100 thousand inhabitants in 2004, following the reduction trend of mortality rates by diarrhea in Brazil. Despite this reduction, diarrhea remains a major cause of morbidity and mortality in Pará State, especially affecting children below 1 year of age.

Keywords: Gastroenteritis; Diarrhea; Indicators of Morbidity and Mortality; Information Systems; Infant Mortality.


RESUMEN

Morbimortalidad por gastroenteritis en el Estado de Pará En Brasil, la gastroenteritis afecta principalmente a niños menores de 5 años de edad, y se considera un importante problema de salud pública. La disminución de la morbimortalidad por enteroinfecciones se debe a la reducción de la mortalidad infantil y de la mortalidad por enfermedades infecciosas en los países en desarrollo. Este trabajo es un estudio descriptivo, realizado en colaboración con el Departamento de Epidemiología del estado de Pará, desarrollado con el objetivo de conocer la importancia de la gastroenteritis como causa de ingresos hospitalarios y muertes en el Estado de Pará. Se recopilaron datos mediante sistemas de información en salud en torno a mortalidad, hospitalización y mediante el monitoreo de enfermedades diarreicas agudas entre 2000 y 2004, y también mediante el cálculo de los indicadores de salud. Se contabilizaron un total de 590.595 casos de diarrea. Se observó un mayor número de casos de diarrea notificados en el monitoreo de las enfermedades diarreicas agudas durante ese período. Las tasas más altas se dieron entre los niños de 1 a 4 años de edad (un promedio de 48.887 casos), seguidos por 33.151 casos en niños menores de 1 año de edad. La tasa de hospitalización por diarrea en niños menores de un año fue de 35 por mil nacidos vivos en 2004. Durante el período estudiado, la tasa de mortalidad disminuyó, alcanzando en 2004 la cifra de 2,91 por cada 100 mil habitantes, siguiendo la tendencia de las tasas de disminución de la mortalidad por diarrea en Brasil. A pesar de ese descenso, la diarrea sigue siendo una de las principales causas de morbimortalidad en el Estado de Pará, afectando principalmente a niños menores de 1 año de edad.

Palabras Claves: Gastroenteritis; Diarrea; Indicadores de Morbimortalidad; Sistemas de Información; Mortalidad Infantil.


 

 

INTRODUÇÃO

As gastroenterites são infecções do aparelho digestivo que desencadeiam quadro clínico de vômito, mal-estar, febre acima de 38o C e diarreia25,20. Os lactentes no primeiro ano de vida constituem o principal grupo de risco, tanto no que diz respeito à incidência, como no risco para complicações e morte1. Estudos sobre a etiologia das doenças diarréicas têm demonstrado que a prevalência dos patógenos varia com diversos fatores, tais como o estrato sócio-econômico, a localização geográfica, o tipo e o local de residência, a idade da população estudada e as estações do ano1.

A diarreia ainda é uma das principais causas de mortalidade infantil nos países em desenvolvimento por envolver complexo fatores de ordem ambiental, nutricional, social, econômica e cultural27. Apesar da tendência de diminuição das taxas de mortalidade infantil, as doenças diarreicas continuam sendo um grave problema de saúde pública nos países onde existem desigualdades na distribuição da riqueza, entre os quais se inclui o Brasil13,17,8.

Independentemente da etiologia, esse agravo tem causado impactos globais de forma direta, com o comprometimento da saúde dos indivíduos, em consequência da desidratação e desnutrição crônica que levam ao óbito; como de forma indireta, considerando-se o abalo à economia causada pelos custos das internações, perda de horas de trabalho e redução de renda familiar27,7. Em função dessas consequências, há a necessidade de monitoramento contínuo dos indicadores de morbidade e mortalidade por diarreia, utilizando-se para isso os Sistemas de Informação em Saúde (SIS).

Os SIS são um conjunto de componentes que atuam de forma integrada, por meio de mecanismos de coleta, processamento, análise e transmissão da informação necessária para implementar processos de decisões no Sistema de Saúde22,16. Quanto à situação epidemiológica das diarreias, o monitoramento e as informações fornecidas por esses sistemas permitem conhecer o padrão de comportamento das diarreias, as condições higiênico-sanitárias de uma região, e propor medidas de prevenção e controle que visem solucionar problemas individuais e coletivos relacionados a este agravo26,9.

Os SIS utilizados para análise da situação epidemiológica das diarreias são: o Sistema de Informação Hospitalar (SIH), utilizado para identificar o número de internações hospitalares por diarreia; Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC)19. Outro instrumento de informação é o Monitoramento das Doenças Diarreicas Agudas (MDDA), utilizado para informar a ocorrência das diarreias nas diversas localidades, a faixa etária mais atingida, detectar e investigar surtos23.

De acordo com dados do SIM, disponíveis no Datasus18, o Brasil apresenta altas taxas de internação e óbitos por diarreia em menores de cinco anos, correspondendo a uma média de 119.489,75 internações e 378,25 óbitos durante o período de 2000 a 2003, sendo registrada, nos últimos anos, diminuição progressiva dos registros de óbitos e internação por diarreia, principalmente em menores de 1 ano de idade.

No entanto, esta situação não é uniforme, e varia de acordo com as regiões e capitais brasileiras21 . Mesmo diante da necessidade de estudos regionalizados, observam-se poucos artigos científicos sobre mortalidade infantil publicados no Brasil até 2006. A Região Sudeste apresenta mais de 50% dos estudos publicados, seguida da Região Nordeste. Nenhuma publicação foi registrada para a Região Norte10.

Mesmo considerando outros estudos, como dissertações, teses e relatórios oficiais, a Região Norte carece de estudos sobre as causas e fatores que impactam a mortalidade infantil. Em Belém, observa-se, por meio do estudo de Oliveira21 o decréscimo da mortalidade infantil em contraposição à ascendência das internações por diarreia durante o período de 1995 a 2005. Nenhum outro estudo citando a situação do Estado do Pará foi relatado.

Diante da carência de divulgação dessas informações e considerando a limitação dos sistemas de informação, fica evidente que o diagnóstico situacional da diarreia no Pará perpassa pela necessidade de um adequado serviço de vigilância epidemiológica, gerenciamento, acompanhamento e análise dos dados dos sistemas locais de informação. Portanto, a finalidade do presente estudo é demonstrar a utilização destes sistemas de informação como ferramentas para análise epidemiológica da diarreia no Estado do Pará, descrevendo a frequência com que este agravo ocorre e se distribui na população infantil, bem como seu impacto nas internações e óbitos ocorridos no Estado.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente trabalho é um estudo descritivo desenvolvido em colaboração com o Departamento de Epidemiologia do Estado do Pará (DEPI). O levantamento de dados foi realizado por meio dos SIS com dados dos anos de 2000 a 2004. Em seguida, com base nessas informações, realizou-se o cálculo dos indicadores de saúde, como os coeficientes de mortalidade e morbidade, e as taxas de internação hospitalar. Os SIS utilizados no presente trabalho foram: SIH, SIM, SINASC19.

Os dados sobre o número de casos de diarreia foram obtidos através das informações contidas no programa de MDDA disponibilizados pelo DEPI. Os casos foram distribuídos por faixa etária, sexo e mês, conforme disponibilidade do programa.

Os dados sobre a morbidade hospitalar correspondem às internações associadas às gastroenterites ou diarreia (diagnóstico principal ou secundário). Estas informações foram obtidas por meio do SIH, por meio do número de autorizações de internações hospitalares (AIH) por diarreia, classificadas segundo a 10a Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID – 10) da Organização Mundial de Saúde – Capítulo I, códigos de A01 a A09.

O número de óbitos relacionados às gastroenterites foi obtido através do SIM, levando em consideração a mesma classificação internacional utilizada para as informações hospitalares. Os casos de internações e mortes por diarreia foram distribuídos por faixa etária, sexo e mês de ocorrência.

Os dados referentes ao número de nascidos vivos foram obtidos por meio das informações no SINASC, conforme sexo e mês de ocorrência. O levantamento da população residente no Estado do Pará nos anos de 2000 a 2004, conforme distribuição por faixa etária e sexo, foi realizado pela consulta aos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para este estudo foram utilizados os seguintes indicadores epidemiológicos: coeficientes de morbidade, mortalidade (infantil e outros) por causa específica (diarreia), e as taxas de internação e letalidade hospitalar por diarreia. Os cálculos desses coeficientes e taxas foram realizados segundo as faixas etárias menores de 1 ano, de 1 a 4 anos e menores de 5 anos de idade15.

 

RESULTADOS

Durante o período de 2000 a 2004 foram notificados 590.595 casos de diarreia no Estado do Pará. Em 2000 foram registrados 73.727 casos. A partir dos anos seguintes, ocorreu um aumento discreto destas notificações, culminando com 136.287 casos em 2004.

O maior número de casos de diarreia foi observado na faixa etária de 1 a 4 anos de idade (em média 48.887 casos anuais, notificados no período de 2000 a 2004), seguido da faixa etária de menores de um ano, que apresentou média anual de 33.151 casos de diarreia para o mesmo período (Figura 1). Observou-se um aumento dos casos de diarreia nos meses de janeiro a março, que, na Região Norte, correspondem ao período chuvoso. Os meses com menor número de casos foram junho e dezembro.

 

 

Durante o período de 2000 a 2004, os menores números de internações por causa de diarréia foram registrados em 2000 (15.684) e 2001 (13.083) com aumento nos anos de 2003 (20.376) e 2004 (20.311). As faixas etárias de menor de um ano e de 1a 4 anos foram as responsáveis pelo maior número de internações (Figura 2).

 

 

A evolução dos óbitos por diarréia no estado do Pará aponta que o maior número de óbitos ocorreu no ano de 2000 (218 óbitos), diminuindo nos anos posteriores, mas voltando a aumentar em 2004 (195 óbitos). A faixa etária de menores de um ano apresentou o maior número de óbitos por diarréia (Figura 3), correspondendo a quase metade da totalidade dos óbitos. O teste do qui-quadrado não mostrou associação estatisticamente significante entre o número absoluto de óbitos por diarréia e sexo (p<0,05).

 

 

Os coeficientes de morbidade por diarreia na população geral, em menores de um ano, na faixa etária de 1 a 4 anos e em menores de 5 anos de idade (por 100 habitantes) apresentaram aumento em 2001, quando comparado aos valores em 2000, mantendo-se relativamente constantes nos anos posteriores, sendo o coeficiente de morbidade por diarréia maior na faixa etária menor de 1 ano de idade. Em 2004, 8 em cada grupo de 100 crianças de 1 a 4 anos e 22 menores de 1 ano de idade apresentaram pelo menos um episódio diarreico (Tabela 1).

 

 

As taxas de internações em menores de um ano (por mil nascidos vivos), de 1 a 4 anos e em menores de 5 anos de idade (por mil habitantes), diminuíram no ano de 2001 e aumentaram em 2002. Nos anos seguintes houve uma tendência à estabilização. Em 2000, para cada grupo de mil crianças menores de 5 anos de idade, foram registradas 11 internações por causa de diarreia, o que evoluiu para 15, em 2004. Os maiores valores nas taxas de internação foram observados na faixa etária de menores de um ano, uma vez que, em 2000, registraram-se aproximadamente 28 internações de menores de 1 ano de idade, por causa de diarreia, a cada mil nascidos vivos, o que passou para 34, em 2004, enquanto que na faixa etária de 1 a 4 anos de idade ocorreu um menor aumento, passando de oito, no ano de 2000, para 12 internações em 2004, para cada grupo de mil crianças da mesma faixa etária (Tabela 2).

 

 

O coeficiente de letalidade hospitalar por diarreia se mostrou inversamente associado à idade da criança internada, variando em média de 2,5% nos menores de um ano, 0,5% na faixa etária entre 1 e 4 anos e 1,34% em menores de 5 anos de idade (Tabela 3).

 

 

Os coeficientes de mortalidades por diarreia apresentaram redução de 17,2% no período analisado, sendo esse coeficiente mais acentuado na faixa etária de 1 a 4 anos quando comparado aos menores de 1 ano de idade. As maiores taxas de mortalidade infantil (0,9/1.000 nascidos vivos) e de crianças de 1 a 4 anos (5,7/100.000) foram registradas em 2000.

 

DISCUSSÃO

No Estado do Pará o número de casos de diarréia aumentou de forma mais acentuada entre 2000 e 2001, mantendo-se com pequenas variações nos anos subsequentes, sendo a faixa etária de menor de um ano a mais acometida (média de 20 a cada 100 nascidos vivos), ou seja, o impacto da diarreia no Pará é tanto maior quanto menor a idade das crianças acometidas. Comportamento semelhante ao encontrado em outras regiões e no Brasil de modo geral18,21,11.

O aumento de casos de diarreia registrados pelo MDDA pode significar tanto um aumento real do número de casos, ou ainda, um aumento na notificação por parte dos municípios ou expansão de unidades notificadoras, uma vez que, o Estado dispõe deste sistema desde 1996, ano de implantação do programa estadual. Para garantir que essas informações correspondam à realidade, novos estudos devem ser propostos para avaliação da qualidade dos registros do MDDA no Estado. Visto que, neste programa, as dificuldades de monitorar as doenças diarréicas decorrem, fundamentalmente, de sua elevada incidência, da inobservância da obrigatoriedade de notificação de surtos e da aceitação, tanto por parte da população leiga como da maioria dos profissionais de saúde, de que a ocorrência da diarreia é evento normal em nosso meio23.

Segundo o SIH, as internações por diarreia no Estado do Pará seguiram com aumento nos anos de 2002 a 2004, sendo a faixa etária de 1a 4 anos a que apresentou o maior número de internações, seguida, pela faixa etária de menores de 1 ano de idade. No entanto, a taxa de internação identifica os menores de 1 ano como a faixa etária que apresenta a maior frequência de internações por diarreia. A taxa de internação e o coeficiente de morbidade demonstram que ambos, casos e internações por diarreia, apresentaram aumento quando comparado o primeiro e o último ano de estudo (2000 e 2004)(Tabelas 1 e 2).

Similarmente ao ocorrido em outras cidades brasileiras como Rio de Janeiro4 e São Luis24 nas quais se observa um aumento na incidência das hospitalizações por diarreia, observa-se que internações ainda estão ocorrendo no Estado do Pará, resultando alta demanda aos serviços hospitalares e maiores gastos com a assistência. O ideal seria o inverso, a diminuição do número de internações, para demonstrar que a assistência e a resolução dos casos de diarreia estão ocorrendo no âmbito da atenção básica de saúde.

A taxa de internação por diarreia no Estado do Rio de Janeiro em 1996, foi de 28,6 por mil nascidos vivos4. Resultado semelhante foi encontrado no presente trabalho, que identificou uma taxa de internação de 28,3 por mil nascidos vivos em 2000, alcançando em 2004, 34,6 por mil nascidos vivos. A distribuição por idade mostra que a taxa de internação hospitalar por diarreia é um acontecimento importante em todas as faixas etárias estudadas, apresentando valores elevados, principalmente em menores de um ano. Fato relevante ao se considerar que é nesta mesma faixa etária que se encontra o maior coeficiente de letalidade hospitalar registrado no Estado.

Apesar do aumento do número de casos e internações por diarreia de 2000 a 2001, houve uma tendência à estabilização, de 2001 a 2004. Porém, o coeficiente de mortalidade em menores de 5 anos de idade, bem como o de mortalidade infantil diminuíram (Tabela 4), seguindo a tendência de diminuição das taxas em outras regiões e estados brasileiros27,17,26,9,23,18,10,15,24,5.

 

 

Acompanhando as tendências mundiais dos países desenvolvidos e alguns países em desenvolvimento, o coeficiente de mortalidade infantil por diarréia no Brasil apresentou declínio nas últimas décadas. Em 1997, o Brasil registrou a ocorrência de 31,9 mortes de menores de 1 ano de idade por mil nascidos vivos. Em 2000 essa taxa reduziu para 27,4 mortes, e em 2006 para 20,7. O Pará registrou, em 1997, 32,7 mortes/1.000 nascidos vivos, reduzindo para 23,7 em 2006. Apesar deste declínio contínuo, no período de 2000 a 2004, excluindo-se as causas perinatais, a diarreia ocupou a quarta posição nos óbitos infantis no Brasil23. Isto indica a diarreia como uma importante causa da mortalidade infantil tardia no Brasil, como é, também, em outros países em desenvolvimento. Estima-se que a mortalidade dela decorrente atinja 1,5 milhão de crianças menores de 5 anos de idade, por ano, no mundo6.

De acordo com Costa et al9 , no ano de 1999 a mortalidade por doenças diarreicas em menores de 5 anos de idade nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul foi de 0,5 e 0,08 óbitos por mil nascidos vivos, respectivamente. Na Bahia, o coeficiente desta mortalidade foi de 1,7 e em Pernambuco de 4,7 óbitos/1.000 nascidos vivos. No presente estudo o coeficiente de mortalidade infantil por diarreia passou de 0,9 em 2000 para 0,7 em 2004 (Tabela 4).

As diarreias exercem um papel importante entre os agravos de saúde das crianças menores de um ano. Seu coeficiente de letalidade hospitalar foi alto, demonstrando que as crianças internadas apresentaram quadros clínicos mais graves. O coeficiente de letalidade hospitalar em menores de 1 ano de idade, apesar de ter tido uma redução de 32,4% no período, ainda permaneceu elevado, com 2,1 óbitos para cada 100 internações, além de ser mais expressivo do que o encontrado em crianças de 1 a 4 anos de idade (Tabela 3). O predomínio das crianças menores de 1 ano de idade internadas, dentre as que foram a óbito por diarreia, revela que esta faixa tem uma maior predisposição para distúrbios hidroeletrolíticos e quadros clínicos mais graves, devido à imaturidade imunológica e propensão para as infecções secundárias22,2.

De acordo com Andrade et al2, para que ocorra uma diminuição drástica da mortalidade por diarreia, além dos conhecimentos já adquiridos quanto à fisiologia hidroeletrolítica, são necessários novos avanços a respeito da epidemiologia e da interação entre os agentes enteropatogênicos e o hospedeiro. No entanto, o alvo universal para tais mudanças está, principalmente, na melhora da qualidade de vida da população como: infraestrutura sanitária, qualidade no abastecimento e fornecimento de água tratada, nutrição alimentar adequada e melhoria na atenção à saúde das crianças12,27,3.

Quanto ao padrão de sazonalidade em relação ao número de casos e óbitos por diarreia, observou-se que os maiores percentuais ocorreram no período chuvoso (janeiro a maio). Resultados semelhantes foram divulgados pelo Núcleo de Epidemiologia do Estado do Ceará, por meio do MDDA, para os anos de 1999 a 2003, nos quais os mais elevados percentuais foram registrados nos primeiros trimestres dos quatro anos apresentados que, no referido Estado, também são caracterizados como período chuvoso23. Também foi descrito por Kale et al14, um padrão de sazonalidade para o Rio de Janeiro, no período de 1995 a 1998, com maiores picos de óbitos no inverno. As internações ocorreram com maior frequência no período de março a maio, período este que se inicia no último mês de maior ocorrência de casos de diarreia e se estende ao último mês com o maior número de óbitos.

O aumento do número de casos de diarreia logo depois dos picos de pluviosidade pode estar associado à ingestão de água proveniente de fontes diferentes das habituais; à contaminação do lençol freático por fossas sépticas; ou à circulação de outros agentes etiológicos. O aumento do índice de contaminação bacteriológica de águas de poços do lençol freático superficial está associado com as chuvas. Essa piora da qualidade da água estaria associada ao escoamento das águas da chuva, carreando excrementos humanos e animais. O uso dessa água não tratada aumentaria a frequência de diarreias no período chuvoso9, principalmente em localidades sem abastecimento de água e com população de baixo poder socioeconômico.

Observa-se, a partir dos resultados encontrados, que os menores de um ano constituem o grupo mais afetado pela diarreia. A redução da vulnerabilidade infantil à diarreia passaria, necessariamente, pela concentração de esforços no desenvolvimento da atenção integral, com destaque para ações de atenção básica desenvolvidas nos postos de saúde da família; estímulo a uma prática clínica de melhor qualidade, voltada para a manutenção do equilíbrio entre a atividade preventiva e a curativa; e por melhores condições higiênico-sanitárias, como abastecimento de água e esgotamento sanitário. As atividades de avaliação de dados epidemiológico-sanitários são essenciais para orientar o processo de implantação, consolidação e reformulação das ações em saúde, sendo obtidas por meio de um conjunto de sistema de informação bem estruturado.

Diferentemente do que acontece com os registros de óbito SIM e internação SIH que são compulsórios, e, mesmo assim, apresentam sub-registros, as informações sobre diarreia notificadas por meio do MDDA não são obrigatórias e estão implantadas apenas nos serviços públicos de atenção básica9, excluindo os serviços de pronto atendimento, onde a demanda espontânea provavelmente apresenta maior número de casos. Portanto, os registros sobre diarreia disponíveis para estudos são, apesar de oficiais, subestimados e refletem apenas uma parcela da população. Mesmo com essas limitações, estes sistemas são utilizados para monitorar o comportamento das diarreias em todo Brasil. No entanto, para uma análise mais consistente sobre a situação epidemiológica das diarreias, torna-se necessário o acompanhamento contínuo dos registros de notificação, a avaliação de suas inconsistências, e, também, garantir sua implantação em maior número de unidades de saúde.

Por se tratar de um estudo com a utilização de dados secundários, é preciso considerar que a análise apresenta limitações decorrentes da qualidade das informações. Cabe considerar, por exemplo, que o aumento dos casos de diarreia pode ser devido à implementação e/ou expansão do programa de MDDA para novas unidades de saúde ou sensibilização dos profissionais para notificação dos casos; e o aumento das internações pode também ter ocorrido pela maior oferta de leitos hospitalares.

 

CONCLUSÃO

As análises dos coeficientes de morbidade, de internação, de mortalidade e de letalidade demonstraram, durante o período de estudo, que as crianças menores de 1 ano de idade foram as que mais adoeceram e foram hospitalizadas e, consequentemente, as que apresentaram maior taxa de mortalidade por diarreia no Estado do Pará.

Os resultados reforçam a importância da implantação de medidas de avaliação e controle que possam colaborar, cada vez mais, com a redução do risco de morte por diarreia. Para alcançar este objetivo, torna-se necessário o fortalecimento efetivo do monitoramento dos sistemas de informação em saúde, que são a base para o planejamento das ações em saúde e elaboração de novas políticas públicas.

O presente estudo destaca a necessidade de uma análise contínua destes indicadores e das atividades de monitoramento das diarreias agudas, de forma a permitir uma integração efetiva entre a área de vigilância epidemiológica e as demais áreas de prestação de serviços de saúde como: atenção à saúde da criança, atenção básica, vigilância sanitária, vigilância ambiental e educação em saúde, de forma a produzir resultados imediatos e a longo prazo que auxiliem na execução de medidas mais eficazes de prevenção e controle da diarreia no Estado do Pará.

 

AGRADECIMENTOS

Aos profissionais que integram a Divisão de Epidemiologia do Estado do Pará, pela oportunidade de levantamento dos dados referentes aos casos de diarreia e parceria na realização deste estudo.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Cintya de Oliveira Souza
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Recebido em / Received / Recibido en: 17/7/2009
Aceito em / Accepted / Aceito en: 22/9/2009