SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 issue1Morbidy and mortality for gastroenteritis in the State of ParáDetection of respiratory symptoms in the public health network of Belém, Pará State, Brazil author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Pan-Amazônica de Saúde

Print version ISSN 2176-6215On-line version ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.1 no.1 Ananindeua Mar. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000100009 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Surto de toxoplasmose humana no Distrito de Monte Dourado, Município de Almeirim, Pará, Brasil

 

Outbreak of human toxoplasmosis in the District of Monte Dourado, Municipality of Almeirim, Pará State, Brazil

 

Brote de toxoplasmosis humana en la Comarca de Monte Dourado, en el Municipio de Almeirim (Estado de Pará, Brasil)

 

 

Ediclei Lima do CarmoI; Marinete Marins PóvoaI; Nair Salgado MonteiroI; Rodrigo Rodrigues MarinhoI; José Maria NascimentoI; Sued Nazaré FreitasI; Cléa Nazaré Carneiro BicharaII

IInstituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil
IIInstituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil. Universidade do Estado do Pará, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Relatar um surto de toxoplasmose humana ocorrido no Distrito de Monte Dourado, Município de Almeirim, Pará, Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS: Após diagnóstico confirmatório de cinco pacientes-índices com sintomas sugestivos de toxoplasmose aguda, teve início uma investigação clínica e soroepidemiológica de toxoplasmose na localidade de procedência dos pacientes. Foram avaliados 186 indivíduos, incluindo pacientes sintomáticos, seus familiares e/ou contatos próximos. Todos, espontaneamente, submeteram-se a inquérito epidemiológico, avaliação clínica e sorologia pelo ensaio imunoenzimático (ELISA) para detecção de anticorpos IgG e IgM anti-Toxoplasma gondii.
RESULTADOS: Quarenta indivíduos (21,5%) apresentaram perfil sorológico de toxoplasmose aguda, considerando-se IgM e IgG reagentes em elevados títulos. A análise epidemiológica indicou que os casos poderiam estar vinculados à infecção com oocistos eliminados pelos gatos, cuja população era elevada. A hipótese provável de transmissão seria pelo contato direto com oocistos do parasito, na ingestão de alimentos contaminados, ou, possivelmente, até por inalação dessas formas presentes no solo. A possibilidade de transmissão hídrica por meio do sistema de distribuição de água local foi descartada, já que o sistema é inacessível aos gatos. Os indivíduos doentes foram tratados nos serviços de saúde do Município. As autoridades sanitárias locais foram orientadas para implementar medidas de controle de gatos errantes, visando prevenir novos casos ou surtos.
CONCLUSÃO: O surto ocorrido entre fevereiro e março de 2004, em Monte Dourado-PA, foi causado pelo T. gondii. Admite-se que houve uma somatória de fatores que mantêm a hipótese sustentada da contaminação via oocistos, tais como: elevada população de gatos no Distrito; procedimentos frequentes de jardinagem; e ausência de relatos de ingestão de carne crua ou mal cozida.

Palavras-chave: Toxoplasmose; Estudos Soroepidemiológicos; ELISA; Vigilância Sanitária.


ABSTRACT

OBJECTIVE: To report an outbreak of human toxoplasmosis that occurred in the District of Monte Dourado, Municipality of Almeirim, Pará State, Brazil.
MATERIALS AND METHODS: After the positive diagnosis of five patients with symptoms suggestive of toxoplasmosis, clinical research and epidemiology were executed in the locality. A total of 186 individuals were evaluated, including symptomatic patients, their relatives and/or close contacts. All subjects underwent epidemiological inquiry, clinical assessment and serology by enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) for detection of anti-Toxoplasma gondii IgG and IgM.
RESULTS: A total of 40 individuals presented a serological profile of acute toxoplasmosis. Epidemiological analysis indicated that the cases could be related to infection with oocysts eliminated by cats, whose population density was very high in the surveyed locality. The most likely hypothesis of transmission would be through direct contact with oocysts of the parasite, either by the ingestion of contaminated food or by the inhalation of these forms in the soil. The possibility of water transmission through the local supply system was discarded because the system is inaccessible to cats. Infected individuals were treated at the local health care units. Moreover, local health authorities were instructed to implement measures to control stray cats in order to prevent new cases or outbreaks.
CONCLUSION: The outbreak that occurred between February and March 2004 in Monte Dourado was caused by T. gondii. The hypothesis of contamination via oocysts of the parasite is supported by several factors, such as a high population density of cats in the surveyed District, frequent gardening habits and a lack of reports of ingestion of raw or undercooked meat.

Keywords: Toxoplasmosis; Seroepidemiologic Studies; Enzyme-Linked Immunosorbent Assay; Health Surveillance.


RESUMEN

OBJETIVO: Relatar un brote de toxoplasmosis humana ocurrido en la Comarca de Monte Dourado, Municipio de Almeirim (Estado de Pará, Brasil).
MATERIAL Y MÉTODOS: Tras confirmar el diagnóstico en cinco pacientes índices con síntomas sugestivos de la toxoplasmosis, se llevó a cabo en esa localidad un estudio clínico y seroepidemiológico. Se evaluaron 186 personas, incluidos los pacientes sintomáticos, sus familiares y/o contactos cercanos. Todos fueron sometidos a la investigación epidemiológica, la evaluación clínica y la serología por ensayo inmunoenzimático (ELISA) para la detección de IgG e IgM contra Toxoplasma gondii.
RESULTADOS: Cuarenta individuos presentaban perfil serológico de la toxoplasmosis aguda. Los análisis epidemiológicos indican que los casos podrían estar vinculados a la infección con ooquistes eliminados por los gatos, cuya población en la ciudad era muy elevada. Una hipótesis probable de transmisión sería el contacto directo con los ooquistes del parásito, ya sea por la ingestión de alimentos contaminados o por inhalación de estas formas presentes en el suelo. La posibilidad de transmisión hídrica a través del sistema de distribución de agua local se descartó, ya que el sistema es inaccesible para los gatos. Los individuos enfermos fueron tratados en los servicios de salud del Municipio. Además, las autoridades sanitarias locales se encargaron de aplicar medidas de control de gatos callejeros, para prevenir nuevos casos o brotes.
CONCLUSIÓN: El brote que se produjo entre febrero y marzo de 2004 en Monte Dourado fue causado por T. gondii. La posibilidad de contaminación a través de los ooquistes del parásito se ve apoyada por factores tales como: la alta población de gatos en la Comarca, los procedimientos habituales de jardinería y la ausencia de informes de ingestión de carne cruda o poco cocida.

Palabras clave: Toxoplasmosis; Estudios Seroepidemiológicos; Prueba ELISA; Vigilancia Sanitaria.


 

 

INTRODUÇÃO

A toxoplasmose é uma importante zoonose causada pelo protozoário coccídeo Toxoplasma gondii, um parasito cosmopolita capaz de infectar várias espécies de animais homeotérmicos, incluindo o homem27,16.

A soroprevalência mundial dessa infecção em humanos é relativamente alta, podendo alcançar taxa de até 90% em algumas regiões27,2,17,25. Na Amazônia brasileira, estudos epidemiológicos demonstraram que, a exemplo do que é observado em outras áreas, a toxoplasmose, nas suas diferentes formas, é uma infecção bastante frequente, com soroprevalência acima de 70%4,10,5,9.

O homem adquire a infecção pelo T. gondii, principalmente, por meio da ingestão de formas infectantes, como os oocistos, que são eliminados nas fezes dos felídeos e que contaminam alimentos, água e o solo27,26,14, e pela ingestão de carne crua ou mal cozida contendo cistos teciduais do parasito27,26,1. Entre outros mecanismos, além da forma congênita, alguns autores consideram a possibilidade da inalação de oocistos19,23. Em geral, a toxoplasmose tende a ser assintomática ou a se manifestar com sinais e sintomas comuns a outras patologias, desenvolvendo um quadro clínico conhecido como síndrome mononucleose-like22. Contudo, em algumas situações, a infecção pode assumir considerável gravidade, principalmente na forma congênita, ou quando o indivíduo infectado apresenta imunossupressão, situação em que as manifestações, em geral, decorrem do comprometimento do sistema nervoso central, algumas vezes com evolução para óbito26,3,23.

Inúmeros surtos de toxoplasmose humana têm sido relatados em alguns países, inclusive no Brasil, em decorrência do consumo de carne contendo cistos do parasito, ou de alimentos ou água contaminada com oocistos do T. gondii, com destaque para o surto ocorrido em Santa Izabel do Ivaí-PR, considerado o maior já registrado em todo o mundo13,20,7,6,21,15.

O objetivo deste estudo foi relatar um surto de toxoplasmose humana ocorrido no Distrito de Monte Dourado, Município de Almeirim-PA, Brasil, por ser uma forma pouco comum de apresentação deste agravo no norte do País, envolvendo um número importante de indivíduos.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

ÁREA DE ESTUDO

A área investigada foi o Distrito de Monte Dourado, pertencente ao Município de Almeirim, e distante cerca de 450 km da capital, Belém. Monte Dourado está situado ao norte do Estado do Pará (0o 53' 22'' S, 52o 36' 6'' W) e possui população estimada em 12 mil habitantes (Figura 1). No Distrito está localizada a Jari Celulose S/A, uma empresa multinacional produtora de celulose na Região Amazônica.

 

 

INVESTIGAÇÃO DO SURTO

Cinco funcionários da empresa, residentes em Monte Dourado, apresentaram os primeiros sinais e sintomas sugestivos de toxoplasmose aguda, entre 20 de fevereiro e 10 de março de 2004. Na evolução clínica, foi observada febre elevada (38o C a 40o C) e persistente, prostração, anorexia, emagrecimento e linfadenopatia, sobretudo das cadeias do pescoço. Os pacientes foram encaminhados para Belém, ficando sob tratamento hospitalar, onde realizaram testes laboratoriais para diferentes patologias, confirmando tratar-se de casos de toxoplasmose aguda.

Com o aparecimento de outros casos semelhantes na localidade, a empresa solicitou ao Instituto Evandro Chagas (IEC) orientações de como proceder. Uma equipe técnica do IEC, composta de médico infectologista, oftalmologista, biólogo e técnicos de laboratório foi enviada a Monte Dourado, para proceder às avaliações clínica, laboratorial e epidemiológica na área, estabelecendo a seguinte estratégia de investigação:

a) Visita aos bairros do Distrito, para observação das condições do solo (seco ou úmido, entre outras); visita ao sistema de captação, tratamento e distribuição de água; observação sobre a presença de felinos e outros animais errantes na área urbana do Distrito;

b) Avaliação clínica e epidemiológica das pessoas doentes, familiares e contatos próximos, com preenchimento de ficha individual e coleta de sangue;

c) Palestras educativas sobre toxoplasmose para profissionais de saúde do Município e da empresa Jari, engenheiros, professores, veterinários e líderes comunitários;

d) Definição de medidas de controle, juntamente com autoridades da Secretaria de Saúde e de Agricultura do Estado do Pará, e da empresa Jari.

MÉTODOS LABORATORIAIS

De cada pessoa investigada foram coletados 5 mL de sangue total, por punção venosa, para obtenção de duas alíquotas de soro (100 µL/cada). O teste sorológico empregado foi o ensaio imunoenzimático (ELISA) para detecção de anticorpos anti-T. gondii. Para anticorpos da classe IgG, utilizou-se o ELISA indireto, e, para IgM, o ELISA de imunocaptura. Foram utilizados kits comerciais (Toxoplasma gondii IgG/IgM-In vitro Diagnostica/Human), e os procedimentos técnicos foram desenvolvidos de acordo com as recomendações do fabricante.

Procederam-se também a esfregaços e gotas espessas de sangue em lâmina para exclusão de diagnóstico de malária, por ser esta um agravo endêmico na região, podendo se manifestar com sinais e sintomas semelhantes aos da toxoplasmose aguda, em algumas situações.

 

RESULTADOS

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DA ÁREA

Após análise, observou-se:

a) Incontável população felina doméstica errante, habitando casas abandonadas, jardins e praças, favorecendo a intensa eliminação de oocistos;

b) A não pavimentação das ruas do Distrito, proporcionando maior sobrevivência dos oocistos no solo; c) A distribuição de casos em vários bairros do Distrito e não somente em aglomerados pontuais;

d) Impossibilidade de acesso de felinos a qualquer das etapas do sistema de captação e distribuição de água destinada à população local;

e) Coincidência entre o surgimento dos primeiros casos e um intenso período de chuvas, as quais podem ter promovido a erosão do solo, com suspensão das fezes dos felinos e consequente dispersão dos oocistos por grande parte dos bairros no Distrito;

f) Maior frequência de casos após esse período de chuvas, quando ocorreu o feriado de carnaval, que foi um período de estiagem, e várias famílias o aproveitaram para realizar atividades de jardinagem e/ou limpeza dos quintais;

g) Coincidência entre o período do surto e o nascimento de várias ninhadas de gatos, que geralmente eliminam maior quantidade de oocistos, favorecendo maior contaminação do ambiente com essas formas.

AVALIAÇÃO CLÍNICA

Cento e oitenta e seis pessoas, com idade variando de 1 a 65 anos de idade (média: 23,3 ± 16,3), foram clinicamente avaliadas. Quarenta e uma (22%) apresentaram manifestações clínicas sugestivas de toxoplasmose aguda (linfadenopatia, febre persistente, hepatoesplenomegalia, exantema e outros); 12 (6,45%), com sintomatologia inespecífica (manifestações respiratórias, náuseas, cefaléia, entre outras); as demais estavam assintomáticas.

AVALIAÇÃO LABORATORIAL

Os resultados obtidos após análise sorológica das 186 pessoas estão expressos na tabela 1. Em relação à pesquisa de plasmódio, todas as lâminas confeccionadas (gota espessa e esfregaço) apresentaram resultados negativos.

 

 

DISCUSSÃO

Os resultados sorológicos demonstraram elevada frequência de indivíduos com perfil compatível com toxoplasmose aguda (21,5%, 40/186). Destes indivíduos, 85% (34/40) apresentavam manifestações clínicas clássicas, 12,5% (5/40) informavam sintomatologia inespecífica e 2,5% (1/40) não manifestavam qualquer sintoma. Esta evidência está de acordo com o observado em outros surtos de toxoplasmose, em que a maioria das pessoas acometidas de toxoplasmose aguda apresentava sintomas clássicos da doença13,20. Pelo fato de serem os casos, em sua maioria, clinicamente sintomáticos e apresentarem elevados níveis de IgG e IgM, sem ficar a dúvida de tratar-se de IgM residual caracterizando persistência, o teste de avidez para IgG não foi realizado.

A constatação de indivíduos sintomáticos com perfil de imunidade à infecção (8,5%; 7/82) pode ser justificada pela possibilidade de alguns casos ainda não terem estabelecido a soroconversão; em relação aos indivíduos sintomáticos com perfil de imunidade (IgG reagente e IgM não reagente), questiona-se a possibilidade de tratar-se de reinfecção, uma vez que a localidade encontra-se em área de floresta primária, podendo estes pacientes terem entrado em contato com cepas atípicas, até então restritas ao ambiente silvestre. Contudo, a falta de isolamento e de análise molecular das cepas não nos permite afirmar conclusivamente tal hipótese.

A análise epidemiológica realizada em Monte Dourado mostrou uma realidade diferente da observada em outros relatos nacionais e internacionais de surtos. Nestes surtos, a forma confirmada de infecção esteve diretamente relacionada com transmissão por via oral, vinculada ao consumo de água contaminada com oocistos, e/ou de carne de diferentes origens ou seus derivados contendo cistos teciduais do parasito13,20,7,6,24. Em Monte Dourado, constatou-se que a transmissão da infecção por oocistos de T. gondii esteve relacionada com uma associação de fatores, tais como: elevada população de felinos circulando em toda a área urbana do Distrito e adentrando na área de floresta no entorno da localidade; período de procriação e nascimento de muitas ninhadas de gatos; erosão de solo por chuvas abundantes com provável ressuspensão de oocistos, que foram disseminados por aerossóis decorrentes da jardinagem e/ou vento; contaminação de alimentos comercializados na área por oocistos do parasito. Estes fatores podem relacionar a forma de infecção por oocistos com a ingestão de alimentos contaminados; com possível inalação de oocistos disseminados por aerossóis de poeiras; e até com o contato direto com os gatos ou outros vetores mecânicos (moscas e baratas) presentes em peri e intradomicílio. Estas observações podem ser corroboradas por dados obtidos em outros estudos realizados na Europa e Estados Unidos11,18.

A possibilidade de infecção relacionada à ingestão de carne com cistos do parasito a princípio foi descartada, visto que não houve relatos da ingestão de carne crua ou mal cozida, apesar dos moradores da área, principalmente os oriundos de outras regiões do país, possuírem o hábito de ingerir carne de diferentes origens (bovina, suína e ovina) na forma de churrascos.

Em 2002, foi registrado em Santa Izabel do Ivaí, Município do Estado do Paraná, o maior surto de toxoplasmose em todo o mundo, em que 70% das 600 pessoas que buscaram atendimento médico apresentavam perfil de infecção aguda. Neste surto, a transmissão se deu através da ingestão de água contaminada com oocistos eliminados nas fezes de filhotes de gatos, os quais habitavam a área da cisterna que armazenava a água distribuída para a Cidade20. Em Monte Dourado, a infecção por veiculação hídrica pela rede de distribuição local foi descartada, pois não havia possibilidade de contato direto dos gatos ou de oocistos nas etapas desse processo. Todavia, foi observado que em algumas moradias armazenava-se inadequadamente a água utilizada para consumo, que ficava exposta ao risco de contaminação com oocistos.

Foi também observado que os gatos errantes circulavam com frequência na floresta que circunda a localidade e podem ter-se infectado no ambiente silvestre com oocistos de cepas virulentas atípicas de T. gondii, disseminadas por felídeos selvagens, contaminando, ao retornarem, a área urbana, com estes oocistos de cepas atípicas. Tal possibilidade pode justificar a ocorrência de quadros graves de toxoplasmose, e, possivelmente, até casos de reinfecção. A forma grave da toxoplasmose em humanos, relacionada a cepas virulentas atípicas, já foi relatada em áreas de floresta, na fronteira do Suriname com a Guiana Francesa, inclusive com registros de óbito8,12. A ocorrência deste fato também é possível em Monte Dourado, principalmente pela proximidade geográfica e similaridade entre as florestas do Município de Almeirim e as do Suriname e Guiana Francesa, o que favorece a circulação dessas cepas em ambas as áreas.

Pela dispersão de casos em todo o Distrito, não foi possível realizar estudo de caso-controle para determinar fatores de risco comuns que estivessem associados à transmissão de toxoplasmose na localidade onde ocorreu o surto.

Com o esclarecimento da etiologia, foram realizadas palestras e reuniões técnicas entre as instituições públicas e privadas envolvidas na investigação, para implementação de medidas objetivando evitar o surgimento de novos casos ou mesmo outros surtos da doença, tais como o controle de animais errantes e orientações preventivas para os moradores e trabalhadores do Distrito.

Estudos futuros ainda precisam ser realizados, visando o isolamento e caracterização genotípica das cepas que circulam na área. Além disso, é fundamental a reavaliação dos indivíduos que estavam doentes ou suscetíveis (soronegativos) durante o surto, para que sejam detectadas possíveis sequelas oculares ou soroconversão.

 

CONCLUSÃO

As evidências laboratoriais, clínicas e epidemiológicas observadas indicam que o protozoário T. gondii foi o patógeno responsável pelo surto ocorrido no Distrito de Monte Dourado entre fevereiro e março de 2004. A transmissão da infecção ocorreu possivelmente por meio da ingestão de alimentos contaminados com oocistos do parasito, contato direto com as mãos sujas após manipulação de jardins, e até mesmo pela inalação destes oocistos suspensos e disseminados em aerossóis de poeira.

 

AGRADECIMENTO

À empresa Jari Celulose S/A pelo suporte logístico durante a investigação do surto.

 

REFERÊNCIAS

1 Aspinall TV, Marlee D, Hyde JE, Syms PE. Prevalence of Toxoplasma gondii in commercial meat products as monitored by polymerase chains reaction - food for thought? Int J Parasitol. 2002 Aug;32(9):1193-9. DOI:10.1016/S0020-7519(02)00070-X          [ Links ]

2 Beaman M, McCabe RE, Wong SY, Remington JS. Toxoplasma gondii. In: Mandell GL, Douglas RG, Bennet JE, editors. Enfermidades Infecciosas-Principios y Práctica. Buenos Aires: Editorial Medica Panamericana; 1997. p. 2754-70.

3 Bhopale GM. Pathogenesis of toxoplasmosis. Comp Immunol Microbiol Infect Dis. 2003 Jul;26(4):213-22. DOI:10.1016/S0147-9571(02)00058-9         [ Links ]

4 Bichara CNC. Perfil epidemiológico da toxoplasmose humana na área metropolitana de Belém-Pará: a experiência no Serviço de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas [dissertação]. Belém: Universidade Federal do Pará, Centro de Ciências Biológicas; 2001.         [ Links ]

5 Bóia MN, Carvalho-Costa FA, Sodré FC, Pinto GMT, Amendoeira MRR. Seroprevalence of Toxoplasma gondii infection among indian people living in Iauareté, São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2008 Jan-Feb;50(1):17-20. DOI:10.1590/S0036-46652008000100004         [ Links ]

6 Bonametti AM, Passos JN, Silva EMK, Bortoliero AL. Surto de toxoplasmose aguda transmitida através da ingestão de carne crua de gado ovino. Rev Soc Bras Med Trop. 1997 jan-fev;30(1):21-5. DOI:10.1590/S0037-86821997000100005          [ Links ]

7 Bowie WR, King AS, Werker DH, Isaac-Renton JL, Bell A, Eng SB, et al. Outbreak of toxoplasmosis associated with municipal drinking water. Lancet. 1997 Jul;350(9072):173-7. DOI:10.1016/S0140-6736(96)11105-3         [ Links ]

8 Carme B, Demar-Pierre M. Toxoplasmosis in French Guiana. Atypical (neo-) tropical features of a cosmopolitan parasitosis. Med Trop (Mars). 2006 Oct;66(5):495-503.         [ Links ]

9 Carmo EL, Silva MCM, Xavier UAM, Costa BO, Póvoa MM. Inquérito sorológico de toxoplasmose em candidatos a transplante renal no Hospital Ofir Loyola, Belém, Pará, Brasil. Rev Panam Infectol. 2004;6(4):15-7.         [ Links ]

10 Cavalcante GT, Aguiar DM, Camargo LMA, Labruna MB, Andrade HF, Meireles LR, et al. Seroprevalence of Toxoplasma gondii antibodies in humans from rural Western Amazon, Brazil. J Parasitol. 2006 Jun;92(3):647-9.         [ Links ]

11 Cook AJC, Gilbert RE, Buffolano W, Zufferey J, Petersen E, Jenun PA, et al. Sources of toxoplasma infection in pregnant women: European multicentre case-control study. BMJ. 2000 Jul;321(7254):142-7. DOI:10.1136/bmj.321.7254.142         [ Links ]

12 Demar M, Ajzenberg D, Maubon D, Djossou F, Panchoe D, Punwasi W, et al. Fatal outbreak of human toxoplasmosis along the Maroni River: epidemiological, clinical, and parasitological aspects. Clin Infect Dis. 2007 Oct;45(7):88-95. DOI:10.1086/521246         [ Links ]

13 Dias RA, Freire RL. Surtos de toxoplasmose em seres humanos e animais. Semina Cienc Biol Saude. 2005 out-dez;26(2):239-48.         [ Links ]

14 Dubey JP. Toxoplasmosis - a waterborne zoonosis. Vet Parasitol. 2004 Dec;126(1-2):57-72. DOI:10.1016/j.vetpar.2004.09.005         [ Links ]

15 Franco RMB. Protozoários de veiculação hídrica: relevância em saúde pública. Rev Panam Infectol. 2007;9(1):36-43.         [ Links ]

16 Frenkel JK. Toxoplasmosis in Humans Beings. J Am Vet Med Assoc. 1990 Jan;196(2):240-8.

17 Jenum PA, Kapperud G, Stray-Pedersen B, Melby KK, Eskild A, Eng J. Prevalence of Toxoplasma gondii specific immunoglobulin G antibodies among pregnant women in Norway. Epidemiol Infect. 1998 Feb;120(1):87-92. DOI:10.1017/S0950268897008480          [ Links ]

18 Jones JL, Kruszon-Moran D, Wilson M, McQuillan G, Navin T, McAuley JB. Toxoplasma gondii infection in the United States: seroprevalence and risk factors. Am J Epidemiol. 2001;154(4):357-65.         [ Links ]

19 Kolbekova P, Kourbatova E, Novotna M, Kodym P, Flegr J. New and old risk-factors for Toxoplasma gondii infection: prospective cross-sectional study among military personnel in the Czech Republic. Clin Microbiol Infect. 2007 Oct;13(10):1012-7. DOI:10.1111/j.1469-0691.2007.01771.x         [ Links ]

20 Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de Saúde. Surto de Toxoplasmose no município de Santa Isabel do Ivaí-Paraná. Bol Eletro Epidemiol. 2002;2(3):2-9.         [ Links ]

21 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Surto intra familiar de toxoplasmose, Santa Vitória do Palmar-RS, julho de 2005. Bol Eletro Epidemiol. 2006 out;6(3):2-7.        [ Links ]

22 Neves ES, Bicudo LN, Curi AL, Carregal E, Bueno WF, Ferreira RG, et al. Acute acquired toxoplasmosis: clinical-laboratorial aspects and ophthalmologic evaluation in a cohort of immunocompetent patients. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009 Mar;104(2):393-6. DOI:10.1590/S0074-02762009000200039         [ Links ]

23 Remington RM, Desmonts G. Toxoplasmosis. In: Remington JS, Klein JO, editors. Infectious diseases of the fetus and newborn infant. Philadelphia: Sanders; 1997. p. 140-267.

24 Robson JMB, Wood RN, Sullivan JJ, Nicolaides NJ, Lewis BR. A probable foodborne outbreak of toxoplasmosis. Commun Dis Intell. 1995;19:517-22.

25 Sobral CAQ, Amendoeira MRR, Teva A, Patel BN, Klein CH. Seroprevalence of infection with Toxoplasma gondii in indigenous brazilian populations. Am J Trop Med Hyg. 2005 Jan;72(1):37-41.         [ Links ]

26 Sukthana Y. Toxoplasmosis: beyond animals to humans. Trends Parasitol. 2006 Jun;22(3):137-42. DOI:10.1016/j.pt.2006.01.007         [ Links ]

27 Tenter AM, Heckeroth AR, Weiss LM. Toxoplasma gondii: from animals to humans. Int J Parasitol. 2000 Nov;30(12-13):1217-58. DOI:10.1016/S0020-7519(00)00124-7         [ Links ]

 

 

Correspondência/Correspondence/Correspondencia:
Ediclei Lima do Carmo
Instituto Evandro Chagas
Seção de Parasitologia / Laboratório de Toxoplasmose
Rodovia BR 316, km 7, s/no,
Bairro: Levilândia
CEP: 67030-000
Ananindeua-Pará-Brasil
Fones: 55 (91) 3214-2148
E-mail:edicleicarmo@iec.pa.gov.br

Recebido em/Received/Recibido en: 17/07/2009
Aceito em/Accepted/Aceito en: 21/09/2009