SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número1Detecção de sintomáticos respiratórios em serviços de saúde da rede pública de Belém, Pará, BrasilEpidemiologia do vírus da Encefalite de Saint Louis na Amazônia brasileira e no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil: elevada prevalência de anticorpos em equinos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.1 n.1 Ananindeua mar. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000100011 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Estudo experimental sobre a patogenicidade do Vírus Ilhéus em hamsters dourados (Mesocricetus auratus)

 

Pathogenesis of the Ilheus virus in golden hamsters (Mesocricetus auratus)

 

Estudio experimental sobre la patogenicidad del Virus Ilhéus en hámsteres dorados (Mesocricetus auratus)

 

 

Raimunda do Socorro da Silva AzevedoI; Vera Lúcia Reis de Souza BarrosII; Lívia Carício MartinsI; Ana Cecília Ribeiro CruzIII; Sueli Guerreiro RodriguesI; Pedro Fernando da Costa VasconcelosIII

ISeção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil
IISeção de Patologia, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil
IIISeção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil. Universidade do Estado do Pará, Belém, Pará
, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

Visando investigar a patogenicidade do Flavivirus Ilhéus (VILH) foi inoculada, via intraperitoneal, 9,8 DL50 de suspensão viral em hamsters dourados jovens (Mesocricetus auratus) e, diariamente, soros e vísceras (cérebro, fígado, coração, baço, rins e pulmões) de animais infectados e de controles não-infectados foram obtidos sob anestesia. Durante o experimento foi determinado o título viral do VILH em soros e vísceras infectados, em camundongos recém-nascidos. Ademais, a detecção de antígeno e os níveis de anticorpos por testes de fixação do complemento e inibição da hemaglutinação foram realizados nos soros. Exame histopatológico por HE e a detecção de antígenos virais por Imunohistoquímica (IHQ) foram realizados nos tecidos dos animais. A dose inoculada ocasionou a morte dos animais por encefalite no sétimo dia pós-inoculação. Todos os órgãos estudados apresentaram alterações teciduais detectáveis por histopatologia. Volumosa presença de antígeno viral foi detectada por IHQ no cérebro, e, em menor quantidade, no fígado, baço e rins; porém, nestes órgãos, a presença de antígeno viral foi transitória e de leve intensidade, o que corroborou com os títulos virais obtidos nesses órgãos. Não foram encontrados antígenos virais em coração e pulmões, sugerindo que os títulos (DL50) observados nesses órgãos, durante a titulação em camundongos, decorreram da presença do VILH na corrente sanguínea (viremia). Os achados deste estudo reforçam o importante e conhecido neurotropismo do VILH.

Palavras-chave: Vírus Ilhéus; Flavivirus; Encefalite por Arbovírus; Virulência; Modelos Animais.


ABSTRACT

The pathogenesis of the Ilheus flavivirus (Flaviviridae) was investigated in golden hamsters (Mesocricetus auratus) using an inoculum of 9.8 LD50 via intraperitoneal (IP). For ten days, two infected and one control animals were anesthetized, and blood and viscera fragments (brain, liver, heart, lung, spleen and kidneys) were collected on a daily basis for determination of viral titers in newborn mice and antigens/antibody by complement fixation and hemagglutination inhibition tests. Additionally, the pathology of animal tissues was studied by the the hematoxylin and eosin method, viral antigens were detected by immunochemistry, and all collected viscera showed histopathological changes. Large amounts of ILHV antigens were detected by immunohistochemistry in the brain, and in lower quantities in the liver, spleen and kidneys, corroborating with newborn viral titers in them. This inoculum resulted in a fatal outcome of all infected animals seven days after experimentation. Viral antigens were not found in the heart and lungs, suggesting that the viral titers obtained were caused by viremia and not by viral damage. The information in this study confirms the neurotropism and neuropathogenicity of ILHV.

Keywords: Ilheus Virus; Flavivirus; Encephalitis Arbovirus; Virulence; Models Animal.


RESUMEN

Con el fin de investigar la patogenicidad del Flavivirus Ilheus (VILH), se inoculó por vía intraperitoneal (VIP) 9,8 DL50 de suspensión viral en hámsteres dorados jóvenes (Mesocricetus auratus), y se obtuvieron diariamente bajo anestesia muestras de sueros y órganos (cerebro, hígado, corazón, bazo, riñones y pulmones) de animales infectados y controles no infectados. Durante el experimento se determinó el título viral del VILH en el suero y órganos infectados, en ratones recién nacidos. Además, se realizó en los sueros la detección de antígeno y los niveles de anticuerpos, a través de pruebas de fijación del complemento y de inhibición de la hemoaglutinación. El examen histopatológico por HE y la detección de antígenos virales por inmunohistoquímica (IHQ), se llevó a cabo en los tejidos de los animales. La dosis inoculada ocasionó la muerte de los animales por encefalitis en el séptimo día tras la inoculación. Todos los órganos estudiados mostraron cambios en los tejidos detectables por histopatología. Se detectó por IHQ una presencia masiva del antígeno del virus en el cerebro y en menor medida en el hígado, bazo y riñones, aunque en estos órganos la presencia de antígeno viral fue transitoria y leve, lo que corroboró con los títulos virales obtenidos en estos órganos. No fueron encontrados antígenos virales en el corazón y en los pulmones, lo que sugiere que los títulos (DL50) observados en estos órganos, durante la titulación viral en los ratones, son el resultado de la presencia de VILH en el torrente sanguíneo (viremia). Los resultados de este estudio refuerzan el importante y conocido neurotropismo del VILH.

Palabras clave: Virus Ilhéus; Flavivirus; Encefalitis Arbovirus; Virulencia; Modelos Animales.


 

 

INTRODUÇÃO

O Vírus Ilhéus (VILH) pertence ao gênero Flavivirus da família Flaviviridae, tendo sido inserido no grupo Ntaya vírus7. Entretanto, estudo molecular recente demonstrou que o VILH, juntamente com o Vírus Rocio (VROC), representam uma linhagem genética distinta do grupo Ntaya vírus10. Após o primeiro isolamento viral, obtido em 1944, inúmeros outros isolamentos de pacientes febris, de mosquitos e de uma grande variedade de animais, particularmente aves silvestres e morcegos, foram obtidos no Brasil, na Colômbia, no Panamá, na Argentina e em Trinidad8,11,12,19,23. Na Amazônia brasileira o vírus tem sido isolado de pacientes febris, de macacos sentinelas, de morcegos e de diversas espécies de mosquitos, principalmente o Psorophora ferox, considerado o seu principal vetor14,19,20,22. Aves silvestres têm sido implicadas como prováveis hospedeiros vertebrados do vírus, contudo foram também encontrados anticorpos ou se isolou o vírus de outros vertebrados, como roedores, marsupiais, desdentados, morcegos e macacos4,6,8.

A doença em humanos usualmente é encontrada em casos esporádicos, associados a exposições em regiões de floresta, e o quadro clínico varia desde infecções assintomáticas até encefalite. A doença febril, responsável pela maioria dos casos reconhecidos, inicia subitamente com febre moderada ou elevada, cefaleia, calafrios, fotofobia, artralgia, mialgias e astenia, evoluindo em média por três a cinco dias, com recuperação completa e sem sequelas. O pequeno número de casos clínicos diagnosticados contrasta com a elevada prevalência de anticorpos para o agente, o que sugere que grande parte das infecções seja inaparente ou oligossintomática. Outro fator relevante é o seu curto período de incubação. Durante a observação de oito casos agudos, com isolamento do VILH, ocorridos no Brasil, em Trinidad, na Argentina, na Colômbia e no Panamá, em um paciente relatou-se alterações do sistema nervoso central que levaram à suspeita de encefalite13.

Poucas informações sobre estudos relacionados com a patogenicidade do VILH estão disponíveis. Contudo, sabe-se que estudos experimentais com o vírus em animais de pequeno porte, como camundongos e outros roedores, bem como em primatas não humanos, produziram viremia8,9. Experimentos realizados por Tesh e colaboradores21 e Xiao e colaboradores24,25 em hamsters dourados (Mesocricetus auratus), para estudar a patogênese de flavivirus, demonstraram grande suscetibilidade deste modelo experimental e, como representam excelente modelo alternativo, em substituição a primatas não humanos, decidimos realizar experimentos via intraperitoneal (VIP) com o VILH nesses animais.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

A cepa do VILH BeH 7445 utilizada neste estudo é proveniente de suspensão de cérebros de camundongos albinos Swiss infectados após 21 passagens nestes, e mantidos a -70º C, sem passagem anterior em hamster. Esta cepa viral foi isolada em 1959 a partir do sangue de um paciente febril, procedente do Distrito de Caraparu, localizado no Município de Santa Isabel do Pará, no Estado do Pará, Brasil2.

O inóculo foi preparado a partir de cérebros de camundongos albinos infectados com a cepa do VILH, em solução fosfato-salina tamponada pH 7,4 contendo albumina bovina 0,75% e antibióticos (100 Ul/mL de penicilina e 100 µg/mL de estreptomicina), e mantido a temperaturas inferiores a 8o C. Inoculou-se 0,1 mL da suspensão em 20 hamsters machos, de 4 a 5 semanas de idade, por VIP, reservando-se dez animais para controle negativo (não inoculados). Com a finalidade de detectar a dose aplicada, a solução viral também foi inoculada em diluições seriadas de 10-1 a 10-12 em camundongos com 2 a 3 dias de idade. O título viral foi calculado pelo método de Reed e Muench16 e expresso como DL50/0,02 mL. A cada 24 h pós-inoculação, foram anestesiados e sacrificados dois hamsters infectados e um do grupo controle, para sangria e coleta de órgãos (cérebro, fígado, coração, baço, rim e pulmão). Uma alíquota do soro foi armazenada a -70° C, para estudos sobre a viremia e detecção de antígenos, e outra a -20° C para detecção de anticorpos. Os fragmentos de vísceras coletados foram divididos em duas partes, uma para congelamento (-70º C) destinada à detecção de antígenos e titulação viral nos tecidos, e a outra foi fixada em solução de formalina tamponada a 10%, para uso em exames histopatológico e imunohistoquímico. Os espécimes coletados foram, portanto, utilizados para determinação de viremia pela titulação em camundongos recém-nascidos, detecção de antígenos pelo teste de fixação do complemento (FC) e imunohistoquímica (IHQ), detecção de anticorpos pelos testes de FC e inibição da hemaglutinação (IH) e exame tecidual (histopatologia).

A fim de se detectar a presença do VILH, bem como analisar a curva virêmica produzida pelo vírus nos espécimes biológicos obtidos do ensaio experimental, a titulação viral foi realizada separadamente, a partir de soros e fragmentos de órgãos com preparo de suspensão de macerado a 10% em PBS contendo albumina bovina e antibióticos. O sobrenadante foi utilizado para preparar diluições seriadas de 10-1 a 10-12 que foram inoculadas em um grupo de seis camundongos recém-nascidos, administrando-se 0,02 mL por via intracerebral em cada animal. Os títulos também foram calculados pelo método de Reed e Muench16.

O teste de FC foi utilizado para a detecção de antígenos e anticorpos do VILH. Os testes foram realizados conforme a técnica modificada de Fulton e Dumbell5 e adaptada para microplaca por Shope e Sather17, em diluições em série de 2x (1:8 a 1:128 para as fontes de antígeno e 1:8 a 1:64 para as fontes de anticorpos), utilizando duas unidades de complemento de cobaio, antígeno (usado como controle do teste) e fluido ascítico hiperimune do VILH (soro anti-VILH) e do Bunyavirus Tacaiuma, cepa viral BeAN 73 (soro anti-VTCM) e hemácias de carneiro sensibilizadas. A leitura foi feita de acordo com os percentuais de hemólise observados, e os títulos positivos foram registrados como a mais alta diluição com um percentual de hemólise de até 25%.

Para o estudo dos anticorpos IH foi utilizada a técnica de Clarke e Casals3, adaptada para microplacas usando diluições de 1:20 até 1:1280 dos soros, contra quatro unidades do antígeno do VILH e do controle negativo (VTCM).

Os fragmentos de vísceras fixados em formalina tamponada a 10% foram encaminhados e processados para microscopia ótica. A técnica utilizada foi a da Hematoxilina-Eosina15. Os órgãos estudados foram semiquantificados numa escala variando de 0 a 3, sendo: 0= ausência de lesão; 1= lesão leve; 2= lesão moderada e 3= lesão intensa25. De todos os fragmentos de vísceras dos animais infectados e dos animais controle, já emblocados em parafina, foram retirados cortes de 5 µM e fixados em lâminas Super-frost®/Plus (A. Dalgger & Company). Os cortes foram corados, de acordo com os procedimentos descritos por Barros1, utilizando fluido ascítico hiperimune do VILH.

 

RESULTADOS

O título DL50/0,02 mL da cepa BeH 7445 do VILH inoculada VIP em hamsters jovens foi de 9,8. A coleta de sangue (para obtenção de soro) e dos fragmentos de vísceras ocorreu durante sete dias, já que, após esse período, todos os animais evoluíram para o óbito. No experimento encontramos, em média, títulos virais relativamente baixos, porém detectáveis já nas primeiras 24 h, sendo no soro coletado no segundo dia p.i. o título mais elevado encontrado (DL50 /0,02 mL = 5,5). Em fragmentos de fígado, coração e baço observamos que o pico máximo já se deu com 24 h p.i. Em fragmentos de cérebro, rim e pulmão observamos que o pico máximo ocorreu no quinto, terceiro e segundo dias após a infecção, respectivamente (Figura 1).

 

 

Neste estudo com o VILH, foi demonstrado que, nas amostras de soro coletadas, a viremia foi detectável nas primeiras 24 h p.i., com duração de quatro dias e pico máximo no segundo dia p.i. Nos fragmentos de vísceras, a presença do VILH foi detectada desde as primeiras 24 h p.i., com duração variando de quatro a seis dias. Interessante foi observar o comportamento da titulação viral no cérebro, que foi claramente de evolução bifásica. De fato, nos dois primeiros dias após a inoculação, foi observado o título virêmico DL50/0,02 mL discretamente maior que 2. A partir de então, no terceiro e quarto dias p.i. houve evidente declínio para 0,6 e 0,9 DL50/0,02 mL, respectivamente. No quinto dia p.i. o título chegou ao máximo (2,8 DL50/0,02 mL), mantendo-se com 1,5 DL50/0,02 mL no sexto dia p.i. para não mais ser detectado no sétimo dia, como observado para todos os espécimes estudados (Figura 1).

Os estudos realizados para detecção de anticorpos demonstraram o aparecimento de anticorpos fixadores do complemento a partir do quarto dia p.i., bem como de anticorpos inibidores da hemaglutinação a partir do quinto dia após a infecção experimental (Quadro 1). Apesar do aparecimento dos anticorpos, todos os animais inoculados, como dito anteriormente, evoluíram para o óbito.

 

 

O estudo histopatológico (HE) revelou no cérebro leptomeningite, edema leve e congestão, que se tornam mais intensos a partir do quinto dia p.i. No córtex e substância branca perceberam-se, do primeiro ao quarto dia p.i., congestão de leve a moderada intensidade, e edema intenso, mais visível no espaço perivascular, acompanhado de reação inflamatória (presença de células isoladas ou em pequenos grupos, mostrando citoplasma retraído, acidófilo e núcleo picnótico). Do quinto ao sétimo dia p.i., o edema apresentou-se moderado no espaço pericelular, ocorrendo também aumento do número de áreas contendo neurônios acidófilos ou em necrose celular, documentada pela presença de restos nucleares em picnose (Figura 2). A IHQ demonstrou imunomarcação, a partir do quinto dia p.i. (120 h p.i.), inicialmente em gânglios da base, estendendo-se no decorrer dos demais dias pós-infecção ao hipocampo e córtex cerebrais (Figura 3).

 

 

 

 

No fígado, o arranjo trabecular manteve-se do início ao fim do experimento. No primeiro dia p.i. percebeu-se tumefação celular intensa, principalmente nas zonas dois (médio-zonal) e três (espaço porta) do ácino hepático, associada à acidofilia citoplasmástica em células parenquimais isoladas, além da presença de células inflamatórias raras nos sinusóides. No segundo dia p.i., além da tumefação celular, percebeu-se ainda retração acidofílica do citoplasma de algumas células que apresentaram ainda núcleo picnótico, além do aparecimento de estruturas corpusculares, com as características dos corpúsculos de Councilman-Rocha Lima, de distribuição esparsa (células em apoptose). Os sinusóides ficaram realçados e exibiram hipertrofia e hiperplasia de células de Kupffer e moderada reação inflamatória representada principalmente por mononucleares. Já nos tratos portais a reação inflamatória foi leve. No terceiro e quarto dias p.i. a lesão já se apresenta com moderada intensidade, sendo caracterizada pela presença de necrose celular focal, esparsa, no parênquima, maior número de corpúsculos tipo Councilman, além de moderada reação inflamatória intralobular e nos tratos portais. No quinto dia p.i., além das alterações observadas anteriormente, percebeu-se congestão focal nos sinusóides, porém já estava presente a binucleação de hepatócito, um típico sinal de instalação do processo regenerativo. Do sexto ao sétimo dia p.i. notaram-se regressão das lesões e acentuação do processo regenerativo hepático. A IHQ revelou hepatócitos marcados apenas no segundo dia (48 h) pós-infecção, não sendo encontrados antígenos virais nos demais dias do experimento (Figura 4).

 

 

No baço, no primeiro dia p.i., percebeu-se que a polpa branca apresentava hiperplasia folicular e a polpa vermelha já exibia certo grau de congestão. Do segundo ao quinto dias p.i. notou-se a presença de necroapoptose dos elementos linfocíticos, na polpa branca e polpa vermelha, e que se acompanhavam do aparecimento de macrófagos contendo corpos tingíveis, de tal maneira que no terceiro dia p.i. já não foram mais identificados elementos linfáticos íntegros, apenas corpos apoptóticos e poeira nuclear; e, no quinto dia, já se observava, em meio aos restos celulares, a presença de centroblastos e imunoblastos, além de certo número de plasmócitos. Com o passar dos dias houve elevação gradativa dessas células. Na polpa vermelha percebeu-se ainda moderada congestão no segundo dia, que se tornou intensa, sendo acompanhada de áreas hemorrágicas nos terceiro, quarto, e quinto dias p.i. Do sexto ao sétimo dia p.i. observaram-se persistência de restos celulares de forma leve, havendo declínio do processo congestivo e intensa proliferação de centroblastos e imunoblastos, indicando fase de regeneração tecidual. Também se observou presença de plasmócitos. Na polpa branca, foi detectada imunomarcação de antígenos virais no terceiro dia (72 h) p.i. Como observado no fígado, nos demais dias de experimento não se observou presença de antígenos virais nas células esplênicas (Figura 5).

 

 

Nos rins, no primeiro dia p.i., percebeu-se apenas congestão focal intertubular. Do segundo ao quinto dias p.i. os glomérulos se mantiveram preservados, porém apareceu tumefação leve em células tubulares, observando-se que a congestão no estroma intertubular tornou-se intensa com o avançar do experimento, sendo mais evidente na porção medular. Já no sexto e sétimo dias p.i., glomérulos e túbulos estão preservados, porém se observou congestão intersticial leve, bem mais evidente na porção cortical renal. Na IHQ foi observada a presença do antígeno viral em túbulos renais no quarto e quinto dias p.i. Nos demais dias do experimento não foi detectada a presença de antígenos virais (Figura 6).

 

 

No coração, as alterações histológicas foram percebidas a partir do segundo dia p.i., sendo caracterizadas por edema intersticial leve e hiperemia difusa, bem mais evidentes no miocárdio. Tais lesões se estenderam até o quinto dia p.i. Nos sexto e sétimo dias p.i., já não se perceberam alterações morfológicas no coração. Nos pulmões, nos dois primeiros dias p.i. não se perceberam alterações histológicas. Do terceiro ao quinto dias p.i. observaram-se áreas mostrando colapso alveolar, além de moderada congestão de parede de alvéolos e hemorragia intra-alveolar de leve a moderada intensidade. No sexto e sétimo dias p.i., notou-se apenas congestão leve de paredes alveolares. Em ambas as vísceras examinadas (coração e pulmão) não foi encontrada imunomarcação em nenhum dia do experimento.

 

DISCUSSÃO

Embora tenha sido utilizada no experimento uma cepa viral que continha 21 passagens em camundongos recém-nascidos, esta nunca havia sido inoculada em hamsters. Apesar da possibilidade de ter ocorrido alteração durante as sucessivas passagens VIC em camundongos, foi interessante observar que os animais experimentados desenvolveram baixos títulos virais em todos os órgãos, tendo sido mais duradouro nos pulmões do que no soro ou em qualquer outra víscera. Será que os animais morreram por lesão pulmonar? A histopatologia e a IHQ, no entanto, não confirmaram esta possibilidade, já que o pulmão foi o órgão com menores alterações observadas no estudo histopatológico, e, ademais, antígenos virais não foram detectados pela IHQ neste órgão. Entretanto, observou-se por HE a ocorrência de leptomeningite progressiva e necrose tissular no cérebro, achados que, corroborados pela detecção de antígeno viral por IHQ partir do quinto dia p.i no cérebro, demonstram que o VILH determinou uma meningoencefalite nesses animais (Figura 3). Nos fragmentos de fígado, baço e rim coletados, onde os títulos foram baixos, antígenos do VILH foram detectados por IHQ no segundo dia p.i. no fígado, no terceiro dia p.i. no baço e no quarto e quinto dias p.i. no rim, demonstrando o tropismo do VILH para esses órgãos, sendo marcante a capacidade do VILH de induzir produção de antígenos nesses órgãos em diferentes fases evolutivas da infecção (Figuras 4, 5 e 6). Em fragmentos de pulmão e coração, apesar de serem demonstrados títulos virais, bem como discretas alterações teciduais, não se detectou a presença de antígeno viral por IHQ. Isto pode significar que os títulos virais, assim como as lesões teciduais encontradas são decorrentes da passagem do vírus por esses órgãos através do sangue, como mencionado anteriormente.

Comparando o título viral com as alterações histológicas por HE e a detecção de antígeno viral por IHQ, observamos que intensa marcação celular com antígenos do VILH foi observada nos dois dias que antecederam a morte dos animais; no entanto, o título viral foi baixo nos tecidos. Uma hipótese para explicar este fato é que esta marcação de antígenos represente imunocomplexos. Se de fato representa, justificam-se os baixos títulos virais encontrados; isto contrasta, entretanto, com a extensão da lesão e marcação celular de antígenos observadas no cérebro.

Considerando que a lesão cerebral foi a causa da morte dos hamsters no ensaio, como explicar os baixos títulos virais encontrados? Entendemos que o vírus inoculado intraperitonialmente demorou a atingir e se estabelecer no SNC e, quando o fez e começou a replicar, o título viral observado foi baixo, pois houve tempo para a produção e circulação dos anticorpos, que, atingindo o SNC, se ligam aos antígenos virais, o que diminuiu o título viral no cérebro, como observado neste estudo. É possível, entretanto, que outros fatores tenham interferido, culminando na morte dos animais no sétimo dia p.i. Um deles pode ter sido a elevada dose do inóculo. De fato, o inóculo de 9,8 DL50/0,02 mL é elevadíssimo, o que culminou com a morte de todos os animais com sete dias p.i. Com efeito, no trabalho de Tesh e colaboradores21, os autores usaram a dose de 3,0 DL50/0,02 mL do VFA. Mesmo considerando que o título DL50/0,02 mL do VILH para hamsters foi ligeiramente superior, a dose na VIP mostrou-se exagerada.

O estudo sobre a patogenicidade do VILH em humanos, realizado por Southam e Moore18, demonstrou que inoculação subcutânea do VILH em humanos resulta em doença febril por vários dias, porém, em alguns casos, os pacientes desenvolveram sinais de encefalite branda durante o curso da doença, reforçando o neurotropismo do VILH previamente documentado e confirmado neste estudo.

 

CONCLUSÃO

Com base nos resultados obtidos, podemos concluir que o cérebro foi o órgão que apresentou maior riqueza de alterações teciduais, sendo que a presença do vírus neste órgão ocorre em duas etapas (evolução bifásica): a primeira, 24 h após a infecção experimental e, a segunda no quinto dia pós-inoculação; todos os órgãos estudados apresentaram alterações teciduais detectáveis por histopatologia, bem como títulos virais nos tecidos. Os antígenos virais, observados no estudo imunohistoquímico, foram detectados no cérebro, de forma intensa, e também no fígado, baço e rins, porém nestes órgãos a presença de antígeno viral foi transitória e de leve intensidade; não se conseguiu demonstrar antígenos virais em coração e pulmões, sugerindo que os títulos (DL50) encontrados nesses órgãos, durante a titulação em camundongos, decorrem da presença do VILH na corrente sanguínea, isto é, da viremia; as lesões histopatológicas graves e a presença de grande quantidade de antígenos observada nos cérebros por IHQ, corroboradas pelo título viral neste órgão, redundante que a morte dos animais ocorreu por encefalite, admitindo-se que, independente da via de inoculação, o VILH apresenta intenso neurotropismo.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Basílio da Silva Buna, Luiz Roberto Oliveira da Costa, Ruth Freitas, Valter Miranda Campos e Daniele Medeiros pelo apoio técnico dispensado durante o desenvolvimento de nosso estudo experimental.

 

REFERÊNCIAS

1 Barros VLRS. Arbovírus Morumbi (Phlebovirus: Bunyaviridae) - Estudo histopatológico e imuno-histoquímico do fígado na infecção experimental em camundongos: comparação entre as vias cerebral, intraperitoneal e subcutânea [dissertação]. Belém: Universidade Federal do Pará; 2000.         [ Links ]

2 Causey OR, Causey CE, Maroja OM, Macedo DG. The isolation of arthropod-borne viruses, including members of two hitherto undescribed serological groups, in the Amazon region of Brazil. Am J Trop Med Hyg. 1961 Mar;10:227-49.

3 Clarke DH, Casals J. Techniques for hemagglutination and hemagglutination-inhibition with arthropodborne viruses. Am J Trop Med Hyg. 1958 Sep;7(5):561-73.

4 Dégallier N, Travassos da Rosa AP, Hervé JP, Vasconcelos PFC, Travassos da Rosa JF, Sá Filho GC, et al. Modifications of arbovirus eco-epidemiology in Tucuruí, Pará, Brazilian Amazônia, Related to the Construction of a Hydroeletric dam. In: Uren MF, Blok J, Manderson LH, editores. Arbovirus research in Austrália. Brisbane; 1992. p. 393.

5 Fulton F, Dumbell KR. The serological comparison of strains of Influenza Virus. J Gen Microbiol. 1949 Jan;3(1):97-111.

6 Hervé JP, Dégallier N, Travassos da Rosa AP, Pinheiro FP, Sá Filho GC. Aspectos ecológicos. In: Fundação Serviços de Saúde Pública. Instituto Evandro Chagas: 50 anos de contribuição às ciências biológicas e à medicina tropical. Belém; 1986. Vol. 1, p. 409-437.         [ Links ]

7 International Committee on Taxonomy of Viruses. Management – 2006: 00.026 - Flaviviridae. In: Büchen-Osmond C, editor. The Universal Virus Database. Columbia University, New York, USA. Virus Taxonomy 2008. [Internet]. 2009 Jul [citado em 2009 jul 24]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ICTVdb/Ictv/fs_flavi.htm.         [ Links ]

8 Karabatsos N. International catalogue of arboviruses including certain other viruses of vertebrates. 3rd ed. San Antonio, USA: ASTMH; 1985. 1141p.

9 Koprowski H, Hughes TP. Physical Properties, Pathogenicity and Cultivation. J Immunol. 1946;54(4):371-385.

10 Medeiros DBA, Nunes MRT, Vasconcelos PFC, Chang GJJ, Kuno G. Complete genome characterization of Rocio virus (Flavivirus: Flaviviridae), a Brazilian flavivirus isolated from a fatal case of encephalitis during an epidemic in São Paulo State. J Gen Virol. 2007 Aug;88(8):2237-46. DOI 10.1099/vir.0.82883-0          [ Links ]

11 Pereira LE, Suzuki A, Coimbra TLM, Souza RP, Chamelet ELB. Ilheus arbovirus in wild birds (Sporophila caerulescens and Molothrus bonariensis). Rev Saude Publica. 2001 Apr;35(2):119-23.

12 Pinheiro FP, Travassos da Rosa APA. Arboviral zoonoses of Central and South America. In: Beran GW, editor. Handbook of zoonoses. 2nd ed. Boca Ranton: CRC Press; 1994. Seccion B Viral; p. 201-225.

13 Pinheiro FP, Travassos da Rosa APA, Freitas RB, Travassos da Rosa JFS, Vasconcelos PFC. Aspectos clínico-epidemiológicos das arboviroses. In: Fundação Serviços de Saúde Pública. Instituto Evandro Chagas: 50 anos de contribuição às ciências biológicas e à medicina tropical. Belém; 1986. Vol. 1, p. 375-408.

14 Prías-Landinez E, Bernal-Cubides C, Morales-Alarcón A. Isolation of Ilheus Virus from Man in Colombia. Am J Trop Med Hyg. 1968 Jan;17(1):112-4.         [ Links ]

15 Prophet EB, Mills B, Arrington JB, Sobin LH. Laboratory methods in histotechnology. Washington: American registry of athology;1992. p. 3-80.

16 Reed LJ, Muench H. A simple method of estimating fifty per cent end-points. Am J Hyg. 1938 May;27(3):493-7.

17 Shope RE, Sather GE. Arbovirus. In: Lenette ED, Schmidt MJ. Diagnostic procedures for virus, ricketsias and chlamydial infections. Washington: American Public Health Association; 1979. p. 767-814.

18 Southam CM, Moore AE. West Nile, Ilheus and Bunyawera Virus Infectious in man. Am J Trop Med. 1951;31(6):724-41.

19 Spence LP, Anderson CR, Downs WG. Isolation of Ilheus virus from human beings in Trinidad, West Indies. Trans Roy Soc Trop Med Hyg. 1962;56(6):504-9.         [ Links ]

20 Srihongse S, Johnson CM. The Isolation of Ilheus Virus from Man in Panamá. Am J Trop Med Hyg. 1967 Jul;16(4):516-8.

21 Tesh RB, Guzman H, Travassos da Rosa APA, Vasconcelos PFC, Dias LB, Bunnell JE, et al. Experimental yellow fever virus infection in the Golden Hamster (Mesocricetus auratus) 1. Virologic, biochemical and immunologic studies. J Infect Dis. 2001 May;183(10):1431-6.         [ Links ]

22 Travassos da Rosa JFS, Travassos da Rosa APA, Vasconcelos PFC, Pinheiro FP, Rodrigues SG, Travassos da Rosa ES, et al. Arboviruses isolated in the Evandro Chagas Institute, including some described for the first time in the Brazilian Amazon region their know hosts, and their pathology for man. In: Travassos da Rosa PA, Vasconcelos PFC, Travassos da Rosa JFS, editors. Overview of arbovirology in Brazil and neighbouring countries. Belém: Instituto Evandro Chagas;1998. p. 19-31.         [ Links ]

23 Vasconcelos PFC, Travassos da Rosa APA, Pinheiro FP, Shope RE, Travassos da Rosa JFS, Rodrigues SG, et al. Arboviruses pathogenic for man in Brazil. In: Travassos da Rosa APA, Vasconcelos PFC, Travassos da Rosa FS, editors. Overview of arbovirology in Brazil and neighbouring countries. Belém: Instituto Evandro Chagas; 1998. p. 72-99.         [ Links ]

24 Xiao SY, Guzmán H, Travassos da Rosa APA, Zhu HB, Tesh RB. Alteration of clinical outcome and histopathology of Yellow Fever Virus infection in a hamster model by previous infection with Heterologous Flaviviruses. Am J Trop Med Hyg. 2003 Jun;68(6):695-703.         [ Links ]

25 Xiao SY, Zhang H, Guzman H, Tesh RB. Experimental Yelow Fever Virus infection in the Golden Hamster (Mesocricetus auratus). II. Pathology. J Infect Dis. 2001 May;183(10):1437-44.         [ Links ]

 

 

Correspondência/Correspondence/Correspondencia:
Raimunda do Socorro da Silva Azevedo
Instituto Evandro Chagas,
Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas
Rodovia BR 316, km 7, s/no,
Bairro: Levilândia
CEP: 67030-000
Ananindeua-Pará-Brasil
E-mail:raimundaazevedo@iec.pa.gov.br

Recebido em/Received/Recibido en: 29/7/2009
Aceito em/Accepted/Aceito en: 25/9/2009