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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versión impresa ISSN 2176-6215versión On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.1 n.2 Ananindeua jun. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000200003 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Atividade antibacteriana in vitro de extratos brutos de espécies de Eugenia sp frente a cepas de molicutes

 

In vitro antibacterial activity of a crude extract of Eugenia species against mollicute strains

 

Actividad antibacteriana in vitro de extractos brutos de especies de Eugenia sp frente a cepas de mollicutes

 

 

Camila Simões BenfattiI; Samuel Mendes de CordovaI; Alessandro GuedesII; Michele Debiasi Alberton MaginaII; Caio Mauricio Mendes de CordovaII

ICurso de Farmácia, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, Santa Catarina, Brasi
II
Departamento de Ciências Farmacêuticas, Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, Santa Catarina, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

A necessidade da busca de novos antimicrobianos e o interesse nas espécies de molicutes vêm aumentando constantemente, principalmente pelo fato de serem os molicutes responsáveis pelo desenvolvimento de várias doenças importantes, como é o caso de Mycoplasma arginini, M. hominis e Ureaplasma urealyticum. Estes dois últimos apresentam envolvimento em infecções do trato urogenital que podem levar à infertilidade e a complicações da gestação. M. arginini é um importante patógeno animal isolado de ovelhas, que causa uma doença respiratória grave chamada de "síndrome da tosse", e, eventualmente, zoonoses no homem. O gênero Eugenia pertence à família Myrtaceae, que compreende cerca de 500 espécies de plantas com potencial terapêutico. Neste trabalho foram obtidos extratos brutos das folhas de Eugenia beaurepaireana, E. brasiliensis e E. umbelliflora, e estes foram testados pelo método de microdiluição em caldo frente às cepas de molicutes. Com isso, foi determinada a concentração inibitória mínima dos extratos das plantas, sendo de 1,25 mg/mL para E. beaurepaireana, 2,5 mg/mL para E. brasiliensis, e 5,0 mg/mL para E. umbelliflora contra as três espécies de molicutes igualmente. Dentre os resultados observados, destaca-se principalmente E. beaurepaireana, que apresentou um bom potencial antimicrobiano. Devido às patogenias importantes que estas bactérias causam, e à crescente resistência aos antimicrobianos tradicionais utilizados no tratamento, torna-se importante a busca por novos tipos de antibióticos dentro da biodiversidade brasileira. Existem raros estudos sobre as propriedades farmacológicas das plantas do gênero Eugenia, e nossos resultados são os primeiros relatos sobre sua atividade antimicrobiana frente a espécies de molicutes.

Palavras-chave: Mycoplasma; Ureaplasma; Testes de Sensibilidade Microbiana; Produtos Biológicos.


ABSTRACT

The need for new antimicrobials against mollicutes is constantly increasing, mainly because mollicutes are responsible for the development of several prominent diseases, including Mycoplasma arginini, M. hominis and Ureaplasma urealyticum. The last two are involved in urogenital tract infections that can lead to infertility and gestational complications. Meanwhile, M. arginini is an animal pathogen, isolated from sheep, that causes a serious respiratory disease, known as "coughing syndrome", and possibly zoonoses. The Eugenia genus belongs to the Myrtaceae family, which includes around 500 plant species with therapeutic potential. In this study, crude extracts from the leaves of E. beaurepaireana, E. brasiliensis and E. umbelliflora were obtained and tested by broth microdilution against mollicute strains. The minimal inhibitory concentration determined for the plant extracts was 1.25 mg/mL for E. beaurepaireana, 2.5 mg/mL for E. brasiliensis and 5.0 mg/mL for E. umbelliflora against three species of mollicutes. E. beaurepaireana in particular stands out as having good antimicrobial potential. Due to the serious diseases caused by these pathogens, as well as growing antibiotic resistance to conventional treatment, it is important research new antibiotic candidates derived from the Brazilian ecosystem. There exist very few studies of the pharmacological properties of the Eugenia plant genus and our report is the first to describe its antimicrobial properties against mollicutes.

Keywords: Mycoplasma; Ureaplasma; Microbial Sensitivity Tests; Biological Products.


RESUMEN

La necesidad de buscar nuevos antimicrobianos y el interés en las especies de mollicutes viene aumentando constantemente, principalmente por el hecho de que los mollicutes son responsables por el desarrollo de varias enfermedades importantes, como es el caso de Mycoplasma arginini, M. hominis y Ureaplasma urealyticum. Estos dos últimos presentan comprometimiento en infecciones del trato urogenital que pueden llevar a la infertilidad y a complicaciones de la gestación. M. arginini es un importante patógeno animal aislado de ovejas, que causa una enfermedad respiratoria grave llamada de "síndrome de la tos", y, eventualmente, zoonosis en el hombre. El género Eugenia pertenece a la familia Myrtaceae, que comprende cerca de 500 especies de plantas con potencial terapéutico. En este trabajo se obtuvieron extractos brutos de las hojas de Eugenia beaurepaireana, E. brasiliensis y E. umbelliflora, que fueron analizados por el método de microdilución en caldo frente a las cepas de mollicutes. Con eso, se determinó la concentración inhibitoria mínima de los extractos de las plantas, siendo de 1,25 mg/mL para E. beaurepaireana, 2,5 mg/mL para E. brasiliensis, y de 5,0 mg/mL para E. umbelliflora contra las tres especies de mollicutes igualmente. Entre los resultados observados, se destaca principalmente la E. beaurepaireana, que presentó un buen potencial antimicrobiano. Debido a las patogenias importantes que estas bacterias causan, y a la creciente resistencia a los antimicrobianos tradicionales utilizados en el tratamiento, es importante la búsqueda de nuevos tipos de antibióticos dentro de la biodiversidad brasileña. Existen pocos estudios sobre las propiedades farmacológicas de las plantas del género Eugenia, y nuestros resultados son los primeros relatos sobre su actividad antimicrobiana frente a especies de mollicutes.

Palabras clave: Mycoplasma; Ureaplasma; Pruebas de Sensibilidad Microbiana; Productos Biológicos.


 

 

INTRODUÇÃO

Os molicutes, ou micoplasmas, fazem parte da classe Mollicutes, um grande grupo de microrganismos peculiares, responsáveis por várias doenças nos animais, nas plantas e no homem, notadamente Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), das quais as mais importantes características são a ausência de parede celular e o genoma reduzido37.

A incidência de DSTs teve um declínio na década de 1980 e no início da década de 1990, refletindo as mudanças no comportamento sexual em resposta à epidemia da infecção pelo HIV. Mas estas modificações não foram mantidas, e, a partir de 1994, observou-se a reincidência das patologias de transmissão sexual. Gravidez, nascimento a termo e fertilidade são afetados pela presença de DSTs, tornando-se fundamental a investigação de microrganismos como Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, Candida sp, Trichomonas vaginalis e os molicutes26.

Duas espécies de molicutes merecem destaque nas infecções do trato urogenital: Mycoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum, adquiridas principalmente por contato sexual. Ambas têm sido encontradas tanto no homem quanto na mulher em infecções do trato urogenital inferior.

Ureaplasma urealyticum é responsável por casos de uretrite não gonocócica e vaginose bacteriana. Está associado à febre pós-parto, corioamnionite e baixo peso ao nascimento, e parto prematuro, além de complicações nos recém-nascidos. U. urealyticum era classicamente dividido em 14 sorotipos, e estes agrupados em dois sorogrupos. Atualmente, encontra-se definida uma nova espécie, U. parvum, que engloba os sorotipos que pertenciam ao sorogrupo 120. Mycoplasma hominis é uma das causas de uretrite não gonocócica e vaginose bacteriana, associado à febre pós-aborto e pós-parto, epididimite e infertilidade. Também é uma causa incomum de bacteremia, endocardite, artrite e outras infecções menos usuais14.

Vários estudos demonstraram que as taxas de colonização por Mycoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum em homens variava de zero a 13% e de 3% a 56%, respectivamente6. Dados similares em mulheres demonstraram que as taxas de colonização vaginal por M. hominis e U. urealyticum variavam de zero a 31% e de 8,5% a 77,5%, respectivamente, segundo a idade, raça, experiência sexual e nível socioeconômico41. Os resultados obtidos por nosso grupo corroboram estes estudos, demonstrando uma alta incidência de infecção em nossa população27.

M. arginini (MA) é uma espécie que infecta animais, tendo sido rotineiramente isolado de ovelhas, causando uma doença respiratória chamada "síndrome da tosse" nos ovinos. A manifestação é associada a uma tosse paroxística severa, causando inclusive prolapso retal. A doença é crônica e persiste por várias semanas na maioria dos animais infectados. Existem evidências de que a persistência destes microrganismos no trato respiratório e a natureza crônica da doença possam ser devidas à falha do sistema imune em gerar uma imunidade protetora29. As razões para esta falha são desconhecidas, mas se observa uma marcante variabilidade de expressão antigênica nos microrganismos isolados de animais doentes28. Uma característica metabólica singular desta espécie de molicute é a produção de uma enzima arginina deaminase, e a utilização da arginina como fonte de energia. A arginina deaminase (ADI) é uma enzima que catalisa a hidrólise da arginina em dois compostos: citrulina e amônia. É altamente expressada em microrganismos que utilizam a arginina como fonte de energia não glicolítica9. A ADI derivada de Mycoplasma foi relatada como indutora de apoptose em ampla variedade de células tumorais humanas in vitro, exercendo potente atividade antitumoral in vivo13. A atividade antiproliferativa ou antitumoral da ADI provavelmente é devida à privação de arginina como fonte nutricional das células, porque a restituição exógena de arginina restaura o crescimento celular21. A arginina é também um precursor de óxido nítrico (NO), um importante mensageiro molecular envolvido na vasodilatação, neurotransmissão e em atividades citotóxicas das células do sistema imune. Apesar de o NO ser benéfico e crítico na função celular normal, sua superprodução pela iNOS nos casos de choque endotóxico causa vasodilatação e hipotensão, levando à morte40.

Nos últimos anos, tem sido relatado um número crescente de casos de resistência dos micoplasmas e ureaplasmas aos antibióticos utilizados no tratamento17,19, inclusive aos mais efetivos33. Deste modo, a identificação de novos antimicrobianos a partir de plantas pode constituir uma grande contribuição no combate a estas infecções.

A família Myrtaceae é composta de cerca de 100 gêneros, com aproximadamente 3 mil espécies, sendo a maior família da ordem, com dois centros de dispersão, nas Américas e na Austrália, embora ocorram em todo o mundo. Segundo Limberger e colaboradores24, a família é dividida em duas subfamílias: Myrtoideae e Leptospermoideae. São todas plantas tropicais ou subtropicais, mas no Brasil há somente cerca de mil espécies. Aqui, todos os representantes nativos pertencem à subfamília Myrtoideae, a qual é constituída de apenas uma tribo, Myrteae, subdividida em três subtribos: Eugeniinae, Myrciinae e Myrtinae. No Brasil, os gêneros mais importantes são Psidium (goiabeira), Myrciaria (araçá), Martierea (cambucá), Campomanesia (guabiroba), Paivaea (cambuci), Syzigium (cravo-da-índia) e Eugenia, ao qual pertencem as espécies em estudo neste trabalho. Na América do Sul, o gênero Eugenia distribui-se desde o Brasil até o norte e nordeste da Argentina, Uruguai e Paraguai5. Muitas espécies do gênero Eugenia são apreciadas por seus frutos e usadas como alimento12, a exemplo de Eugenia uniflora, uma das espécies mais conhecidas do gênero, chamada popularmente de pitangueira5.

Alguns trabalhos demonstram o potencial terapêutico de espécies do gênero Eugenia, como: efeito hipoglicemiante, antioxidante36 e protetor contra a hipertrofia renal causada pelo diabetes15 em ratos tratados com extrato etanólico da Eugenia jambolana, antitumoral em células HL-60 de taninos isolados a partir da Eugenia jambos L.42, anticonvulsivante em camundongos tratados com o óleo essencial da Eugenia caryophyllata35.

A espécie Eugenia brasiliensis Lamarck, é conhecida popularmente como grumixama, grumixameira, grumixaba, itapoiroti38 e cumbixaba34. Na medicina popular, o uso da espécie na forma de infusão das folhas, foi relatado para o tratamento de artrite e reumatismo, e como diurético. Os frutos maduros são usados como alimento e para a preparação de bebidas fermentadas39. Devido ao seu alto teor de taninos, o que lhe confere ação adstringente, as cascas eram usadas na indústria de couro, como tanantes31. Eugenia beaurepaireana (Kiaesrkou) Legrand, sinonímio Myrtus beaurepaireana, Pilothecium ternatifolium, é conhecida como ingabaú e guamirim-ferro. Da mesma maneira que Eugenia brasiliensis, Eugenia beaurepaireana possui pouquíssimos estudos na literatura. Eugenia umbelliflora Berg., tem como nomes populares baguaçu, guapê e guamirim, dados à árvore e a seus frutos, a qual cresce nas matas do Sudeste do Brasil. Existem poucas referências na literatura a respeito desta planta.

São todas árvores pequenas ou arbustos que ocorrem na mata atlântica, desde os Estados do Nordeste até Santa Catarina38. Devido aos seus frutos, que são comestíveis, estas árvores são frequentemente cultivadas. Em Santa Catarina foi registrada a presença destas espécies nos municípios de Brusque, Ibirama, Itajaí, Joinville e região de Florianópolis.

Estudos anteriores já mostraram que espécies do gênero Eugenia apresentam atividade antibacteriana, como, por exemplo, Eugenia caryophyllus, que apresentou inibição do crescimento das bactérias Escherichia coli, Salmonella typhimurium, Staphylococcus aureus e Listeria monocytogenes31. A mesma espécie inibiu também o crescimento de Helicobacter pylori, uma bactéria responsável pelo aparecimento de úlcera gástrica23. O óleo essencial obtido das folhas de Eugenia uniflora demonstrou forte inibição do crescimento de cepas de Bacillus cereus30. A atividade antibacteriana da espécie Eugenia umbelliflora também já foi descrita na literatura, quando folhas e frutos destas espécies mostraram promissora atividade contra micro-organismos gram-positivos, como Staphylococcus aureus25. Porém, contra cepas de Mycoplasma sp e Ureaplasma sp não existem quaisquer relatos de atividade das espécies deste gênero de plantas. O objetivo deste trabalho é avaliar a atividade antimicrobiana de extratos hidroalcoólicos destas espécies de plantas nativas da flora brasileira frente a cepas de molicutes capazes de infectar o homem.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Os micro-organismos utilizados foram cepas de referência de Ureaplasma urealyticum (ATCC 27618), Mycoplasma arginini (PG18, Instituto Pasteur), e M. hominis (PG21, Instituto Pasteur). O ureaplasma foi inoculado em meio de cultura U10 e os micoplasmas em meio líquido de arginina (MLA); foram preparados no laboratório e incubados 37o C ± 1o C por 48 h em microaerofilia (2-3% de CO2)7.

O material vegetal - partes aéreas de Eugenia brasiliensis, Eugenia beaurepaireana e Eugenia umbelliflora - foi coletado na cidade de Santo Amaro da Imperatriz (SC) (27o41'18" S; 48o46'41" O) e identificado pelo professor Daniel Falkenberg do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As exsicatas das espécies foram depositadas no Herbário do Departamento de Botânica da UFSC sob os números FLOR - 34675, 34674 e 17890, respectivamente. As folhas foram separadas dos galhos e submetidas à secagem a 40o C em estufa com circulação de ar. Após a secagem, o material foi moído em moinho de facas. Os extratos vegetais foram obtidos por maceração com etanol a 70% durante sete dias. Após a filtração, os extratos foram concentrados em evaporador rotatório a vácuo e o procedimento repetido duas vezes18.

Os extratos foram dissolvidos em dimetil-sulfóxido (DMSO) e testados, usando-se o método de microdiluição em concentrações variando de 5 mg/mL a 0,0391 mg/mL, frente a cepas de molicutes. Depois de solubilizados, os extratos foram filtrados com filtros Millex (Millipore) de 0,22 µm para esterilização, tendo em vista a grande facilidade de contaminação do meio devido a sua riqueza em nutrientes. Inicialmente, foi testada a atividade antimicrobiana dos extratos de plantas (100 mg) dissolvidos em 10 mL de DMSO, solvente considerado inerte no crescimento de bactérias. Porém, diferentemente de testes já observados que apontam o DMSO como substância inerte nas culturas de bactérias como E. coli, Staphilococcus sp, Streptococcus sp e Klebsiela sp8, ele por si só apresentou inibição ao crescimento sobre os micoplasmas até diluição 1:8, e fez-se necessário realizar uma solução a 10%.

Os testes de concentração inibitória mínima (minimal inhibitory concentration - MIC) foram realizados pela metodologia padronizada de microdiluição em caldo, em microplacas de 96 cavidades4. Primeiramente, foi realizada uma diluição seriada dos extratos de planta, onde a 100 µL de meio de cultura foram adicionados 100 µL de extrato; desta solução, 100 µL foram retirados e homogeneizados com 100 µL de meio na cavidade seguinte, e assim sucessivamente, obtendo-se assim uma gama de concentração de extrato de planta (inicialmente a 10 mg/mL) diluída em razão 2 (5 mg/mL na segunda cavidade; 2,5 mg/mL na terceira cavidade, e assim sucessivamente). A esta gama de concentrações de extratos de plantas, foram adicionados 100 µL de um inóculo de uma cultura de micoplasma ou ureaplasma em fase log de crescimento, contendo 103 micro­organismos/mL (determinado por microtitulação). Como controle, foi feita uma diluição seriada do próprio solvente (DMSO), sem extrato de planta, e uma diluição seriada da cultura do micro-organismo, sem a adição de solvente ou de extrato de planta. Por fim, adicionou-se em todas as cavidades duas a três gotas de vaselina líquida estéril para isolar cada cavidade do meio externo, e criar um ambiente de microaerofilia. Os testes foram realizados uma única vez em duplicata, uma vez que esta metodologia já está bem padronizada e descrita na literatura clássica da micoplasmologia.

As placas foram incubadas a 37o C ± 1o C por 48 h, e o crescimento foi observado a partir da mudança de cor do meio de cultura, devido à presença do indicador vermelho de fenol. As espécies do gênero Ureaplasma degradam uréia em amônia e alcalinizam o pH do meio, fazendo com que haja uma mudança de cor do amarelo para o vermelho, indicando o crescimento. M. arginini e M. hominis promovem a alcalinização do meio em seu crescimento por deaminação da arginina em amônia. Todos os procedimentos foram realizados de maneira estéril em capela de fluxo laminar.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram iniciadas as culturas das cepas de referência de M. arginini,M. hominis e U. urealyticum conservadas a -20o C em nosso laboratório. Uma vez que não turvam o meio de cultura, pelo tamanho reduzido de suas células, seu crescimento é evidenciado pela formação de amônia a partir da deaminação da arginina ou da uréia, alcalinizando o pH do meio, mudando a coloração do indicador vermelho de fenol presente na formulação, de amarelo para vermelho na faixa de pH de 6,6 a 8,0 (Figura 1).

 

 

Nos testes de microdiluição realizados frente à cepa de M. arginini, apenas E. beaurepaireana e E. brasiliensis apresentaram atividade antimicrobiana ao menos até a concentração 2,5 mg/mL, E. umbelliflora apresentou atividade somente até a concentração 5,0 mg/mL (Tabela 1).

 

 

Nos testes realizados frente à cepa de U. urealyticum, apenas E. beaurepaireana apresentou atividade antimicrobiana até a concentração 1,25 mg/mL, E. brasiliensis apresentou atividade até 2,5 mg/mL e E. umbelliflora apresentou atividade somente até a concentração 5,0 mg/mL (Tabela 1).

A mesma atividade antimicrobiana foi observada frente à Mycoplasma hominis, com um MIC de 1,25 mg/mL para E. beaurepaireana, 2,5 mg/mL para E. brasiliensis, e 5,0 mg/mL para E. umbelliflora (Tabela 1).

Como se pode observar, o DMSO exerce certo efeito tóxico sobre o crescimento de molicutes, ao contrário do que ocorre com espécies de bactérias típicas, como Pseudomonas sp, E. coli, e Staphylococcus sp8. Este fato provavelmente se deve à característica dos molicutes de serem desprovidos de parede celular, tornando-os mais sensíveis a alterações osmóticas e outras agressões à membrana celular. Esta é uma característica peculiar desta classe, assemelhando-se, neste sentido, às células dos micro-organismos eucariotos.

Entretanto, foi possível verificar que todos os extratos das plantas Eugenia beaurepaireana, Eugenia brasiliensis e Eugenia umbelliflora possuem atividade antimicrobiana, mesmo que aparentemente pequena, contra as cepas dos molicutes estudados. As dificuldades no cultivo destes micro-organismos explicam, em parte, a escassez de publicações, tanto internacionais como nacionais, relacionadas à avaliação da atividade antimicrobiana de produtos naturais contra espécies de molicutes.

Deve-se ressaltar que os testes foram realizados com os extratos brutos das folhas das plantas, solúveis em DMSO a 10% em água. Certamente compostos isolados devem apresentar uma atividade antimicrobiana ainda maior. Trabalhos adicionais de nosso grupo buscarão realizar testes com subfrações e compostos isolados das plantas para a busca de novos antimicrobianos com potencial terapêutico.

Com relação à Eugenia brasiliensis, poucos relatos sobre compostos químicos e atividades farmacológicas foram registrados na literatura. Foi realizado um estudo dos componentes do óleo essencial de dois exemplares desta espécie, coletados no estado de São Paulo. Os compostos majoritários encontrados foram α-selineno (17,3 e 12,6 %) e β-selineno (13,3 e 14,8 %), β-cariofileno (8,7 e 12,6 %) e α-pineno (0,7 e 6,6 %)12. Da mesma forma, as propriedades farmacológicas de Eugenia beaurepaireana apresentam raros estudos na literatura. Apenas um relato a respeito do estudo do óleo essencial foi encontrado. Os compostos majoritários presentes no óleo essencial desta espécie são biciclogermacreno (14,3%), Δ-cadineno (7,2%), T-cadinol (6,5%), α-cadinol (6,1%) e β-cariofileno (6,4%)2. Dos frutos de Eugenia umbelliflora foi relatada a presença de antocianinas22. O óleo essencial também foi estudado, mostrando um alto de teor de α-pineno (24,7%) e β-pineno (23,5%)1. Existem pouquíssimas referências na literatura a respeito desta planta.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossos achados a respeito da atividade dos extratos brutos destas plantas, nativas da mata atlântica brasileira, contra espécies de ureaplasma e micoplasmas são importantes, pois podem constituir novas fronteiras nas áreas da micoplasmologia e dos produtos naturais de interesse terapêutico. Como discutimos, cepas de Mycoplasma hominis resistentes a tetraciclina, azitromicina, clindamicina e várias fluoroquinolonas têm sido relatadas com frequência cada vez maior33,10,3,16. Da mesma forma, a resistência de Ureaplasma sp às drogas utilizadas no seu tratamento aumenta constantemente10,32,11. O isolamento e o estudo dos compostos destas plantas com atividade antimicrobiana têm grande potencial para o desenvolvimento de novos fármacos.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro aos bolsistas S. M. de C. e C. B. durante a realização deste projeto.

 

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Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Caio Mauricio Mendes de Cordova
Departamento de Ciências Farmacêuticas,
Universidade Regional de Blumenau, Campus III
Rua São Paulo, 2171,
Itoupava Seca Blumenau-Santa Catarina-Brasil 89030-000
E-mail:cmcordova@furb.br

Recebido em / Received / Recibido en: 3/6/2009
Aceito em / Accepted / Aceito en: 25/9/2009