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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.1 n.4 Ananindeua dez. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000400002 

ARTIGO HISTÓRICO | HISTORICAL ARTICLE | ARTÍCULO HISTÓRICO

 

A Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará: da fundação à federalização 1919-1950

 

The School of Medicine and Surgery of Pará, Brazil: from establishment to federalization, 1919-1950

 

La Facultad de Medicina y Cirugía de Pará, Brasil: de la fundación a la federación 1919-1950

 

 

José Maria de Castro Abreu Junior

Hospital Universitário João de Barros Barreto, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

As circunstâncias havidas desde a fundação da Faculdade de Medicina do Pará até sua federalização são apresentadas numa perspectiva cronológica seguindo de 1919 até 1950. Alguns fatos históricos são destacados, contextualizados e comparados com os de outras instituições do gênero, assim como são mencionados determinados personagens que tiveram participação nos acontecimentos relatados, hoje obscurecidos pelo tempo, reconstruindo o panorama de um período em que a Faculdade de Medicina do Pará era uma escola médica isolada no extremo norte, única do gênero em uma área de grande extensão e com desafios sanitários até hoje longe de serem superados.

Palavras-chave: História da Medicina; Escolas Médicas; Serviços de Saúde.


ABSTRACT

This study aims to chronologically present circumstances that took place from the establishment of the School of Medicine of Pará, Brazil, in 1919 to its federalization in 1950. Some historical facts are highlighted, contextualized, and compared to similar institutions and personalities that played a relevant role in these events, which have been obscured over time. Our intention is to relive the period through words when the School of Medicine of Pará was an isolated medical school in the extreme north of the country. It was the only one of its kind in the region that faced sanitary challenges, which are still far from being overcome today.

Keywords: History of Medicine; Schools, Medical; Health Services.


RESUMEN

Las circunstancias habidas desde la fundación de la Facultad de Medicina de Pará, Brasil hasta su federación se presentan en una perspectiva cronológica, siguiendo desde 1919 hasta 1950. Se destacan algunos hechos históricos, contextualizados y comparados con los de otras instituciones del género, bien como se mencionan determinados personajes que tuvieron participación en los acontecimientos relatados, hoy oscurecidos por el tiempo, reconstruyendo el panorama de un período en que la Facultad de Medicina de Pará era una escuela médica aislada en el extremo norte, única en el género, en un área de gran extensión y con desafíos sanitarios hasta hoy lejos de ser superados.

Palabras clave: Historia de la Medicina; Escuelas Médicas; Servicios de Salud.


 

 

O marco inicial do ensino médico no Brasil remonta ao ano de 1808, com a migração da corte portuguesa para sua colônia mais importante, em virtude da invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão. Dom João VI, atendendo uma solicitação de José Correia Picanço, o Barão de Goiana, cirurgião nascido em Pernambuco, professor catedrático de Anatomia e Cirurgia em Coimbra, criou, em fevereiro e novembro daquele ano, respectivamente, duas Escolas de Anatomia, Medicina e Cirurgia: uma em Salvador e outra no Rio de Janeiro. Essas Escolas, a partir de 1813, passaram a ser denominadas Academias Médico-cirúrgicas, galgando, em 1832, a condição de Faculdades de Medicina1.

Durante todo o Império, o ensino médico permaneceu estatal; somente após a proclamação da República, amparadas pela constituição de 1891, é que surgem outras escolas médicas, todas oriundas de iniciativas privadas. A terceira surge em 1898, na Cidade de Porto Alegre2. No entanto, o grande gatilho para a expansão do ensino médico no Brasil viria somente no século XX, precisamente em 1911, com a Lei Orgânica do Ensino, instituída pelo Decreto 8.659, de 5 de abril de 1911, que ficaria conhecida como Lei Rivadávia Corrêa, em função de seu idealizador. Tal lei, de caráter extremamente liberal e positivista, proporcionou total autonomia didática e administrativa para os estabelecimentos de ensino superior3. Surgiram assim a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, em 19114 ; a Faculdade de Medicina Hahnemanianna, no Rio de Janeiro3 , esta com ênfase no ensino da medicina homeopática*; a Faculdade de Medicina de São Paulo5; e a Universidade do Paraná6, com seu curso de medicina e cirurgia – estas três últimas surgidas no decorrer de 1912.

Se, por um lado, a Lei Rivadávia permitiu o surgimento das escolas citadas, exatamente por ser tão liberal deu margem ao aparecimento de diversas instituições que tinham por único fim negociar diplomas. O governo reverteria a situação com o Decreto 11.530, de 18 de março de 1915, conhecido como Lei Maximiliano, que obrigava, entre outras coisas, que as instituições apresentassem um programa equiparado ao das instituições oficiais. No caso do ensino médico, elas deveriam ter um programa pareado aos das Faculdades de Medicina do Rio e da Bahia3.

É sob esta nova legislação, mais restritiva, que surge a Faculdade de Medicina do Pará, em 9 de janeiro de 1919§. Diferentemente das outras escolas do mesmo período, que surgem em momentos economicamente favoráveis, como os ciclos do café5 e do mate6, ela surge num momento de decadência da economia local decorrente da crise da borracha, ciclo econômico que marcou a Belle Epoque amazônica7.

Acrescente-se ainda outra peculiaridade que marca a criação da Faculdade de Medicina do Pará: ao contrário das outras, cuja ideia de criação nasceu de importantes figuras médicas locais, a iniciativa de fundar a primeira escola médica da Amazônia brasileira nasceu de um dentista, Antônio Magno e Silva, então professor catedrático e diretor da Escola de Odontologia do Pará, criada em 19148. Magno e Silva dirigia ainda a Associação Científica, entidade que havia fundado e que mantinha a Faculdade de Odontologia9.

Ele buscou apoio em médicos como Hermógenes Pinheiro, Evaristo Silva, Carlos Arnóbio Franco, Álvaro Gonçalves e Renato Franco10. Uma vez juntos, foram até Camilo Henriques Salgado Junior||, oferecendo-lhe a direção da escola. Não poderia ser diferente: Camilo era um dos médicos de maior prestígio no Pará nas primeiras décadas do século XX, consagrado em todos os meios sociais. Seria, portanto, uma figura essencial para agregar peso e credibilidade àquela iniciativa. Camilo aceitou a ideia, mas não a direção, indicando para o cargo Antonino Emiliano de Souza Castro, o Barão de Anajás11.

O barão pertencia a uma geração de médicos anterior à de Camilo, que haviam feito sua carreira ainda no Império, tendo ele chegado inclusive a vice-governador da Província do Pará naquele regime. Camilo busca no barão não apenas o que haviam procurado nele, isto é, um elemento somador de credibilidade e respeito; há outra conotação possível nesta indicação que não pode ser desmerecida: o Barão de Anajás era pai de um médico homônimo, mais conhecido como dr. Souza Castro, que, além de também pertencer ao quadro de fundadores da Faculdade, militava no mesmo partido político de Camilo Salgado e estava em ascensão política, e chegaria ao Governo do Estado no ano seguinte12. O diretor da recém-criada Faculdade, portanto, não era apenas um velho representante de um antigo regime, mas o pai do futuro governador do Pará, fato que estreitava os laços da Faculdade com o poder público em um momento em que todo apoio era necessário13.

As aulas, inicialmente previstas para serem iniciadas em 3 de abril, foram sendo adiadas, notando-se uma benevolência por parte dos organizadores da Faculdade, talvez na busca por candidatos, por meio de medidas como a não realização de vestibular para aqueles que já possuíssem um curso superior. Pouco tempo depois, contando com 58 alunos matriculados, a aula inaugural aconteceria no dia 1 de maio de 1919, no salão nobre do Ginásio Paes de Carvalho, com os jornais da época definindo-a como uma solenidade simples para uma plateia seleta14. O Barão de Anajás deu início à sessão expondo de modo consciso quais as vantagens que o novo estabeleciemento de ensino traria para o Pará e para "...o desenvolvimento da ciência e do trabalho em prol da humanidade", logo passando a palavra para o orador oficial da cerimônia, o dr. Acylino de Leão, cujo discurso assim foi reproduzido na época:

 

 

"... explicou que o magno problema no Brasil, era o povoamento do solo, pondo em evidência o desamparo dos nossos sertões, cujas populações estão entregues à côrte dos pagés e mandingueiros e reputa como fator principal, para a solução desse problema, a acção da sciencia médica, enviando até lá a sua fonte de recursos. Diz mais que ao amparo d'essa theoria, veio a idéa da fundação da Faculdade de Medicina do Pará, cujos fructos serão os mais preciosos. Mostra que nós necessitamos de médicos, homens de sciencia, que levem ao interior o concurso de sua actividade, libertando aquellas populações da pajelança, velando pela saúde desses braços que produzem o trabalho. Diz que a pratica tem demonstrado que os médicos formados pelas academias do sul, na maioria tomam o caminho de S. Paulo, Minas e outras capitais, onde as fortunas lhes acenam melhor um futuro proveitoso, e , assim, diz, só os nossos, os formados aqui, é que poderão lançar as suas vistas para o interior, já movidos pelo trabalho, já pelo amor ao seu berço natal, ou pelos laços de família que alli os prendem. Faz o histórico do que era Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro há dez anos, quando elle, orador, se formara, mostrando que nós estávamos em condições de oferecer os mesmos médicos que aquelles que alli se diplomam. Faz ver mais que naquelle tempo alli, as falhas eram inúmeras, a chimica medica era rudimentar, a bacteriologia muito superficial e até a propria anatomia, que é base principal da sciencia medica, era falha, pelo grande numero de alumnos que cursam a Faculdade. E nem por isso os formados pela academia do Rio de Janeiro, deixam de ser medicos. Expõe longamente que o sucesso da carreira medica está na clínica hospitalar e, nessas condições, nós poderemos ter excellentes diplomados. Accrescenta que a celeuma que se levanta é natural e, como exemplo, cita a fundação da Faculdade de Direito, que tanto deu que falar e a interrogar a muitos -Para que precisamos de tantos bacharéis? No entretanto, em pouco tempo está ella provando o seu mais proveitoso resultado. No interior, onde os juizes sempre foram leigos, e, as mais das vezes, até analphabetos, temos hoje a substituil-os rapazes talentosos e formados em nossa Escola de Direito. É este o papel que está reservado à Faculdade de Medicina do Pará, cujo programa, acabava de expor. Diz também que o Brasil reclama de agrônomos e pergunta, como progredir si esses braços fortes não tiverem a mão protectora da medicina?"15.

A cerimônia foi encerrada às 11 h ao som da banda dos Bombeiros; após as comemorações, a primeira aula regular ocorreu dia 6 de maio, ministrada pelo professor Caribé da Rocha, da disciplina de História Natural e Parasitologia.

Era então o momento de arregaçar as mangas e fazer a Faculdade acontecer de fato. O Barão logo tratou de organizar o primeiro regimento interno da Faculdade, calcado nos moldes da Faculdade Nacional de Medicina no Rio de Janeiro e encomendou a Bruno Lobo, médico paraense radicado no Rio, lâminas de histologia normal e patológica, além de coleções de mineralogia e zoologia para as aulas de História Natural16,13.

Começaria ali também um período marcado por grande instabilidade na recém-criada escola. Passada a empolgação inicial, muitos professores, fosse pela falta de remuneração ou mesmo de vocação, começaram a pedir demissão; outros foram pulando de disciplina em disciplina, não raro assumindo diversas, simultaneamente, como Prisco dos Santos e Renato Chaves13, para manter a Faculdade funcionando.

As aulas seguiam em um espaço físico precário, sendo as teóricas ministradas em duas salas do colégio Paes de Carvalho, de frente para a rua João Diogo e as práticas de anatomia no necrotério municipal, situado em frente ao mercado do Ver-o-Peso13.

 

 

O ensino era rigoroso, com uma taxa de reprovação elevada, o que, diga-se de passagem, não era uma exclusividade da Faculdade de Medicina do Pará. Toda nova Faculdade de Medicina criada na Velha República precisava impor respeito ao Ministério da Justiça e Relações Interiores, havendo necessidade de provar que não era fábrica de diplomas. Este critério moralizador, na definição do próprio Camilo Salgado, gerou pelo menos uma vez uma situação de constrangimento17.

Em fins de março de 1922, após reprovações maciças em microbiologia, anatomia e histologia, os alunos sentiram-se perseguidos e foram buscar apoio no diretor da Faculdade, o Barão de Anajás. Este manifestou publicamente sua opinião que nenhum dos alunos deveria ser reprovado; os examinadores mantiveram firmes suas deliberações e, julgando-se desconsiderados, procuraram apoio em Camilo Salgado, que ficou a favor dos professores. O Barão, como não poderia ser diferente, sentiu sua autoridade desmerecida e deixou seu cargo, afastando-se da Faculdade definitivamente18. Camilo Salgado assumiria ali a direção da instituição, a qual só largaria com a morte, em 1938.

Procurando colocar os estudantes, que começavam a sair das cadeiras básicas, em contato com o paciente, Camilo logo estabeleceu um convênio com a Santa Casa de Misericórdia, o qual previa o uso das suas instalações mediante o pagamento de taxas pela Faculdade. E no caso desta última desaparecer, seu patrimônio seria doado àquele hospital.

Percebendo ainda que a Faculdade necessitava de uma sede própria, em 1o de janeiro de 1923 Camilo Salgado lançou uma grande campanha, visando obter doações para aquisição de um imóvel para sediar a Escola. A escolha recaiu sobre o Palacete Santa Luzia, que pertencia ao senhor Adolph Kolb e que desde 1900 estava alugado para o Governo do Estado, para o funcionamento do Grupo Escolar "Wenceslau Braz". A oportunidade era boa, visto que o Governo estadual começava a perder o interesse no prédio, considerado inadequado para o funcionamento de um grupo escolar, e o preço dos imóveis estava em baixa com a crise da borracha13.

Os jornais então começaram a divulgar enormes listas de doadores, desde pessoas comuns, como comerciantes, profissionais liberais, militares e religiosos, até grandes firmas, como bancos, farmácias e fábricas, que contribuíram com quantias diversas. As doações ultrapassaram Belém, sendo registradas contribuições de diversos municípios do interior e mesmo de outros Estados. No mesmo período, alguns professores abriram mão de seus salários em prol da campanha13.

Com uma adesão maciça da população, a Faculdade pôde comprar sua nova sede em junho de 1923 e, após reformas, transferiu-se efetivamente para o Largo de Santa Luzia em 1o de abril de 192413.

Nos antigos papéis timbrados da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, além das datas de fundação e instalação, há uma alusão ao dia em que ela foi "Equiparada as Officiaes pelo ministério da Justiça e Relações Interiores em 4 de setembro de 1924". Não é de se estranhar, pois a equiparação marcava o reconhecimento da Faculdade de Medicina pelo Governo Federal, garantindo aos recém-formados o reconhecimento de seu diploma em todo o Brasil. Equiparar-se às suas congêneres federais, isto é, às escolas médicas do Rio e da Bahia, era vital para a sobrevivência de qualquer instituição13.

 

 

Cumpre ressaltar que a equiparação não era algo definitivo, obedecendo a regras rígidas, com previsão, inclusive, de cassação de uma equiparação já concedida. A Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará foi equiparada em cinco anos, um tempo curto, principalmente quando lembramos que a média para equiparação das faculdades de medicina criadas no mesmo período variou entre 7 e 10 anos13.

Algumas facilidades foram agregadas ao processo de equiparação da Faculdade de Medicina do Pará. A lei previa, por exemplo, que deveria haver um inspetor federal na Faculdade para fiscalizar se a mesma cumpria um programa plenamente de acordo com suas congêneres; este inspetor não poderia ter afinidade de qualquer natureza com o diretor e os professores, e, se possível, não deveria nem residir na mesma cidade. Nosso inspetor era médico e trabalhava na Santa Casa. Tais benevolências foram fruto da amizade de Camilo Salgado com o já então senador Lauro Sodré, que era muito próximo ao Barão de Ramiz Galvão, naquele momento membro importante do Conselho Superior de Ensino e o primeiro reitor da recém-criada Universidade do Brasil. Não foi à toa que o primeiro inspetor federal junto à Faculdade foi o dr. Lauro Sodré Filho13.

Já devidamente equiparada, a Faculdade formou seus primeiros alunos. Dos 58 iniciais sobraram apenas quatro sobreviventes das reprovações rigorosas: Antônio Magno e Silva, o já mencionado "idealizador" da Faculdade de Medicina, então professor catedrático e diretor da Faculdade de Odontologia; Bianor Penalber, jornalista do "Estado do Pará" e da revista "A Semana"; Honorato Remígio de Castro Filgueiras, cearense, que cursava a Faculdade Nacional de Medicina no Rio de Janeiro, tendo se transferido para Belém no quarto ano; e Hipolyto Carelli, grego. Bianor Penalber e Magno e Silva defenderam suas teses de doutoramento em 14 de abril de 1925, "Contribuição ao estudo do tratamento da filariose" e "Etiopatogenia das cirroses do fígado", respectivamente; dia 16 de abril foi a vez de Honorato Filgueiras, cujo tema foi "Docimasia Pulmonar - Método Icard Davilla"; e dia 18, Hipolyto Carelli, cuja tese versava sobre "Higiene da Tuberculose entre nós"13.

A Faculdade atravessaria os anos de 1930 com dificuldades, por vezes terminando o ano endividada13, tendo que apelar para doações de seu corpo docente13. Com verba conseguida via Lauro Sodré, em 1932, conseguiu construir um pavilhão em anexo, com um salão nobre para as reuniões da congregação. Por volta de 1937, visando agregar ares de modernidade, o Palacete Santa Luzia sofreria uma grande reforma que extrairia suas características art noveau e imprimiria feições art déco.

Em 1938, com a morte de Camilo Salgado, que desde 1922 vinha sendo diretor, a instituição entraria em nova fase. Se, por um lado, mais equilibrada em termos financeiros e, por conseguinte, mais expansionista, com a construção de novos pavilhões notadamente na década de 1940, por outro as relações entre alunos e Faculdade se deterioravam gradativamente. O motivo: aumentos frequentes na taxas escolares. E o para-raios da questão era o dr. Olimpio da Silveira**, secretário da Faculdade desde o início da década de 1920. Era Olimpio que controlava as finanças, economizando cada tostão, e lutava sempre pelo que considerava certo para escola, atingindo às vezes pontos excessivos19.

O Diretório Acadêmico de Medicina (DAM) lançou então uma campanha para que a Faculdade fosse encampada pelo governo federal, tornando-se gratuita. A luta foi árdua e foco principal de diversas gestões do DAM. Por anos, presidentes do diretório, destacados líderes estudantis como Abraão Levy, Pedro Amazonas Pedroso e Jean Bittar, entre outros, deram prioridade a esta pauta13.

Enquanto o projeto de lei da federalização da Faculdade de Medicina percorria longa tramitação, a Escola, já sob a direção de Lauro de Magalhães††, inaugurou em 1940 seu novo pavilhão de anatomia, o pavilhão Camilo Salgado; em 1949, seria a vez de seu auditório, com capacidade para duzentas e cinquenta pessoas sentadas, descrito na época como mais moderno de Belém; em 1950, foi a vez do biotério, enquanto a pedra fundamental do Instituto de Higiene, o atual Núcleo de Medicina Tropical, já havia sido lançada, marcando a década como o maior período de expansão física da Escola13.

Após cerca de dez anos de lutas, idas e vindas, o Presidente Dutra sancionaria a Lei 1.049, de 3 de janeiro de 1950, que federalizava a Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará. Os alunos viram-se finalmente livres das taxas escolares e os professores sobreviventes que trabalhavam naquela casa desde os dias de fundação, já idosos, passaram a ter direito de uma aposentadoria13.

Mais que isso, com a federalização a Faculdade encerrava ali um ciclo de vida como instituição. Um novo corpo docente surgiria, substituíndo a geração de 1919 e os estudantes encontrariam outra grande luta que marcaria os anos seguintes: a criação da Universidade do Pará.

 

REFERÊNCIAS

1 Gomes MM, Vargas SS, Valladares AF. A Faculdade de Medicina Primaz do Rio de Janeiro em dois dos cinco séculos de História do Brasil. Rio de Janeiro: Atheneu; 2001. 3 p.

2 Rigatto M. Fogos de Bengala nos céus de Porto Alegre. A Faculdade de Medicina faz 100 anos. Porto Alegre: Tomo-Editorial; 1998. 33 p.

3 Borges MR. A História da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revinter; 2008. 819 p.

4 Campos MM. Cinquentenário da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Belo Horizonte: EDUMG; 1961. 59 p.

5 Lacaz CS. Faculdade de Medicina - Reminescências, Tradição, Memória de minha escola. São Paulo: Atheneu; 1985.

6 Wachowicz RC. Universidade do Mate - História da UFPR. Curitiba: APUFPR; 1983. 41 p.

7 Weinstein B. A borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-1920. tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Hucitec/Edusp; 1993. 371 p.

8 Folha do Norte, Belém: jan 1939.

9 Ribeiro PRC. A Faculdade de Odontologia como unidade predecessora da UFPA. In: Beckmann C, Côrrea RC, organizadores. Odontologia: 90 anos. Belém: Edufpa, Conselho Estadual de Cultura, Academia Paraense de Odontologia; 2005.

10 Beckmann CFR. A medicina no Pará no início do século XX e a instituição do ensino médico. Ver Cult Pará. 2003 jul;14(2):129-264.

11 Pará-Médico, vol III, anno VIII, no 10, set 1922.

12 Borges MR. A História da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revinter; 2008. 819 p.

13 Abreu Jr JMC. Miranda AG. Memória Histórica da Faculdade de Medicina Cirurgia do Pará, 1919-1950. Da Fundação à Federalização. Belém; 2009.

14 Folha do Norte, Belém: maio 1919.

15 Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará. Relatório do ano de 1944. Belém: Oficinas Gráficas da Revista de Veterinária; 1945.

16 Lobo BA. A Faculdade dos meus dias. Rio de Janeiro: Acess; 1994. 75 p.

17 Faculdade de Medicina do Pará. Trechos de relatórios apresentados à congregação. Belém: Typ. da Livraria Gillet; 1923.

18 Estado do Pará, mar 1922.

19 Rebello B, Silveira O. Província do Pará. Belém: nov 1968.

 

 

Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
José Maria de Castro Abreu Junior
Trav. Mauriti, no 2218.
Bairro: Pedreira
CEP: 66087-680
Belém-Pará-Brasil
Tel.: +55 (91) 3226-0337/ 9982-3152
E-mail: josemcajr@yahoo.com.br

Recebido em / Received / Recibido en: 28/6/2010
Aceito em / Accepted / Aceito en: 26/8/2010

 

 

*Posteriormente voltou seu ensino integralmente para a alopatia, passando a chamar-se Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Está ligada atualmente à Uni-Rio3.

Resolvemos aqui mencionar apenas as escolas médicas que existem até hoje, isto é, que sobreviveram, desconsiderando iniciativas que naufragaram, como outra escola médica em São Paulo, uma no Rio Grande do Sul e o Curso de Medicina da Universidade Livre de Manaos6.

É referido, no período, o aparecimento de instituições como a Universidade Escolar Internacional, que fornecia diplomas em diversas áreas de conhecimento, incluindo medicina, em cursos realizados por correspondência6.

§O nome Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará surge na década de 192013.

||Médico paraense, nascido em 1874, falecido em 1938. Iniciou o curso médico na Bahia, terminando-o no Rio em 1896. Cultuado como santo popular na Cidade de Belém13.

Era professor catedrático de Microbiologia na Faculdade Nacional de Medicina e Diretor do Museu Nacional16.

**Olimpio Cardoso da Silveira (1879-1968) sergipano, formado na Bahia, radicado no Pará desde 1906.

††Após a morte de Camilo Salgado até o ano de 1950, a Faculdade teve os seguintes diretores: Lauro de Magalhães (1938-1943); Acylino de Leão (1944-1946); Lauro de Magalhães (1947-1954)11.