SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 issue4Perception of physical inactivity and associated factors in pregnant adolescents in the City of Coari, Amazonas State, BrazilThe frequency of HLA-DRB1 polymorphisms in Brazilian Plasmodium vivax malaria patients and in blood donors from the Amazon Region author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Pan-Amazônica de Saúde

Print version ISSN 2176-6215On-line version ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.1 no.4 Ananindeua Dec. 2010

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000400007 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Quimiotipagem e caracterização fenotípica de Cryptococcus isolados em Belém, Estado do Pará, Brasil

 

Chemotype determination and phenotypic characterization of isolated Cryptococcus from Belém, Pará State, Brazil

 

Quimiotipado y caracterización fenotípica de Cryptococcus aislados en Belém, Estado de Pará, Brasil

 

 

Fabíola Silveira GomesI; Dayse Nogueira SarmentoI; Elaine Patrícia Tavares do Espírito SantoI; Silvia Helena Marques da SilvaII

ILaboratório de Micologia, Seção de Bacteriologia e Micologia, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil. Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IILaboratório de Micologia, Seção de Bacteriologia e Micologia, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

A criptococose é uma infecção fúngica oportunista causada por leveduras do gênero Cryptococcus, principalmente Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii. Devido ao tropismo pelo sistema nervoso central, a principal manifestação clínica da doença é a meningite criptocócica, que acomete com maior gravidade indivíduos com síndrome da imunodeficiência adquirida. O interesse em aspectos fenotípicos, tais como diâmetro de cápsula, hidrólise de ureia, atividade fenoloxidase, vem aumentando por constituírem a virulência do fungo. O objetivo do presente estudo foi quimiotipar as espécies de Cryptococcus recuperados de 15 casos de meningite criptocócica, caracterizando-os quanto aos aspectos fenotípicos. Sendo assim, leveduras anteriormente identificadas como C. neoformans (n = 15) pelo sistema semiautomatizado API ID 32C, e armazenadas na micoteca do Laboratório de Micologia da Seção de Bacteriologia e Micologia do Instituto Evandro Chagas, foram quimiotipadas em meio canavanina-glicina-azul de bromotimol, e avaliadas quanto ao crescimento a 37o C, sensibilidade à cicloheximida, hidrólise da ureia e atividade da fenoloxidase. A partir da semeadura em meio canavanina-glicina-azul de bromotimol, observamos que 47% (7/15) das leveduras eram Cryptococcus gattii e 53% (8/15) eram Cryptococcus neoformans. Apenas um isolado (1/15; 6,7%) foi capaz de crescer a 37o C, sendo que todos foram sensíveis à cicloheximida, bem como produziram hidrólise da ureia. A atividade da fenoloxidase foi observada em todos os isolados estudados, ocorrendo em até 72 h após a incubação. Neste estudo, o isolamento de Cryptococcus neoformans em casos de meningite criptocócica em Belém, Estado do Pará, Brasil, foi mais frequente. Tanto Cryptococcus neoformans como Cryptococcus gattii apresentaram características fenotípicas típicas, assumindo-se que em nossa região ocorrem isolados virulentos.

Palavras-chaves: Cryptococcus neoformans; Cryptococcus gattii; Meningite Criptocócica; Fenotipagem.


ABSTRACT

Cryptococcosis is an opportunistic fungal infection that is caused by yeasts of the genus Cryptococcus, mainly Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii. Due to their tropism for the central nervous system, the main clinical manifestation of the disease is cryptococcal meningitis, which most severely affects individuals with acquired immunodeficiency syndrome. There is increasing interest in some of the phenotypic aspects of these yeasts, such as capsule diameter, urea hydrolysis, and phenoloxidase activity, because they determine the virulence of the fungus. The objective of this study was to determine the chemotype of the Cryptococcus species that were recovered from 15 cases of cryptococcal meningitis and to characterize their phenotypic features. A group of yeasts that were previously identified as C. neoformans (n = 15) by the semi-automated system API ID 32C and stored in the fungal collection of the Laboratory of Mycology of the Bacteriology and Micology Section on the Instituto Evandro Chagas were chemotyped in canavanine glycine bromothymol blue medium and assessed for their growth at 37o C, cycloheximide sensitivity, urea hydrolysis ability, and phenoloxidase activity. Based on culture in canavanine glycine bromothymol blue medium, we observed that 47% (7/15) of the yeasts were C. gattii and that 53% (8/15) were C. neoformans. Only one isolate (1/15) was able to grow at 37o C; all isolates were sensitive to cycloheximide and could hydrolyze urea. Phenoloxidase activity was observed in all groups, occurring up to 72 h after incubation. In this study, cryptococcal meningitis cases in Belém, Pará State, Brazil, were more commonly caused by C. neoformans. Both C. neoformans and C. gattii exhibited typical phenotypic traits, and it was assumed that, virulent isolates occur in our region.

Keywords: Cryptococcus neoformans; Cryptococcus gattii; Meningitis, Cryptococcal; Phenotyping.


RESUMEN

La criptococosis es una infección fúngica oportunista causada por levaduras del género Cryptococcus, principalmente Cryptococcus neoformans y Cryptococcus gattii. Debido al tropismo por el sistema nervioso central, la principal manifestación clínica de la enfermedad es la meningitis criptocócica, que acomete con más gravedad a individuos con síndrome da inmunodeficiencia adquirida. El interés en aspectos fenotípicos, tales como el diámetro de la cápsula, la hidrólisis de la urea, la actividad fenoloxidasa, han venido en aumento por constituirse en la virulencia del hongo. El objetivo del presente estudio fue el de quimiotipar las especies de Cryptococcus recuperados de 15 casos de meningitis criptocócica, caracterizándolos con relación a los aspectos fenotípicos. Siendo así, levaduras anteriormente identificadas como C. neoformans (n = 15) por el sistema semiautomatizado API ID 32C, y almacenadas en la micoteca del Laboratorio de Micología de la Sección de Bacteriología y Micología del Instituto Evandro Chagas, fueron quimiotipadas en medio canavanina-glicina-azul de bromotimol, y evaluadas con relación a crecimiento a 37o C, sensibilidad a la cicloheximida, hidrólisis de la urea y actividad de la fenoloxidasa. A partir del sembrado en medio canavanina-glicina-azul de bromotimol, observamos que 47% (7/15) de las levaduras eran de Cryptococcus gattii y 53% (8/15) de Cryptococcus neoformans. Apenas un aislado (1/15; 6,7%) fue capaz de crecer a 37o C, siendo que todos fueron sensibles a la cicloheximida, bien como produjeron hidrólisis de la urea. La actividad de la fenoloxidasa se observó en todos los aislados estudiados, ocurriendo en hasta 72 h después de la incubación. En este estudio el aislado de Cryptococcus neoformans en casos de meningitis criptocócica en la Ciudad Belém, Estado de Pará, Brasil, fue más frecuente. Tanto Cryptococcus neoformans como Cryptococcus gattii presentaron características fenotípicas típicas, asumiéndose que en nuestra región ocurren aislados virulentos.

Palabras clave: Cryptococcus neoformans; Cryptococcus gattii; Meningitis Criptocócica; Fenotipado.


 

 

INTRODUÇÃO

A partir das duas últimas décadas do século XX, principalmente, vem sendo observado o aumento da frequência e gravidade das infecções fúngicas, provavelmente como consequência do aumento de populações de risco, como indivíduos com síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), câncer, autoimunidades, desnutrição, antibioticoterapia de longa duração e portadores de transplantes, entre outras1. As leveduras mais frequentemente isoladas nestes grupos pertencem aos gêneros Candida e Cryptococcus2.

Cryptococcus spp são leveduras capsuladas que se disseminam amplamente e são mundialmente reconhecidas como importantes patógenos fúngicos oportunistas, incidindo com maior frequência sobre indivíduos com aids3. Embora o gênero Cryptococcus se constitua de mais de 30 espécies, somente duas espécies, C. neoformans e C. gattii, são causadoras de manifestações clínicas mais graves de criptococose4. A infecção é habitualmente adquirida pela inalação de propágulos viáveis no ambiente. Embora os pulmões sejam o sítio primário da infecção, a disseminação pode levar à meningoencefalite, que é a manifestação clínica mais diagnosticada em humanos5. A incidência da meningite criptocócica vem diminuindo nos últimos anos devido à terapia antirretroviral altamente eficaz; no entanto, a distribuição gratuita da medicação é pouco aplicada mundialmente, contribuindo para a severidade dos casos6.

C. neoformans tem distribuição mundial e seus propágulos são relacionados a excretas de aves e ocos de árvores, afetando principalmente hospedeiros imunocomprometidos7. C. gattii causa infecções respiratórias e disseminadas, acometendo predominantemente indivíduos imunocompetentes8. Classicamente, é limitado aos trópicos e subtrópicos, sendo comumente isolado de reservatórios ambientais, incluindo Eucalyptus camaldulensis e outras espécies de árvores9.

A virulência de C. neoformans e C. gattii está associada à produção de oxidases e de proteases, bem como a propriedades antifagocíticas dos polissacarídeos capsulares10. São considerados fatores de virulência a cápsula, o crescimento a 37o C, a produção de melanina11 e a atividade urease12. Como primeiro fator de virulência descrito para os agentes, a cápsula é composta de no mínimo dois polissacarídeos, glucuronoxilomanana, galactoxilomanana e uma pequena proporção de manoproteínas13, que têm grande número de efeitos no hospedeiro, tais como ativação e depleção do sistema complemento, reduzida resposta de anticorpos, inibição da migração de leucócitos e da fagocitose14,15. A melanina contribui para virulência por conferir resistência às células fúngicas contra o ataque das células imunológicas efetoras16. A atividade urease tem sido implicada como fator primário na patogênese da doença e sua atividade pode ser espécie e/ou sítio de infecção específica. O interesse em aspectos fenotípicos, tais como diâmetro de cápsula, hidrólise de ureia, atividade fenoloxidase, vem aumentando por constituírem a virulência do fungo17. O objetivo deste estudo foi identificar as espécies de Cryptococcus isoladas de 15 casos de neurocriptococose, caracterizando-as fenotipicamente.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Leveduras do gênero Cryptococcus isoladas de pacientes com meningite criptocócica foram identificadas por quimiotipagem em meio canavanina-glicina-azul de bromotimol (CGB). A caracterização fenotípica foi obtida mediante análises de crescimento a 37o C, sensibilidade à cicloheximida, hidrólise da ureia e atividade da fenoloxidase.

ISOLADOS DE CRYPTOCOCCUS

Foram estudados 15 isolados de Cryptococcus recuperados de paciente com meningite criptocócica, diagnosticados por coloração negativa (tinta da China) em amostras de líquido cefalorraquidiano no período de 2005 a 2009. As amostras de liquor foram provenientes da rotina laboratorial do Laboratório de Micologia da Seção de Bacteriologia e Micologia (SABMI) do Instituto Evandro Chagas (IEC), sendo os pacientes admitidos por demanda espontânea. Dos pacientes, 53% (8/15) eram do sexo feminino e 47% (7/15) do sexo masculino, variando a idade entre 15 e 56 anos. Todos os isolados foram identificados previamente como C. neoformans pelo sistema semiautomatizado API ID32C (bio Merieux, França). Os fungos foram recuperados do espécime clínico e mantidos em ágar Sabouraud dextrose 2% (Difco, Detroit, Michigan) a 30o C, e, posteriormente à recuperação e identificação, os isolados fúngicos foram semeados em meio caldo extrato de malte acrescido de 15% de glicerol e congelados a -70o C, compondo atualmente parte da micoteca do Laboratório de Micologia da SABMI/IEC.

INDUÇÃO DE CÁPSULA

Procedeu-se o ensaio de indução de cápsula, como descrito por Zaragoza e Casadevall18, para minimizar a interferência do armazenamento e viabilizar a recuperação do principal fator de virulência destas leveduras. Resumidamente, as leveduras foram mantidas em 10 mL de caldo Sabouraud ácido (2% dextrose, 1% peptona, pH 5.7) por 24 h sob leve agitação (150 rpm). Posteriormente, foram lavadas com PBS pH 7.2, inoculadas em caldo Sabouraud diluído dez vezes em água destilada e incubadas a 30o C por pelo menos 18 h. Ao final do ensaio, uma lâmina de microscopia convencional foi preparada com uma alíquota de 10 |iL deste cultivo e uma gota de tinta da China, visualizando-se em microscópio ótico (Carl Zeiss) sob aumento de 40 x. Observando-se a presença de cápsula espessa, uma alíquota da suspensão de cada isolado foi semeada em ágar Sabouraud dextrose 2% (Difco, Detroit, Michigan), incubando-se a 30o C por 24-48 h, sendo então os isolados submetidos aos ensaios fenotípicos.

QUIMIOTIPAGEM

As espécies de Cryptococcus foram diferenciadas entre C. neoformans e C. gattii com base na utilização de fonte nitrogenada em meio L-canavanina-glicina-azul de bromotimol, como descrito por Kwon-Chung et al19.

CRESCIMENTO A 37o C

Os isolados foram semeados em Ágar Sabouraud Dextrose 2% e mantidos a 37o C por até sete dias.

SENSIBILIDADE À CICLOHEXIMIDA

Os isolados foram semeados em ágar Mycosel (Difco, Detroit, Michigan) e mantidos a 30o C por até sete dias.

ATIVIDADE UREASE

Atividade urease foi observada pela ocorrência de assimilação do composto nitrogenado, presente no meio ureia de Christensen (peptona 0,1%, glicose 0,1%, NaCl 0,5%, KH2PO4 0,2%, ureia 2%, vermelho de fenol 0,0012%, ágar 1,8%), tornando-o alcalino. A reação positiva foi visualizada pela mudança de cor do indicador de pH de amarelo para rosa/vermelho.

ATIVIDADE FENOLOXIDASE

A produção de melanina foi observada a partir da atividade fenoloxidase dos isolados frente ao extrato de sementes de níger {Guizotia abyssinica} (sementes de níger 5%, KH2PO4 0,1%, dextrose 0,1%, creatinina 0,1%, ágar 1,5%), que contém tirosina e ácido clorogênico como substratos, seguindo-se a técnica descrita por Paliwal e Randhawa20.

 

RESULTADOS

Os 15 isolados de Cryptococcus foram identificados por meio de quimiotipagem em meio CGB, observando-se que 53% (8/15) das leveduras foram identificadas como C. neoformans e 47% (7/15) como C. gattii (Figura 1).

 

 

A indução de cápsula propiciou a observação do efeito do armazenamento e a viabilidade de restauração deste fator de virulência depois de condições in vitro. O restabelecimento da característica mais básica de virulência dos isolados foi obtido em, no máximo, 24 h após incubação em caldo Sabouraud diluído. No momento da recuperação dos isolados após o armazenamento, estes mostravam ínfimas cápsulas, confundíveis com paredes celulares fúngicas espessas. Ao final do ensaio de indução, observou-se o aparecimento de amplo diâmetro de cápsula (Figura 2).

 

 

No presente estudo, um isolado (6,7%; 1/15) foi termotolerante à temperatura de 37o C. Quanto à sensibilidade à cicloheximida, todos os isolados foram sensíveis, independentemente da espécie (Tabela 1). Em relação à atividade urease, todos os isolados hidrolisaram a ureia após 24 h de incubação em meio ágar ureia de Christensen, indicando a permanência de um importante fator de virulência (Figura 3). A atividade fenoloxidase foi observada em todos os isolados com produção do pigmento acastanhado em meio de semente de Níger até 72 h após a incubação (Figura 4). A tabela 1 resume todos os resultados obtidos neste estudo.

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo identificou C. neoformans e C. gattii como agentes causadores de meningite criptocócica (neurocriptococose) na Cidade Belém, Estado do Pará, Brasil, mediante a utilização do meio CGB. Este é empregado na prática clínica há vários anos, como ferramenta para identificação das duas principais espécies causadoras de criptococose, sendo que os poucos resultados falsopositivos estimulam a sua aplicação, relatando-se 100% de eficácia e com o grau de concordância com a identificação molecular chegando até 95,4%21. Apesar das espécies C. curvatus, C. laurentii e C. luteolus também utilizarem a glicina e induzirem a mudança de cor do meio para azul cobalto, a utilização de outros métodos auxiliares como, por exemplo, perfil de produção de melanina associado ao PCR multiplex ou sequenciamento da região D2 da subunidade 28S do rDNA para isolados com ausência/diminuição da produção de melanina elimina completamente a falsa identificação22. No presente estudo, todos os isolados foram submetidos à identificação semiautomatizada utilizando API ID32C. Esta é baseada na assimilação de carboidratos e foi conduzida neste trabalho com a finalidade, principalmente, de confirmar resultados de cultivo daqueles isolados que possuíam cápsula pouco espessa à microscopia de luz e morfotipo da colônia não característico (ausência de aspecto mucoide). Apesar da assimilação de carboidratos não permitir a diferenciação entre C. neoformans e C. gattii, por apresentarem estas espécies o mesmo perfil de assimilação, pôde-se excluir a presença de outras leveduras, tais como as do gênero Candida.

A predominância de C. neoformans (53%) corrobora achados anteriores, desenvolvidos nesta região, nos quais se observou maior frequência desta espécie como agente etiológico da criptococose23 e de isolamento ambiental24. Poucos são os estudos que apresentam dados sobre distribuição de casos de criptococose no Estado do Pará atualmente. Dentre estes, em 1999 foi relatada a ocorrência de casos de meningite criptocócica em crianças imunocompetentes25. Posteriormente, em estudo retrospectivo incluindo casos de criptococose ocorridos entre 2003 e 2007, observou-se que a etiologia dos 43 casos admitidos era devida a C. neoformans (50%) e C. gattii (50%), sendo que o tipo molecular VGII deste foi indicado como principal agente causador de criptococose nesta região, indicando uma frequência inesperada de casos em crianças imunocompetentes23. Estes resultados estimularam o isolamento do fungo de potenciais fontes de infecção para estes hospedeiros em Belém24. Obteve-se então o isolamento de C. neoformans VNI e C. gattii VGII de ocos de árvore e gaiolas de aves. Em relação à distribuição da etiologia da criptococose no Brasil, C. neoformans sorotipo A é mais prevalente nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, enquanto que C. gattii é um importante patógeno na Região Nordeste26.

A despeito da distribuição mundial de casos de criptococose causados por C. neoformans em indivíduos imunocomprometidos27, a criptococose gattii é uma infecção fúngica que acomete principalmente indivíduos imunocompetentes em regiões tropicais e subtropicais28, apresentando, pois, importante relevância em nossa região. Sabe-se atualmente que, em algumas localidades, C. gattii é reconhecido como um agente endêmico causador da criptococose. Por exemplo, na Ilha de Vancouver (Canadá) o agente frequentemente acomete tanto indivíduos residentes como turistas, onde, no primeiro surto, foi relatada a ocorrência de 200 casos, dos quais 9% foram fatais29. Em regiões do noroeste do Pacífico, especificamente nos Estados Unidos da América, tais como Califórnia, Idaho, Oregon e Washington, casos foram diagnosticados e alguns foram sugeridos como importados da Ilha de Vancouver30. No Japão, um caso de criptococoma foi diagnosticado em um paciente não infectado pelo HIV, do qual se isolou C. gattii VGIIa, sugerindo-se a dispersão ambiental deste31. Em Atlanta (1992 a 2000) e Houston (1993 a 2000), foram diagnosticados 880 e 611 casos de criptococose, respectivamente, sugeridos como autóctones; contudo a etiologia dos casos não foi contemplada32. Na América do Sul, excluindo-se os relatos de isolamento proveniente de pacientes brasileiros, são poucos os trabalhos na literatura que versam sobre a distribuição de C. neoformans e C. gattii. Pérez et al33, objetivando determinar esta distribuição, relataram a recuperação de 120 (90,9%) isolados de C. neoformans e 12 (9,1%) de C. gattii advindos de casos diagnosticados entre 1995 e 2004.

Estudos provenientes de variadas regiões do mundo vêm descrevendo características fenotípicas de C. neoformans e C. gattii, recuperados tanto de espécimes clínicos de pacientes com criptococose34 como de materiais derivados do ambiente35. Avaliamos a presença dos principais fatores de virulência associados a C. neoformans e C. gattii. Resultados da incubação dos isolados a 37o C, demonstraram-nos que apenas um (C. neoformans) apresentou habilidade de crescer a esta temperatura, indicando a termotolerância do mesmo. Isto porque tem-se sugerido que a habilidade de crescimento a 35-37o C está diretamente relacionada ao potencial de disseminação do isolado fúngico no organismo do hospedeiro mediante a formação de biofilme36.

A clássica sensibilidade à cicloheximida foi observada por todos os isolados, demonstrando a manutenção de uma característica intrínseca destes fungos. A despeito de achados raros na literatura, nos quais são relatados isolados atípicos quanto à atividade urease37, nossos isolados apresentaram esta atividade em até 48 h depois de incubados no meio de Christensen.

A melanina é um importante fator de virulência para leveduras de Cryptococcus38, relacionada principalmente ao mecanismo de evasão ao sistema imunológico do hospedeiro, dificultando a fagocitose das leveduras por células imunológicas efetoras16. Todos os isolados por nós analisados foram capazes de produzir melanina em média 48 h após incubação no meio contendo extrato de Níger, indicando a manutenção desta propriedade, considerada como um importante fator de virulência de C. neoformans e C. gattii, mesmo após o armazenamento por longo período de tempo.

 

CONCLUSÃO

Os métodos semiautomatizados e automatizados atualmente disponíveis não permitem a diferenciação entre as duas principais espécies causadoras de criptococose. As espécies C. neoformans e C. gattii circulantes em Belém são tipicamente virulentas. A partir dos resultados apresentados, foi observado que as características típicas de leveduras causadoras de meningite criptocócica permaneceram ativas mesmo após manutenção in vitro. As principais características fenotípicas, tais como presença de cápsula, sensibilidade a cicloheximida, atividade urease e fenoloxidade, estiveram presentes em todos os isolados analisados.

 

REFERÊNCIAS

1 Selik RM, Karon JM, Ward JW. Effect of the human immunodeficiency virus epidemic on mortality from opportunistic infections in the United States in 1993. J Infect Dis. 1997 Sep;176(3):632-6.            [ Links ]

2 Bava AJ, Robles AM, Negroni R, Arechavala A, Bianchi M. Estúdio de algunos aspectos epidemiológicos de 253 casos de criptococosis. Rev Iberoam Micol. 1997;14:111-4.            [ Links ]

3 Chuck SL, Sande MA. Infections with Cryptococcosis neoformans in the acquired immunodeficiency syndrome. N Engl J Med. 1989 Sep;321(12):794-9.            [ Links ]

4 Kwon-Chung KJ, Boekhout T, Fell JW, Diaz M. Proposal to conserve the name Cryptococcus gattii against C. hondurianus and C. bacillisporus (Basidiomycota, Hymenomycetes, Tremellomycetiadae). Taxon. 2002 Nov;51(4):804-6.

5 Darzé C, Lucena R, Gomes I, Melo A. Características clínicas laboratoriais de 104 casos de meningoencefalite criptocócica. Rev Soc Bras Med Trop. 2000 jan-fev;33(1):21-6.            [ Links ]

6 Mirza SA, Phelan M, Rimland D, Graviss E, Hamill R, Brandt ME, et al. The changing epidemiology of cryptococcosis: an update from population-based active surveillance in 2 large metropolitan areas, 1992-2000. Clin Infect Dis. 2003 Mar;36(6):789-94. Doi: 10.1086/368091            [ Links ]

7 Lazéra MS, Salmito Cavalcanti MA, Londero AT, Trilles L, Nishikawa MM, Wanke B, et al. Possible primary ecological niche of Cryptococcus neoformans. Med Mycol. 2000 Oct;38(5):379-83.            [ Links ]

8 Chayakulkeeree M, Perfect JR. Cryptococcosis. Infect Dis Clin North Am. 2006 Sep;20(3):507-44.            [ Links ]

9 Fortes ST, Lazera MS, Nishikawa MM, Macedo RCL, Wanke B. First isolation of Cryptococcus neoformans var. gattii from a native jungle tree in the Brazilian Amazon rainforest. Mycoses. 2001 Jul;44(5):137­40. DOI: 10.1046/j.1439-0507.2001.00651.x             [ Links ]

10 Levitz SM, Farrell TP. Growth inhibition of Cryptococcus neoformans by cultured human monocytes: role of the capsule, opsonins, the cultured surface, and cytokines. Infect Immun. 1990 May;58(5):1201-9.            [ Links ]

11 Casadevall A, Perfect JR. Cryptococcus neoformans. Washington: American Society for Microbiology Press; 1998. 541 p.

12 Cox GM, Mukherjee J, Cole GT, Casadevall A, Perfect JR. Urease as a virulence factor in experimental cryptococcosis. Infect Immun. 2000 Feb;68(2):443-8.            [ Links ]

13 Cherniak R, Sundstrom JB. Polysaccharide antigens of the capsule of Cryptocccus neoformans. Infect Immun. 1994 May;62(5):1507-12.            [ Links ]

14 Macher AM, Bennett JE, Gadek JE, Frank MM. Complement depletion in cryptococcal sepsis. J Immunol. 1978 May;120(5):1686-90.

15 Zaragoza O, Taborda CP, Casadevall A. The efficacy of complement mediated phagocytosis of Cryptococcus neoformans is dependent on the location of C3 in the polysaccharide capsule and involves both direct and indirect C3-mediated interactions. Euro J Immnunol. 2003;33(3):1957-67. DOI:10.1002/eji.200323848            [ Links ]

16 Wang Y, Aisen P, Casadevall A. Cryptococcus neoformans melanin and virulence: mechanism of action. Infect Immun. 1995 Aug;63(8):3131-6.            [ Links ]

17 Buchanan K, Murphy JW. What makes Cryptococcus neoformans a pathogen? Emerg Infect Dis. 1998 Jan-Mar;4(1):71-83.            [ Links ]

18 Zaragoza O, Casadevall A. Experimental modulation of capsule size in Cryptococcus neoformans. Biol Proced Online. 2004;6:10-5.            [ Links ]

19 Kwon-Chung KJ, Polacheck I, Bennett JE. Improved diagnostic medium for separation of Cryptococcus neoformans var. neoformans (serotypes A and D) and Cryptococcus neoformans var. gattii (serotypes B and C). J Clin Microbiol. 1982 Mar;15(3):535-7. DOI:10.1251/bpo68            [ Links ]

20 Paliwal D, Randhawa HS. Evaluation of a simplified Guizotia abyssinica seed medium for differentiation of Cryptococcus neoformans. J Clin Microbiol. 1978 Apr;7(4):346-8.            [ Links ]

21 Klein KR, Hall L, Deml SM, Rysavy JM, Wohlfiel SL, Wengenack NL. Identification of Cryptococcus gattii by use of L-canavanine glycine bromothymol blue medium and DNA sequencing. J Clin Microbiol. 2009 Nov;47(11):3669-72. DOI: 10.1128/JCM.01072-09            [ Links ]

22 Leal AL, Faganello J, Bassanesi MC, Vainstein MH. Cryptococcus species identification by multiplex PCR. Med Mycol. 2008 Jun;46(4):377-83. Doi:10.1080/13693780701824429             [ Links ]

23 Santos WRA, Meye WR, Wanke B, Costa SP, Trille LS, Nascimento JL, et al. Primary endemic Cryptococcosis gattii by molecular type VGII in the state of Pará, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2008 Dec;103(8):813-8. Doi:10.1590/S0074-02762008000800012            [ Links ]

24 Costa SPSE, Lazéra MS, Santos WRA, Morales BP, Bezerra CCF, Nishikawa MM, et al. First isolation of Cryptococcus gattii molecular type VGII and Cryptococcus neoformans molecular type VNI from environmental sources in the city of Belém, Pará, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009 Jul;104(4):662-4. Doi: 10.1590/S0074-02762009000400023            [ Links ] 

25 Correa MP, Oliveira EC, Duarte RR, Pardal PP, Oliveira FM, Severo LC. Cryptococcosis in children in the state of Pará, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 1999 Sep-Oct;32(5):505-8. Doi: 10.1590/S0037-86821999000500006             [ Links ]

26 Nishikawa MM, Lazera MS, Barbosa GG, Trilles L, Balassiano BR, Macedo RCL, et al. Serotyping of 467 Cryptococcus neoformans isolates from clinical and environmental sources in Brazil: analysis of host and regional patterns. J Clin Microbiol. 2003 Jan;41(1):73-7. Doi:10.1128/JCM.41.1.73-77.2003           [ Links ]

27 Kwon-Chung KJ, Bennett JE. Epidemiologic differences between the two varieties of Cryptococcus neoformans. Am J Epidemiol. 1984 Jul;120(1):123-30.          [ Links ]

28 Dixit A, Carroll SF, Qureshi ST. Cryptococcus gattii: an emerging cause of fungal disease in North America. Interdiscip Perspect Infect Dis. 2009;2009: Article ID 840452 [13 p.]. Doi: 10.1155/2009/840452          [ Links ]

29 MacDougall L, Kidd SE, Galanis E, Mak S, Leslie MJ, Cieslak PR, et al. Spread of Cryptococcus gattii in British Columbia, Canada, and detection in the Pacific Northwest, USA. Emer Infec Dis. 2007 Jan;13(1):42­50. Doi: 10.3201/eid1301.060827          [ Links ]

30 Centers for Disease Control and Prevention. Emergence of Cryptococcus gattii - Pacific Northwest, 2004-2010. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2010 Jul;59(28):865-8.          [ Links ]

31 Okamoto K, Hatakeyama S, Itoyama S, Nukui Y, Yoshino Y, Kitazawa T, et al. Cryptococcus gattii genotype VGIIa infection in man, Japan, 2007. Emer Infec Dis. 2010 Jul;16(7):1155-7. DOI: 10.3201/eid1607.100106           [ Links ]

32 Mirza SA, Phelan M, Rimland D, Graviss E, Hamill R, Brandt ME, et al. The changing epidemiology of cryptococcosis: an update from population-based active surveillance in 2 large metropolitan areas, 1992-2000. Clin Infect Dis. 2003 Mar;36(6):789-94. Doi:10.1086/368091           [ Links ]

33 Pérez C, Dolande M, Moya M, Roselló A, Capriles CR, Landaeta ME, et al. Cryptococcus neoformans, Cryptococcus gattii: serotypes in Venezuela. Mycopathologia. 2008 Sep;166(3):149-53. DOI:10.1007/s11046-008-9132-1          [ Links ]

34 Favalessa OC, Ribeiro LC, Tadano T, Fontes CJF, Dias FB, Coelho BPA, et al. First description of phenotypic profile and in vitro drug susceptibility of Cryptococcus spp yeast isolated from HIV-positive and HIV-negative patients in State of Mato Grosso. Rev Soc Bras Med Trop. 2009 Dec;42(6):661-5. Doi:10.1590/S0037-86822009000600010          [ Links ]

35 Huérfano S, Cepero MC, Castañeda E. Caracterización fenotípica de aislamientos ambientales de  Cryptococcus  neoformans. Biomédica. 2003 Sep;23(3):328-40.          [ Links ]

36 Pettit RK, Repp KK, Hazen KC. Temperature affects the susceptibility of Cryptococcus neoformans biofilms to antifungal agents. Med Mycol. 2010 Mar;48(2):421-6.          [ Links ]

37 Bava AJ, Negroni R, Bianchi M. Cryptococcosis produced by a urease negative strain of Cryptococcus neoformans. J Med Vet Mycol. 1993;31(1):87-9.          [ Links ]

38 Kwon-Chung KJ, Rhodes JC. Encapsulation and melanin formation as indicators of virulence in Cryptococcus  neoformans. Infect Immun. 1986 Jan;51(1):218-23.          [ Links ]

 

 

Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Silvia Helena Marques da Silva
Laboratório de Micologia,
Seção de Bacteriologia e Micologia,
Instituto Evandro Chagas
Rodovia BR 316, km 7, s/no.
Bairro: Levilândia
CEP: 67030-000
Ananindeua-Pará-Brasil
Tel.: +55 (91) 3214-2120
E-mail: marquespb339@gmail.com

Recebido em / Received / Recibido en: 10/2/2011
Aceito em / Accepted / Aceito en: 19/4/2011