Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista Pan-Amazônica de Saúde
versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223
Rev Pan-Amaz Saude v.1 n.4 Ananindeua dez. 2010
http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000400012
ARTIGO DE REVISÃO | REVIEW ARTICLE | ARTÍCULO DE REVISIÓN
Estado da arte da brucelose em humanos
The current state of brucellosis in humans
Estado del arte de la brucelosis en humanos
Maria Luiza de Jesus Lawinsky; Patricia Miyuki Ohara; Mauro da Rosa Elkhoury; Nelma do Carmo Faria; Karina Ribeiro Leite Jardim Cavalcante
Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública, Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância à Saúde, Ministério da Saúde, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia
RESUMO
A brucelose, doença infecto-contagiosa causada por bactérias do gênero Brucella, tem chamado a atenção dos sistemas de saúde em todo o mundo por provocar enfermidades de caráter ocupacional e por ser considerada pela Organização Mundial da Saúde como doença emergente e agente potencial para bioterrorismo. O Brasil ainda não possui uma rede estruturada na saúde pública para diagnóstico da brucelose em humanos. O presente trabalho objetiva realizar uma atualização sobre os principais aspectos que envolvem esta doença. Para este fim, uma revisão bibliográfica sistematizada foi realizada. Foram revisados aspectos etiológicos, clínicos, epidemiológicos e diagnósticos, dentre outros, com o intuito de atualizar os profissionais e pesquisadores da área. Encontraram-se 31 artigos, dos quais 28 foram utilizados. Constata-se, pela revisão, que muitos dos aspectos da patogenia, profilaxia, diagnóstico e terapia da doença ainda não estão completamente compreendidos, porém progresso substancial tem sido alcançado no entendimento da base molecular da genética da Brucella e da patogênese da infecção. Conclui-se afirmando a importância da padronização diagnóstica da doença, pois é com base nos dados fornecidos pelo diagnóstico que se poderá instituir medidas de vigilância.
Palavras-chave: Brucelose; Vigilância Epidemiológica; Exposição a Agentes Biológicos.
ABSTRACT
Brucellosis, an infectious disease caused by bacteria of the genus Brucella, has drawn the attention of healthcare providers worldwide because it causes occupational diseases and is regarded as an emerging disease and a potential agent for bioterrorism by the World Health Organization. Brazil does not have a structured public health network for brucellosis diagnosis in humans. This work aims to provide an update on its main aspects of this disease. A systematic literature review was conducted for this purpose. Etiological, clinical, epidemiological and diagnostic aspects were reviewed, among others, in order to update professionals and researchers in the field. A total of 31 articles were found, of which 28 were used. This review shows that many aspects of pathogenesis, prevention, diagnosis and therapy of the disease are not yet fully understood, but substantial progress has been made in understanding the molecular basis of Brucella genetics and the pathogenesis of infection. We conclude by stating the importance of standardizing the diagnostic procedures of the disease because surveillance measures are imposed based on data provided by these diagnoses.
Keywords: Brucellosis; Epidemiologic Surveillance; Exposure to Biological Agents.
RESUMEN
La brucelosis, enfermedad infecto-contagiosa causada por bacterias del género Brucella, ha llamado la atención de los sistemas de saludo en todo el mundo por provocar enfermedades de carácter ocupacional y por ser considerada por la Organización Mundial de la Salud como enfermedad emergente y agente potencial para bioterrorismo. Brasil aun no tiene en salud pública, una red estructurada para diagnóstico de la brucelosis en humanos. El presente trabajo tiene como objetivo realizar una actualización sobre los principales aspectos que involucran a esta enfermedad. Con esta finalidad, se realizó una revisión bibliográfica sistematizada. Fueron revisados aspectos etiológicos, clínicos, epidemiológicos y diagnósticos, entre otros, con el objeto de actualizar a los profesionales e investigadores del área. Se hallaron 31 artículos, de los cuales fueron utilizados 28. Se constata en la revisión que, muchos de los aspectos de la patogenia, profilaxis, diagnóstico y terapia de la enfermedad todavía no están completamente comprendidos, aunque ha sido alcanzado un progreso substancial en el entendimiento de la base molecular de la genética de la Brucella y de la patogénesis de la infección. Se concluye afirmando la importancia de la estandarización diagnóstica de la enfermedad, ya que es en base a los datos suministrados por el diagnóstico que se podrán instituir medidas de vigilancia.
Palabras clave: Brucelosis; Vigilancia Epidemiológica; Exposición a Agentes Biológicos.
INTRODUÇÃO
A brucelose é uma enfermidade bacteriana conhecida como doença de Bang, aborto contagioso e aborto infeccioso no caso de infecção em animais; e por febre ondulante, doença das mil faces, febre de Malta, febre de Gibraltar, febre intermitente do Mediterrâneo, febre de Bang, febre napolitana e melitococia quando a infecção ocorre em humanos. Caracteriza-se por febre contínua, intermitente ou irregular, de duração variável. Das oito espécies clássicas, quatro causam doença em humanos: Brucella abortus, B. melitensis, B. suis e B. canis. A B. melitensis é a espécie mais virulenta para os humanos, com capacidade de causar infecção crônica com poucos organismos (10-100)1. A brucelose é uma zoonose de distribuição universal e acarreta problemas sanitários importantes e prejuízos econômicos vultosos, por acometer os nossos rebanhos2. A atenção que se deve dar à vigilância da brucelose se justifica pelos devastadores danos que pode provocar em pacientes crônicos3,4,5.
O baixo índice de suspeita por parte dos médicos, por ser doença de difícil diagnóstico; falha em notificar os laboratórios; falhas na identificação (pela baixa especificidade dos testes rotineiros) dos microorganismos em sistemas comerciais; práticas de laboratório inseguras; e acidentes de laboratório têm sido responsáveis por numerosos casos de exposição e adoecimento. A exposição à Brucella spp deveria levar a intensas investigações do evento e suas circunstâncias, definição da população em risco e estabelecimento de práticas de laboratório seguras. Porém, não é o que acontece normalmente. Os índices de exposição à Brucella em laboratórios clínicos indicam uma grande falta de preparo, muito devido à falta de recursos para lidar com ameaças biológicas envolvendo o uso deste organismo5.
Em humanos, a manifestação clínica da brucelose é responsável por incapacidade parcial ou total para o trabalho. Trata-se de doença de caráter predominantemente ocupacional, citada na lista de doenças relacionadas ao trabalho, na Portaria no 1.339/1999 do Ministério da Saúde (Brucelose A23), responsável por incapacidade para o trabalho ou diminuição do rendimento. Foi uma das doenças que mais influíram para a formação das regras de biossegurança em laboratórios; em 1941, Meyer e Eddie6 publicaram uma pesquisa em que identificaram 74 casos de brucelose associados à manipulação em laboratório, por aerossol. Em 1951, Sulkin e Pike7 publicaram a primeira de uma série de pesquisas em que a brucelose era a doença mais frequente nas infecções contraídas em laboratório, seguida por tuberculose, tularemia e tifo.
Com o crescente risco de ameaças das doenças infecto-contagiosas emergentes e bioterrorismo, torna-se essencial que os governos se preparem para identificar e conter estes potenciais agentes8. Devido à baixa dose para transmitir a infecção (≤ 102 organismos), a prolongada patogênese e doença e a possibilidade de ser usada em armas biológicas, classificou-se o gênero Brucella spp na categoria dos agentes B, conforme o Centers for Disease Control and Prevetion (CDC)9. Os organismos de categoria B (segunda prioridade como agente potencial para bioterrorismo) são: 1) Moderadamente dissemináveis; 2) Resultam em moderada taxa de morbidade e baixa taxa de mortalidade; 3) Necessitam de diagnósticos específicos e um programa de vigilância especial. Exemplos: cólera, salmonelose, shigelose, brucelose, Escherichia coli e Cryptosporidium parvum.
Atualmente, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), julga-se que, mesmo nos países desenvolvidos, a verdadeira incidência da brucelose pode ser cinco ou mais vezes superior à que os números oficiais sugerem. Este fato é atribuído ao subdiagnóstico e à subdeclaração "obrigatória". A estrutura para o diagnóstico da brucelose no Brasil ainda é incipiente, sendo importante e pertinente sua implantação e implementação. Este trabalho se caracteriza como uma revisão dos principais aspectos da brucelose em humanos e assim se insere nesse contexto.
METODOLOGIA
O presente trabalho é uma revisão bibliográfica, no intuito de fornecer atualização sobre os principais aspectos da brucelose em humanos. Os sintagmas utilizados foram: "brucelose", "brucellosis", "Brucella sp", "Brucellae", associados a "humanos" (e seus correlatos) e "human". Foram pesquisados trabalhos nos idiomas português, espanhol e inglês2,10. Foram selecionados artigos disponíveis nas seguintes bases de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), JCM, ACM Journals e Portal Elsevier. Foram encontrados 31 trabalhos dos quais foram utilizados 28 artigos. Os trabalhos excluídos eram de período anterior a 1990 e/ou apresentavam resultados que foram revisados e atualizados por pesquisas mais recentes.
BRUCELOSE: ASPECTOS CLÍNICOS
DESCRIÇÃO
Doença sistêmica bacteriana, com quadro clínico polimorfo, caracterizada por febre contínua, intermitente ou irregular; cefaleia, sudorese profusa, calafrios, artralgias, depressão, perda de peso e mal-estar generalizado. A enfermidade pode durar dias, meses ou até um ano se não tratada adequadamente.
Cerca de 20 a 60% dos casos apresentam complicações osteoarticulares, sendo a mais comum a sacroilite. Observam-se também infecções geniturinárias entre 2 a 20% dos casos, sendo a orquite e a epididimite as mais comuns. A taxa de letalidade da brucelose sem tratamento é de 2% ou menos, e é normalmente consequência da endocardite secundária à infecção por Brucella melitensis11.
AGENTE ETIOLÓGICO
As bactérias do gênero Brucella spp são cocobacilos não capsulados, parasitas intracelulares facultativos. O gênero Brucella é composto pela B. abortus, biótipos de 1 a 6 e 9; B. melitensis, biótipos 1 a 3; B. suis, biótipos 1 a 5; e B. canis, B. ovis, B. neotomae, e, mais recentemente, Brucella ceti em golfinhos e baleias e B. pinnipedialis em focas e leões marinhos4. A brucelose humana pode ser causada por uma das quatro espécies: B. melitensis, a mais patogênica e invasiva - seus reservatórios são as cabras, ovelhas e camelos; B. abortus, em bovinos; B. suis e B. canis, que parasitam suínos e cães, respectivamente12,13. São cocos, cocobacilos ou bastonetes curtos, com 0,5-0,7 x 0,6-1,5 mm. Arranjam-se em forma individual ou em cadeias curtas, ou em pequenos grupos. Não possuem cápsula. Produzem nitrato redutase. Possuem um sistema de transporte de elétrons baseado no sistema citocromo, tendo o oxigênio ou nitrato como aceptor final de elétrons. Muitas amostras requerem CO2 suplementar para seu crescimento, especialmente no cultivo primário. As colônias no ágar dextrose ou outro meio claro são transparentes, elevadas, convexas com bordos inteiros, lisas e com superfície brilhante. Possuem cor de mel quando iluminadas com luz transmitida. A temperatura ótima para crescimento é de 37o C, ocorrendo numa faixa entre 20o C e 40o C, em pH ótimo de 6,6 a 7,44.
Restos de romanos mortos em uma erupção do Vesúvio no ano 79 d.C. revelaram lesões típicas de brucelose. Queijo carbonizado e enterrado junto a ossos humanos revelou cocobacilos semelhantes a brucelas12,14. A primeira espécie do gênero Brucella foi isolada em 1887, por David Bruce, de baços de militares que morreram na costa do Mediterrâneo. O organismo foi denominado mais tarde de B. melitensis. Dez anos depois, um veterinário holandês, chamado Bang, isolou a B. abortus de um feto abortado. A B. suis foi isolada em 1914 por Jacob Traum, de um leitão abortado. A B. ovis foi isolada por Budlle em 1956. A B. neotomae, em 1957, por Stoenner, nos EUA, e a B. canis, por Carmichael, em 1969; em seguida, foram isoladas a B. ceti, em golfinhos e baleias, e a B. pinnipedialis, em focas e leões marinhos4. Ao todo, são conhecidas atualmente oito espécies do gênero Brucella.
Bactérias do gênero Brucella podem ser divididas em dois grupos antigenicamente distintos: as lisas e as rugosas. A morfologia destas depende do lipopolissacarídeo de membrana (LPS). Se a molécula de LPS for completa, ela possui os dois domínios: 1) A porção antigênica cadeia O; e 2) A porção tóxica lipídeo A. As colônias lisas possuem a molécula completa de LPS, enquanto as rugosas não apresentam a cadeia O na estrutura da LPS15.
DISTRIBUIÇÃO
A doença tem distribuição mundial, especialmente nos países mediterrâneos da Europa e África, no Oriente Médio, na África, na América Central e na América do Sul, na Ásia Central, na índia e no México. As fontes de infecção e o biótipo variam conforme a região geográfica. A brucelose é uma doença predominantemente ocupacional, infectando pessoas que trabalham em granjas e matadouros, sendo mais frequente na população masculina. Há casos esporádicos em consumidores de leite cru e seus derivados (em especial queijos brancos não pasteurizados). Há casos de criadores de cães infectados. É uma doença que é subdiagnosticada e subnotificada, devido à estrutura ainda pequena para diagnóstico em humanos13.
MODO DE TRANSMISSÃO
O agente é transmitido por contato de escoriações ou feridas na pele com tecidos animais, sangue, urina, secreções vaginais, fetos abortados e, especialmente, placentas; ingestão de leite cru e produtos lácteos (queijo não pasteurizado) provenientes de animais infectados. Neste último caso, a Brucella pode sobreviver de duas semanas até três meses. A ingestão de carne não é um meio de transmissão comum, pois o número de bactérias é baixo e o consumo de carne crua não é habitual. A temperaturas abaixo de 5o C o seu crescimento e multiplicação são inibidos, mas persistem mesmo a temperaturas de congelamento. A Brucella não resiste a pHs ácidos, inferiores a 4.2, é destruída em 15 seg à temperatura de 72o C e em três min a 62-63o C (pasteurização). Em zonas endêmicas é preconizado o uso de temperaturas mais elevadas (85o C) para garantir a inocuidade11. A infecção pode se transmitir pelo ar aos animais em currais e estábulos, e às pessoas em laboratórios, granjas e matadouros. Ocorrem muitos casos por autoinoculação acidental da vacina contra Brucella da cepa 19; existe o mesmo risco ao manipular a vacina Rev - 113.
Entre as profissões consideradas de risco para a infecção estão as de tratadores de animais, funcionários de frigoríficos e médicos veterinários. Em levantamento feito por Nociti et al16, apesar da exposição dos médicos veterinários a fatores de risco associados à transmissão de brucelose, 37,6% dos profissionais entrevistados já haviam sido submetidos a algum exame diagnóstico sorológico. Em estudo feito por Trindade et al17, a comprovação da prevalência de reações dos soros testados foi de 25% (12) dos profissionais estudados. Tenório et al18 procuraram comprovar o potencial zoonótico da B. abortus, sem sucesso, apesar da real exposição da população à infecção por meio do consumo de leite cru (44/56, ou 78,6% do grupo estudado) e consumo de queijo sem tratamento térmico (50/56, ou 89,3%). Foi constatado que 73,2% das 56 pessoas pesquisadas no Município de Correntes, Estado de Pernambuco, Brasil, mantinham contato com secreções de descargas vaginais, fetos abortados e placentas dos bovinos, tratando-se do principal fator de risco. Esta exposição pede uma vigilância maior por parte das autoridades sanitárias, segundo os autores17,18.
Estudos apontam a exposição ocupacional à brucelose há muito tempo, como a frequência de 10,58% de indivíduos com sorologia positiva em operários de um frigorífico na Cidade Salvador, Estado da Bahia, Brasil, em estudo de Spinola e Costa19, em 1972.
A presença de patógenos em queijo curado permanece controversa. Apesar de alguns autores terem identificado bactérias viáveis em queijos de até 100 dias de cura, parece ser aceitável considerar 60 dias de cura como tempo suficiente para garantir a inocuidade do produto. Outra forma de apresentação de queijo — o requeijão — parece ser segura se obtida pela acidificação do leite. No entanto, se obtida do leite com coalho, as Brucellas podem sobreviver até 30 dias17.
Há outras formas de transmissão humana, possíveis, mas muito improváveis, salientando-se a contaminação dos vegetais por fezes e urina de animais infectados. A transmissão entre humanos é rara. Todavia, foram identificados casos de transmissão sexual, intrauterina e por aleitamento materno. O período de incubação é muito variável, geralmente entre cinco a 60 dias, porém este período pode durar vários meses11.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da brucelose em um paciente requer a combinação de muitas abordagens, incluindo histórico médico, exame clínico, rotina hematológica e bioquímica, investigação radiológica e, o mais importante, culturas específicas para Brucella bem estabelecidas, testes sorológicos e moleculares.
As investigações hematológicas de rotina para a brucelose são: contagem sanguínea completa, taxa de sedimentação eritrocitária e função hepática. Geralmente, os achados nestes testes não são específicos. Dessa forma, o cerne do diagnóstico na brucelose são os testes laboratoriais específicos9. É necessário conhecer as vantagens e limitações de cada um para aplicação e interpretação mais precisa. As provas sorológicas atuais permitem, em geral, um diagnóstico preciso em mais de 95% dos casos, porém é necessário combinar algumas provas, como o teste Rosa Bengala e aglutinação em soro que detecte anticorpos aglutinantes (IgM, IgG e IgA), com outras que detectem os anticorpos não-aglutinantes que aparecem em etapas mais tardias, como o teste de Coombs Ig-G ou o ELISA-IgG. Estes métodos não se aplicam a B. canis e B. ovis, cujos diagnósticos requerem provas que detectem anticorpos que reagem aos antígenos lipopolissacarídeos específicos do fenótipo rugoso.
As provas devem ter nível ótimo de especificidade e de sensibilidade. Além disso, a praticidade, aceitabilidade e segurança são importantes na definição da eficiência de uma prova diagnóstica. Os métodos podem ser diretos ou indiretos (detecção de anticorpos contra Brucella spp).
Os métodos diretos incluem o isolamento e a identificação do agente, imunohistoquímica e métodos de detecção de ácidos nucleicos, principalmente a reação da polimerase em cadeia (PCR) 20,21.
Quanto aos métodos indiretos, o conhecimento da dinâmica das imunoglobulinas nos diferentes estágios da resposta imune tem orientado o desenvolvimento de inúmeros testes sorológicos. Estes testes visam demonstrar a presença de anticorpos anti-Brucella spp em vários fluidos corporais, como soro sanguíneo, leite, muco vaginal e sêmen20. Amostras de soro são mais recomendadas, para uma ótima sensibilidade e excelente especificidade, do que amostras de sangue, além de serem mais simples e diminuírem o tempo para diagnóstico21,22.
A resposta sorológica à infecção por Brucella sofre influência de muitos fatores, como o período de incubação da doença, que é muito variável e durante o qual a sorologia pode ser negativa; outros fatores são a natureza do desafio e a variação individual à infecção. Os testes sorológicos são classificados de acordo com o antígeno utilizado na reação. Nos testes de aglutinação (lenta, Rosa Bengala, de Coombs), de fixação do complemento ou imunofluorescência indireta, os antígenos são células inteiras de Brucella spp. Já nos testes de imunodifusão em gel (dupla ou radial), ELISA (indireto e competitivo) e outros, o antígeno é representado pelo lipopolissacarídeo da parede celular (S-LPS) da Brucella spp. semipurificado20.
O diagnóstico diferencial deve incluir febres de origem obscura, endocardite bacteriana, febre tifoide, dentre outras infecções12.
No Brasil, os laboratórios de saúde pública ainda estão em fase de implantação e implementação para padronização do diagnóstico da brucelose. Isto se faz urgente pela relevância da doença como fator redutor da força de trabalho e para saber a real magnitude do seu potencial para utilização como arma biológica.
SINTOMATOLOGIA
A sintomatologia da brucelose é muitas vezes inespecífica, portanto é importante, para a suspeita clínica, obter um histórico detalhado, que inclua a ocupação, o contato com animais, viagens a áreas endêmicas e a ingestão de alimentos de risco. Qualquer órgão ou tecido do corpo pode ser acometido por brucelose. A classificação das diferentes formas clínicas da brucelose em doença aguda, subaguda ou crônica é arbitrária, já que é difícil estabelecer padrões na patogenia da doença. Porém, para facilitar o prognóstico, é interessante realizar essa diferenciação principalmente em alguns tipos de brucelose localizada11.
Um dos problemas clínicos mais frequentes é o de diferenciar as formas aguda e crônica.
As manifestações clínicas e severidade da brucelose variam conforme a população estudada e com as espécies de Brucella envolvidas. Nem todos que têm contato com a Brucella desenvolvem brucelose ativa. Em áreas endêmicas, muitas pessoas são sororreagentes para brucelose, mas nunca apresentaram manifestações clínicas. Pacientes que desenvolvem brucelose sintomática aguda manifestam um amplo espectro de sintomas, incluindo febre, dor de cabeça, artralgia, mialgia, fadiga e perda de peso. Em geral, terapia antimicrobiana pode reduzir a duração dos sintomas. Em alguns pacientes, a brucelose aguda e crônica pode levar a complicações, afetando o sistema reticuloendotelial. Os sistemas cardiovascular, gastrointestinal e neurológico também podem ser afetados11,22.
FORMAS DE EVOLUÇÃO AGUDA
Com período de incubação de dois a três semanas, caracteriza-se pela tríade sintomática de febre, sudação profusa e dor. A febre alta (superior a 38o C) pode apresentar-se de forma remitente, intermitente, irregular ou ondulante (esta menos frequente, desde o advento dos antibióticos); todavia, apresenta, caracteristicamente, acentuação vespertina, prolongando-se durante a noite, com períodos de remissão matinal. A sudorese é profusa, predominantemente noturna, com cheiro ativo e desagradável.
As queixas álgicas incluem artralgias de pequenas e grandes articulações, mialgias e cefaleias. Outros sintomas frequentemente observados são anorexia, astenia, obstipação, náuseas, vômitos, tosse seca, alterações comportamentais, humor depressivo, alterações do sono e perda ponderal.
Na observação do doente, os achados físicos podem ser esparsos, identificando-se raramente adenomegalias não dolorosas e móveis, hepatomegalia indolor e esplenomegalia em apenas 20 a 30% dos casos11.
O envolvimento de ossos e articulações é bastante frequente na brucelose, ocorrendo em aproximadamente 40% dos casos. A sacroilite causada por Brucella é comum. Os pacientes apresentam febre e dor nas costas, frequentemente irradiando para as pernas. Crianças podem se recusar a andar e apoiam o peso em uma das pernas. Na fase aguda, radiografias e cintilografias podem parecer normais, mas, com o tempo, uma tomografia computadorizada ou ressonância magnética pode mostrar um estreitamento no espaço entre os discos intervertebrais. Osteomielite vertebral é visivelmente aparente quando os exames mostram a destruição dos corpos vertebrais. As vértebras lombares são mais acometidas do que as torácicas e cervicais. Abcessos paravertebrais são menos comuns na brucelose do que na tuberculose espinhal23.
Quando a via de transmissão é alimentar, por meio do leite não pasteurizado ou produtos lácteos, os sintomas comuns são: náusea, vômito, desconforto abdominal e há relatos de casos de ileíte, colite e peritonite bacteriana. As mudanças histológicas no fígado são variáveis, mas a doença causada pela B. abortus pode causar granulomas epitelioides. Um espectro de lesões hepáticas tem sido descrito em casos por B. melitensis, como pequenas fossas espalhadas, semelhante às da hepatite viral. Apesar do grande envolvimento hepático, a cirrose é extremamente rara. Abcessos hepáticos em lesões supurativas crônicas do fígado e outros órgãos têm sido descritos em adoecimentos causados por B. suis. Colecistites aguda e crônica têm sido relatadas em associação com a brucelose23,24.
Quanto às complicações cardiovasculares, a endocardite infecciosa é a manifestação cardiovascular mais comum e é a causa mais associada aos casos letais por brucelose. Endocardite é relatada em 2% dos casos e pode envolver tanto as valvas naturais quanto as sintéticas. A valva aórtica é mais acometida do que a mitral. Aneurismas do nódulo de Valsalva e outras estruturas vasculares parecem ser mais comuns quando a infecção é causada por B. suis. Aneurismas micóticos, usualmente envolvendo a artéria cerebral média, pode ser uma complicação neurológica de endocardite infecciosa.
Entre as complicações neurológicas, a neurobrucelose se refere a uma variedade de complicações associadas à brucelose. Quando a Brucella se localiza no sistema nervoso central (SNC), é comum o paciente apresentar uma sintomatologia depressiva. A invasão do SNC ocorre em 5% dos casos, aproximadamente. Pode ocorrer meningite, meningoencefalite, meningorradiculonevrite, meningomielite ou lesão de pares cranianos (mais frequente o VIII par). O líquido céfalo-raquidiano (LCR) apresenta linfocitose, proteinorraquia elevada e glicorraquia normal ou baixa. Quando afeta o SNC, culturas bacterianas só são positivas em 25% dos casos, sendo o diagnóstico feito por titulação de anticorpos no LCR11,23.
A análise do fluido cerebroespinhal pode apresentar conteúdo proteico elevado, concentração de glicose normal ou elevada, e pleocitose linfocítica. Raramente se isola brucelas do fluido cerebroespinal, mas anticorpos específicos podem ser encontrados. Outras manifestações da brucelose no sistema nervoso central incluem vasculite cerebral, aneurisma micótico, abcessos do cérebro e epidurais, infartos, hemorragias e ataxia cerebelar. Complicações nervosas periféricas incluem neuropatia/ radiculopatias, síndrome de Guillain-Barré, e uma síndrome semelhante à poliomielite11,23,24.
Quanto ao aparelho respiratório, a inalação de aerossóis é uma rota reconhecida de transmissão de brucelose, especialmente comum em matadouros. Várias complicações pulmonares têm sido relatadas, incluindo linfadenopatia, pneumonite intersticial, broncopneumonia, nódulos pulmonares e efusões pleurais. Brucellas raramente são isoladas do escarro.
Nos órgãos gênito-urinários, orquite e epididimite são as complicações mais frequentes em homens. Usualmente unilateral, orquite em Brucella pode mimetizar câncer testicular ou tuberculose. Envolvimento renal na brucelose é raro, mas pode se assemelhar à tuberculose. Em mulheres, raros casos envolvendo abcessos pélvicos e salpingite têm sido relatados.
A brucelose durante o curso da gravidez pode provocar abortamento espontâneo ou transmissão intrauterina ao feto. Em humanos, o principal risco do abortamento por bacteremia está nos três primeiros meses. O diagnóstico de brucelose durante a gravidez e o tratamento subsequente pode salvar o feto. Muito poucos casos de transmissão pela amamentação em humanos têm sido relatados11,23,24.
Dentre as manifestações cutâneas, uma variedade de lesões na pele tem sido relatada em pacientes com brucelose, incluindo nódulos, pápulas, eritema e petéquias. Úlceras cutâneas, abcessos e linfangite supurativa parecem ser mais comuns em infecções por B. suis. Ocasionalmente epistaxe, gengivorreia e hematúria têm sido atribuídos ao hiperesplenismo, hemofagocitose na medula e anticorpos antiplaquetários.
Lesões oculares, embora incomuns, têm sido relatadas em pacientes com brucelose. A uveíte é a manifestação mais frequente e pode se apresentar como iridociclite crônica ou neurite óptica, dentre outras manifestações. Desde que Brucella spp tem sido isolada de estruturas do olho humano, muitas destas lesões têm sido consideradas como complicações tardias, possivelmente mediadas imunologicamente.
FORMAS LOCALIZADAS (PREDOMINANTEMENTE FORMAS CRÔNICAS)
Talvez nenhum aspecto desta doença seja mais controverso do que a brucelose crônica. A maioria dos especialistas concorda que o termo "brucelose crônica" deve ser reservado para pacientes cujos sintomas clínicos persistem por 12 meses ou mais, desde o momento do diagnóstico. Por este critério, os pacientes são divididos em três categorias: (1) recaídas, (2) infecção crônica localizada e (3) convalescência. A recaída é definida como a recorrência de sinais e sintomas característicos da doença, ocorrendo após o curso completo do tratamento. Pacientes com recaídas tem claramente sinais de infecção, como febre e títulos elevados de anticorpos IgG no soro. A maioria das recaídas ocorre seis meses após a terapia ser interrompida, e não é relacionada à resistência aos antibióticos. Os pacientes com recaídas podem ser tratados com as mesmas drogas11,23,24.
Já a infecção crônica localizada é definida como a recorrência de sinais e sintomas causada pela falha em eliminar um foco de infecção, como na osteomielite, ou abcessos em tecidos profundos. Pacientes com infecção localizada também têm sinais claros de infecção, como febre. Como no caso de pacientes com recaídas, infecções crônicas localizadas são caracterizadas pela elevação insistente dos anticorpos IgG no soro. Diferentemente de recaída, a infecção crônica localizada pode necessitar de intervenção cirúrgica para drenar focos de infecção, além da terapia antimicrobiana.
A convalescência tardia é definida como a persistência dos sintomas, sem sinais claros de infecção, como febre, em pacientes que completaram a terapia e cujos títulos de anticorpos declinaram ou desapareceram totalmente. A etiologia da convalescência tardia é desconhecida, mas estudos psicológicos de alguns pacientes sugerem uma alta incidência de desordens de personalidade. De qualquer forma, pacientes com convalescência tardia não parecem se beneficiar com repetidas terapias antimicrobianas.
A brucelose pode também se manifestar nos rins (raramente). No início da infecção, causa glomerulonefrite e pielonefrite. Na fase crônica, provoca pielonefrite crônica. Nas localizações genitais, é frequente a orquite e a orquite-epididimite, que ocorre em até 20% dos homens. Nas mulheres, observam-se poucos casos de salpingite, cervicite e abcesso pélvico23,24.
TRATAMENTO
O tratamento da brucelose mais efetivo é feito com as tetraciclinas (principalmente doxiciclina e miniciclina), os aminoglicosídeos, a rifampicina, o cotrimoxazol, as quinolonases e as cefalosporinas de terceira geração. A escolha da associação entre antimicrobianos vai depender das particularidades do paciente, como idade, gravidez e gravidade do estado clínico. O tratamento é barato, facilmente disponível e com poucos efeitos colaterais, salvo casos especiais com gestantes e crianças com menos de 8 anos de idade1,21.
O esquema terapêutico considerado mais eficaz é a doxiciclina. Há controvérsias quanto à instituição ou não da politerapia. Alguns autores afirmam que a politerapia reduz as recidivas, principalmente se um dos antibióticos utilizados for a estreptomicina. Devido à sua ototoxicidade, alguns estudos sugerem que esta deve ser substituída pela gentamicina ou pela rifampicina. A rifampicina altera a metabolização hepática da doxiciclina, tornando difícil prever os níveis séricos destes medicamentos quando associados1,25. O tratamento de endocardite causada por Brucella spp. usualmente requer cirurgia e terapia antimicrobiana. As lesões oculares, por serem consideradas complicações tardias, são habitualmente tratadas com os esteroides.
Sendo necessário tratar doentes por longos períodos, as recidivas são frequentes, especialmente se a terapêutica for interrompida, ocorrendo, a maioria, de três a seis meses após interrupção da medicação. A recaída não é habitualmente consequência de resistência ao esquema antibiótico, dado os microrganismos identificados não terem sensibilidade antimicrobiana diferente das bactérias originais, o que sugere infecção pela mesma estirpe de Brucella. Sendo assim, será mais correto designar o episódio como recidiva e não como recorrência. Considera-se forma crônica da brucelose quando a infecção persiste por um período superior a dois meses, fazendo a necessidade de se pensar em um tratamento supervisionado11,21,25.
GENÉTICA MOLECULAR
A caracterização da genética molecular do gênero Brucella foi iniciada nos últimos dez anos, aproximadamente. A complexidade molecular média do genoma é de 2,37 x 109 daltons. O gênero é bastante homogêneo: todos os membros apresentam uma homologia superior a 95% nos estudos de paridade DNADNA, classificando o gênero Brucella como monoespecifico24,26.
Análises de endonucleases de restrição têm sido mal sucedidas quando aplicadas para todo o genoma, mas a amplificação da cadeia da polimerase de sequências selecionadas, seguida por análise de restrição, tem demonstrado polimorfismo em grande número de genes, incluindo omp 2, dnak, htr e ery. O gene omp 2 é importante taxonomicamente, pois determina a coloração para a suscetibilidade, um dos métodos tradicionais para a diferenciação de biovares. Seu polimorfismo e a capacidade de modificação de seu produto explicam a tendência para a variação nos padrões de sensibilidade, e tem sido o gene utilizado como base para a classificação genética da Brucella spp. O genoma do gênero Brucella contém dois cromossomos de 2,1 e 1,5 mpb, respectivamente. Ambos os replicons codificam funções metabólicas e replicativas essenciais24. Um sequenciamento de rRNA definiu relações filogenéticas da Brucella. Ela possui uma forte relação com o Ochrobactrum anthropi, uma bactéria ambiental associada com infecções oportunistas24.
COMPOSIÇÃO ANTIGÊNICA
Foi identificado um número substancial de componentes antigênicos da Brucella. Todavia, o antígeno responsável pela resposta imunitária é o lipopolissacarideo S (LPL-S). Existem ainda outros antígenos nas faces interna e externa da membrana celular e no citoplasma que são identificados pelo sistema imunitário, o que os torna úteis para testes de diagnóstico.
Recentemente, proteínas ribossômicas emergiram como componentes imunológicos: as proteínas L7/L12 são responsáveis pela estimulação da resposta mediada por células, tornando-se potenciais candidatas a componentes de uma vacina11,24.
FISIOPATOLOGIA
Organismos virulentos de Brucella podem infectar células fagocitárias ou não fagocitárias. No interior das células não fagocitárias, as brucelas apresentam a tendência de se localizarem no retículo endoplasmático rugoso. O LPS-S tem função na sobrevivência da bactéria no meio intracelular. É um fraco indutor para o interferon e do fator de necrose tumoral, mas é um indutor da interleucina 12 e dos linfócitos T. A eliminação das Brucellas spp depende da atuação de macrófagos ativados e de linfócitos T. Um dos fatores mais determinantes na virulência deste agente é a produção de adenina e guanina monofosfato, que inibem a fusão dos fagolisossomas, a desgranulação e ativação do sistema de Zn-Cu-superóxido dismutase e também afetam a produção de fator de necrose tumoral11. Em células polimorfonucleares, as brucelas utilizam um grande número de mecanismos para evitar respostas bactericidas. O LPS-S desempenha provavelmente um papel muito mais importante na sobrevivência intracelular das formas lisas do que das formas rugosas de brucela24,8.
IMUNIDADE
Estudos sobre imunidade são mais frequentes em animais domésticos, sendo que muitos são sobre a B. abortus. A imunidade adquirida contra a infecção de B. abortus em camundongos é mediada principalmente por linfócitos T e suas citocinas. Porém, os anticorpos não reduzem as taxas de crescimento intracelular de B. abortus in vivo. A habilidade da bactéria de sobreviver e replicar dentro dos macrófagos e outras células do hospedeiro torna-a inacessível a mecanismos extracelulares de controle do hospedeiro, como os anticorpos e o complemento26.
Dessa forma, a imunidade depende da resposta celular dos macrófagos, após serem ativados pelos linfócitos T. A opsonização pelo anticorpo aumenta a morte intracelular e os organismos se multiplicam mais lentamente em animais vacinados do que nos animais usados para controle. Após a infecção, aglutininas de classe IgM são as primeiras imunoglobulinas a aparecerem no plasma, atingindo seu pique em duas semanas. Os anticorpos IgG aparecem pouco mais tarde, superando os títulos de IgM em quatro a seis semanas24,26.
PREVENÇÃO
A prevenção da brucelose no homem depende sobretudo do controle ou erradicação da doença nos animais. Existem vacinas animais disponíveis para estirpes de Brucella abortus e Brucella melitensis, mas não para Brucella suis ou Brucella canis. Outras medidas importantes são os cuidados de higiene, para limitar os riscos de exposição de algumas atividades ocupacionais, e a pasteurização ou fervura dos produtos lácteos e outros alimentos de risco.
Até o presente, não foi encontrada qualquer vacina eficaz e segura para o homem, embora já tenham sido usadas vacinas vivas atenuadas e vacinas criadas a partir de subunidades da Brucella. Estas demonstraram pouca utilidade prática (conferiam proteção contra as formas mais graves por um período inferior a dois anos) e riscos elevados, no caso das vacinas vivas.
Assim, dada a necessidade evidente de uma vacina humana, os estudos prosseguem, estando a ser avaliada a potencial aplicação nos humanos de vacinas derivadas de mutantes de Brucella melitensis, que parecem ser seguras nos animais13. Ainda não foi elaborada uma vacina eficaz e segura para o homem, apesar das tentativas com vacinas vivas atenuadas. Estas ofereciam um período pequeno de proteção e riscos elevados, no caso das vacinas vivas. Estudos têm sido empreendidos com B. melitensis, que demonstram que a vacina parece ser segura nos animais11. A vacinação tem ainda um pequeno papel na prevenção da doença em humanos, embora, no passado, várias tentativas tenham sido feitas, incluindo a vacina atenuada de B. abortus da cepa B19-B e 104M (utilizada principalmente na União Soviética e na China), a vacina de peptideoglicano fenol-insolúvel disponível na França e a vacina de proteína-polissacarídeo, utilizada na Rússia. Todas têm eficácia limitada, e, no caso das vacinas vivas, foram associadas com sério risco de reação. O desenvolvimento de vacina eficaz é de muito interesse. As vacinas vivas têm provocado reações inaceitáveis em indivíduos expostos previamente à Brucella ou quando ministrada acidentalmente24.
A nova vacina requer provavelmente uma combinação de um conjugado de lipopolissacarídeo-proteína detoxificada e antígenos proteicos, como as proteínas ribossômicas L7/L12, com um adjuvante que favoreça a resposta dos linfócitos T.
Para a produção de uma nova vacina viva atenuada, têm sido feitos grandes investimentos e estudos. O melhor resultado obtido até então vem do desenvolvimento da cepa rugosa de B. abortus RB51, uma cepa mutante, derivada da cepa lisa e virulenta S2308 de B. abortus. A desvantagem desta cepa é ser resistente à rifampicina, um dos antibióticos utilizados no tratamento da brucelose humana.
Avanços na tecnologia de desenvolvimento de vacinas permitiram a introdução de novas estratégias para a obtenção e produção de antígenos, como as vacinas de subunidades, de segunda geração. Porém, estas vacinas conferem imunidade apenas humoral11,13,24.
VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
A brucelose é uma zoonose derivada do contato direto ou indireto com animais infectados. A incidência em humanos varia de acordo com a densidade do rebanho bovino, o nível socioeconômico e os hábitos alimentares. A sua distribuição acompanha a criação e o comércio de gado.
A brucelose é considerada uma doença emergente desde a descoberta da Brucella melitensis por Bruce em 1887. Cada tipo de brucela tem características epidemiológicas diferentes. A B. abortus é a forma mais difundida, presente no rebanho bovino. Em humanos, a B. melitensis é a mais importante, clinicamente.
A incidência em áreas endêmicas varia amplamente, de < 0,01 a > 200 por 100 mil habitantes. Enquanto algumas áreas como o Peru, Kuwait e partes da Arábia Saudita apresentam uma incidência alta de infecções agudas, a baixa incidência relatada em outras áreas endêmicas para brucelose pode refletir falhas de vigilância e notificação. Nos Estados Unidos, 85% das infecções por B. abortus são causadas pelo biótipo 18. No Brasil, a brucelose foi detectada pela primeira vez por Gonçalves Carneiro, em 1913. A brucelose bovina é a mais comum, portanto esta zoonose está ligada principalmente às atividades profissionais que lidam com bovinos12.
O objetivo de uma vigilância epidemiológica eficaz para a brucelose é reduzir a morbimortalidade por meio de articulação com os órgãos responsáveis pelo controle sanitário dos rebanhos, alertando a vigilância sanitária sobre contaminação de produtos e a vigilância epidemiológica sobre os focos de infecção. No Brasil não se faz notificação de casos isolados; se ocorrer em surtos, a doença deve ser notificada e realizada investigação epidemiológica para adoção das medidas de controle e prevenção necessárias12,13.
DEFINIÇÃO DE CASO
Suspeito
Todo paciente com quadro de febre, agudo ou insidioso, história epidemiológica sugestiva de contato com produto de origem animal contaminado ou de animais infectados e com outras manifestações clínicas sugestivas de brucelose.
Confirmado
Paciente com todas as características suspeitas confirmadas por exames laboratoriais12,13.
MEDIDAS DE CONTROLE
Deve-se rastrear a infecção no gado, por provas sorológicas, ou analisar o leite da vaca (prova do anel); deve-se eliminar os animais infectados (separação ou sacrifício). Os animais que serão sacrificados devem, de acordo com o Programa Nacional de Erradicação e Controle da Brucelose no Brasil, ser encaminhados ao abate sanitário em estabelecimento com serviço de inspeção de carcaças. Se não houver alternativa, podem ser sacrificados na unidade de criação, seguindo os critérios recomendados e com acompanhamento do serviço oficial de defesa sanitária20. A infecção nos suínos comumente obriga o sacrifício de todo o rebanho. Em zonas de alta prevalência, deve-se imunizar as cabras e ovelhas jovens com a cepa Rev-1 de B. melitensis; desde 1996, nos países da América do Norte, se utiliza a vacina da cepa RB51 para imunizar o gado em substituição à cepa 19 da B. abortus, porém a eficácia dessa vacina em bovinos tem sido questionada. A RB51 pareceu ser menos virulenta para os humanos do que a cepa 19, quando inoculada acidentalmente durante a vacinação dos animais12,13.
Além disso, o leite e produtos lácteos devem ser pasteurizados. O leite deve ser fervido na impossibilidade de pasteurização. Deve-se ter também cuidado com o manejo e eliminação de placentas, secreções e fetos dos animais, e sempre desinfetar áreas contaminadas13.
Em situações de epidemia, deve-se investigar a infecção até descobrir sua fonte, que deve estar em um rebanho ou em produtos lácteos de cabra ou vaca. Devese realizar provas diagnósticas nos animais suspeitos e eliminar os sororreagentes. Os alimentos devem ser confiscados e devem ser tomadas as devidas providências para incineração, até que sejam instituídas medidas de prevenção definitivas. Em laboratórios, observar o cumprimento das normas de biossegurança , principalmente pelo uso correto dos equipamentos de proteção individual12,13.
Educação em saúde
Educar a população (em especial os turistas) sobre os riscos de consumir leite não tratado ou produtos elaborados com leite não pasteurizado ou que não foi submetido a outro tratamento. Os trabalhadores de granjas, matadouros e açougues devem ser educados sobre a natureza da enfermidade e o risco de manipular carnes ou produtos de animais potencialmente infectados. Deve-se orientar também quanto às instalações, que devem ser construídas de forma a reduzir a exposição (principalmente quanto à ventilação).
Os caçadores também devem ser educados para que utilizem roupas e luvas de proteção ao manipular caças e enterrar os restos.
MANEJO DOS PACIENTES
Deve-se ter precaução quanto aos exudatos e secreções do paciente, e proceder-se a desinfecção concomitante das secreções purulentas. Não há necessidade de quarentena, nem de imunização dos contatos.
A cepa Rev-1 é resistente à estreptomicina e a RB51 à rifampicina. Por este motivo, é crucial saber como o paciente se infectou, para adequado tratamento.
MEDIDAS INTERNACIONAIS
O transporte dos animais domésticos e de produtos de origem animal no comércio internacional deve ser controlado, em articulação com centros colaboradores da OMS. As espécies de Brucella podem ser utilizadas como potentes armas biológicas, dado o seu potencial para infectar seres humanos e animais pela exposição até mesmo em aerossol13.
RISCOS EM LABORATÓRIO
Devem-se seguir atentamente regras de biossegurança para manipulação de Brucella em laboratórios. Culturas de Brucella devem ser feita em laboratórios NB327. A contaminação em laboratórios pode ser associada à aspiração de culturas bacteriológicas, contato direto com a pele, formação de aerossóis (como durante o teste da catalase e de extração de DNA das amostras), pipetagem com a boca (contraindicado na manipulação de Brucellas) e borrifação na conjuntiva, no nariz e boca. Qualquer pessoa presente no laboratório durante o trabalho de identificação de um isolado patogênico de Brucella é considerado um trabalhador exposto.
São consideradas exposições de alto risco: indivíduos que fizeram qualquer das ações citadas no parágrafo anterior; trabalharam com Brucella em bancada aberta; ou estiveram presentes durante um evento produtor de aerossóis no laboratório.
São consideradas exposições de baixo risco: indivíduos presentes no laboratório em situações e posições diferentes das descritas acima4,13.
Todos os indivíduos expostos, independentemente do grau de exposição, devem ser monitorados quanto ao desenvolvimento de sintomas. Desde a exposição, a temperatura deve ser continuamente monitorada durante quatro semanas4,11,24.
CONCLUSÃO
A brucelose, por ser uma zoonose, agente potencial para bioterrorismo e ter capacidade de provocar danos permanentes à saúde do indivíduo acometido, deve ser considerada com muita atenção pelos sistemas de saúde.
Os mecanismos comuns de patogênese da Brucella em espécies animais e humanos ainda não estão completamente compreendidos, sendo que mais estudos são necessários sobre estes aspectos.
Progresso substancial tem sido alcançado no entendimento da base molecular da genética da Brucella e a patogênese da infecção. De qualquer forma, mais progresso é necessário, especialmente em relação aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Uma vacina efetiva e segura contra a brucelose humana será um importante aliado na prevenção da doença.
Quanto ao diagnóstico, muitas melhorias foram feitas para melhor compreensão desses aspectos diagnósticos na brucelose humana. No entanto, muitos desafios ainda precisam ser abordados, como a definição de teste sorológico específico, a determinação de epítopos antigênicos indicadores de cada estágio da doença (por exemplo, aguda, recidiva, ativa,crônica), realização de estudos de acompanhamento para correlacionar o curso da doença, com classes e subclasses de imunoglobulinas, além da realização de projetos para sondas de ácidos nucleicos padronizadas para tecnologia de amplificação (por exemplo, RT-PCR) que podem ser úteis no diagnóstico, especialmente de casos crônicos e complicados, como aqueles das infecções do sistema nervoso central9.
Quanto ao bioterrorismo, por enquanto se preconiza a profilaxia para a exposição frente a um potencial ataque biológico por meio da utilização de máscaras de gás convencionais e o emprego de desinfetantes para a pele em superfícies expostas. Não existe ainda vacina disponível para humanos. Os últimos achados relativos ao sequenciamento de seu genoma facilitam o desenho de vacinas eficientes, que serão de grande valor frente a ameaças bioterroristas.
Além disso, para a inclusão de novos protocolos de diagnóstico se faz necessário considerar aspectos do manejo no laboratório, de biossegurança e biosseguridade. Estes aspectos devem estar incluídos nos critérios de avaliação para risco laboratorial, o que se faz imprescindível para o monitoramento e controle da brucelose.
REFERÊNCIAS
1 Solera J. Update on brucellosis: therapeutic challenges. Int J Antimicrob Agents. 2010 Nov;36 Suppl 1:S18-20. [Link]
2 Khan KS, Riet TG, Glanville J, Sowden AJ, Kleijnen J. Undertaking systematic reviews of research on effectiveness. Crd's guidance for carrying out or commissioning reviews. 2nd ed. York: University of York; 2000. CRD Report No.: 4. Disponível em: http://www.york.ac.uk/inst/cdr/report4.htm.
3 Bouza JM, Bachiller LM, Lejarazu RO. Bases para el manejo médico de enfermidades bacterianas potencialmente implicadas em bioterrorismo: ántrax, peste, tularemia y brucelosis. An Med Interna. 2003 Oct;20(10):540-7. Doi: 10.4321/S0212-71992003001000011 [Link]
4 National Center for Immunization and Respiratory Diseases. Frequently asked questions about brucellosis [Internet]. Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention (US); [cited 2010 Jan]. Available from: http://www.cdc.gov/ncidod/dbmd/diseaseinfo/brucellosis_g.htm.
5 Yagupsky P, Baront EJ. Laboratory exposures to brucellae and implications for bioterrorism. Emerg Infect Dis. 2005 Aug;11(8):1180-5. [Link]
6 Meyer KF, Eddie B. Laboratory infections due to Brucella. J Infect Dis. 1941;68(3):24-32.
7 Sulkin SE. Pike RM. Survey of laboratory-acquired infections. Am J Public Health. 1951 Jul;41(7):769-81.
8 Zaki A. Biosafety and biosecurity measures: management of biosafety level 3 facilities. Int J Antimicrob Agents. 2010 Nov;36 Suppl 1:S70-4.
9 Araj G. Update on laboratory diagnosis of human brucellosis. Int J Antimicrob Agents. 2010 Nov;36 Suppl 1:S12-7. Doi:10.1016/j.ijantimicag.2010.06.014 [Link]
10 Silva JPL, Travassos C, Vasconcellos MM, Campos ML. Revisão sistemática sobre encadeamento ou linkage de bases de dados secundários para uso em pesquisa em saúde no Brasil. Cad Saude Colet. 2006 abr-jun;14(2):197-224. [Link]
11 Pessegueiro P, Barata C, Correia J. Brucelose: uma revisão sistematizada. Med Interna. 2003;10(2):91-100. [Link]
12 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Doenças infecciosas e parasitárias. 8. ed. Brasília; 2010.p.103-5.
13 Heymann DL. El control de las enfermedades transmisibles. 18. ed. Washington, D. C: OPS; 2005. p. 39-42.
14 Capasso L. Bacteria in two-millennia-old cheese, and related epizoonoses in roman population. J Infect. 2002;45(2):122-7. Doi:10.1053/jinf.2002.0996 [Link]
15 Souza FG. Desenvolvimento e avaliação da virulência residual de uma cepa mutante de Brucella abortus. [dissertação]. Campo Grande (MS): Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Faculdade de medicina Veterinária e zootecnia; 2009. [Link]
16 Nociti RP, Nociti DLP, Silva GCP, Avila MO. Fatores de risco associados à brucelose em médicos veterinários com predisposição ocupacional no Estado de Mato Grosso, Brasil. Anais do 35o Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária; 2008 out 19-22; Gramado, Brasil. Rio Grande do Sul: CONBRAVET; 2008. p. 1-6.
17 Trindade PS, Stark CB, Recuero ALC, Fernandes CPH, Brod CS, Silva CM. Anticorpos anti Brucella Abortus em humanos expostos a fator de risco ocupacional. Anais do 35o Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária; 2008 out 19-22; Gramado, Brasil. Rio Grande do Sul: CONBRAVET; 2008. p. 1-5. [Link]
18 Tenório TGS, Melo LEH, Mota RA, Fernandes LM, Sá LM, Souto RJC, et al. Pesquisa de fatores de risco para a brucelose humana associados à presença de brucelose bovina no município de correntes, Estado de Pernambuco, Brasil. Arq Inst Biol. 2008 out-dez;75(4):415-21.
19 Spinola AG, Costa MDM. Brucelose humana em operários de um frigorífico no município de Salvador, Bahia, Brasil. Rev Saude Publica. 1972 Jun;6(2):157-65. Doi:10.1590/S0034-89101972000200005 [Link]
20 Lage AP, Roxo E, Eckerhardt E, Poester FP, Cavalléro JCM, Ferreira Neto JS, et al. Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal. Brasília: Ministério da Agricultura e Pecuária; 2006. 188 p.
21 Shehabi AK, Shakir M, El-Khateeb H, Qubain H, Fararjeh N, Shamat AR. Diagnosis and treatment of 106 cases of human brucellosis. J Infect.1990 Jan;20(1):5-10. [Link]
22 Zerva L, Bourantas K, Mitka S, Kansouzidou A, Legakis NJ. Serum is the preferred clinical specimen for diagnosis of human brucellosis by PCR. J Clin Microbiol. 2001 Apr;39(4):1661-4. [Link]
23 Corbel MJ. Brucellosis in human and animals. Geneva: World Health Organization; 2006. 87 p. [Link]
24 Corbel MJ. Brucellosis: an overview. Emerg Infect Dis. 1997 Apr-Jun;3(2):213-21. [Link]
25 Magill GB, Killough JH, Said SI. Cortisone and combined antibiotic therapy of acute brucellosis melitensis. Am J Med. 1954 Jun;16(6):810-7.
26 Gomes MJP Gênero Brucella spp. Microbiologia Clínica. Porto Alegre: LABACVET; 2007.
27 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância epidemiológica. Biossegurança em laboratórios biomédicos e de microbiologia. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. 291 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). [Link]
Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Maria Luiza de Jesus Lawinsky
SCS, quadra 4, bloco "A", lote 67/97,
edifício principal, 3o andar
CEP:70304-000
Brasilia-Distrito Federal-Brasi
Tel.: + 55 (61) 3214-2122 Fax.: +55 (61) 3213-8249
E-mail:maria.lawinsky@saude.gov.br
Recebido em / Received / Recibido en: 31/1/2011
Aceito em / Accepted / Aceito en: 28/4/2011