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Revista Pan-Amazônica de Saúde
Print version ISSN 2176-6215On-line version ISSN 2176-6223
Rev Pan-Amaz Saude vol.2 no.2 Ananindeua June 2011
http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232011000200004
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE |ARTÍCULO ORIGINAL
Perfil dos exames citológicos do colo do útero realizados no Laboratório Central do Estado do Pará, Brasil
Profile of cervical cytological examinations performed at the Pará State Central Laboratory, Brazil
Perfil de los exámenes citológicos de cuello de útero realizados en el Laboratorio Central del Estado de Pará, Brasil
Maísa Silva de SousaI; Aline Silva de Sousa CantoII; Mihoko Yamamoto TsutsumiIII; Marinalva Cardoso MacielIV; Luiz Carlos ZeferinoV
ICurso de Pós-graduação em Bioestatística, Instituto de Ciências Exatas e Naturais, Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IICurso de Especialização em Análises Clínicas, Faculdade de Farmácia, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIILaboratório de Citopatologia, Faculdade de Biomedicina, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
VIInstituto de Ciências Exatas e Naturais, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
VDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil
Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondência
RESUMO
Com o objetivo de identificar o perfil dos exames citológicos do colo do útero realizados no Estado do Pará, este estudo analisou todos os resultados de exames cujas lâminas foram encaminhadas ao Laboratório Central do Estado do Pará (Lacen-PA), originados de 16 municípios paraenses, no ano 2008. Foram utilizados os testes Binomial e Exato de Fisher para verificar a significância estatística das diferenças de proporções encontradas, ao nível de confiança de 95%. Dos 26.203 exames realizados, aproximadamente 3,7% (n = 970) foram considerados insatisfatórios e 4,05% (n = 1060) apresentaram algum tipo de alteração citológica, sendo de 0,9% (n = 236) e 0,1% (n = 25) as frequências de células atípicas sugestivas de lesões potencialmente malignas (lesões intraepiteliais de alto grau e microinvasivas) e de câncer invasor, respectivamente. Os resultados sugestivos de câncer invasor foram encontrados em 0,17% (10/5.995) das mulheres que nunca haviam realizado o exame preventivo do colo do útero (PCCU) e em 0,08% (14/17.932) das que já haviam realizado o exame anteriormente (p = 0,0301). A frequência de alterações citológicas sugestivas de câncer invasor está entre as maiores relatadas pela literatura brasileira em demanda proveniente dos serviços de atenção primária à saúde, além de apresentar-se mais elevada nas mulheres que nunca haviam realizado o PCCU. Este indicador pode estar evidenciando uma falha de cobertura na prevenção do câncer de colo do útero no Estado do Pará.
Palavras-chave: Saúde Pública; Sistema Único de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Serviços de Saúde da Mulher; Neoplasias do Colo Uterino.
ABSTRACT
This study aimed to identify the profile of cervical cytological exams by analyzing all slides collected in 16 cities in Pará State and sent to the Pará State Central Laboratory (Lacen-PA) during 2008. Data were analyzed using the binomial and Fisher's exact tests to identify the statistical significance of the proportional differences based on a 95% confidence level. Of the 26,203 exams, approximately 3.7% (n = 970) were considered unsatisfactory, and 4.05% (n = 1060) showed some type of cytological change. The incidence of atypical cells suggestive of potentially malignant lesions (high-grade and microinvasive intraepithelial lesions) and of invasive cancer were 0.9% (n = 236) and 0.1% (n = 25), respectively. Exam results suggestive of invasive cancer were found in 0.17% (10/5,995) of women who had never had cervical cancer preventive examinations (Pap smears) and in 0.08% (14/17,932) of women who had already undergone the exam (p = 0.0301). In the Brazilian literature, the incidence of cytological changes suggestive of invasive cancer was highest among women diagnosed via primary care services. That incidence was higher for women who had never had the exam. This finding may indicate a gap in cervical cancer prevention coverage in Pará State.
Keywords: Public Health; Unified Health System; Primary Health Care; Women's Health Services; Uterine Cervical Neoplasms.
RESUMEN
Con el objetivo de identificar el perfil de los exámenes citológicos de cuello de útero realizados en el Estado de Pará, este estudio analizó todos los resultados de exámenes cuyas láminas fueron encaminadas al Laboratorio Central del Estado de Pará (Lacen-PA), originarios de 16 municipios paraenses durante el año de 2008. Se utilizaron los test Binomial y Exacto de Fisher para verificar el significado estadístico de las diferencias de proporciones encontradas, con un nivel de confianza del 95%. De los 26.203 exámenes realizados, aproximadamente 3,7% (n = 970) fueron considerados insatisfactorios y 4,05% (n = 1060) presentaron algún tipo de alteración citológica, siendo de 0,9% (n = 236) y de 0,1% (n = 25) la frecuencia de células atípicas sugestivas de lesiones potencialmente malignas (lesiones intraepiteliales de alto grado y micro invasoras) y de cáncer invasor, respectivamente. Los resultados sugestivos de cáncer invasor fueron hallados en 0,17% (10/5.995) de las mujeres que nunca habían realizado el examen preventivo de cuello de útero (PCCU) y en 0,08% (14/17.932) de las que ya había realizado el examen anteriormente (p = 0,0301). La frecuencia de alteraciones citológicas sugestivas de cáncer invasor está entre las mayores relatadas por la literatura brasileña en demanda proveniente de los servicios de atención primaria a la salud, además de presentarse más elevada en las mujeres que nunca habían realizado el PCCU. Este indicador puede estar evidenciando una falla en la cobertura de prevención del cáncer de cuello de útero en el Estado de Pará.
Palabras claves: Salud Pública; Sistema Único de Salud; Atención Primaria a la Salud; Servicios de Salud de la Mujer; Neoplasias de Cuello Uterino.
INTRODUÇÃO
A elevada incidência de câncer no mundo faz desta doença um importante problema de saúde pública. Os diversos tipos de câncer são hoje responsáveis pela morte de mais de 7 milhões de pessoas por ano. Isto representa aproximadamente 13% de todas as mortes ou algo em torno de 20 mil mortes por dia. Acredita-se que, de todos os casos novos de câncer anuais, a maioria ocorra em países em desenvolvimento e pelo menos um terço deles poderia ser prevenido1.
O câncer de colo do útero (CCU) é o segundo mais incidente e a segunda causa de óbito por câncer das mulheres de muitos países em desenvolvimento. No entanto, nas regiões mais pobres, este câncer é o mais incidente e responsável pela maior parte das mortes por câncer entre as mulheres2.
O CCU é o mais incidente em mulheres da Região Norte (23/100.000), é o segundo mais incidente nas Regiões Centro-Oeste (20/100.000) e Nordeste (18/100.000) e ocupa a terceira posição nas Regiões Sul (21/100.000) e Sudeste (16/100.000), sem considerar os tumores de pele não melanoma3. Este também é o câncer mais incidente entre as mulheres do Estado do Pará, apesar da disponibilidade rotineira e gratuita do exame preventivo do câncer de colo do útero (PCCU), também conhecido como exame de Papanicolau ou citologia oncótica, na rede pública de saúde.
Neste cenário, é importante conhecer o perfil dos exames citológicos realizados no Estado do Pará e identificar variáveis disponibilizadas pelo Sistema Nacional de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), que possam estar relacionadas com a maior ocorrência do CCU, pois os resultados obtidos podem impactar diretamente as políticas públicas de combate a este câncer. Desta forma, este estudo teve como objetivo identificar o perfil dos resultados dos exames citológicos realizados pelo Laboratório Central do Estado do Pará (Lacen-PA), no ano 2008.
METODOLOGIA
Neste estudo retrospectivo analítico, foram analisadas as informações referentes aos resultados de exames citológicos cérvico-vaginais constantes no SISCOLO/Lacen-PA de 2008 e disponibilizadas de forma resumida, de acordo com faixa etária por década e quanto à realização prévia da citologia oncótica.
Assim como as confecções dos esfregaços citológicos, as coletas de informações quanto à idade e à realização prévia do exame foram realizadas em 15 municípios do interior paraense (Augusto Correa, Cachoeira do Piriá, Cametá, Chaves, Parauapebas, Porto de Moz, Redenção, Santa Cruz do Arari, Santa Luzia do Pará, Santarém Novo, São João de Pirabas, São Sebastião da Boa Vista, Sapucaia, Soure e Vitória do Xingu) e na capital do Estado do Pará (Belém). Todos os exames originários dos municípios do interior do estado foram provenientes de mulheres que procuraram espontaneamente os serviços das Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Programa Saúde da Família (PSF) do Sistema Único de Saúde (SUS). Os exames provenientes da capital foram coletados em ações pontuais da Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA).
Os resultados dos exames citológicos foram classificados de acordo com a Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas Preconizadas: Recomendações para Profissionais de Saúde4.
Os dados consolidados foram agrupados em planilhas no programa Microsoft Excel 2007. A significância estatística das proporções (ao nível descritivo p ≤ 0,05) foi identificada pelo teste binomial no programa BioEstat 5.05. Para as análises estatísticas foram propostas as seguintes hipóteses: H0: p1 = p2 e H1: p1 ≠ p2, onde p1 foi considerada como a proporção de neoplasia cervical encontrada no grupo de mulheres que realizaram previamente o PCCU e p2, a proporção de neoplasia cervical encontrada no grupo de mulheres que não realizaram previamente o PCCU.
Neste estudo, foram considerados sem alterações citológicas os resultados de exames classificados como "dentro dos limites da normalidade" e aqueles classificados como "alterações celulares inflamatórias". Para os resultados que demonstraram alterações citológicas foram utilizadas siglas, para melhor formatação das tabelas e texto: células escamosas atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (CEASI-N); células escamosas atípicas de significado indeterminado, não afastando lesão de alto grau (CEASI-H); células glandulares atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (CGASI-N); células glandulares atípicas de significado indeterminado, não afastando lesão de alto grau (CGASI-H); lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LIEBG); lesão intraepitelial escamosa de alto grau (LIEAG); lesão intraepitelial escamosa de alto grau, não podendo excluir microinvasão (LIEAG-MI); carcinoma epidermoide invasor (Ca Epi); adenocarcinoma in situ (Adeno IS); e adenocarcinoma invasor (Adeno).
O protocolo de pesquisa foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará em 4 de novembro de 2008, segundo o protocolo de no 173/08 CEP/ICS/UFPA.
RESULTADOS
No ano de 2008, foram realizados 26.203 exames citológicos para o rastreamento do câncer do colo do útero pelo Lacen-PA, dos quais 66,56% (17.442/26.203) em material proveniente de mulheres com menos de 40 anos de idade (Tabela 1). Considerando todas as mulheres com 60 anos de idade ou mais que responderam à pergunta sobre a realização prévia do exame citológico, aproximadamente 20% (224/1.141) nunca haviam realizado o exame anteriormente.
Resultados caracterizados como dentro dos limites da normalidade foram observados em 95,95% (25.143/26.203) dos esfregaços citológicos. Esfregaços insatisfatórios para avaliação citológica foram identificados em 3,70% (970/26.203) dos exames. Não foram encontradas anormalidades citológicas (células atípicas) nos esfregaços cervicais das menores de 12 anos de idade que realizaram o exame.
A presença de células atípicas de significado indeterminado foi identificada em 1,45% (381/26.203) dos esfregaços citológicos (Tabela 2). As células atípicas sugestivas de lesões potencialmente malignas não invasivas e microinvasivas (LIEAG, LIEAG MI, Adeno IS) e lesões malignas invasivas (Ca Epi e Adeno) foram observadas em aproximadamente 1% (261/26203) do total de mulheres analisadas, não sendo observadas naquelas com menos de 20 anos de idade. Dos resultados sugestivos de lesões malignas invasivas, 76% (19/25) ocorreram em mulheres com idade igual ou superior a 40 anos, com a maior frequência, 40% (10/25), sendo observada na faixa etária de 60 anos ou mais.
A proporção total das lesões neoplásicas potencialmente malignas (LIEAG, LIEAG MI, Adeno IS) foi maior nas mulheres com exame prévio (p = 0,0456), assim como na faixa etária de 20 a 29 anos (p = 0,0064) (Tabela 3). Na faixa etária de 50 a 59 anos, a proporção dessas lesões foi maior no grupo declarado sem exame prévio (p = 0,0106). No total, a proporção de alterações malignas invasivas foi maior no grupo de mulheres sem exame prévio (p = 0,0301).
DISCUSSÃO
Os resultados dos 26.203 exames de citologia cérvico-vaginal, realizados pelo Lacen-PA em 2008, descritos neste estudo, estão de acordo com a evolução natural do CCU e, em alguns aspectos, corroboram os relatos da literatura. A prevalência de aproximadamente 4% de anormalidades citológicas nos exames está de acordo com as frequências aproximadas de 1% a 5%, encontradas por Nobre e Lopes Neto6, no Amazonas e outras que variaram de 2% a 9%, reladas por Queiroz et al7, Buffon et al8, Silveira et al9 e Rama et al10.
A frequência de esfregaços insatisfatórios para a avaliação citológica deste estudo (3,7%) está abaixo das taxas encontradas na maioria dos estados brasileiros e do padrão mínimo de qualidade (5%) estabelecido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS)11. No entanto, sabendo-se que as principais limitações da adequabilidade da amostra estão relacionadas com a qualidade da coleta e que as alterações que sugerem lesão são encontradas duas a quatro vezes mais quando a adequabilidade é satisfatória12, é importante minimizar esses problemas com a realização de programas de educação continuada e atualização dos profissionais responsáveis pela coleta.
A frequência de esfregaços classificados como contendo células atípicas de significado indeterminado também está abaixo do observado na literatura11, indicando boa capacitação dos profissionais do Lacen-PA na avaliação dos esfregaços citológicos, porém profissionais capacitados deveriam também estar presentes nos municípios, para evitar que as lâminas sejam encaminhadas para o Lacen-PA e permitir, assim, que este possa atuar essencialmente no controle de qualidade dos exames.
Alguns autores questionam se a LIEBG seria uma lesão precursora do câncer do colo do útero, pois, na grande maioria dos casos, ocorre regressão espontânea e apenas 11% parecem progredir para LIEAG, que seria a verdadeira lesão precursora13,14. A prevalência de LIEBG (1,6%), identificada na população atendida pelo Lacen-PA em 2008, está de acordo com as relatadas na literatura brasileira, que variam de 0,42% a 2,0%8,9,10,15.
As lesões neoplásicas LIEAG, LIEAG MI e Adeno IS são raras, consideradas potencialmente malignas pois, em mais de 70% das vezes confirmam-se como lesões intraepiteliais e eventualmente câncer invasivo13. A proporção de aproximadamente 1% (261/26.203) dessas lesões, juntamente com as lesões malignas invasivas, nos exames realizados pelo Lacen-PA em 2008, mostra-se quase cinco vezes maior que a frequência de 0,22% (26/12.014) encontrada por Chiuchetta et al16 em Maringá, Estado do Paraná; e cerca de três vezes maior que a de 0,31% (34/10.769) identificada por Buffon et al8 em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul; e a de 0,34% (118/35.220) encontrada por Guimarães et al15 em demanda de UBS de Uberaba, Estado de Minas Gerais.
Mesmo quando se observa apenas a prevalência de câncer invasivo, de aproximadamente 0,1% (25/26.203), na demanda do Lacen-PA em 2008, ela também se mostra maior que as proporções de 0,01% (1/12.014), 0,02% (2/10.769) e 01,608% (29/35.2820) identificadas por Chiuchetta et al16, Buffon et al8 e Guimarães et al15, respectivamente.
Estima-se que aproximadamente 80% da mortalidade por CCU possa ser reduzida com programas organizados de rastreamento e tratamento de lesões precursoras com alto potencial de malignidade3. Nos países desenvolvidos e nas capitais brasileiras, tem-se observado a redução na mortalidade pela doença, a partir da implantação desses programas na população17,18. No entanto, a mortalidade por CCU mostra tendência ascendente em municípios dos interiores das Regiões Norte e Nordeste do Brasil18.
Certamente, vários fatores podem estar contribuindo para essa tendência ascendente da mortalidade identificada nos municípios do interior do Estado do Pará, mas três pontos são fundamentais: a cobertura dos exames preventivos, a qualidade e periodicidade destes e o seguimento adequado de mulheres com lesão.
Quanto à cobertura, observa-se que a proporção de 75% de mulheres que relataram já ter realizado exame prévio está de acordo com o observado por Nobre e Lopes Neto6 em demanda também proveniente dos serviços de atenção primária à saúde do Estado do Amazonas e com outros relatos brasileiros11. Entretanto, considerando que um estudo de base populacional19, investigando fatores associados ao CCU em mulheres de Rio Grande (Estado do Rio Grande do Sul), identificou cobertura de 43%, espera-se proporção menor também na população paraense. Certamente esse é um dos principais fatores que contribuem para as elevadas taxas de mortalidade por CCU11.
Ainda falando sobre cobertura, a Organização mundial de Saúde (OMS)20 recomenda que o rastreamento para prevenção de CCU seja realizado preferencialmente em mulheres da faixa etária que apresente maior frequência de câncer. No presente estudo, 76% das alterações sugestivas de câncer invasivo foram identificadas em mulheres com idade igual ou superior a 40 anos, com pico naquelas com 60 anos ou mais. Aproximadamente 20% das mulheres com 60 anos ou mais relataram nunca ter realizado o PCCU anteriormente, caracterizando falha de cobertura de mulheres em idades prioritárias. Além disso, pouco mais de 30% dos exames citológicos realizados pelo Lacen-PA em 2008 foram em material proveniente de mulheres com mais de 40 anos de idade, provavelmente porque os programas são passivos e rastreiam principalmente mulheres que procuram as unidades de saúde para acompanhamento pré-natal e planejamento familiar.
Um indicativo de que a deficiente cobertura da população pelo programa de rastreamento do câncer cervical possa estar resultando na elevada prevalência e, consequentemente, na mortalidade do CCU no Estado do Pará é o fato de que a proporção de alterações sugestivas de lesões malignas invasivas foi significativamente maior no grupo de mulheres que declararam não ter realizado previamente o exame citológico. Reforça esta suspeita a observação de que a proporção de lesões cervicais potencialmente malignas (LIEAG, LIEAG MI e Adeno IS) também foi significativamente maior nas mulheres que declararam não ter realizado previamente o exame citológico, na faixa etária de 50 a 59 anos, destacando que essa é a faixa etária imediatamente anterior à que apresentou maior frequência de câncer invasivo.
No entanto, vale ressaltar que a realização prévia do exame citológico não garantiu menor proporção total de lesões neoplásicas potencialmente malignas (LIEAG, LIEAG MI e Adeno IS), que se mostrou significativamente maior nas mulheres que já haviam realizado exame prévio. Para explicar esta ocorrência seriam necessárias investigações com relação à periodicidade e qualidade dos exames realizados, além do seguimento da paciente. Estas pesquisas seriam possíveis com o registro adequado do número do Cartão SUS nos municípios do interior do estado e com melhorias no cadastro de informações, de forma a permitir o acompanhamento das mulheres com exames alterados desde a sua entrada no sistema, por meio da coleta do exame, até o seu desfecho, tratamento/cura, pelo "módulo seguimento" do SISCOLO.
O PCCU é uma das ferramentas mais bem sucedidas para auxiliar na prevenção de CCU, mas é necessária infraestrutura bem organizada do programa como um todo, com profissionais treinados na busca ativa das mulheres, na realização dos exames e no acompanhamento daquelas cujos exames se mostraram alterados, além de melhorias nos sistemas de informação, para se obter resultados satisfatórios17. Embora pareça ser muito simples, esta estrutura não está disponível em todos os locais13 e os municípios do interior do Estado do Pará não têm conseguido reduzir consistentemente suas taxas de prevalência e incidência de câncer do colo do útero.
Estes achados apontam para a necessidade de se treinar e motivar profissionais de saúde para a prática do PCCU de forma correta, sistemática e dentro de programas organizados para detecção e tratamento das lesões precursoras; caso contrário, teremos uma situação de dupla passividade, em que a mulher não pede e ninguém lhe oferece o exame21.
Por este motivo, considera-se necessária a realização de estudos que identifiquem quais são os municípios prioritários e, nestes, investigar quais fatores estão associados à mobimortalidade do CCU. Após esse conhecimento, será possível promover e colocar em prática estratégias direcionadas, bem como promover educação continuada para os profissionais de saúde e educação em saúde para a população.
Neste contexto, é imprescindível que o Lacen-PA, juntamente com a SESPA, atuem não só na identificação dos indicadores necessários junto aos municípios, mas também no controle da qualidade dos exames preventivos realizados por estes e na capacitação de profissionais de saúde que neles atuam.
CONCLUSÃO
Os resultados dos exames citológicos realizados pelo Lacen-PA em 2008 identificaram uma frequência elevada de câncer do colo do útero, quando comparada à de outros estudos brasileiros em demanda proveniente dos serviços de atenção primária à saúde. A falha na cobertura do exame preventivo foi um fator associado à maior prevalência de CCU na população estudada.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho contou com a colaboração do Laboratório Central do Estado do Pará e do Laboratório de Sistemas de Informação e Georreferenciamento da Universidade Federal do Pará.
SUPORTE FINANCEIRO
O suporte financeiro para a execução deste estudo foi proveniente dos autores e das instituições participantes.
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Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Maísa Silva de Sousa
Laboratório de Biologia Molecular e Celular, Núcleo de Medicina
Tropical, Universidade Federal do Pará
Avenida Generalíssimo Deodoro da Fonseca, 92, Umarizal
CEP: 67030-000 Belém - Pará - Brasil
Tel.: 55 (91) 3241-0032
E-mail: maisasousa@ufpa.br
Recebido em / Received / Recibido en: 16/5/2011
Aceito em / Accepted / Aceito en: 5/12/2011