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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.2 n.4 Ananindeua dez. 2011

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232011000400003 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Prevenção do câncer de colo do útero em comunidades ribeirinhas atendidas pelo Programa Luz na Amazônia, Estado do Pará, Brasil

 

Prevention of cervical cancer in riparian communities assisted by the Light in Amazonia Program in Pará State, Brazil

 

Prevención del cáncer de cuello de útero en comunidades ribereñas atendidas por el Programa Luz en la Amazonía, Estado de Pará, Brasil

 

 

Jaqueline Helen Godinho CostaI; lldson Rosemberg Alves de SouzaI; Ellen Jackeline dos Anjos SantosII; Benedito Antônio Pinheiro dos PrazeresIII; Marizete Lopes AndradeIV; Marly de Fátima Carvalho de MeloV; Mihoko Yamamoto TsutsumiVI; Maísa Silva de SousaVII

IFaculdade de Ciências Biológicas, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIFaculdade de Biomedicina, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIIPrograma de Pós-graduação em Doenças Tropicais, Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IVPrograma Luz na Amazônia, Sociedade Bíblica do Brasil, Belém, Pará, Brasil
VPrograma Luz na Amazônia, Faculdade de Farmácia, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
VILaboratório de Citopatologia, Faculdade de Biomedicina, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
VIILaboratório de Biologia Molecular e Celular, Núcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

O câncer de colo do útero (CCU) é o que apresenta a maior incidência nas mulheres do Estado do Pará, Brasil, sem considerar os tumores da pele não melanoma, com tendência à elevação da mortalidade no interior. Trabalhar a prevenção de CCU em comunidades ribeirinhas é importante para a redução da mortalidade por esse câncer no interior do Estado, devido à frequência e peculiaridades dessas comunidades na região. Este trabalho objetivou a prevenção primária e secundária do câncer cervical nas comunidades ribeirinhas atendidas pelo Programa Luz na Amazônia. As ações de prevenção primária abrangeram 317 famílias nas cinco comunidades visitadas de fevereiro de 2009 a novembro de 2011. Um total de 104 mulheres realizou o exame citológico preventivo do câncer de colo do útero (PCCU). A avaliação citológica classificou 22,12% (n = 23) dos esfregaços como normais; 62,50% (n = 65) como inflamatórios; 9,61% (n = 10) como contendo células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC); e 5,77% (n = 6) com lesões escamosas intraepiteliais (SIL). Das 55 (52,88%) mulheres que nunca haviam realizado o exame, metade tinha mais de 35 anos de idade. Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento do CCU, foram identificados a baixa escolaridade, a baixa cobertura do exame preventivo, o início precoce da atividade sexual e a multiparidade. Por outro lado, a baixa frequência de mulheres com múltiplos parceiros sexuais, de fumantes e usuárias de métodos contraceptivos pode estar caracterizando fatores de proteção.

Palavras-chave: Prevenção de Câncer de Colo Uterino; Esfregaço Vaginal; Doenças Sexualmente Transmissíveis; Relações Comunidade-lnstituição; Saúde Pública.


ABSTRACT

Cervical cancer (CC) is a form of neoplasia with the highest incidence in women in Pará State, Brazil, following non-melanoma skin cancer. The mortality rates of CC are higher in the interior of the State. Healthcare intervention efforts that target the prevention of CC in riparian communities are necessary to reduce the mortality rates of CC in the interior of the state, including strategies that reduce disease frequency and account for the characteristics of such communities. This study was aimed at the primary and secondary prevention of CC in riparian communities that were assisted by the Light in Amazonia Program. The primary prevention efforts reached 317 families in five communities that were visited from February 2009 to November 2011. A total of 104 women received the Papanicolaou test (Pap smear). A cytological analysis classified 22.12% (n = 23) of the Pap smears as normal; 62.50% (n = 65) as inflammatory; 9.61% (n = 10) as exhibiting atypical squamous cells of undetermined significance (ASC-US); and 5.77% (n = 6) as squamous intraepithelial lesions (SILs). Of the 55 (52.88%) women who had never received a Pap smear, more than half were older than 35 years of age. Low educational level, low coverage of Pap smears, early onset of sexual activity, and multiparity were significant risk factors for CC. However, the low frequencies of women who had multiple lifetime sexual partners, who were smokers, and who were users of contraceptive methods may be protective factors.

Keywords: Cervix Neoplasms Prevention; Vaginal Smears; Sexually Transmitted Diseases; Community-Institutional Relations; Public Health.


RESUMEN

El cáncer de cuello de útero (CCU) es el que presenta mayor incidencia en las mujeres del Estado de Pará, Brasil, sin considerar los tumores de piel no melanoma, con tendencia a aumentar la mortalidad en el interior. Trabajar en la prevención del CCU en comunidades ribereñas es importante para reducir la mortalidad ocasionada por ese cáncer en el interior del Estado, debido a la frecuencia y peculiaridades de esas comunidades de la región. Este trabajo tuvo como objetivo la prevención primaria y secundaria del cáncer cervical en las comunidades ribereñas atendidas por el Programa Luz en la Amazonia. Las acciones de prevención primaria abarcaron a 317 familias en las cinco comunidades visitadas de febrero de 2009 a noviembre del 2011. Un total de 104 mujeres realizó el examen citológico preventivo de cáncer de cuello de útero (PCCU). La evaluación citológica clasificó un 22,12% (n = 23) de los frotis como normales; 62,50% (n = 65) como inflamatorios; 9,61% (n = 10) como conteniendo células escamosas atipicas de significado indeterminado (ASC); y un 5,77% (n = 6) con lesiones escamosas intraepiteliales (SIL). De las 55 (52,88%) mujeres que nunca habían realizado el examen, la mitad tenia más de 35 años de edad. Entre los factores de riesgo para el desarrollo del CCU, se identificaron la baja escolaridad, la baja cobertura del examen preventivo, el inicio precoz de la actividad sexual y la incidencia de multíparas. Por otra parte, la baja frecuencia de mujeres con múltiples compañeros sexuales, de fumadores y usuarias de métodos contraceptivos, puede caracterizar factores de protección.

Palabras-clave: Prevención de Cáncer de Cuello Uterino; Frotis Vaginal; Enfermedades de Transmisión Sexual; Relaciones Comunidad-Institución; Salud Pública.


 

 

INTRODUÇÃO

O câncer já foi considerado a quinta causa mais frequente de morte no Brasil e hoje é a segunda, perdendo para as mortes ocasionadas por doenças cardiovasculares1. O câncer de colo de útero (CCU), também chamado de câncer cervical, é passível de prevenção e controle por meio da triagem e do tratamento precoce, mas pode ter sua taxa de mortalidade aumentada em 10% nos próximos dez anos, caso essas ações não sejam realizadas2.

O rastreamento da população feminina utilizando do exame de Papanicolaou, também chamado de colpocitologia oncótica, pode reduzir em 80% o índice de mortalidade por CCU. No entanto, a cada ano surgem aproximadamente 500 mil novos casos no mundo, dos quais 70% ocorrem em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil3.

O CCU é o segundo câncer mais incidente em mulheres no Brasil, após o câncer de pele não melanoma. Diverge deste cenário a grande maioria dos estados da Região Norte, incluindo o Estado do Pará, onde o CCU é o mais incidente na população feminina3. A taxa de mortalidade pelo CCU tem demonstrado uma tendência de queda nas capitais dos estados de todas as regiões geográficas brasileiras, porém tem aumentado em municípios do interior das Regiões Norte e Nordeste do Brasil2.

A persistência da infecção pelo papilomavírus humano (HPV) de alto risco, associada ao rastreamento deficiente da população feminina, são os principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento do CCU. No perfil comportamental das mulheres que desenvolvem este câncer, destacam-se a idade precoce na primeira relação sexual, a multiplicidade de parceiros com história de infecções sexualmente transmissíveis, o uso de anticoncepcionais orais, a multiparidade, a precocidade na primeira gestação, além do tabagismo e da alimentação pobre em alguns micronutrientes, principalmente vitamina C, beta caroteno e folato4.

O CCU ainda é um problema de saúde pública no Brasil, onde as maiores taxas de prevalência e mortalidade são encontradas em mulheres com condições sociais e econômicas menos favorecidas e naquelas que têm dificuldade no acesso aos serviços de saúde para detecção e/ou tratamento da doença, por motivos econômicos, geográficos, culturais e/ou insuficiência dos serviços4.

As comunidades ribeirinhas do Estado do Pará encontram-se nas margens de rios, furos (comunicação natural entre dois rios ou entre um rio e uma lagoa de várzea) e igarapés, com difícil acesso aos centros urbanos e, consequentemente, aos serviços de saúde. Devido às necessidades dessa parcela da população verifica-se a relevância de projetos de extensão e pesquisa, realizando ações de educação em saúde que visem à prevenção do câncer cervical, com palestras sobre os fatores de risco e os de proteção contra o câncer ao mesmo tempo, estimulando a realização do exame de Papanicolaou.

Este estudo descreveu os resultados de ações de extensão e pesquisa realizadas em comunidades ribeirinhas localizadas na região nordeste do Estado do Pará, disponibilizando informações de populações muito frequentes no estado e que raramente são objeto de pesquisas encontradas na literatura.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Entre fevereiro de 2009 e novembro de 2011, o Programa Luz na Amazônia atendeu as comunidades ribeirinhas de Santa Maria, São Pedro e Espírito Santo (Município de Acará), comunidade do Furo do Aurá (Município de Belém) e comunidade de Itaperuçú (Município de Bujaru). Esse programa é uma parceria entre a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) e a Universidade Federal do Pará (UFPA), que disponibiliza atendimento de voluntários docentes e discentes de diversas áreas, com o objetivo de realizar ações socioassistenciais em vilas e comunidades localizadas às margens dos rios, furos e igarapés, no Estado do Pará.

A estratégia de trabalho adotada pelo Programa Luz na Amazônia foi identificar comunidades ribeirinhas que mais necessitavam de assistência, desenvolvendo várias ações sociais, de promoção da saúde e prevenção de doenças. Foi realizado cadastro prévio de todas as famílias em cada comunidade atendida e incentivada a escolha de um líder comunitário, caso esse não existisse. Todas as famílias cadastradas foram atendidas (aproximadamente 15 a cada mês) durante as duas visitas mensais realizadas em cada comunidade. As primeiras visitas mensais foram destinadas às ações de promoção de saúde e coleta de materiais biológicos para os exames laboratoriais. As segundas visitas mensais foram voltadas ao atendimento médico, odontológico e farmacêutico, auxiliados pelos resultados dos exames laboratoriais previamente realizados.

Para o objetivo específico deste trabalho, foram realizados orientações e aconselhamentos, coletivos e individuais, quanto aos fatores associados e quanto às formas de prevenção das infecções sexualmente transmissíveis (IST) e do CCU. Paralelamente, foi disponibilizado o exame preventivo do câncer de colo do útero (PCCU) às mulheres que nunca o tinham realizado ou o tinham feito há um ano ou mais, com relato de tratamento, dentre vários outros exames de rotina.

O PCCU, ou exame de Papanicolaou, consistiu na preparação de um esfregaço para cada mulher, confeccionado com células colhidas da parede e fundo de saco vaginal, região ectocervical e região endocervical. Os esfregaços citológicos foram colhidos com espátula de Ayre e escova endocervical, estendidos em lâminas de vidro, fixados em álcool e corados pela coloração de Papanicolaou.

Os resultados citológicos encontrados foram classificados de acordo com a Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas Preconizadas5, como: esfregaço dentro dos limites da normalidade (normal), alterações benignas (esfregaços inflamatórios); atipias de células escamosas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (ASC-US); atipias de células escamosas de significado indeterminado, onde não se pode afastar lesão intraepitelial escamosa de alto grau (ASC-H); lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL); e lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL).

Para identificar a ocorrência de fatores de risco associados ao desenvolvimento do CCU, foram coletados dados referentes à idade, escolaridade, hábito de fumar, início da atividade sexual, uso de preservativos e de anticoncepcionais, número de parceiros sexuais, filhos, abortos e a realização prévia do PCCU. As informações coletadas foram inseridas em planilha, a partir da qual foram geradas figuras e tabelas. No programa BioEstat 5.06, foram realizadas as análises descritivas e o teste de normalidade das idades, pelo método de Lilliefors.

O estudo foi realizado de acordo com os princípios da Declaração de Helsinque, tendo sido garantidas as informações necessárias sobre o trabalho, o anonimato dos dados coletados e o direito de não participar do estudo sem prejuízo, obtendo-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da aplicação do questionário e da coleta de amostras. O protocolo de pesquisa foi analisado e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) em Seres Humanos do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Federal do Pará em 04 de novembro de 2008, pelo protocolo de no 173/08 CEP/ICS, e do Núcleo de Medicina Tropical (NMT) em 6 de abril de 2011, pelo protocolo de no 012/2011 CEP/NMT.

 

RESULTADOS

As atividades de orientação e atendimento comunidades ribeirinhas alcançaram 317 famílias nas cinco comunidades visitadas pelo Programa Luz na Amazônia, tendo sido 53 em Santa Maria, 54 em São Pedro, 85 no Espírito Santo, 78 no Furo do Aurá e 47 na comunidade de Itaperaçú. Um total de 104 mulheres realizou o exame de Papanicolaou e destas foi traçado um perfil.

A média de idade das mulheres que realizaram o exame preventivo foi de 41,4 anos, variando de 15 a 80 anos, demonstrando distribuição assimétrica na frequência por faixa etária (Figura 1), visto que 50% (n = 41) das mulheres tinham idade menor que 39 anos.

 

 

Quanto à escolaridade, foi observado que 74,04% (n = 77) das mulheres atendidas não foram alfabetizadas ou não completaram o ensino fundamental (Tabela 1). A quantidade de filhos por família variou de zero a 17, com média de 4,13, sendo que 0,96% (n = 1) não tiveram filhos, 55,77% (n = 58) tiveram de um a 3 filhos, 36,54% (n = 38) tiveram de quatro a dez filhos e 6,73% (n = 7) das mulheres disseram ter tido mais de 10 filhos. Com relação ao aborto, 30,77% (n = 32) delas declaram pelo menos um episódio.

 

 

No que se refere ao tabagismo, 78,85% (n = 82) responderam não ter o hábito de fumar. O uso de preservativos e anticoncepcionais orais não foi relatado por, respectivamente, 77,88% (n = 81) e 90,38% (n = 94) das mulheres. A média de idade no início da vida sexual foi de 17,1 anos, com a mínima de 12 e máxima de 36 anos. O número médio de parceiros sexuais ao longo dos anos foi de 2,44 parceiros, variando de um a 15, com 70,2% (n = 73) das mulheres relatando até dois parceiros.

Foi observado que 52,88% (n = 55) das mulheres nunca haviam realizado o exame PCCU. As idades dessas mulheres apresentaram distribuição normal, variando de 18 a 70 anos, com média de 38,45 anos, onde 50% (n = 27) delas tinham mais que 35 anos. Dentre aquelas declaradas analfabetas ou sem ensino fundamental completo, 74,55% (n = 41) nunca haviam realizado o exame.

Quanto ao resultado dos exames citológicos, 22,12% (n = 23) dos esfregaços foram identificados como normais e 77,88 (n = 81) apresentavam-se alterados, sendo 62,5% (n = 65) inflamatórios. Alterações celulares características de vaginose bacteriana foram identificadas em 27,88% (n = 29) dos esfregaços inflamatórios, sendo que 34,48% (n = 10) das mulheres com vaginose relataram não ter corrimento vaginal com odor característico. A presença de Cândida sp.; Trichomonas vaginalis e Chlamydia trachomatis foi identificada em 1,92% (n = 2), 1,92% (n = 2) e 0,96% (n = 1) dos esfregaços inflamatórios, respectivamente.

As atipias celulares estiveram presentes em 15,38% (n = 16) dos esfregaços, dos quais 9,62% (n = 10) apresentaram células escamosas atípicas (ASC) e em 5,77% (n = 6) foram encontradas células sugestivas de lesões intraepiteliais escamosas (SIL). As mulheres com resultado de SIL demonstraram média de idade no início da atividade sexual de 15,5 anos, uma média de quatro parceiros sexuais ao longo da vida e 50% (n = 3) dos casos ocorreu em mulheres sem o exame preventivo. As idades das mulheres com LSIL variaram de 19 a 30 anos e naquelas com resultado de HSIL as idades foram de 35 e 50 anos (Tabela 2).

 

 

DISCUSSÃO

O Programa Luz na Amazônia agrega vários projetos de extensão da UFPA em atenção às comunidades ribeirinhas do Estado do Pará. A característica extensionista, especificamente para este estudo, foi realizar busca ativa de mulheres ribeirinhas que necessitavam conhecer a importância e realizar os exames de prevenção do CCU. Destaca-se que quase a metade das mulheres cadastradas nas comunidades atendidas realizou o exame preventivo e, destas, mais da metade nunca o havia realizado. Diferentes estudos realizados recentemente, um no Estado do Amazonas7 e outro no Estado do Pará8, ambos da Região Norte, demonstraram que a frequência de mulheres que realizaram o exame preventivo pela primeira vez foi de aproximadamente 25%, na demanda proveniente dos serviços de atenção primária à saúde destes estados. Considerando que o presente trabalho realizou busca ativa nas comunidades, era de se esperar, de fato, que a frequência de mulheres que realizam o exame pela primeira vez fosse maior que as encontradas nas demandas ambulatoriais.

Além da explanação geral para os moradores, também houve um momento particular com cada mulher ou casal (quando o homem estava presente) e, mesmo assim, algumas mulheres ainda demonstraram resistência ao exame, muitas vezes por vergonha. Neste momento, as ações de educação em saúde foram essenciais para demonstrar a necessidade da realização do exame. A educação de qualidade é um fator importante para o esclarecimento da população quanto aos seus direitos e deveres; no entanto, quase 75% das mulheres ribeirinhas deste estudo não eram alfabetizadas ou mal sabiam ler e escrever seus nomes, e dessas, a grande maioria nunca havia realizado o exame preventivo, o que pode ter dificultado no entendimento das explanações em grupo.

Alguns estudos têm chamado atenção para a associação da baixa escolaridade com as maiores prevalências e maiores taxas de mortalidade por CCU no Brasil9,10,11. A realidade do perfil educacional dessas comunidades parece ser bem diferente das existentes em outras regiões do país, principalmente das Regiões Sul e Sudeste. Em um estudo sobre educação em saúde para prevenção de CCU em mulheres do Município de Santo Ângelo, no Estado do Rio Grande do Sul, a maior parte das mulheres atendidas tinha ensino superior4. Zeferino11 acredita que, mesmo sendo uma ação que produza resultados em médio e longo prazo, a educação é uma das principais estratégias que precisa ser permanentemente utilizada para se reduzir as desigualdades sociais e, consequentemente, as taxas de mortalidade pelo CCU, mas que está nas mãos dos governantes.

Com relação à idade das mulheres ribeirinhas que fizeram o PCCU, apesar da média ter sido de 41,4 anos, mais elevada que a registrada em outros estudos4,12,13,14, as idades apresentaram desvio para a esquerda, caracterizando maior demanda de mulheres mais jovens. Sousa et al8 evidenciaram que mulheres paraenses acima de 60 anos de idade tiveram de duas a cinco vezes mais resultados de PCCU sugestivos de carcinoma epidermóide que mulheres de faixas etárias mais jovens. As mulheres mais jovens parecem demonstrar maior interesse pela realização dos exames preventivos, provavelmente pelas queixas ginecológicas, como os corrimentos, que podem estar relacionados com uma vaginose ou vaginite4. Neste estudo, a média de idade mais elevada pode decorrer do poder de convencimento do trabalho de educação em saúde, realizado conjuntamente e individualmente com as mulheres ribeirinhas. No entanto, de um modo geral, na população, mulheres com idades mais avançadas não são estimuladas a realizar o exame preventivo, o que precisa ser revisto pelos programas de prevenção do câncer, principalmente em locais com elevada taxa bruta de incidência do CCU3.

Outros fatores provenientes de características comportamentais podem influenciar no desenvolvimento das lesões no colo do útero. A iniciação sexual antes dos 18 anos de idade é considerada precoce porque a cérvice ainda não está completamente formada e os níveis hormonais estabilizados14. Outro fator de risco de grande relevância e de difícil verificação é a quantidade elevada de parceiros sexuais ao longo da vida. Além desses, têm sido também relatados como fatores de risco para o CCU a multiparidade, aborto, o tabagismo e o uso de contraceptivos orais e preservativos4,13.

Dentre os fatores de risco comportamentais presentes nas comunidades atendidas ressaltam-se a iniciação precoce da atividade sexual, principalmente entre as mulheres com SIL, e a multiparidade. Por outro lado, grande parte das mulheres relatou apenas um parceiro sexual na vida e mais de 70% delas tiveram no máximo dois parceiros. Além disso, a grande maioria das mulheres relatou  não fumar  (78,85%) e não fazer uso  de contraceptivos orais (77,88%) ou preservativos (90,38%). As comunidades ribeirinhas são, na maioria das vezes, distantes dos grandes centros urbanos, característica que as protege dos comportamentos de risco para infecções sexualmente transmissíveis, mais presentes nas zonas urbanas. No entanto, a carência de serviços de atenção à saúde próximos a essas comunidades não as estimula a realizarem exames preventivos. Um estudo feito com ribeirinhos no Estado do Amazonas chama atenção para que o atendimento destes cidadãos em unidades de saúde de centros urbanos seja diferenciado, devido à dificuldade de acesso pelo transporte fluvial15.

A história natural do CCU é lenta e, na maioria das vezes, é precedida pelo aparecimento de SIL que podem ser de baixo grau (LSIL) ou de alto grau (HSIL)16. As frequências das lesões escamosas intraepiteliais encontradas nas mulheres ribeirinhas deste estudo estão um pouco acima das encontradas por Rama et al13 e Sousa et al8, mas bem abaixo das relatadas por Duarte et al12 para outras comunidades ribeirinhas da mesma região. A característica de busca ativa desse trabalho pode causar um viés na seleção da amostra, mas pode estar demonstrando resultados que não são vistos nas unidades de atenção primária à saúde, pela ausência da mulher resistente à realização do exame.

Sobre a provável prevalência do CCU nas comunidades, o estudo de Sousa et al8 identificou que 0,1% dos exames citológicos, provenientes de mulheres atendidas em unidades de atenção primária à saúde de vários municípios paraenses, foi sugestivo de carcinoma invasor no colo do útero. Com base nesse estudo, para se determinar a prevalência de CCU em mulheres de comunidades ribeirinhas, dever-se-ia investigar aproximadamente mil mulheres. O objetivo do Programa Luz na Amazônia é desenvolver ações que auxiliem na melhoria das condições de vida das populações ribeirinhas paraenses. Geralmente, as comunidades menores e mais isoladas são as que mais necessitaram dessas ações e, para realizar trabalho de qualidade, aproximadamente 15 famílias são atendidas a cada viagem. Desta forma, o programa permanece de um a mais de dois semestres em uma mesma comunidade, dependendo do número de famílias cadastradas e da disponibilidade dos voluntários. Com a continuidade do programa, outras comunidades também serão atendidas, aumentando o tamanho amostral, pois ações de atenção à saúde da mulher ribeirinha são importantes para a redução da mortalidade por CCU nos municípios do interior do Estado do Pará, devido à frequência de comunidades com esse perfil na região.

 

CONCLUSÃO

Dentre os fatores de risco para CCU identificados nas mulheres das comunidades ribeirinhas atendidas pelo Programa Luz na Amazônia, destacaram-se a baixa escolaridade, a baixa cobertura do exame preventivo, o início precoce da atividade sexual e a multiparidade. Por outro lado, foi baixa a frequência de fumantes e usuárias de métodos contraceptivos. As prevalências de lesões intraepiteliais escamosas se mostraram acima das encontradas em populações urbanas do estado e abaixo das identificadas em outras comunidades ribeirinhas da mesma região. A média de idade das participantes da pesquisa foi mais elevada que a relatada em estudos prévios da região, provavelmente pela característica extensionista do trabalho.

 

SUPORTE FINANCEIRO

O suporte financeiro para a execução deste estudo foi proveniente dos autores, com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, disponibilizando bolsas de extensão universitária (PIBEX), e da SBB .

 

REFERÊNCIAS

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14 Bezerra SJS, Gonçalves PC, Franco ES, Pinheiro AKB. Perfil de mulheres portadoras de lesões cervicais por HPV quanto aos fatores de risco para câncer de colo uterino. J Bras Doenças Sex Transm. 2005;17(2):143-8. [Link]

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Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Maísa Silva de Sousa
Laboratório de Biologia Molecular e Celular,
Núcleo de Medicina Tropical,
Universidade Federal do Pará
Av. Generalíssimo Deodoro, 92.
Bairro: Umarizal
CEP: 66055-240
Belém-Pará-Brasil
Tel:. +55 (91) 3241-4681
E-mail: maisasousa@ufpa.br

Recebido em / Received / Recibido en: 22/12/2011
Aceito em / Accepted / Aceito en: 10/7/2012